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A escolha possível é entre más notícias e muito más notícias. Primeiro, os factos: todos os dias de janeiro tiveram excesso de mortalidade, ou seja, morreram mais pessoas do que seria de esperar naquele que é, tradicionalmente, o mês do ano em que se registam mais óbitos em Portugal. As mortes por Covid-19 estão longe de explicar tudo: são 2.122 num total que passa os 10 mil (10.310) em pouco mais de duas semanas. E, pondo o coronavírus de parte, olhando apenas para as mortes não relacionadas com o SARS-CoV-2, em 8 dos 18 primeiros dias de janeiro o número de óbitos bateu os máximos existentes em mais de uma década, desde, pelo menos, 2009 para cá.
Factos de lado, e olhando para as previsões, tanto das mortes da pandemia como para a progressão natural da taxa de mortalidade, este janeiro arrisca-se a ser o mês com mais mortos desde 1980, o registo mais antigo disponível para consulta no Instituto Nacional de Estatística (com dados mensais).
Sobre as mortes da pandemia, o epidemiologista Manuel Carmo Gomes voltou esta segunda-feira a atualizar as suas previsões: assistiremos a 200 óbitos por dia a 24 de janeiro, dia de eleições presidenciais, mas o pico deverá ser de 220 vítimas mortais por 24 horas. As suas previsões pecaram por otimistas e, logo no dia seguinte, esta terça-feira, Portugal chegou às 218 mortes. A estas vítimas da pandemia terão de se acrescentar a outras — uma média de 313 diárias, segundo os dados do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO).
Dificilmente haverá, daqui para a frente, um dia de janeiro com menos de 500 mortes por dia, valor muito acima da média de mortes diárias em janeiro (380 óbitos) entre 2009 e 2020.
“Já passámos a linha vermelha.” Bastonário dos Médicos pede confinamento geral e testes rápidos
Desde 30 de outubro que as mortes estão acima do esperado
Todos os dias de janeiro tiveram excesso de mortalidade
O excesso de mortalidade não começa em janeiro, mas é neste mês que se agrava. Desde 30 de outubro, há 81 dias consecutivos, que o total de mortes registadas no país está acima daquele que é esperado, um valor calculado segundo fórmulas matemáticas. Essa linha de base, como se chama, vai variando ao longo do ano e é em janeiro que atinge o seu pico, já que este é o mês em que se regista sempre o maior número de mortos em Portugal.
No SICO é possível olhar para esse valores retrocedendo, no máximo, dois anos. Em 730 dias com dados disponíveis, há 200 em que a morte pesou mais do que se esperava. Desses, 40 dias são de 2019, concentrados em janeiro e fevereiro. Outros 18 representam todos os dias de janeiro de 2021. E saltam à vista 141 dias do ano que há pouco terminou e que viu chegar em março a pandemia a Portugal. Em 202o, só em junho e agosto não houve registo de dias com óbitos para além do esperado.
Se há 81 dias que a morte toca números máximos, o mesmo acontece, num período de tempo mais pequeno, quando se tira da equação as mortes por Covid. Desde 27 de dezembro que as mortes não relacionadas com o SARS-CoV-2 são suficientes para se ultrapassar a linha de base e atingir o excesso de mortalidade. Aliás, na linha cronológica anterior, a que começa a 30 de outubro, só em 10 dias as mortes não Covid não ultrapassaram, por si só, aquilo que seria esperado. No final, em 38,6% dos dias de 2020 morreram mais pessoas do que o expectável.
A situação é ainda mais grave se tivermos em conta que, na primeira semana de janeiro, a taxa de incidência de síndrome gripal foi de 0,0 por 100 mil habitantes. Ou seja, um dos fatores que, tradicionalmente, mais faz aumentar a mortalidade no primeiro mês do ano simplesmente não existiu, até agora, em 2021. Esta situação é normal face à pandemia, já que, na presença de dois agentes infecciosos, o mais forte — o SARS-CoV-2, neste caso — prevalece. O da influenza fica, assim, sem expressão.
Estes números ilustram um alerta constante de muitos especialistas, como o bastonário da Ordem dos Médicos: ao dar prioridade aos doentes Covid, e com a pressão sobre o Sistema Nacional de Saúde a agravar-se, há outros doentes que não estão a ser tratados atempadamente. “Já ultrapassámos a capacidade do SNS. Estar a transformar mais camas em camas Covid é estar a condenar outros doentes até, eventualmente, à morte”, disse ao Observador Miguel Guimarães no dia em que Portugal passou, pela primeira vez, os 10 mil novos casos diários — algo que já aconteceu por oito vezes.
Desde então, a situação da pandemia tem piorado, mesmo com o confinamento geral decretado pelo Governo. A 18 de janeiro, Portugal tornou-se o país do mundo com a média mais alta de novos casos de Covid-19 por milhão de habitantes. Na véspera, estava em segundo lugar.
