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O PSD está aberto a negociar com calma o Orçamento do Estado, o PS apressou-se a colocar condições em cima da mesa. Os sociais-democratas excluíram (e pré-lançaram) candidatos presidenciais em Castelo de Vide, os socialistas foram falando de Mário Centeno pelos corredores de Tomar. Luís Montenegro não teve medo de recuperar figura do passismo, Pedro Nuno Santos assumiu os erros do costimo. Um assume meta ambiciosa de ganhar as autárquicas, e o outro vê pairar sobre si uma ameaça geringonça. Setembro, o primeiro mês do resto da vida do atual Governo, abre com os líderes de PSD e PS a deixarem pistas sobre o que vão fazer nos próximos tempos. Afinal, o que dizem as rentrées partidárias dos dois maiores partidos sobre o que se vai passar nos próximos meses?

Orçamento: já é setembro e Pedro Nuno abriu as negociações

Luís Montenegro está confiante que as reuniões de negociação para o Orçamento do Estado vão começar em setembro tal como, garante, “ficou combinado nas reuniões de julho”. O primeiro-ministro considera que está “a tempo, em tempo e no tempo para falar com os partidos políticos e concluir a proposta de OE” que vai levar à Assembleia da República.

Ora o PS não podia discordar mais da leitura de Montenegro sobre o calendário orçamental, que considera apertado — o que vai dando reduzindo a margem de manobra dos socialistas para negociar o Orçamento e tentar incluir medidas relevantes no documento. De resto, e apesar de a Academia Socialista ter arrancado com uma garantia de Carlos César — “o PS não está obcecado com o OE” — o assunto foi tema central durante toda a rentrée, deixando clara a preocupação do partido com o dilema orçamental (“Não contem com o PS para aprovar um Orçamento de direita”, avisou Alexandra Leitão; se o OE chumbar a “culpa” não será do “experiente” Pedro Nuno Santos, confortou António Costa).

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No final, o secretário-geral socialista apareceu para uma intervenção em que sistematizou as condições do PS para negociar e eventualmente viabilizar o documento, tentando recuperar algum controlo sobre o processo. No palco da Academia Socialista, Pedro Nuno Santos insistiu que precisa de mais informação sobre o estado das contas públicas para poder avançar com negociações; garantiu que com as atuais propostas do PSD sobre a descida do IRC e do IRS Jovem não viabiliza o documento; e rematou afirmando que, se o PSD insistir nelas e Chega e Iniciativa Liberal as aprovarem a nível parlamentar, então o ónus da aprovação do Orçamento também fica do lado da direita e o PS estará livre desse processo.

É difícil que Montenegro ceda, por exemplo, no IRS Jovem. O primeiro-ministro deixou um aviso de que não pode abdicar de medidas-bandeira, sob pena de estar a desrespeitar o programa em quem mais pessoas votaram. O primeiro-ministro voltou a dizer que avisou antes das eleições que só governava se fosse o mais votado e que, se o programa foi viabilizado na AR, é preciso que “não o bloqueiem” e que o “deixem executar”. Apesar das críticas à imaturidade do Chega e do PS, Montenegro não afasta nenhum partido das negociações, embora se perceba que os socialistas são o partido em que o Governo deposita maiores esperanças.

Dentro do PS, nos últimos dias ia-se garantindo que está mesmo tudo em “aberto”: depois de uma fase pós-europeias em que os socialistas começaram a falar abertamente numa viabilização que parecia cada vez mais próxima, há quem refira que, com a “agressividade” do PSD e a falta de sinais de abertura negocial, a corda está a “esticar demais” para um PS que não pode perder a face neste processo orçamental. O futuro é, por isso, “incerto” e os socialistas mostram-se ansiosos por provar de todas as formas que a indisponibilidade negocial não vem deste lado.

