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Da esquerda para a direita: Kostiantyn Omelia, Darya Donezz e Nadya Dzyak
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Da esquerda para a direita: Kostiantyn Omelia, Darya Donezz e Nadya Dzyak

Da esquerda para a direita: Kostiantyn Omelia, Darya Donezz e Nadya Dzyak

"Nunca me vou esquecer de quando, sentada no abrigo, sob bombardeamentos, me despedi da minha marca e dos meus sonhos"

Da Ucrânia para a ModaLisboa, três criadores contam ao Observador como têm resistido no contexto de um conflito que se prolonga há mais de 2 anos. Este domingo, apresentam no palco da moda portuguesa.

Darya Donezz já tinha sido forçada a recomeçar em 2014, quando a Rússia anexou a península da Crimeia. “De cada vez, construo algo novo nas ruínas do velho, usando a experiência e as pessoas com quem trabalho como fundação”, conta ao Observador. Em 2022, quando a Rússia invadiu a Ucrânia, a criadora de moda teve de deixar o seu país para trás. Escolheu Portugal para começar uma vida nova, embora carregue a sensação de estar a viver duas em paralelo. “Uma é verdadeira, aqui. A outra é online, com raras visitas a casa”, lamenta. “Tenho saudades de estar com os meus clientes no estúdio. Não tenho nenhum sítio onde possa receber pessoas, para mostrar e falar sobre as minhas roupas.”

Donezz é uma de 67 designers ucranianos apoiados pela iniciativa Support Ukrainian Fashion, lançada pela Semana da Moda ucraniana depois da invasão russa com o objetivo de capacitar criadores durante o conflito. As três últimas temporadas da moda ucraniana pisaram passerelles internacionais, na Europa e nos EUA, de Londres a Los Angeles, com um pezinho em Copenhaga. A 10 de março, pelas 15h, a iniciativa chega pela primeira vez à ModaLisboa, com as apresentações de Darya Donezz, Nadya Dzyak e Kostiantyn Omelia.

Em entrevistas separadas, via email, o Observador conversou com os três criadores de moda para conhecer os seus projetos e experiências, no contexto de uma invasão que se prolonga há mais de dois anos.

Darja Donezz procurou refúgio em Portugal e inspirou a sua nova coleção na costa portuguesa

Ser criador em tempos de guerra

Em novembro de 2021, Nadya Dzyak começou a produção daquela que seria a sua última coleção antes da invasão russa. “Tudo no ar estava permeado com um presságio de guerra, no qual não podíamos acreditar até ao fim. Mas eu já sentia algo”, recorda a criadora. Certo dia, em dezembro, apercebeu-se que estava a desenhar uma coleção totalmente em preto. “Olhei à minha volta e todos os meus detalhes favoritos — as pregas, os folhos, as texturas transparentes —, tudo aquilo com que adoro trabalhar, era preto.” Dzyak explica que sempre gostou de trabalhar com luz e cores. “Esta escuridão refletia o estado da minha alma.” O dia 24 de fevereiro de 2022 mudou tudo. “Foi o último dia em que vivemos noutra realidade, sem rockets ou bombardeamentos.” A guerra afastou-a da sua equipa, “uma família amigável” que procurou refúgio em vários pontos do mundo. “Tirou-nos tudo. Tirou-nos a oportunidade de criar.”

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Dantes, era possível voar para a Europa em 2 horas. Às vezes é difícil acreditar que isso acontecia. Agora apanho dois comboios e um avião, levo um dia e meio a chegar.
Nadya Dzyak

Prometeu continuar, para “combater a escuridão”. Quatro meses depois do início da guerra, ligou para os parceiros de produção que tinha em Kharkiv “com medo” de receber más notícias, mas teve uma boa surpresa. “Disseram-nos que estava tudo bem, embora a produção estivesse um pouco danificada. Disseram-nos: ‘Enviem tecido, vamos produzir tudo’. Isto não tem preço e confirma a nossa força e indomabilidade.” Atualmente, Dzyak está baseada em Viena de Áustria com o filho, mas visita “constantemente” a família, na Ucrânia, e o estúdio, na cidade de Dnipro, a menos de 200 quilómetros da frente de combate. “Dantes, era possível voar para a Europa em 2 horas. Às vezes é difícil acreditar que isso acontecia. Agora apanho dois comboios e um avião, levo um dia e meio a chegar.”

