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A última vez da direita em minoria: este filme não é o mesmo

Há 30 anos, Cavaco Silva foi eleito primeiro-ministro de um Governo minoritário, o último que a direita liderou. O que é que distingue esse Governo do que Passos pode estar prestes a liderar? Tudo.

“Após as eleições de 6 de outubro, concluí que iria chefiar um Governo minoritário do PSD e não um Governo de coligação, com apoio minoritário”. Bastaram poucos dias de análise dos resultados das eleições de 1985 para Cavaco Silva perceber que tinha pela frente um Governo minoritário e, sem procurar qualquer consenso, assumiu o cargo de primeiro-ministro. Agora, passados 30 anos, Cavaco Silva pede a Pedro Passos Coelho “uma solução governativa que assegure a estabilidade política” do país. À superfície os casos parecem parecidos. Uma minoria de direita que se depara com cenários políticos improváveis que tem de garantir a imagem externa de estabilidade do país e tem no horizonte umas eleições presidenciais. Mas é mesmo assim?

Para Miguel Cadilhe, ministro das Finanças do Governo minoritário de Cavaco – o único Governo de maioria relativa de direita, os dados de partida dos dois líderes, apesar de aparentes semelhanças, são muito diferentes. “Naquela altura estávamos a entrar na CEE. Não havia euro e tínhamos mais ferramentas de política económica para usar. Também não tínhamos o quadro disciplinador que hoje existe. Havia mais liberdade e mais tempo”, afirma o antigo ministro ao Observador. Na sua “Autobiografia Política”, Cavaco Silva afirma ter escolhido Cadilhe para as Finanças “pela sua indiscutível competência técnica e grande firmeza e criatividade”, embora soubesse que tinha “um feitio um pouco difícil”. Depois da anterior experiência de coligação de Bloco Central que tinha chegado abruptamente ao fim, havia o entendimento que um Governo de coligação “tem sempre dificuldade em negociar e marcar a sua diferença”, afirma Cadilhe.

Se por um lado havia um clima económico completamente diferente, sem o enquadramento e as exigências de uma moeda única, as condições políticas dos dois líderes do PSD também divergem. Desde logo, Cavaco era um primeiro-ministro estreante e um homem que se apresentava como um estranho às lides políticas, apesar de já ter integrado um Governo como ministro e ter sido eleito como deputado. Vinha de uma vitória retumbante uns meses antes no congresso da Figueira da Foz e na campanha recebia “abraços e beijos, alguns de um entusiasmo violento”, como lembra nas suas memórias. Nada podia ser mais diferente de Passos Coelho que ganha as eleições depois de quatro anos de desgaste político e não alcança a (parca) vitória eleitoral sozinho.

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Cavaco Silva em campanha em Guimarães nas legislativas de 1985 / Fonte: Arquivo fotográfico PSD

O PSD está agora ligado ao CDS, com quem pretende governar. Em 1985, essa não era uma opção para Cavaco, já que o CDS foi a quinta força política e apenas conseguiu eleger 22 deputados, o que, em conjunto com os mandatos do PSD, não chegava para a maioria absoluta e poderia dificultar outros entendimentos futuros no Parlamento com outras forças políticas. “A Comissão Política do PSD entendeu que se devia dialogar e ser atencioso com o CDS, mas não fazer qualquer acordo formal”, lembra Cavaco Silva no seu livro.

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Mais, o país vivia em 1985 “um segundo 25 de abril” motivado pela adesão à CEE –  assinatura do tratado de adesão aconteceu em junho de 1985 e a adesão formal teve início a 1 de janeiro de 1986  lembra Carlos Pimenta, então secretário de Estado do Ambiente do Governo de Cavaco Silva. “Havia um enorme otimismo transversal a toda a população. Os mais jovens e a população urbana viam na Europa a modernidade e as pessoas que viviam no interior, tinham a esperança que a sua vida melhorasse com a adesão já muitos portugueses emigrados em países que já faziam parte da CEE, como Luxemburgo e França, conseguiam fazer as suas vidas com mais conforto“, afirma o antigo governante ao Observador. Agora, na sua opinião, “o mundo é outro”.

