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O cenário negro da educação e a disparidade nos rendimentos: o “Retrato dos Homens e das Mulheres” em Portugal

O cenário "negro" ao nível da educação para os homens e as disparidades entre sexos ao nível da esperança média de vida e dos rendimentos são alguns dos alertas dos dados recolhidos pela Pordata.

Faz toda a diferença ser homem ou mulher em Portugal, faz uma diferença ainda em excesso. Temos aqui situações muito extremadas.” A afirmação é de Maria João Valente Rosa, diretora da Pordata, que apresenta esta quinta-feira um “Retrato dos Homens e das Mulheres” em Portugal.

São vários dados compilados pela Pordata, um projeto da Fundação Francisco Manuel dos Santos, e que dão conta “de algumas facetas do que é ser homem ou mulher” em cinco grandes capítulos: população; casamento e famílias; conhecimento e redes; trabalho e atividade; e rendimentos. Uma informação apresentada de uma perspetiva evolutiva, regional e comparada com outros países da União Europeia.

“Ser-se homem ou mulher não é indiferente do ponto de vista da sociedade”, acrescenta a professora da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa ao Observador, sublinhando que as desigualdades entre sexos começam logo à nascença, começando pelo facto de nascerem “mais rapazes que raparigas”.

“É uma desigualdade ‘natural’, mas ao longo da vida esta primazia dos homens vai-se perdendo em virtude da mortalidade que, em qualquer idade, é superior nos homens e passam as mulheres a estar em maioria.”

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Prova desta realidade são estes dados de 2016: entre os 0 e os 4 anos, havia 105 homens por cada 100 mulheres, um valor que só ficou equilibrado na casa dos 25-29 anos. Entre os 50 e os 54, o número de homens por cada 100 mulheres baixou para os 90 e na casa dos + de 85 anos, já só havia 47 homens por cada 100 mulheres — praticamente duas mulheres por cada homem.

“Os países mais igualitários são mais benéficos para os homens”

“Do ponto de vista ‘natural’, há uma desigualdade quer à nascença quer ao longo da vida, mas nem tudo tem de ser determinado pela biologia”, explica Maria João Valente Rosa. Até porque a diferença entre a esperança média de vida dos homens e das mulheres varia consoante os países.

Em Portugal, as mulheres podem, à nascença, esperar viver mais seis anos do que os homens, mas em países como a Holanda, a Suécia e o Reino Unido a diferença é praticamente metade, como se pode ver pelo mapa. “A diferença é inferior a quatro anos e têm uma esperança média de vida elevadíssima”, refere a diretora da Pordata. “Os países mais igualitários são mais benéficos para os homens.

Independentemente dos fatores que possam influenciar esta realidade — “talvez tenha a ver com a harmonia social ou com os estilos de vidas que acabam por estar menos diferenciados” — , para Maria João Valente Rosa pode-se olhar para esta realidade como “um alerta” que este retrato faz e que é “importante compreender”.

“Não deveríamos pensar nisto como se fossem duas faces de uma moeda. As mulheres e os homens não têm de estar em oposição, nem em complementaridade, porque estamos a falar de pessoas. Quando começamos a pensar em pessoas e não enquanto homem e mulher, são estes países que nos dão um grande exemplo.”

Escolaridade: “temos uma situação muito crítica”

Mas se há outro alerta deste retrato é para o cenário “negro” ao nível da escolaridade. “Portugal tem indicadores terríveis a nível da educação. Temos uma situação muito crítica e estamos no quadro negro da Europa, quer para homens quer para mulheres, mas mais para os homens”, sublinha Maria João Valente Rosa.

A taxa de abandono escolar nos jovens entre os 18 e os 24 anos é um exemplo. Portugal é o sexto país da União Europeia com a maior taxa de abandono escolar: 12,6%, sendo que a média da UE é de 10,6%. No caso das mulheres é de 10%, apenas um ponto percentual acima da média da UE, mas no que toca aos homens, a taxa de abandono escolar é de 15%, superior em três pontos percentuais relativamente à média da UE.

“Não somos o pior aluno da Europa, mas estamos no grupo dos piores alunos.”

