O militante número dois e antigo vice-presidente do Chega volta a fazer várias críticas a André Ventura, que acusa de o ter tentado forçar a assinar um comunicado com o qual não concordava. Em entrevista ao programa Vichyssoise, da Rádio Observador, Nuno Afonso diz que para ponderar um dia ser candidato à liderança era necessário que houvesse uma oposição organizada, que “ainda não existe”. O “ainda” sugere que acredita que pode um dia vir a surgir um movimento forte de oposição a Ventura. Para já, não lhe “passa pela cabeça”.
Sobre a sua sucessiva perda de influência no partido, Nuno Afonso diz que, no Chega, como em todas as organizações, “quando há demasiada mediocridade tenta-se afastar as pessoas que são boas”. Olhando para a disputa interna no PSD, onde militou, deixa elogios a Luís Montenegro e a Jorge Moreira da Silva, apontando ao primeiro mais capacidade de oposição e ao segundo mais capacidade técnica. Diz ainda que nos três anos de vida do Chega, “o que não falta no partido são as conversas de corredores, pressões e pequenas perseguições internas.”
[Ouça aqui o episódio desta semana da Vichyssoise:]
Foi despromovido de vice-presidente para vogal da direção, ficou fora das listas de deputados, que seria natural integrar, mas mesmo assim aceitou continuar a ser chefe de gabinete. Isto não pode ser entendido como alguém que, em linguagem do Chega ou nas redes sociais do Chega, quis ficar “agarrado ao tacho”?
Entendo a pergunta, mas já deixei bem claro que não. Não vivo da política, estou na política com o intuito de servir. Quando criámos este partido em 2018 a nossa ideia foi criar um partido que portugueses comuns, as pessoas que trabalham, que perdem um dia inteiro em transportes públicos e estão pouco tempo da família, que deixam mais de metade dos seus ordenados em impostos [se revissem]. Queria de facto servir e foi por isso que aceitei tudo aquilo que foi acontecendo nesta última fase como chefe de gabinete, porque houve conversas privadas com André Ventura, que não revelarei, mas havia outras intenções para o futuro e havia uma vontade muito grande de ajudar o partido, tal como tinha feito em 2019 como chefe de gabinete.
O Chega chegou a propor uma redução de 12,5% na redução do salário dos políticos. Mas disse na SIC Notícias que ganhava 4.500 euros brutos. Mais do que muitos deputados. Isto não acaba por ser uma incongruência, um partido que defende que alguns cargos políticos sejam reduzidos e o pessoal técnico ou assessores que lhes dão apoio terem vencimentos deste valor?
É verdade a questão dos 12,5%, mas também é verdade que já foi dito pelo presidente do partido que queria que os ordenados passassem os 1800 euros. Não acho que seja uma incongruência, sobretudo não é da minha parte porque não sou favorável a essa questão de baixar os ordenados aos políticos. Acho que precisamos de políticos com qualidade e precisamos muitas vezes de ir buscar pessoas à sociedade civil que sejam entendidas em determinadas áreas e se estão a trabalhar num determinado local e a receber um determinado valor não vão deixar de receber isso para ir prestar esse serviço. Não concordo que se baixe dessa forma os ordenados dos políticos. Há muitas outras formas de poupar na política, como por exemplo com as subvenções. Com os salários dos políticos não me parece. As pessoas quando têm qualidade, e não me estou a referir a mim, têm de ser bem pagas.
Voltando à sua saída de chefe de gabinete, disse na mesma entrevista que não permite que possam restringir as suas liberdades nem de ser intimidado, nem ser ameaçado. Quem é que o intimidou ou quem é que o ameaçou? Foi André Ventura, foram os deputados com quem trabalhava?
Não falei com nenhum dos deputados sobre esta situação, as minhas conversas foram sempre com o André Ventura e, não revelando conversas privadas, o que eu disse e deixei claro foi que me foi pedido para fazer um documento que eu achei que não devia fazer porque isso seria restringir as minhas liberdades.
A relação com André Ventura tinha vindo a degradar-se nos últimos meses, mas qual foi a gota de água que levou a este levantamento?
A gota de água foi a minha não aceitação de fazer esse tal comunicado, mas houve várias coisas. Fiquei muito magoado com a questão de não ter sido incluído na lista de deputados e não fique magoado por não ter sido deputado, fiquei magoado pelo desrespeito que houve para com a minha pessoa. Ser deputado não era nada que tivesse como obsessivo, quero estar onde possa ajudar o país, onde for útil e onde acharem que sou útil.
Vamos voltar atrás. Esta exoneração surge depois do Conselho Nacional do Chega em que foi o único membro da direção a abster-se na proposta apresentada por André Ventura para adiar as eleições internas por um período que pode ir até um ano. Depois disso houve um pedido de impugnação por parte de alguns conselheiros. Considera que alguma destas situações pode ter levado à decisão de André Ventura?
