Índice
Índice
O século XVIII foi pródigo em autómatos de grande requinte e sofisticação (ver “A ascensão dos robôs: Até onde podem chegar as máquinas”), mas nenhum causou tanta comoção como o Turco de Wolfgang von Kempelen, um autómato que jogava xadrez com grande proficiência e suscitou explicações engenhosas em muitos do que assistiram às suas demonstrações. O autómato xadrezista jogou com algumas figuras gradas e as suas peripécias estão relatadas em The Turk: The life and times of the famous 18th-century chess-playing machine (2002, Berkley, 272 pg.), de Tom Standage.
Para deslumbramento da corte
Em 1769, o ilusionista francês Joseph Pelletier foi convidado a exibir os seus “jogos magnéticos” no palácio de Schönbrunn, em Viena, perante a imperatriz austríaca Maria Teresa. Esta convocou também Wolfgang von Kempelen (1734-1804), um funcionário imperial proveniente da nobreza húngara, com vastos conhecimentos de línguas e ciência, possivelmente para que este lhe explicasse os truques subjacentes ao espectáculo de Pelletier. No fim da sessão, Kempelen, talvez agastado com o tom condescendente e chauvinista de Pelletier, propôs-se, perante a corte, construir um autómato que ultrapassaria tudo o que ali se vira naquela noite.
Seis meses depois, Kempelen apresentou o Autómato Xadrezista, também conhecido como o Turco Xadrezista ou, mais simplesmente, como o Turco, um autómato capaz de disputar partidas de xadrez.
A cabeça e tronco de uma figura em tamanho natural, vestida com trajes orientais, encimava um armário espaçoso, parcialmente preenchido com complexos mecanismos de relojoaria e dotado de gavetas e portas que Kempelen fazia questão de abrir para mostrar que nada havia a ocultar. Numa mão o Turco segurava um longo cachimbo e com a outra fazia mover as peças de xadrez – e fazia-o com critério suficiente para vencer a maioria das partidas que disputava. A corte ficou estupefacta: o funcionamento do autómato de Kempelen desafiava qualquer explicação, pois embora o seu criador estivesse sempre presente, supervisionando a máquina e intervindo pontualmente para lhe dar corda, não parecia interferir nas jogadas.
Nas primeiras apresentações, Kempelen também propôs que o Turco respondesse a perguntas, o que fazia indicando letras num tabuleiro – isto era ainda mais surpreendente, já que implicava que a máquina fosse capaz de compreender a fala humana.
Kempelen subiu ainda mais na consideração da imperatriz Maria Teresa, que lhe atribuiu um estipêndio de valor igual ao do seu salário como funcionário e o incumbiu de várias tarefas e responsabilidades prestigiantes, uma das quais foi a concepção de um sistema hidráulico para alimentar as fontes do palácio de Schönbrunn, em 1880.
Intrigantemente, Kempelen parecia pouco interessado em tirar partido da celebridade que o seu autómato granjeara e, quando solicitado a exibi-lo, alegou várias vezes que se avariara e tivera de ser desmontado. Kempelen, um espírito inquisitivo e irrequieto, desviara entretanto a sua atenção para pesquisas sobre linguagem e, em particular, para o aperfeiçoamento de uma máquina capaz de emular o discurso humano, em que começara a trabalhar em 1769, o mesmo ano em que iniciara a construção do Turco. Mais tarde, viria a adicionar ao autómato uma “máquina falante” que proferia “Échec!” quando fazia xeque. E em 1779 concebeu para a pianista Maria Theresa Paradis, que cegara antes dos cinco anos de idade, uma máquina de escrever para invisuais.
O Turco em tournée
Mas Kempelen não pôde continuar a perseguir estes seus múltiplos interesses, pois em 1781 foi obrigado a voltar a pôr o Turco em funcionamento: José II, que sucedera à mãe, Maria Teresa, falecida no ano anterior, queria impressionar o grão-duque Paulo (futuro czar) e a esposa, Maria Feodorovna, que tinham chegado a Viena para uma estadia de sete semanas, na sua longa e espaventosa tournée pela Europa. O grão-duque ficou encantado com o Turco e sugeriu que ele fosse exibido pela Europa, ideia que José II aprovou, concedendo a Kempelen uma licença de dois anos para o efeito. Kempelen aceitou, relutantemente, e, após fazer as alterações necessárias para facilitar a desmontagem, transporte e montagem do autómato, em 1783 pôs-se a caminho de França.