Pior só mesmo a percentagem de população com o ensino secundário concluído. A percentagem de homens portugueses entre os 25 e os 64 anos que tem pelo menos o ensino secundário concluído é de 43%, isto é, “mais de metade dos homens nem tem o secundário” enquanto na Europa, “2 em 3 homens têm o secundário ou mais”.

O cenário no caso das mulheres não é muito mais favorável: apenas 52% das mulheres concluiu pelo menos o secundário. A média na UE? 78%. “Os níveis são vergonhosos, nenhum país da Europa tem níveis tão baixos”, diz a diretora da Pordata

Temos mesmo de qualificar a população adulta, que tem níveis baixíssimos de escolaridade e de conhecimento. Quando olhamos para os sexos, embora nenhum fique bem na fotografia, mesmo assim os homens ficam menos bem”, considera Maria João Valente Rosa.

Para a diretora da Pordata, os dados relativamente à escolaridade “devem ser entendidos como prioridades”, em particular no caso dos homens que têm de fazer um “percurso ainda mais intenso que as mulheres para acompanhar os níveis da UE”.

“O que leva os rapazes a sair da escola mais cedo sem completar o secundário? O que se pode estar a passar e o que se pode fazer? É outro alerta que este retrato lança.”

Mulher mais no mercado de trabalho, mas “família ficou imune a estas mudanças”

E há outro fator que Maria João Valente Rosa ressalva. É que apesar de os dados demonstrarem que as mulheres estão em maioria no ensino superior — no total de alunos matriculados, 53% são mulheres –, há áreas em que a maioria dos alunos são do sexo masculino e vice-versa. O retrato destaca os exemplos de engenharia, em 26% dos alunos matriculados são mulheres, e de educação, em que a percentagem de mulheres matriculadas nesta área é de 81%.

“Se a biologia não explica [tudo], o que está a condicionar estas escolhas?”, questiona Maria João Valente Rosa. “São os contextos sociais em que vivemos e isto tudo começa desde o momento do nascimento. Até a cor que atribuímos a um bebé se for rapariga e rapaz condiciona a forma como cada um se vai construindo ao longo da vida e a expectativa que outros vão tendo [consoante o sexo]. Estamos muito longe de sermos um país em que igualdade de sexos esteja assegurada.

Prova disso é o facto de, por exemplo, as mulheres estarem em maior risco de pobreza que os homens porque, apesar de investirem mais nos estudos, “estão mais implicadas no trabalho não pago”, isto é, na vida doméstica.

E mesmo assim, a realidade em Portugal mudou nos últimos anos. Se em 1983 havia mais de mil mulheres domésticas — a maioria da condição das mulheres inativas naquele ano –, em 2017, a maioria das mulheres inativas eram ou reformadas ou estudantes.

Há uma maior presença [da mulher] no mercado de trabalho, mas o que não avançou foi o espaço doméstico. A família ficou imune a estas mudanças”, considera Maria João Valente Rosa. Ou seja, ainda que a maioria das mulheres já não seja doméstica, “continua-se a esperar delas o mesmo que se esperava no passado em relação aos papéis no seio da família”.

Tal como ressalva o estudo “Igualdade de Género ao longo da Vida”, da Fundação Francisco Manuel dos Santos — divulgado este segunda-feira –, as mulheres continuam a ter principais responsáveis pelo trabalho não pago, já que os homens “não aumentaram a participação na esfera doméstica e nos cuidados à família na mesma proporção em que as mulheres passaram a fazer parte do mercado de trabalho”.

A questão do trabalho a tempo parcial em Portugal espelha essa realidade, principalmente quando comparada com os outros países: no total da população empregada 13% das mulheres trabalha por tempo parcial. É um valor que é pouco superior ao dos homens, mas muito abaixo da média da UE e em relação a países como a Irlanda, a Itália, a Suécia e o Reino Unido.

De ressalvar que trabalho a tempo parcial não significa “trabalho precário”, mas antes uma redução nas horas de trabalho — trabalhar uma manhã ou uma tarde.

De acordo com o estudo Igualdade de Género ao longo da Vida, a grande maioria das mulheres portuguesas aponta como razão para estar a trabalhar a tempo parcial o facto de não conseguir encontrar trabalho a tempo integral, enquanto em países como a Alemanha, o Reino Unido e a Holanda, a principal razão é para cuidar de crianças ou de adultos incapacitados.