Kostiantyn Omelia mantém-se em Kiev. “No início da guerra, tudo pareceu chegar a um impasse”, recorda. “Mas, com o tempo, orquestrámos a relocalização de uma porção da produção para um porto mais seguro, reacendendo as engrenagens do trabalho.” A marca que fundou, Omelia, baseia-se no conceito do upcycling. Depois de uma “ressuscitação modesta das capacidades produtivas”, nas primeiras semanas de guerra, contactou concept stores e influencers europeus, adaptando o target da marca a novos mercados para manter o negócio vivo, embora enfrentando desafios que não podia ter previsto. “Apenas uma estação de correios perseverou na cidade, embora com tempos de envio prolongados”, explica. “Essa perseverança permitiu-nos continuar a trabalhar.”

Apenas uma estação de correios perseverou na cidade, embora com tempos de envio prolongados", explica. "Essa perseverança permitiu-nos continuar a trabalhar.
Kostiantyn Omelia

A partir de Portugal, também Darya Donezz mantém a marca com nome próprio a funcionar. “O sentimento de responsabilidade em relação à minha marca e à minha equipa não me permite desistir, mas faz-me pensar: ‘O que posso fazer para o meu barco sobreviver a uma tempestade?’.” Com uma nova coleção inspirada no mar e nas alforrecas da costa portuguesa, rejeita a ideia de se lamuriar sobre o que viveu. “Não tenho nada de que me queixar. Tenho uma equipa incrível e seguramo-nos uns aos outros. Estamos rodeados de beleza num mundo que está a desabar mais e mais.”

Nos primeiros dias depois da invasão, chegou a pensar em desistir. “Nunca me vou esquecer do momento em que, sentada no abrigo, sob bombardeamentos, me despedi, pela primeira vez na vida, da minha empresa, abandonei os meus sonhos e agradeci a Deus por ter tido a minha marca“, recorda. “Mas a vida tinha outros planos. Agora, eu e a minha equipa trabalhamos remotamente.”

Kostiantyn Omelia fundou a sua marca, Omelia, em 2020. Permanece em Kiev e agradece ao "único posto de correio" que, resistente, lhe permitiu seguir com o negócio

Upcycling, alforrecas e rendas

Inspirada pela “grandiosidade do oceano” da costa portuguesa, Donezz centrou-se na medusa como símbolo de harmonia e perfeição — mas sobretudo de imortalidade — para a coleção que vai apresentar na ModaLisboa. “Na praia, sem água, muitas alforrecas morrem, mas aquelas que esperam por uma nova onda estão prontas para viver com um vigor renovado”, explica. É uma metáfora da própria humanidade. “Nem todos conseguem avançar entre os espinhos.” O elemento central entra em The Symbol of Eternity of the New Era (“O Símbolo de Eternidade da Nova Era”, em tradução livre) em bordados, e é também neste formato que desfilam peixes e conchas, moda feminina e etérea, em tons de areia, branco e preto.

Nadya Dzyak virou-se para o legado da cultura Trypillia, deixada por povoações antigas da Ucrânia e da Moldávia que datam, na sua génese, a 5 mil a.C. “Os nossos ancestrais expressavam a sua visão do mundo através de uma tapeçaria rica de elementos visuais”, código marcado por círculos que simbolizam o sol. “Em tempos de adversidade, encontramos consolo na reconexão com os nossos significados sagrados e raízes.” Introduzindo a renda de Guipir pela primeira vez, a linha Eternal Circle (“Círculo Eterno”, em tradução livre) materializa-se em vestidos, macacões, luvas, plissados, bomber jackets volumosos, blazers ovesized e mangas abaloadas, bem como as texturas transparentes que fazem parte do ADN da marca.

O “coração fervoroso” da linha Eternal Heart da Omelia tem ao centro apliques florais e ganga reciclada. O conceito da marca fundada em 2020 por Konstiantyn Omelia firma-se no upcycling, contruindo-se principalmente a partir de camisas de ganga em segunda mão, decoradas com laços e renda italiana. “Quase todas as peças na nossa coleção são confecionadas a partir de camisas vintage ou restos de tecidos descobertos em lojas em segunda mão ou armazéns”, explica o criador. “Embora estas peças sejam muitas vezes ignoradas, marcam o princípio de algo belo e único, para mim.” Nos valores core da Omelia? “A aceitação e tolerância, combater as divisões baseadas na aparência, género, idade ou raça.”