O Turco começou por entreter a corte de Versailles e depois rumou a Paris, onde defrontou Benjamin Franklin, à data o embaixador dos EUA em França, e François-André Danican Philidor, considerado o maior xadrezista francês do seu tempo, autor de um célebre tratado sobre o jogo, Analyse du jeu des échecs (1749) e também músico prolífico (compôs uma vintena de óperas cómicas). O Turco vencia a maior parte dos jogos que disputava, mas não estava à altura de um mestre como Philidor, que o derrotou.
Do outro lado do Canal, o Turco também atraiu multidões, com a ajuda do apurado sentido publicitário de Kempelen: o Turco chegou a Londres ao mesmo tempo que a tradução de um livro exaltando as proezas do autómato, da autoria do seu amigo Karl Gottlieb von Windisch, que aguçou o apetite do público britânico.
O Turco regressou a Viena em 1785, num percurso que atravessou a Alemanha, sempre rodeado de grande curiosidade, pois por esta altura já toda a Europa estava a par desta máquina prodigiosa que raramente perdia um jogo e que, apesar da muita especulação sobre o seu funcionamento, continuava a ser um mistério.
Mas Kempelen, uma vez cumpridos os dois anos de tournée “sugeridos” por José II, recusou-se a tirar partido desta popularidade: o Turco foi desmontado e guardado em caixotes e Kempelen voltou a focar-se na sua “máquina falante” e nos seus estudos sobre linguagem – em 1789 resumiria as suas investigações neste campo na obra O mecanismo da fala humana, com a descrição de uma máquina falante, que é considerada uma obra pioneira no campo da fonética. Nesse mesmo ano patenteou uma turbina a vapor para uso industrial. Some-se a composição do singspiel Andromeda und Perseus (1781, Viena), a invenção de um leito-elevador para Maria Teresa, projectos para um teatro em Buda e uma ponte em Pressburg (hoje Bratislava) e a actividade no campo do desenho e da gravura e percebe-se que na sua Hungria natal se queira conferir-lhe uma aura de Leonardo da Vinci.
A fama do Turco não esmoreceu durante os anos que passou encaixotado: surgiram rumores – infundados – de que teria viajado até Berlim, para defrontar Frederico II da Prússia, e que regressara a Londres, onde jogara com Jorge III. As teorias e histórias que pretendiam desvendar o enigma do Turco também se iam multiplicando: umas de natureza essencialmente fantasiosa, como a do mágico francês Jean-Eugène Robert-Houdin, que pretendia que o Turco era operado por um oficial polaco revoltoso que perdera as pernas em combate contra os russos e que, devido a essa amputação, era capaz de esconder-se dentro do Turco.
Na verdade, segundo Robert-Houdin, o Turco fora expressamente concebido para ocultar e fazer sair discretamente da Rússia o dito oficial, mas uma improvável série de acasos levou-o a São Petersburgo, para defrontar (e derrotar) Catarina a Grande (uma espécie de justiça poética, contrabalançando a subjugação da Polónia pela Rússia).
Outras teorias eram mais racionais e fundamentadas, como a de Joseph Friedrich von Racknitz, que assistira a várias exibições do Turco em 1784, em Dresden. Após estudar atentamente os textos publicados sobre o autómato, entrevistar pessoas que tinham assistido às suas exibições e construir vários modelos reduzidos deste, baseado em estimativas das dimensões do autómato, publicou em 1789 o panfleto Sobre o xadrezista de von Kempelen, em que concluía que havia nele espaço suficiente para ocultar um operador humano (que Racknitz assumia, implicitamente, ser um anão ou uma criança) e apresentava ilustrações que o demonstravam.
A vida do Turco depois de Kempelen
Kempelen faleceu em 1804 e o Turco poderia ter saído de cena com ele, não fosse a entrada em cena de um protagonista tão peculiar como Kempelen: Johann Nepomuk Maelzel. Maelzel (1772-1838) era filho de um fabricante de órgãos, o que lhe forneceu uma precoce formação em mecanismos e em música, conhecimentos que acabariam por confluir numa notável produção de autómatos musicais. Um deles foi um trompetista mecânico em tamanho natural, que foi considerado ainda mais impressionante do que o flautista de Jacques Vaucanson (ver A ascensão dos robôs: Até onde podem chegar as máquinas), que deslumbrara a Europa em 1737. Mas a sua mais ambiciosa e célebre criação foi o Panharmonicon, capaz de simular uma orquestra, com trompetes, clarinetes, violoncelos e percussão, cuja primeira versão foi revelada em Viena em 1805.