Tenho quase a certeza que sim, uma das coisas que espoletou foi precisamente ter havido essa impugnação e o facto de ter sido a única pessoa da direção não votou a favor. Isso fez com que, segundo o André Ventura me disse, que muitos dos deputados e das pessoas próximas dele achassem que eu estava por detrás dessa impugnação. Eu expliquei que não estava, fui claro e dei uma entrevista dizendo que não sabia sequer o conteúdo do documento e não sei.
Mas nessa entrevista elogiou a pessoa que estava por detrás dessa impugnação. Isso não deu ainda mais razões à direção para desconfiarem de si?
Sim, é possível que sim, mas não vou mudar a maneira como sou. A pessoa que fez a impugnação — não sei se houve mais, acho que houve mais —, é uma pessoa que eu e o André Ventura conhecemos desde o início do partido, se gosto dela não vou dizer que não gosto só porque ela fez uma impugnação de um ato, foi um ato legítimo.
Quem mudou foi André Ventura relativamente à análise que fazia das pessoas porque terá outras influências?
Isso é uma questão que ele tem de responder.
Daquilo que é a sua análise nota algumas alterações nele?
Não sei.
Eram amigos, eram quase unha com carne, formaram o Chega, já estavam juntos no PSD, o que é que se passou?
Foi todo um aglomerar de muitas situações, um partido político é uma estrutura muito pesada e há muita gente a influenciar e a tentar influenciar. Nem tenho o André Ventura como uma pessoa muito influenciável, mas a verdade é que com muita pressão… e sei perfeitamente que havia muita gente que dizia que o Nuno Afonso diz isto, aquilo, que está por detrás disto ou aquilo. No Congresso de Viseu sei que andaram a espalhar que era eu que estava a falar uma segunda lista de conselheiros nacionais. Na verdade, e até comentei isto com o André Ventura, nem conhecia a pessoa que fez a lista.
Só para esclarecer esta questão: falou em ameaças, pressões, acho que fez questão de dizer que nunca foram ameaças físicas, quem é que fez essas ameaças, foi o próprio presidente do partido?
Pensei que tinha ficado claro. A ameaça foi que se não fizesse o tal documento e não mostrasse que estava incondicionalmente com a direção nacional que o desfecho seria aquele que aconteceu. Uma coisa que acho estranho é que Cristina Rodrigues, que foi contratada para o gabinete parlamentar do partido, e a justificação foi que ela ia fazer um trabalho muito técnico, não havia nenhum trabalho político da parte dela e, portanto, não havia nenhum problema por ela ser assessora. Eu, por outro lado, sou militante número dois do partido, estou na génese do partido, na sua construção e constituição e por não concordar com uma coisa específica e por não dizer que estou assumidamente e incondicionalmente com a direção já não posso estar numa função que técnica. A função de chefe de gabinete não é política. Há uma incongruência que não percebi e continuo sem perceber.
Mas isso leva-o a achar que, no fundo, o seu afastamento só surge por causa de conversas de corredor dentro do próprio partido?
O que não falta no partido são as conversas de corredores, esse tipo de pressões e de pequenas perseguições internas. Infelizmente o partido tem vivido assim os três anos da sua existência. Uma vez é com uns, esses acabam por se afastar e começa tudo com outros. Sim, acho que o meu afastamento e os afastamentos que tem havido têm muito a ver com tricas e com esses tipos de coisas, sim.
Há pouco falava que às vezes havia rumores sobre si, por que é que isso acontecia? Havia alguma rivalidade?
Tenho uma opinião, mas seria presunçoso. Mas posso dar um exemplo: houve uma peça do Observador sobre umas fotografias que havia nos gabinetes e muita gente dizia que tinha sido eu. Por acaso, a câmara do meu telemóvel está partida há meses e ainda não a arranjei. Aí estou safo e o André Ventura disse-me que sabia que não tinha sido eu. Mas a verdade é que se andava a espalhar esse rumor e eu tive a iniciativa de dar uma entrevista, mas não queria falar. O que ficou combinado e o que pedi ao André Ventura foi para ser ele a fazer a exoneração e não eu para que ele enquanto presidente pudesse explicar o porquê da decisão que tomou. Como ele optou por não o fazer e, sobretudo, porque começou a haver muita especulação, achei que tinha de dar uma entrevista porque já diziam coisas inacreditáveis.
Disse que tinha uma análise sobre isso, mas que seria presunçoso partilhar. Não nos quer dar umas luzes?
Em qualquer organização, seja um partido político ou uma empresa, quando há demasiada mediocridade tenta-se afastar as pessoas que são boas, e não é que ache que seja bom ou melhor do que os outros, e nem acho que por ser o militante número dois ou por ser fundador mereça mais do que qualquer outra pessoas que chegou o mês passado ou há dois meses, acho que o que interessa aqui é a qualidade e acho que pode passar por aí. Há pessoas que estão agora em vias de serem expulsas ou suspensas que têm muita qualidade e que pensam pela sua própria cabeça.