As razões variam consoante as políticas públicas. Nos países em que, apesar de haver “políticas de articulação trabalho‐família e de cuidados às crianças”, os “recursos financeiros [são] limitados” — como é o caso de Portugal — o principal motivo para o trabalho a tempo parcial no caso das mulheres prende-se mais pela “incapacidade de encontrar um trabalho a tempo inteiro” e não para cuidar de terceiros. Já em países como Reino Unido e Alemanha, “em que se verifica que a principal razão é a necessidade de prestar cuidados às crianças ou a adultos dependentes são também aqueles em que o Estado adota políticas de cuidados restritivas e orientadas por uma perspetiva maternalista e familialista, e o cuidado com as crianças ou com adultos dependentes é percebido como um problema individual”.

Segundo Maria João Valente Rosa, as mulheres que trabalham a tempo parcial acabam por conseguir dedicar mais tempo “à família e a outras atividades”. “Há uma maior capacidade de conciliar os tempos: o tempo da família, o tempo do trabalho e do descanso.”

Em Portugal, continua a diretora da Pordata, as mulheres dedicam grande parte do tempo ao trabalho e, quando não estão a trabalhar, “estão a fazer trabalho não remunerado”. “A sobrecarga para as mulheres acaba por ser enorme e a responsabilidade não é partilhada na vida familiar”.

Quanto mais se sobe na hierarquia, menos ganham as mulheres

Isto também acaba por se revelar nas disparidades em termos de rendimentos. Em 2016, Portugal era o sétimo país da UE com a maior disparidade salarial e, como ressalva o estudo “Igualdade de Género ao longo da Vida”, em todas as profissões o salários dos homens é mais elevado do que o das mulheres.

Esta realidade da disparidade salarial não só “não tem vindo a atenuar-se com o tempo, apesar de as mulheres estarem em maioria na educação e serem tanto ou mais qualificadas que os homens”, como quanto mais se avança na “escala da qualificação” ou na “hierarquia”, “maior é a diferença” nos salários dos homens e das mulheres.

Mas onde efetivamente se nota uma grande disparidade é nos ganhos, isto é, no total daquilo que um trabalhador recebe tanto em termos salariais como outras remunerações (prémios, horas extras, subsídios de férias, etc.). Como estes ganhos estão dependentes das horas extra de trabalho e as mulheres continuam a fazer mais horas de trabalho não remunerado em casa, são elas as mais prejudicadas.

“Quando chegamos à parte doméstica, as mulheres são as grandes cuidadoras quer dos filhos, quer dos pais, e isso reflete-se nos ganhos. Essas horas a mais acabam por ser altamente penalizadoras porque há outros compromissos que as mulheres têm de assumir, nem que seja porque é isso que se espera delas. As mulheres têm esse dilema: serem boas mães e boas profissionais.”

Ainda assim, de acordo com o estudo “Igualdade de Género ao longo da Vida”, as mulheres portuguesas são as que, na Europa, mais horas trabalham por semana.

Maria João Valente Rosa sublinha ainda que estas horas extras de trabalho prejudicam essencialmente as mulheres, mas também afetam os homens. “Ainda não nos libertámos desta questão das horas, mas horas não é sinónimo de produtividade. Nós trabalhamos muito mais horas do que os alemães e do que os holandeses, mas temos uma produtividade muito inferior a esses países.”

A solução? Começar a dar mais tempo aos resultados e não tanto às horas de trabalho. “Se o número de horas não for o mais importante, mas sim os resultados de cada um, se calhar conseguimos dar a volta.”

A diretora da Pordata sublinha, contudo, que este retrato das disparidades entre homens e mulheres em Portugal “não é totalmente pessimista”, ou seja, é possível dar a volta a este cenário e exemplo disso é o que acontece noutros países.

“É uma regra nascerem mais rapazes que raparigas, tal como a esperança de vida das mulheres ser superior à dos homens, mas depois, entre o nascimento e a morte, há todo um caminho e esse caminho é que vai acentuando ou não os traços que trazemos e beneficiando ou inibindo algum potencial que trazemos.”

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