Em 1808, Maelzel vendeu o Panharmonicon e assumiu na corte de Schönbrunn funções análogas às que Kempelen aí desempenhara. Consta que Maelzel já tinha tentado comprar o Turco a Kempelen, mas que fora dissuadido pelo exorbitante preço de 20.000 francos que este fixara – acabou por adquiri-lo por metade do preço ao filho de Kempelen e lançou mãos à obra de o restaurar e descobrir o segredo do seu funcionamento. O Turco regressou à vida mesmo a tempo de se exibir perante mais um jogador ilustre: em Maio de 1809, Napoleão entrara em Viena e estabelecera quartel-general no palácio de Schönbrunn. Os relatos do encontro são tardios e contraditórios, mas todos são unânimes em dar a vitória ao autómato.
O Turco seria comprado a Maelzel em 1812 (pelo triplo do preço que custara a este) por Eugéne de Beauharnais, enteado de Napoleão, que entretanto se tornara, graças ao hábito de Napoleão de distribuir títulos e cargos pela família, Príncipe de Veneza e Vice-Rei de Itália.
Pelo seu lado, Maelzel voltou a atenção para a construção de uma versão mais evoluída do Panharmonicon, que ganhou uma secção expandida de percussão e efeitos especiais e um repertório que incluía Handel, Haydn e Cherubini, “programado” em cilindros com pequenas saliências que podiam ser trocados.
Entretanto, a invencibilidade de Napoleão sofreu dois pesados revezes: um no Inverno de 1812, quando a campanha da Rússia quase aniquilou a Grande Armée; outro a 21 de Junho de 1813, quando as tropas anglo-luso-espanholas comandadas por Wellington derrotaram o exército comandado por José Bonaparte, irmão de Napoleão, em Vitoria, no País Basco. O primeiro inspirou a Maelzel a construção de um sofisticado e vasto diorama animado representando o incêndio de Moscovo pelos russos, de forma a que não caísse nas mãos do invasor francês, privando-os de abrigo, repouso e alimentos. O segundo requereu a colaboração do mais eminente compositor vienense do tempo, Ludwig van Beethoven, a quem Maelzel solicitou uma composição para Panharmonicon sobre o tema da vitória de Wellington. A Vitória de Wellington ou A Batalha de Vitoria (Wellingtons Sieg oder Die Schlacht bei Vittoria), na versão orquestral de Beethoven, estreou em Viena a 8 de Dezembro de 1813, num concerto em que também se ouviram a Sinfonia n.º7 de Beethoven e o autómato trompetista de Maelzel, e a peça ganhou uma popularidade tal que se tornou num das que mais dinheiro deu a ganhar a Beethoven.
Porém, as relações entre Beethoven e Maelzel logo azedaram, pois o segundo pretendia que a peça fora concebida por ele e que Beethoven se limitara a preencher a estrutura que ele delineara, e Beethoven, discordando frontalmente de tal perspectiva, levou a disputa da autoria para os tribunais. Diga-se, de passagem, que A Vitória de Wellington é primária e espalhafatosa e indigna não só de Beethoven como de um compositor de terceira categoria – é uma nódoa na sua obra comparável à da Abertura 1812 (também inspirada numa derrota de Napoleão) na obra de Tchaikovsky.
Inesperadamente, a zanga entre Beethoven e Maelzel dissipou-se sem recriminações e o primeiro tornou-se num apologista do metrónomo entretanto inventado pelo segundo, indicando os tempos de metrónomo nas suas partituras (tendo mesmo o cuidado de as adicionar às obras que compusera antes) – uma indicação preciosa sobre as intenções do compositor que seria ignorado pelos intérpretes durante século e meio, até que os especialistas em “interpretação historicamente informada” as redescobriram.
Noutra reviravolta inesperada, em 1815, Maelzel viria a readquirir o Turco a Eugéne de Beauharnais, pelo mesmo preço por que o vendera, e exibiu-o pela Europa, juntamente com o Panharmonicon, outros autómatos e “O grande incêndio de Moscovo”. O road show atraía muitos curiosos, mas Maelzel gastava liberalmente e tinha as prestações do Turco para pagar a Eugéne de Beauharnais, pelo que se viu assoberbado com dívidas.