André Ventura é um eucalipto, não gosta que apareçam segundas figuras com destaque mediático além dele?
Se gosta ou não, não sei. Isso têm de analisar ou têm de lhe perguntar a ele.
Conhece-o há tantos anos, está há três anos no partido com ele.
Gosto de fazer política de uma forma séria e com o intuito de trazer algum aporte positivo. Não pessoalizo nem fulanizo essas questões mais pessoais e prefiro não comentar.
Não é novo que haja divergências entre militantes, no último congresso, por exemplo, havia várias moções que falavam precisamente de falta de democracia interna, até pela forma como se escolhiam os representantes locais. Concorda com as acusações de falta de democracia interna no Chega?
Às vezes há uma tentativa muito grande de pessoas tentarem controlar partes do partido e quando há ingerência da direção ou deputados em distritais isso acaba por ser negativo porque passa uma ideia de injustiça. O que acho que devia acontecer num partido político é que as próprias distritais sejam orgânicas o suficiente para se promoverem e aparecerem nomes e não deve haver uma influência. Acho que ser líder é isso, as pessoas têm de seguir o líder por acreditarem nele e reconhecerem valor, por terem confiança, e não porque o líder lhes pode dar qualquer coisa ou retirar.
Acredita que também pode acabar da mesma forma, suspenso ou até expulso do partido por se expressar? Por muito menos outros foram expulsos ou suspensos.
É verdade, já vi uma senhora suspensa por apelar ao voto em nenhum partido no dia de reflexão. Portanto, não sei. É possível, não sei. Mas, sinceramente, também não estou muito preocupado com isso, estou na política sem grandes interesses financeiros e enquanto acharem que sou necessário e que posso fazer a diferença.
Já falou da visão daquilo que acha que deve ser o líder de um partido e com essas críticas também à forma como o partido tem estado a ser gerido. Se as coisas continuarem a seguir este caminho, esta é uma motivação, para ser candidato à liderança do Chega?
Não é que isto seja uma motivação…
Aí ser fundador e militante número dois do partido dá-lhe algum lastro adicional.
Espero que o lastro que possa haver para as pessoas gostarem de mim ou simpatizarem comigo ou quererem que seja representante de qualquer coisa não seja só por ser o número dois do Chega. Acho que isso seria muito redutor. Mas a verdade é que há oposição, sem dúvida nenhuma, mas é uma coisa muito inorgânica, não há nada planeado, estruturado. Nem eu, nem ninguém consegue ser líder de algo que ainda não existe, nem sequer me passa pela cabeça…
Mas não pode começar a estruturar essa oposição?
Posso começar a estruturar uma oposição como posso seguir outro caminho qualquer, não sei, neste momento está tudo em aberto.
Nesse caminho, o partido adiou também as eleições internas e Nuno Afonso chegou também a mostrar interesse em candidatar-se à distrital de Lisboa. O adiamento das eleições internas foi uma forma da direção travar essa hipótese?
Percebo a pergunta e é possível que sim, se foi ou não só a direção é que pode dizer, mas é possível que sim, a análise depois é feita por quem está por fora.
E daqui a um ano, existindo essas eleições, está na corrida?
Não sei, sinceramente não sei. Um ano é muito tempo. Fiquei desempregado na semana passada, portanto agora vou tentar organizar a minha vida, aproveitar.
Mas já disse aqui que não vivia da política portanto não terá grande dificuldade…
A dificuldade não sei, depende do mercado de trabalho.
Nunca colocou de parte a possibilidade de poder vir a sair do Chega, chegou a dizer que depois das eleições legislativas que avaliaria o que iria fazer, nessa altura acabou por decidir continuar a ser chefe de gabinete, avalia uma possibilidade de regressar ao PSD, onde esteve e onde até foi conselheiro nacional?
Não se deve andar a saltar de um lado para o outro assim por qualquer motivação. Se acharem que sou importante em algum lado, analisarei, mas neste momento também não tenho isso em perspetiva.
E se hoje ainda estivesse no PSD, preferia votar em Luís Montenegro ou Jorge Moreira da Silva?
Isso…
Não diga que não se vai imiscuir na vida interna de outros partidos porque não está a falar como dirigente do Chega. Na sua opinião, se estivesse no PSD, qual dos dois é que lhe parece ir mais ao encontro das suas ideias?
Tenho admiração pelos dois, são duas pessoas diferentes. O Jorge Moreira da Silva é muito bom tecnicamente e passa uma imagem de pessoa credível. O Luís Montenegro parece-me mais agressivo politicamente, se calhar mais forte para fazer oposição. São duas personalidades, tenho amigos dos dois lados e dos dois lados me dizem que vão ganhar sem dúvida nenhuma. Não sei nem para que lado vai pender, nem em quem votaria.