Um PRD ou uma maioria de esquerda? O PS escolhe

Para além das diferenças marcadas no centro-direita, os resultados eleitorais também traçam um cenário bem diferente. Em 1985, o Partido Renovador Democrático (PRD), força alimentada pelo então Presidente da República, Ramalho Eanes, concorreu nas legislativas e arrematou 44 lugares no Parlamento, entrando de forma surpreendente no eleitorado socialista. Este resultado do PRD deixou o PS fragilizado e com um grupo parlamentar reduzido a 57 deputados – num Parlamento com 250 assentos. O PSD, com menos de 30% conseguiu eleger 88 deputados, mas quando chegou a altura de formar Governo – e à semelhança do que Cavaco fez agora com Passos -, Eanes apenas chamou Cavaco Silva e numa reunião que o antigo primeiro-ministro descreveu como “franca e cordial”, o Presidente comunicou-lhe que ia indigitar o seu Governo minoritário.

Cavaco não deu, agora, esta indicação a Passos Coelho. Por um lado, em 1985 não havia maioria absoluta possível do outro lado. PS e PRD nunca se coligariam após as eleições e o PCP estava afastado da governação. Carlos Pimenta diz que a possibilidade de o PS fazer uma coligação à esquerda em 1985 nem era uma hipótese. No centrão político, tanto à direita como à esquerda, havia “a clara opção pela Europa”, assegura. E um dos mais veementes defensores (e construtores) dessa opção era Mário Soares.

Nesta altura – ao contrário do que parece estar hoje a acontecer -, o PS estava entre líderes. Mário Soares tinha apresentado a sua candidatura à presidência da República em julho e, no final do ano, já estava com a cabeça na estratégia das presidenciais, mas ele era ainda o garante ideológico do partido. Soares defendia que uma aliança com o PRD aniquilaria o PS em termos eleitorais e não servia os seus propósitos, já que ia contra a sua vontade de afastar definitivamente os militares do poder. Soares olhava para o partido de Eanes como um segundo Conselho de Revolução, órgão que ajudou a extinguir em 1982.

Agora, a abertura do PS a dialogar à esquerda mudou o cenário. A coligação possui mais de 100 deputados – embora o número possa ainda variar depois de serem apurados os votos dos círculos da Europa e fora da Europa que deverão chegar até 14 de outubro -, mas PS+Bloco de Esquerda+PCP conseguem formar uma maioria, havendo por isso um limbo político enquanto decorrem as conversações. Mesmo que a esquerda não se entenda para formar Governo, pode ainda fazer cair o Governo de direita através da rejeição do programa do Governo de direita. Em 1985, tanto PS como PCP e MDP apresentaram moções de rejeição ao programa do Governo, mas Cavaco estava convicto da aprovação do executivo e passou o primeiro teste de fogo. O PRD, tal como o CDS, abstiveram-se e deixaram passar Cavaco, mesmo sem qualquer acordo parlamentar.

“Cavaco Silva não ia por aí [coligações], e preferiu um Governo minoritário. A boa coordenação do Governo era superior ao valor de uma maioria parlamentar”, explicou Miguel Cadilhe ao Observador. Quando instado a detalhar porquê, o antigo ministro responde que se deve a uma questão de carácter: “É um espírito muito próprio de Cavaco Silva e a sua forma de estar”.

Na discussão sobre o programa do Governo, Manuel Alegre disse que o Governo assumia o poder com data marcada para morrer, mas Cavaco não tremeu. “Não me parecia que um Governo de maioria relativa mas homogéneo, como aquele que eu tinha formado, fosse menos estável do que uma coligação entre o PSD e o PRD, e por isso, fiquei satisfeito por ela não ter ocorrido. Embora não antevisse um a vida fácil para o Governo, achava que a sua sobrevivência dependeria muito dele próprio”, escreveu Cavaco. Segundo o Diário de Lisboa de 20 de novembro de 1985, Cavaco nunca se referiu ao seu Governo como minoritário, mas sim como “uma maioria relativa”.

O Governo conseguiria valer-se a si próprio enquanto o PS estivesse em ebulição – em 1986 elegeria um novo líder – e enquanto o PRD considerasse que não conseguia ser Governo. Cavaco admitiria mais tarde que a criação do PRD e a sua ascensão nas legislativas de 1985 foram uma “benesse” para a sua governação, não só pela falta de orientação naqueles tempos, mas pelo golpe que iriam desferir daí a dois anos. Mário Soares, no livro de entrevistas a Maria João Avillez, “Soares, o Presidente”, diz mesmo se não estaria “subjacente” na formação do PRD “dar uma mãozinha a Cavaco Silva num momento crucial”.