Decidiu buscar novo público e em 1826 rumou aos EUA, onde se apresentou com sucesso mas, passado pouco tempo, em Baltimore, foi confrontado com um rival do Turco, construído pelos irmãos Walker. Consta que Maelzel tentou comprar a máquina, mas os irmãos Walker recusaram a proposta – de qualquer modo, o rival era um jogador sofrível, ao contrário do Turco, que raramente perdia, pelo que acabou por não ofuscar as exibições de Maelzel. Em 1828, em Nova Iorque, materializou-se um novo competidor: o Automaton Whist Player, um autómato que jogava cartas, da autoria de D.A. Balcom, um dentista de Geneva, Nova Iorque. Por entender que ele poderia roubar público ao Turco ou a fim de enriquecer a sua exibição de autómatos, Maelzel adquiriu-o prontamente.
Em 1836, a feira de atracções mecânicas de Maelzel encaminhou-se para oeste e depois desceu o Mississipi até New Orleans, onde esteve até Fevereiro de 1837, altura em que embarcou para Havana, no que deveria ser o ensaio para uma tournée sul-americana a realizar em 1838. No ano seguinte, Maelzel estava de regresso a Havana, mas o seu sempre periclitante empreendimento começou a desmoronar-se rapidamente: o público começou a desinteressar-se das exibições, o seu secretário, William Schlumberger, morreu com febre amarela e os restantes colaboradores desertaram – e as dívidas continuavam a acumular-se. Foi um Maelzel alquebrado e precocemente envelhecido que embarcou de volta a Filadélfia, onde planeava apresentar um espectáculo renovado, mas faleceria a meio da viagem.
Quem ficou com o Turco foi John Ohl, um homem de negócios de Filadélfia que fizera generosos empréstimos a Maelzel, mas Ohl acabou por revendê-lo quando percebeu que o Turco sem um empresário e promotor como Maelzel de pouco servia. John Mitchell, o médico que o comprou, ficara fascinado com o Turco desde que ouvira falar dele e estava curioso em descobrir o seu segredo, o que não foi fácil, pois nos caixotes deixados por Maelzel misturavam-se partes de diferentes autómatos. Quando a reconstrução foi completada, em 1840, Mitchell fez algumas apresentações privadas, que terminavam com a revelação do segredo do funcionamento do Turco.
Após algumas sessões, o Turco foi doado ao Museu Chinês de Filadélfia, uma espécie de “gabinete de curiosidades”, onde caiu lentamente no esquecimento, até ser destruído num incêndio em 1854.
As entranhas do Turco
Desde que o Turco foi revelado em 1770 que se foram multiplicando os artigos, panfletos e livros que tentavam explicar o seu funcionamento – até Edgar Allan Poe se juntou a esta demanda obsessiva, depois de ter visto o Turco em Richmond, publicando o artigo “O jogador de xadrez de Maelzel” no número de Abril de 1936 da revista Southern Literary Messenger, que então dirigia. Muitas das considerações de Poe sobre o Turco baseavam-se num livro de David Brewster, que por sua vez tinha por ponto de partida um panfleto publicado em Londres por Robert Willis, “Uma tentativa de análise do autómato xadrezista”. A interpretação de Willis, que tinha pontos de contacto com a de Joseph Friedrich von Racknitz, não dava resposta cabal a todos os enigmas, mas andava perto da solução.
Como outros que tinham meditado sobre o Turco, Willis estava certo de que não se tratava de um verdadeiro autómato, pois “os movimentos gerados por [um mecanismo] são necessariamente limitados e uniformes” e “não poderiam alterar o seu funcionamento de forma a dar resposta às circunstâncias em constante mutação de um jogo de xadrez”.
Tal como Willis e outros sugeriam, o Turco era controlado por um jogador de xadrez ardilosamente escondido no seu anterior: como num número de ilusionismo, as portas do armário sob o tabuleiro de xadrez eram abertas e fechadas de forma a permitir que o jogador se mantivesse sempre fora da vista, quanto às engrenagens, eram apenas uma forma de distrair os espectadores, pois nenhuma delas desempenhava qualquer função útil. O espaço interior estava judiciosamente aproveitado de forma a poder albergar um adulto, ao contrário do que supunha quem afiançava que a máquina ocultava um anão ou uma criança xadrezista (ou até um macaco xadrezista que teria sido propriedade do Califa de Bagdad!).
O jogador dentro do Turco seguia as movimentações no tabuleiro sobre a sua cabeça através de um dispositivo magnético, replicava-as num segundo tabuleiro que tinha consigo e accionava o braço do Turco através de um mecanismo do tipo pantógrafo. O Turco era um embuste, mas não deixava de ser um testemunho do engenho de Kempelen.