Por isso mesmo, e com esse desfecho por determinar, Pedro Nuno Santos falou de um futuro em que o Orçamento do Estado não seja viabilizado para garantir que, nesse cenário, aprovará um Orçamento Retificativo para permitir que os aumentos já negociados com várias carreiras da Função Pública possam entrar em vigor. O líder do PS começou por defender esses aumentos durante a curta carreira como comentador televisivo e agora voltou à ideia de que eles já deveriam ter acontecido. Já que o PS já não pode executá-los, o secretário-geral do partido quis vir assegurar que os socialistas não ficam de fora dessa fotografia nem serão considerados responsáveis pelo falhanço dos aumentos para a Função Pública — uma faixa de eleitorado importante que o PS não quer perder — caso o Orçamento morra na praia. Aqui, Pedro Nuno Santos abre a porta a concordar com a continuidade do Governo em duodécimos (ou melhor, com um retificativo). Luís Montenegro também diz não estar disposto para ir a votos, quando diz que “só há eleições em setembro/outubro de 2028”.

Presidenciais. A exclusão de candidatos e os que se posicionam melhor

O processo das Presidenciais já está a avançar no PSD. Luís Montenegro deu o pontapé de saída das presidenciais ao divulgar a moção da candidatura à liderança do PSD: quer alguém dos quadros do PSD, que tenha notoriedade, conhecimento de políticas públicas e também da realidade internacional. Mais do que incluir, o perfil exclui: o apoio a uma figura da sociedade civil ou um militar (como o almirante Henrique Gouveia e Melo) ou alguém de outro partido (como Paulo Portas). Montenegro acabaria também por reforçar este domingo que “preferencialmente” prefere apoiar um militante do partido.

Numa semana intensa nesta corrida, Luís Marques Mendes teve a oportunidade de colocar o pé na porta, aproveitando o facto de ir à rentrée social-democrata. O ex-líder do PSD disse que estámais perto do que nunca” de tomar a decisão sobre se avança ou não para a corrida a Belém. Mendes considera que estão de pé os dois pressupostos que o levaram há um ano a iniciar a ponderação: ser útil ao País e ter condições políticas para avançar. A Universidade de Verão do PSD foi também o palco escolhido para outra candidata se autoexcluir. Em resposta aos alunos da escola de formação, Leonor Beleza — que tinha sido elogiada pelo secretário-geral do PSD — foi clara a afastar-se da corrida: “A minha posição é simples: não, obrigada, não pondero nem ponderarei tal candidatura. Não sinto nenhum impulso nesse sentido e não me sinto indispensável para tal.”

Da rentrée social-democrata Marques Mendes saiu reforçado como o potencial candidato presidencial mais bem posicionado para receber o apoio do partido. Mas ainda é cedo para ser fechado o nome e o aparecimento de nomes como Passos Coelho ou Rui Rio podem dificultar a escolha da direção de Montenegro.

Já no PS, a preocupação central é mesmo o Orçamento e não houve quem se ocupasse, durante a rentrée socialista, com discursos ou intervenções sobre as eleições presidenciais. O que não quer dizer que 0 assunto não faça parte das preocupações dos socialistas, que dentro e fora dos corredores da rentrée iam trocando opiniões sobre o nome que parece ganhar mais força, neste momento, dentro do partido: Mário Centeno. Entre militantes e dirigentes, vai-se assumindo que nesta altura do campeonato o governador do Banco de Portugal parece a opção mais viável (se assim o desejar) para entrar na corrida a Belém, com fatores favoráveis como a capacidade de atrair eleitorado ao centro e até no centro-direita. No palco da Academia, ouviu-se uma vez o nome do protocandidato: foi da boca de António Costa, que mencionou o seu “Ronaldo das Finanças” para falar no “orgulho” que teve no percurso de Centeno como presidente do Eurogrupo.

Pazes com passado: a gestão do costismo e do passismo

É uma linha discursiva que Pedro Nuno Santos defendeu assim que chegou à liderança do PS, e que quer manter para futuro: a ideia de que o PS tem consciência dos erros que cometeu durante a sua governação e que percebe, por isso, que há uma boa parte do eleitorado que está zangada ou revoltada com o partido — o que explicará a sua derrota nas últimas eleições legislativas, assim como o aumento da votação no Chega, como o próprio António Costa defendeu na rentrée. Para os socialistas, só com esse reconhecimento é que o PS pode fazer as pazes com quem se revoltou contra o partido durante a maioria absoluta e esperar por resultados melhores em eleições futuras.