Umas presidenciais logo a seguir às legislativas

Uma situação que aparentemente também parece semelhante entre a situação de Passos Coelho e Cavaco Silva é o facto de três meses depois das legislativas, haver presidenciais. Novamente, a semelhança fica-se pelas aparências. Soares tinha decidido candidatar-se no final de 1984, mas não havendo cedência no Bloco Central para aliviar a política económica – o FMI tinha estado em Portugal em 1983 – e pressionado pelas negociações da entrada na CEE, o socialista manteve-se no Governo como primeiro-ministro. No meio da indecisão e dos problemas no Bloco Central – Mota Pinto, vice-primeiro-ministro e principal representante do PSD na coligação morreu de embolia cerebral em maio de 1985 – Freitas do Amaral e Maria de Lourdes Pintassilgo surgiram como candidatos.

Tal como agora acontece, com a queda do Governo de coligação em Junho de 1985, e novas eleições legislativas, as eleições para o Governo e para Belém misturaram-se. Enquanto os partidos se focavam nas legislativas, várias figuras individuais preparam a estratégia para a presidência. Pelo caminho, tal como agora parece estar a acontecer a Sampaio da Nóvoa, a estratégia de Soares parecia ter falhado, mas por razões diferentes. Com a vitória de Cavaco Silva no congresso da Figueira da Foz, Soares já não tinha garantido o apoio do PSD que até aí parecia certo (devido ao apoio de figuras como Rui Machete ou João Salgueiro, que eram candidatos naturais a ascender à liderança dos sociais-democratas. Mas Cavaco venceu, preferiu Freitas do Amaral e, no meio da derrota do PS nas legislativas, Soares improvisou.

Formou-se então o MASP – Movimento de Apoio Soares à Presidência, que contava com notáveis como Vasco Pulido Valente, Carlos Monjardino, António Barreto, José Carlos Espada, Pacheco Pereira e Manuel Villaverde Cabral. “A máquina do PS revelou-se muito lenta na resposta às necessidade da minha candidatura. Não se podia estranhar. Os socialistas, depois de clamorosa derrota sofrida nas legislativas, mostravam-se céticos e desmotivados“, afirma Soares no livro de entrevistas “Soares, Democracia”.

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Soares na campanha de 1986 / Fonte: Casa Comum

Atualmente, com o surgimento da candidatura de Marcelo Rebelo de Sousa, tudo indica para já que a popularidade do professor o torne a escolha óbvia do PSD, embora não fosse a primeira escolha de Passos Coelho. Em 1985, esse candidato era Freitas do Amaral. Foi depois da vitória nas eleições que Cavaco formalizou o seu apoio ao fundador do CDS, estabelecendo como condição a não dissolução da Assembleia – ou seja, que este não demitiria o Governo apenas por ser minoritário. Cavaco assume que teve de usar “firmeza” dentro do seu partido para convergir os apoios em Freitas do Amaral, um ex-líder do CDS. O próprio Cavaco manteve-se afastado da campanha, participando apenas no comício de encerramento.

Do lado socialista surgiu também Salgado Zenha, com uma candidatura independente, apoiado pelo PRD e pelo PCP. Soares, amigo pessoal de Zenha, disse que essa tinha sido “o mais difícil dos rivais”. A amizade que já estava estragada, piorou. Valeu a Soares o pouco jeito de Zenha para lidar com as pessoas durante a campanha, já que em termos de perfil “era uma figura política e moral de um peso indiscutível”, admite o próprio socialista. Agora, o PS também tem dois potenciais candidatos que pode apoiar. De um lado Maria de Belém, uma militante de reconhecido valor na estrutura socialista, ou Sampaio da Nóvoa, próximo do líder, mas uma figura que se quer apresentar com independente.

As eleições presidenciais de janeiro de 1986 levaram a uma segunda volta. Na primeira, nenhum candidato conseguiu mais de 50% dos votos, apesar de Freitas do Amaral ter chegado aos 46%. Contra muitas crenças, Soares ficou em segundo com 25,4% e passou à segunda volta deixando Zenha para trás. Um incidente na Marinha Grande, onde havia uma manifestação contra Mário Soares e onde o socialista foi fisicamente atacado, deu impulso à campanha já que as imagens de Soares no meio da confusão foram difundidas pela televisão – há quem defenda que este protesto foi encenado por Mário Soares, algo que o socialista refuta de forma veemente, defendendo que isso se trata de “infâmia”.

Apesar da diferença que separava os dois candidatos, na segunda volta, o PCP e Cunhal fizeram o impensável e apoiaram Mário Soares. “Se for caso disso, não leiam o nome de Soares, não olhem para o retrato. Marquem a cruz do voto no quadrado que está à frente desse nome…”, disse então o líder comunista. Com este apoio e com alguns antigos apoiantes de Pintassilgo, Soares reforçou as suas fileiras e ganhou contra Freitas do Amaral, tornando-se o primeiro Presidente da República civil a ser eleito. Pelo caminho, estragou as contas a Cavaco Silva. “Quando na noite da segunda volta o ministro Eurico de Melo me telefonou dizendo-me que, de acordo com os dados disponíveis no Ministério da Administração Interna, era quase certo que Mário Soares seria o vencedor, embora por uma pequena margem, eu nem queria acreditar”, afirma Cavaco Silva. Esperava-os uma coabitação de 10 anos.