Não se sabe quem foram os primeiros “Turcos”, mas sabe-se que um dos que desempenhou tal função para Maelzel foi Johann Allgaier, um mestre xadrezista de Viena. Quando Maelzel exibiu o Turco em Londres, recorreu aos serviços de William Lewis, discípulo do melhor jogador de xadrez de Inglaterra, e, mais tarde, empregou um sobrinho-neto do grande Philidor. A partir de 1826, o papel foi desempenhado por William Schlumberger – o secretário de Maelzel que, ao falecer inesperadamente em Havana, levara ao cancelamento da tournée sul-americana e que não escapara ao olhar atento de Edgar Allan Poe, que reparara que Schlumberger “nunca é visto enquanto duram as exibições [do Turco], embora esteja presente antes e depois”; notou também que “enquanto durou a sua doença [na passagem por Richmond], não houve espectáculos do Xadrezista”.
A descendência do Turco
Além do já mencionado autómato xadrezista construído pelos irmãos Walker, a voga lançada por Kempelen teve outros seguidores: um dos mais próximos, foi Ajeeb (ou Hajeeb), construído por Charles Alfred Hooper e revelado pela primeira vez no Crystal Palace, em 1870. Tal como o Turco, Ajeeb correria mundo, sendo apresentado como “a maravilha do século XIX” ou “a maravilha oriental” e defrontando figuras públicas de primeiro plano, como o mágico Houdini ou Theodore Roosevelt.
Em 1876, surgiu Mephisto, uma criação do Charles Godfrey Gümpel, um fabricante de próteses. Embora costumasse ser implacável para oponentes masculinos, Mephisto deixava-se derrotar graciosamente por senhoras, depois de ter mostrado que poderia ter vencido facilmente o jogo – um verdadeiro cavalheiro…
Quer Ajeeb quer Mephisto eram, como o Turco, pseudo-autómatos, mas enquanto Ajeeb e o Turco ocultavam o operador no seu interior, Mephisto era controlado à distância por meios electromagnéticos.
Mas a influência do Turco não se cingiu à criação de máquinas concebidas à sua imagem e destinadas exclusivamente a fins de entretenimento. No Verão de 1784, Edmund Cartwright, ainda sob o efeito de ter assistido recentemente à exibição do Turco em Londres, discutia com homens de negócio de Manchester sobre a máquina de fiar patenteada por Richard Arkwright em 1769 – o ano em que Kempelen começara a construir o Turco. E, inspirado pelo que vira, argumentou que não “é mais difícil construir uma máquina capaz de tecer do que uma que execute toda a variedade de jogadas requeridas por tão complexo jogo”. Cartwright não podia adivinhar que o Turco era um falso autómato, mas a ideia galvanizou-o na pesquisa do tear mecânico, de que patentearia vários modelos, em 1784, 1785 e 1792 – nenhum deles tinha o desempenho e funcionalidades que Cartwright ambicionava, mas, depois de aperfeiçoados por outros inventores, converteram-se na base para uma revolução no fabrico de tecidos, que, por sua vez, foi um evento decisivo da Revolução Industrial.
Quando, em 1819, o matemático britânico Charles Babbage (1791-1871) defrontou o Turco (e perdeu), ficou convencido, ao contrário de Cartwright, de que o autómato era controlado por um intelecto humano, mas isso não o impediu de especular sobre se se seria mesmo possível construir uma máquina de jogar xadrez, pois “nada impedia um dispositivo mecânico constituído por partes simples de realizar operações complexas” (Standage). Tais elucubrações levaram-no a devotar boa parte da vida, bem como toda a fortuna que herdara do pai e vários subsídios do governo britânico, a tentar construir uma máquina capaz de calcular tabelas matemáticas e astronómicas. Tal dispositivo, a que chamou “máquina diferencial” (difference engine), ficou incompleta, devido à falta de financiamento e ao facto de, na época, não ser possível fabricar peças metálicas com os padrões de rigor necessários, e só seria concretizada muito depois, em 1989-91, no Museu da Ciência de Londres.
Claro que esta realização tardia tinha sobretudo intuitos pedagógicos e de homenagem a Babbage, dado que, por essa altura, já os descendentes dos conceitos visionários de Babbage estavam em pleno funcionamento: são uns aparelhos conhecidos como “computadores”.
[História resumida do Turco e da sua reconstrução]