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O Bloco quer, mas será que Pode?

O Podemos está a capitalizar os votos do descontentamento em Espanha e nas últimas sondagens aparece à frente do partido socialista e do PP. Tudo o que o Bloco queria mas não está a conseguir. Porquê?

“O Bloco de Esquerda surgiu para resolver um problema do século XX, não do século XXI”, e por isso não consegue ser uma força mobilizadora de esquerda como o recém-nascido Podemos está a ser em Espanha. A ideia foi defendida pelo socialista António Vitorino durante um debate sobre o sistema político, este mês, e deixa a dúvida no ar: por que é que o Bloco de Esquerda não consegue ser, em termos de expressividade eleitoral, nem metade daquilo que aparenta ser o Podemos em Espanha?

António Vitorino explica ao Observador que “o Bloco de Esquerda surgiu em 1999 para resolver uma querela histórica da extrema-esquerda do século XX, entre maoistas, trotskistas e marxistas, e não se adequa aos problemas da esquerda de agora”. A ideia é clara, ainda que não seja consensual. Apesar de o objetivo eleitoral ser tornar-se o partido dos descontentes contra o sistema de alternância PS/PSD no governo, o Bloco de Esquerda está em queda eleitoral desde 2011, altura em que perdeu metade da bancada no Parlamento. Mesmo durante os três anos de troika em Portugal não conseguiu ser o representante político dos indignados. Um Podemos português.

Os dirigentes bloquistas com quem o Observador falou afastam a comparação com o Podemos, segurando a bandeira de que as duas realidades não são “transponíveis de um país para o outro”. Não sendo o Bloco, há ainda quem acredite que essa força política pode vir a surgir em Portugal. O sociólogo Boaventura Sousa Santos defende mesmo, numa crónica escrita na revista Visão, que “é possível que surja um Podemos em Portugal” porque é um “bem necessário, dado o vazio”. Seria algo como um “Podemos.pt”, diz.

Mas Portugal parece ser, nesse campo, uma exceção à regra. Um pouco por todo o sul da Europa têm surgido, pelo menos nos últimos anos de crise das dívidas soberanas, movimentos orgânicos ou inorgânicos que dão um salto de gigante para a cena política como a voz anti-sistema político tradicional. Quer seja na ponta esquerda da política, quer seja na ponta direita. É o caso do Syriza, na Grécia, que desde 2012 deixou a aliança de esquerda radical a que pertencia para se afirmar como partido, roubando o palco aos socialistas. Ou do Movimento 5 Estrelas, em Itália, que sob a figura de um comediante conquistou votos com o seu discurso baseado no poder do povo e na democracia direta. Ou ainda da Frente Nacional, em França, ou do UKIP, no Reino Unido, que condensam um discurso conservador radical que também roubou votos à direita tradicional e aos socialistas do centro.

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Pablo Iglesias, do Podemos, e Alexis Tsipras, do Syriza, juntaram-se na Assembleia cidadã do partido espanhol

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E depois há o Podemos, na vizinha Espanha, que, adotando ironicamente o slogan de Barack Obama ‘Yes we can’ (Sim, nós podemos), “provocou um sismo sem precedentes na política espanhola”, como descreveu o El País quando revelou a última sondagem, que punha o partido de Pablo Iglesias, com apenas oito meses de vida, à frente de todos os outros, mais velhos e consolidados.

Em Portugal, o Bloco de Esquerda perdeu mesmo dois deputados nas últimas eleições europeias, e o mais próximo que houve de “terramoto político” foram os votos roubados pelo MPT encabeçado por Marinho Pinto ao PS e ao PSD. Mas, mesmo assim, o abalo não teria chegado a 5.0 na escala de Ritcher.

O Podemos provocou um "sismo sem precedentes" na política espanhola quando apareceu com 27,7% da intenção de voto nas sondagens, à frente do PP e do PSOE.

Mas o paralelismo é inevitável, mais não seja pela clara aproximação entre ambos os movimentos que o próprio Bloco procura cimentar. No último sábado, a líder bloquista Catarina Martins e a eurodeputada Marisa Matias estiveram na assembleia cidadã do Podemos, em Madrid, e esta sexta-feira o líder espanhol Pablo Iglesias estará em Lisboa a dar o seu contributo numa sessão internacional organizada pelo BE para dar início aos trabalhos pré-convenção.

O esgotamento das causas e o fator PCP

À semelhança do defendido por António Vitorino, também o politólogo António Costa Pinto acredita que houve uma falta de “renovação” no Bloco de Esquerda, que impediu o partido de conquistar eleitores nos últimos anos. “O Bloco tem hoje um espaço relativamente consolidado mas não cresce”, afirma o politólogo ao Observador, fazendo um parêntesis para lembrar que o mesmo acontece com o CDS, que “nunca mudou muito porque nunca houve nenhuma movimentação forte à direita”.