Voltando aqui à questão de fazer parte, pelo menos ainda, do Chega, qual dos dois é que poderia beneficiar ou favorecer o crescimento do Chega?
Joaquim Miranda Sarmento disse que já se está a falar demais de Chega e a centrar a conversa da disputa interna do PSD no Chega era contraproducente e concordo com ele. Acho que o PSD se devia concentrar em si próprio e que o líder, ganhe quem ganhar, tem de conseguir fazer uma boa ligação entre a sua liderança e o grupo parlamentar, porque perder o grupo parlamentar seria fatal, como foi para o CDS e para Francisco Rodrigues dos Santos. Acho que se têm de concentrar nisso e fazer a oposição que o PSD não fez nos últimos anos porque Rui Rio inerte em termos de oposição.
Mudando um pouco de assunto: tem algum familiar no Chega?
Que eu saiba, não.
As ligações familiares que se conheceram esta semana são uma mancha para um partido que critica tanto o nepotismo?
Algumas são uma mancha, outras acho que são perfeitamente entendíveis à luz do que é um partido novo. Quando construímos um partido novo e temos dificuldade em ir a algumas eleições, sobretudo nas autárquicas que eram milhares de candidatos, é normal que às vezes seja necessário recorrer a famílias. Enquanto coordenador autárquico pedi sempre que se tivessem de meter alguém da família que não pusessem na mesma lista, que pusessem numa lista vizinha de uma freguesia ao lado, mas nem sempre é possível, mas que mancham um pouco o partido, mancham. Essa situação e outras.
Apesar desse pedido que disse que acabou de fazer, estamos a falar de listas que tinham irmãos, cunhadas, filhos, maridos. Como é que o Chega consegue evitar casos de nepotismo dentro do partido quando o combate ao nepotismo é uma das bandeiras do partido?
A estratégia passará sempre pelo crescimento do partido. Um partido que, se começar a crescer, terá sempre mais pessoas. Tivemos um resultado muito bom nas autárquicas e, bem sustentado, isso daria um crescimento do partido nas próximas eleições. E isso, sim, faria com que houvesse mais pessoas. A própria normalização do partido também faria com que as pessoas deixassem de ter receio de dar a cara pelo partido. Tive casos de candidatos a autarcas que tiveram problemas até nos seus locais de trabalho e as pessoas ainda têm algum receio de se assumir do partido. Isso, com o tempo, é capaz de desanuviar.
Voltando ao PSD, acha que o Chega no futuro deve integrar um Governo do PSD?
No futuro e após eleições tudo é possível, como aconteceu nos Açores. O que não se deve fazer é antes das eleições andar a tentar fazer arranjos e imiscuir-nos. Cada partido tem as suas ideias, as suas ideologias. E devemos lutar por aquilo em que acreditamos e é isso que devemos apresentar ao povo. Cada um as suas: o PSD apresenta as suas, a IL, nós, o CDS. Depois isso vai tudo a votação. A partir daí, resultando o que resultar, logo se verá.
Também houve muitas críticas à esquerda quando se entendeu só depois das eleições em 2015.
Temos de ser claro para as pessoas. É importante dizer que, se houver uma maioria de direita, falar-se-á entre todos. É importante que as pessoas saibam isso e que isso está em cima da mesa. Fazer isso às escondidas também não me parece bem. Eu não sei se fui crítico na altura ou não, mas não acho bem alguém votar no PS ou no BE e depois ter uma geringonça como teve sem ter sido tido nem achado sobre isso.
Mas está criticar o facto de André Ventura ter enviado aquela carta a aberta tanto a Luís Montenegro, como a Moreira da Silva e à IL?
Eu não o faria. Não é altura para isso.
Passamos agora para a fase do Carne ou Peixe, em que tem de escolher uma de duas opções.
Com quem preferia dar um passeio de tuk tuk em Sintra: Luís Montenegro ou Jorge Moreira da Silva?
Não gosto de andar de tuk tuk. Levava os dois.
Com quem preferia partilhar um travesseiro de Sintra: Diogo Pacheco Amorim ou Mithá Ribeiro?
Também partilhava pelos dois, tenho apreço por ambos. Para controlar o açúcar do Diogo, levava o Gabriel.
Quem levava para fazer um treino consigo no ginásio: Pedro Nuno Santos ou Fernando Medina?
O Pedro Nuno Santos parece-me mais forte, ajudava-me melhor a aguentar os pesos.
Quem convidava para ir ver um jogo ao Estádio da Luz: Paulo Portas ou Luís Marques Mendes?
Luís Marques Mendes por ser do Benfica.