Parece banal, mas é verdade: temos de viver aqui e agora, apreciar cada momento, porque o próximo pode não vir. 
Nadya Dzyak

Saudades da liberdade

De que sente mais falta quem vive esta guerra? “Do sentimento de segurança com que vivíamos antes, sem o apreciarmos, sem compreendermos o seu valor”, responde Dzyak. “Tomávamo-lo por garantido. Não sabíamos que podia desaparecer em algum momento. Não sabíamos que podíamos ser separados das pessoas que amamos, com quem vivíamos em ruas vizinhas.” Agora, lamenta, essas pessoas estão espalhadas pelo mundo.

Esta guerra fez-me pensar em simples verdades humanas. Parece banal, mas é verdade: temos de viver aqui e agora, apreciar cada momento, porque o próximo pode não vir. Não devemos ofender-nos com coisas pequenas, com nada. Temos de ligar aos nossos pais. Não podemos adiar os nossos sonhos. Percebi o quão valiosas são as relações humanas sinceras. — Nadya Dzyak

Omelia resume aquilo de que sente mais falta em poucas palavras: “Um sentimento palpável de liberdade.” Já Donezz lastima a perda de confiança no futuro. “A fé na humanidade, a justiça, o direito à vida”, continua. “E todos gostaríamos de parar de fazer perguntas sem resposta, como: ‘Quando chegará a paz?'”

Como explicariam ao mundo aquilo por que estão a passar? Dzyak responde descrevendo a brutalidade da guerra. “Todos os dias acordamos e agradecemos por estar vivos. A pior coisa é quando os mísseis atingem edifícios civis. Muitos civis estão a morrer.” Recorda um bombardeamento russo que atingiu o prédio onde uma das suas amigas tem uma empresa sediada, com vários funcionários. “Graças a Deus, não estavam lá naquele momento.”

Nadya Dzyak refugiou-se com o filho pequeno em Viena de Áustria

A solidariedade internacional — e um alerta para a Europa

Donezz sente sobre os ombros o peso da responsabilidade. “Não te veem tanto como artista, mas mais como alguém que quer ajustar-se ao contexto do país”, comenta sobre a oportunidade de apresentar noutros mercados, antes de assegurar: “Mas claro que me sinto grata pela oportunidade de apresentar.” Desafiando as circunstâncias, continuam a viver, trabalhar e criar, reflete Dzyak. “Apreciamos incrivelmente que outros países nos deem a oportunidade de apresentar um desfile, mostrar o nosso trabalho. A moda é agora a linguagem com que comunicamos com o mundo e expressamos a situação do nosso país.

Já Omelia diz-se “profundamente grato” e “cheio de orgulho” por testemunhar o seu trabalho a ser apreciado noutros destinos. “A nossa criatividade e compromisso irredutível com a qualidade ressoaram com os gostos sagazes da Europa e de outros mercados globais.”

Temos pessoas incrivelmente criativas no nosso país e seria fantástico se a Ucrânia não fosse conhecida apenas como um país em guerra.
Darja Donezz

Que mensagem gostariam de deixar ao mundo? O criador apela ao aumento das doações para a Ucrânia, “imperativas no caminho do triunfo”. Donezz não quer que o seu legado — e dos seus colegas — seja o de um país em conflito. “Temos pessoas incrivelmente criativas no nosso país e seria fantástico se a Ucrânia não fosse conhecida apenas como um país em guerra.”

Nadya Dzyak aproveita para reiterar o papel do seu país numa guerra com repercussões mundiais. “A Ucrânia está a lutar pelo mundo civilizado inteiro, pela vitória do bem sobre o mal. Lutamos pelos europeus, cobrindo-os como se nos tratássemos de um escudo humano“, lastima, insistindo na necessidade de assistência europeia, onde destaca a doação de armas e a aplicação de sanções à Rússia. E termina citando Ilya Samoilenko, soldado ucraniano resistente do Batalhão Azoz: “Para a nossa vitória conjunta, precisamos de apoio sem precedentes dos nossos aliados. No caso de perdermos, consequências catastróficas esperam a Europa, porque a Rússia não vai parar.”

Para continuar a acompanhar a Semana da Moda da Ucrânia, visite o site oficial, atualizado com os calendários, perfis de criadores e instruções para ajudar a financiar o projeto.

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