Olhando só para janeiro de 2021, todos os primeiros 18 dias do ano registam excesso de mortalidade. Para além disso, a soma de mortes vai em 10.310, o que equivale a uma média de 572 mortes por dia. Comparando com os dados disponíveis no SICO — e que começam há 12 anos, em 2009 —, este valor já supera, em muito, o de outros anos.
Na última década, os meses de janeiro que atingiram máximos de mortes foram 2015 (13.543 óbitos) e 2017 (13.497). Em qualquer dos casos, nos primeiros 18 dias do mês, a marca era inferior à atual: a 18 de janeiro de 2015 o país somava 7.933 mortes. Em 2017, no mesmo período, havia 8.024 vítimas a lamentar — valores muito abaixo das quase 10 mil mortes atuais. As médias mensais para esses anos, e considerando apenas os primeiros 18 dias, eram de 440 e 445 óbitos, respetivamente.
Se a média deste janeiro não abrandar, mantendo-se as 572 mortes diárias, o país chegará a um total de 17.756 óbitos mensais, valor nunca registado desde 1980 para cá. Ao longo desses quarenta anos, o valor mais alto atingido num mês de janeiro foi em 1999, quando se chegou às 14.709 mortes no espaço de um mês.
Por 9 vezes, as mortes diárias ficaram acima das 600
Em cinco dias, houve mais de 100 mortes entre os 34-69 anos
Desde 1980 para cá, a média de mortes diárias em janeiro é de 358, segundo dados do INE. Este ano, por nove vezes, foram registados mais de 600 óbitos em 24 horas. Todas essas marcas foram atingidas a partir de 10 de janeiro, consecutivamente, até 18 de janeiro — o último dia da análise do Observador.
Nessas datas, as vítimas mortais do coronavírus foram sempre mais do que 100 e, em seis deles, atingiram-se os valores mais elevados de óbitos desde o início da pandemia. O valor mais elevado é, por agora, o de 19 da janeiro: 218 mortes em 24 horas. Mas Carmo Gomes avisa que os números vão continuar a subir nos próximos dias, devendo alcançar as 220 mortes diárias.
Se existem dados detalhados por mês desde 1980, os dados diários só começam em 2009. E, no que toca a mortes prematuras, ou seja, abaixo dos 70 anos de idade, começam em 2014. Olhando para estes, pode-se retirar uma outra conclusão: também as mortes da faixa etária dos 34 aos 69 anos têm atingido picos históricos. A 8 de janeiro e, depois, entre 11 e 14 de janeiro, estes óbitos ultrapassaram as 100 vítimas diárias. Respetivamente, contaram-se 104, 109, 106, 103 e 107 mortes.
Nos dados disponíveis para análise, isso apenas aconteceu em 2017 nos dias 2 e 4 de janeiro (ambos com 104 óbitos entre os 34 e os 69 anos) e a 18 de junho (101) do mesmo ano.
Se as mortes estão altas quando se olha para os óbitos prematuros, estão também acima do esperado quando se olha para as pessoas mais idosas. Desde 30 de novembro que há excesso de mortalidade na faixa etária acima dos 85 anos e, quando acima dos 75 anos, o fenómeno acontece desde 30 de outubro, a mesma data em que verifica situação idêntica para os maiores de 65 anos.
Para as mortes prematuras, abaixo dos 70 anos, têm-se atingido excesso de mortalidade todos os dias desde 28 dezembro.
Gripe, frio e ondas de calor são os motores do excesso de mortalidade
Piores dias foram em janeiro, julho e agosto
Pondo de lado janeiro de 2021, e com dados disponíveis desde 2009, os 10 dias com mais mortes em Portugal são quase todos registados em janeiro.
Antes de passarmos a marca das 600 mortes diárias, o dia com mais óbitos em Portugal era 2 de janeiro de 2017. Nessa data morreram 578 pessoas e o excesso de mortalidade foi atribuído pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) à forte época de gripe sazonal. Nesse inverno de 2016/17, o vírus da influenza dominante foi do subtipo A(H3), associado a uma maior mortalidade entre os idosos.
Covid-19. Mais de dois milhões de óbitos e quase 94 milhões de casos no mundo
As três marcas seguintes são registadas no verão: 8 de julho de 2013 (498 mortes) e 5 e 6 de agosto de 2018 (508 e 495 óbitos). Nos três casos, o motivo foi o mesmo: uma onda de calor intenso que, em 2013, fez quase 1.700 mortos em Portugal. Em 2018, o pico de mortalidade ocorreu no dia seguinte à subida máxima de temperatura, altura em que o país bateu recordes de 18 anos com os valores médios da temperatura máxima a chegarem aos 41,6 graus.
Os restantes seis dias que alcançaram máximos de mortalidade são todos em janeiro, em diferentes anos: 4 janeiro de 2017 (501), 13 janeiro 2015 (498), 5 janeiro 2017 (493), 14 janeiro 2019 (483), 20 janeiro 2015 (486) e 24 janeiro 2017 (485). Todos estes invernos tiveram algo em comum: o vírus da gripe em circulação era do subtipo A(H3).