Pedro Nuno Santos ensaiou, no encerramento da rentrée, esse discurso: primeiro, defendendo o legado costista de “deturpações” que atribuiu à direita, e lembrando conquistas desse Governo, do aumento do salário mínimo e pensões à redução da dívida pública; depois, fazendo um mea culpa sobre os problemas que se mantiveram e até “agudizaram” durante a governação socialista. O líder do PS assumiu que a resposta à crise inflacionista não foi suficiente e que as famílias sofreram com isso, que os investimentos no SNS não permitiram que se acompanhasse a procura crescente de uma “população mais envelhecida”, e até que as medidas de construção e regulação no mercado da Habitação (área que foi da sua responsabilidade) deviam ter começado anos mais cedo.

A ideia é fazer as pazes com o eleitorado perdido com “humildade e empatia”, citando o lema dito e repetido por Pedro Nuno Santos. No PS reconhece-se que o processo é difícil de concretizar, sobretudo a partir da oposição, mas é por aqui que a direção socialista quer começar a concretizar um dos seus grandes objetivos de futuro.

O PSD de Montenegro também assume a herança da última vez em que o partido esteve no Governo, mas em doses moderadas. A escolha de Maria Luís Albuquerque forçou o partido a voltar a falar da troika, uma memória que anda há meses fora dos discursos de Montenegro (que na fase inicial do mandato fazia questão de lembrar o esforço que o Governo de Passos fez para salvar o país da bancarrota). Maria Luís Albuquerque é, no entanto, um risco moderado, uma vez que as pessoas vão associá-la a Bruxelas e não ao Governo (ao contrário do que aconteceria se integrasse o Governo).

Luís Montenegro continua também o processo permanente de recuperar o eleitorado pensionista que ainda está zangado dos tempos da troika. Na segunda parte da rentrée, em Castelo de Vide, voltou a lembrar a promessa de suplemento que fez na Festa do Pontal quando lembrou que na campanha disse a uma pensionista que se demitiria quando tivesse que cortar um único cêntimo a uma reforma. A única afronta aos pensionistas vinda do PSD foi mesmo o ataque do ministro que tutela a RTP a um programa que já foi várias vezes líder de audiências e que é muito popular entre as pessoas mais velhas: o Preço Certo. “Não se justifica os portugueses pagarem 190 milhões de euros por ano para, perdoem-me a expressão, dar concursos ao final da tarde”, disse o ministro na quinta-feira na Universidade de Verão do PSD.

Autárquicas: ambição laranja e as geringonças em perigo

Embora não tenha falado das autárquicas no discurso de rentrée, falou delas na moção divulgada no dia de arranque da Universidade de Verão do PSD. Luís Montenegro revelou que já tem “muitos processos [de escolha de candidatos] em fase adiantada de preparação” e assume o ambicioso “objetivo de tornar a colocar o PSD na liderança da Associação Nacional de Municípios (ANMP) e da Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE)”. Ora, para isto o PSD tem de conseguir mais uma liderança de uma câmara e mais uma junta de freguesia do que o PS. Não vai ser fácil, embora a diferença tenha diminuído no tempo de Rui Rio há uma desvantagem de 35 presidentes de câmara que vem de 2021.

No PS, Pedro Nuno Santos lembrou que este será o tiro de partida para a preparação das próximas eleições autárquicas (de acordo com o calendário político normal, o próximo desafio eleitoral), um ano que antecipou “intenso” e que espera que termine com um PS vencedor. Ainda assim, houve uma segunda referência às eleições autárquicas durante a Academia que serviu para antecipar um possível problema no caminho autárquico do PS e da esquerda.

Foi na quinta-feira, durante a visita da ex-deputada bloquista (e fundadora da Associação Causa Pública) Ana Drago, que um dos jovens participantes decidiu pedir à oradora a sua opinião sobre as hipóteses de a esquerda se coligar em autarquias que possa ‘roubar’ à direita. E Drago, que tal como assumiu é uma entusiasta dessas alianças, não quis deixar de fazer um aviso à navegação: se o PS optar por viabilizar o Orçamento de um Governo de direita, será muito difícil que as negociações à esquerda possam ter um futuro e que a oposição se venha a encontrar em sintonia. Um possível obstáculo a surgir no “intenso” ano antecipado por Pedro Nuno Santos.