Na origem pode estar, na sua opinião, o facto de as bandeiras iniciais do Bloco se terem “esgotado”. “As primeiras causas que fizeram o Bloco irromper na sociedade esgotaram-se, o PS esgotou-as, e agora tem de arranjar outras”, defende Costa Pinto, referindo-se aos temas fraturantes do aborto ou do casamento homossexual que se começam a esgotar por já terem sido postos em cima da mesa.

“As primeiras causas que fizeram o Bloco irromper na sociedade - como o aborto e o casamento gay - esgotaram-se"
António Costa Pinto, politólogo

Mas também se deve, em parte, ao PCP, acrescenta. É que o PCP é o partido comunista com maior percentagem de eleitorado fixo da Europa e, nessa lógica, não permite que sobrem tantos votos para distribuir pela esquerda. “A existência de um PCP que junta 8 ou 10% dos votos que podiam ir para o Bloco de Esquerda” é determinante para Costa Pinto. Já Miguel Portas, um dos fundadores do Bloco, falecido em 2012, dizia que o BE “nunca conseguiu fixar um eleitorado próprio” e, segundo o politólogo, esse problema mantém-se ainda hoje.

“O Bloco ficou reduzido ao seu eleitorado fixo, que serão cerca de 4%, e não conseguiu roubar votos nem ao PS nem ao PCP, crescendo apenas com base em segmentos pequenos que muitas vezes já votaram no PS e no PCP e que podem voltar facilmente a eles”, diz.

“O Podemos é um caso interessante porque está ligado ao facto de o PSOE não conseguir capitalizar o descontentamento e porque tem a vantagem eleitoral de não ter um PCP forte”.
António Costa Pinto

O fator PCP é para o politólogo muito relevante como travão a um possível salto do Bloco para um lugar confortável (pelo menos nas sondagens) onde está o Podemos. É que o partido comunista, apesar de ser antigo e tradicional, conseguiu ainda assim “alguma revitalização do eleitorado, não se ficando pelo segmento envelhecido da população como o Bloco se calhar pensava”, nota António Costa Pinto, apontando esse também como um fator que não pode ser esquecido quando se fala no crescimento (ou não) do Bloco.

Uma diferença crónica: a mobilização social

Ainda assim, Costa Pinto ressalva que é preciso ter em conta que os vários movimentos partidários, orgânicos ou não, são necessariamente diferentes em função do sistema partidário em que se inserem. E o Bloco de Esquerda é o primeiro a afastar a possibilidade de comparação: “Não é transponível porque o Podemos surge de movimentos sociais, ou seja não é um partido que tem de ganhar com a mobilização social – ele surge dela”, diz Catarina Martins ao Observador, vincando ai o contraste com a génese do Bloco de Esquerda.

Manifestação organizada pelo movimento 'Que se Lixe a Troika' a 15 de setembro de 2012 foi uma das mais ruidosas

Paulo Spranger / Global Imagens

A verdade é que o Podemos surgiu como resposta política às manifestações do movimento 15M e às acampadas em Madrid contra a austeridade. À falta de uma forte mobilização social em Portugal, o Bloco tem de fazer o caminho inverso para crescer. Isto é, tem de apelar à ação e à mobilização da abstenção. “Primeiro, o Bloco deve estar muito aberto e predisposto para essa mobilização social e, depois, deve ter a responsabilidade de dar uma resposta política e eleitoral para essa mobilização”, declara a atual coordenadora bloquista.

Uma capacidade de resposta que Costa Pinto diz ter falhado.“Apesar da crise e da troika, Portugal não teve uma dinâmica de movimentos sociais fortes e quando os houve [como o movimento Que se Lixe a Troika] não houve uma grande resposta política para os acompanhar”, diz, preferindo destacar aqui o papel dos sindicatos que, sendo já muito politizados, substituíram o papel que caberia aos partidos.

"Realidade do Podemos não é transponível à do Bloco porque o Podemos surge de movimentos sociais, e o Bloco precisa deles"
Catarina Martins, coordenadora do BE

O Podemos é um partido recém-nascido, criado pouco antes das europeias de maio deste ano, e esse fator novidade pode também demarcá-lo de partidos como o Bloco, e aproximá-lo mais de uma candidatura de Marinho Pinto, por exemplo. Carecendo desse fator surpresa, António Costa Pinto considera que caberia aos partidos já consolidados tentarem mudar ou renovar-se para acompanhar a onda. “Foi o que fez o Syriza, na Grécia, que começou próximo do BE mas, ao ter ocupado uma parte do espaço que era do partido socialista grego, foi mudando”, afirma. O Syriza, enquanto coligação partidária, tem apenas menos quatro anos do que o Bloco de Esquerda, mas fez uma transformação em 2012, tornando-se uma força política autónoma. Mas também ai há uma diferença face ao quadro português, alerta Costa Pinto: “O sistema grego entrou em colapso e o português não, por isso é que o Syriza ganhou tanto palco à custa do PASOK que quase desapareceu”.

Um outro dirigente do Bloco acrescenta a ideia de que a rápida ascensão do Podemos em Espanha também se explica pelo facto de, ao contrário do que acontece em Portugal, os espanhóis estarem saturados do regime constitucional, proveniente do franquismo. “Isso mobiliza todos contra a alternância PP/PSOE, dos independentistas aos republicanos, passando pelos movimentos sociais”, diz.

A “ironia” do Bloco de Esquerda

Para o politólogo ouvido pelo Observador, há uma certa “ironia” no Bloco de Esquerda, que se traduz no facto de não ter conseguido capitalizar o descontentamento durante os anos de maior desânimo social – os anos da troika. “Houve uma total ausência de capitalização de votos, o Bloco não conseguiu crescer nesse espaço e tempo, foi uma oportunidade perdida”, diz.

Outra “ironia”, esta mais compreensível, continua, é o facto de o Bloco de Esquerda “conseguir ter mais importância” quando o PS está no governo do que quando é o centro-direita a governar. Porque nesse caso, o palco da esquerda divide-se entre pelo menos três forças, enquanto se for o PS a governar, se divide apenas em duas (PCP e BE).

Um jogo político que parece irónico pelo facto de o apelo ao voto da indignação anti-sistema estar sempre mais ou menos dependente da postura de um velho partido do sistema, o PS. Sobre isto, um dirigente do Bloco admite ao Observador que já há “sinais de transformação da paisagem política” mas que “a dinâmica política ainda é muito concentrada no PS e no apelo ao voto útil no PS”. Ou seja, quando o PS está na oposição, diz, ainda persiste nos eleitores a ideia de que é preferível votar em quem tem a possibilidade real de ganhar.

Liderança de Catarina Martins e João Semedo no Bloco de Esquerda vai ser desafiada este fim de semana pela candidatura de Pedro Filipe Soares

Manuel Almeida/LUSA

Boaventura Sousa Santos defende mesmo que Portugal “vive o momento António Costa” e que isso é, por si só, um travão à ascensão de movimentos anti-sistema como o Podemos. Uma ascensão que, no entanto, admite vir a ser possível no futuro, muito embora Portugal não tenha a “mesma tradição de ativismo do que Espanha”.

Se não o Bloco, então quem?

O PCP, Marinho Pinto, ou a nova plataforma política encabeçada pelo Livre e por nomes como Ana Drago e Daniel Oliveira? Para António Costa Pinto, talvez não, até porque, ao contrário do que defende Boaventura Sousa Santos, o politólogo considera que não existe nenhum “vazio” na franja da esquerda política anti-sistema que vá ser preenchido por uma nova força no futuro.

Além de que, para o politólogo, o espaço político da “candidatura cidadã” do Livre é “precisamente o mesmo do que o do Bloco”. O que, por um lado pode prejudicar a capitalização de votos para o BE mas, por outro, não garante bons resultados para o novo movimento político que se aproxima do PS, porque aí o problema vai ser outro: “Demarcar-se do PS o suficiente para os votos irem para eles e não para os socialistas”.

"O PCP pode ter mais força anti-sistema do que o BE"
António Vitorino, ex-ministro socialista

Já o ex-bloquista Daniel Oliveira, na sua coluna de opinião no semanário Expresso, é perentório e escreve que o fenómeno do Podemos é “irrepetível” em Portugal. Não por não haver forças políticas que queiram capitalizar o sentimento de rutura com o panorama de democracia representativa tradicional, mas por não haver movimentos sociais fortes que contestem o modelo na rua.

O próprio Podemos, sob a figura do seu porta-voz para as questões económicas, Nacho Alvarez, disse esta semana em Lisboa que pode eventualmente surgir um partido semelhante ao Podemos em Portugal, mas que “as cópias nunca são boas”. E disse mesmo que, “há uns anos”, também Espanha olhava para o Bloco de Esquerda português com “muita esperança”, mas admitiu que as realidades eram diferentes.

Certo é que os bloquistas preferem olhar para o terramoto político do Podemos pelo prisma da fugacidade com que se podem mudar os panoramas. “Há oito meses o Podemos não existia nas sondagens, o que prova que a paisagem política pode alterar-se radicalmente, quer através de movimentos novos que surjam, quer através de partidos já instituídos que de repente ganham novo impulso, como é o caso do Syriza grego”, afirma fonte do Bloco.

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