Negociar, negociar, negociar é o destino de um Governo minoritário

A prioridade do Governo de Cavaco era fazer aprovar medidas estruturais no Parlamento e fazer passar os Orçamentos de Estado – o antigo primeiro-ministro conseguiu aprovar dois. Cavaco fixou um período de 100 dias para fazer a diferença num país que após a segunda chamada do FMI ainda continuava a sofrer uma grave crise económica. A taxa de inflação atingia os 20%, o défice público ultrapassava os 11% e as taxas de juro atingiam os 30%. Dados que não agradavam ao antigo professor de Finanças e se destacavam num país que recentemente tinha assinado a adesão à CEE. As Finanças tornaram-se então a prioridade do Governo com a chamada “estratégia de progresso controlado”. Sim, disciplina e ajustamento são palavras que há muito circulam no léxico dos executivos lusos.

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Cavaco fala num Congresso do PSD em 1986 / Fonte: Arquivo fotográfico PSD

Caso Passos Coelho venha agora a formar Governo, o estado da economia e das finanças do país nunca vai sair da lista de prioridades – tal como acontecerá caso um Governo à esquerda venha a tomar posse. Mas as regras são agora diferentes, com vários critérios rígidos a obedecer a nível europeu. Se o Governo ficar à direita e sem maioria absoluta, a negociação será chave para cumprir as obrigações externas e fazer passar legislação. Em 1985, Cavaco decidiu “tomar as decisões que considerava necessárias e não se preocuparia excessivamente com o caráter minoritário”.

Nalguns setores, como o Ambiente, Carlos Pimenta afirma que esta fórmula deu resultado. “Eu nunca tive dificuldade em aprovar medidas. Claro que estava numa área muito específica e ter uma lixeira à porta de casa e os esgotos a correrem livremente para o mar, são questões que geram consenso. Mas cheguei a a apresentar o primeiro programa de política ambiental no Parlamento e a sair de lá com o dobro do dinheiro”, garante.

Já Cadilhe disse ao Observador que a “necessidade de negociar” estava sempre presente e que nem sempre isso “levava a bom porto”. “As reformas tinham dificuldade em avançar”, assegurou o ex-governante. Foi a altura de Cavaco passar a utilizar a estratégia da vitimização do Governo, especialmente quando se torna difícil aprovar o Orçamento do Estado para 1986 devido às medidas apresentadas pela oposição e que o primeiro-ministro considerava “inaceitáveis”. “O Governo, sendo minoritário, surgia como vítima e acumulava capital de queixa: queria resolver os problemas do país e a oposição não deixava”, escreveu nas suas memórias.

A situação agravou-se em junho de 1986 quando o Parlamento não permitiu que o Governo mexesse nas leis laborais, parte integrante das reformas que Cavaco queria levar a cabo. O Diário de Lisboa lembra na sua edição do dia 21 de junho que “maiorias são maiorias” e nem com a recontagem de votos, pedida pelo PSD, o caso mudou de figura. A pergunta para muitos era: “Porquê insistir em mudanças que estão chumbadas à partida?”. Cavaco decidiu ignorar e disse que o Governo ia continuar a trabalhar. Nos bastidores, o primeiro-ministro viu nos meses que antecederam este impasse uma oportunidade para testar as forças da oposição e apresentar uma moção de confiança. No CDS a liderança tinha mudado há pouco com a saída de Lucas Pires e a entrada de Adriano Moreira e, no PS, Víctor Constâncio que sucedeu a Soares, tinha poucos dias na liderança do partido. “Apresentando uma moção de confiança – vista como iniciativa corajosa – eu mostrava também que não estava interessado no poder pelo poder“, descreve o homem que mais tempo governou em Portugal em democracia.

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Capa do Diário de Lisboa, 27 de junho de 1986 Fonte: Fundação Mário Soares

Como Cavaco previu, a moção passou e para a comunicação social da altura “ficou tudo na mesma”. Já as condições atuais não permitem prever esta acalmia. Até às presidenciais, António Costa já evidenciou vontade de se manter na liderança socialista, Catarina Martins saiu das eleições como uma das grandes vencedoras – unindo o seu partido e reforçando a bancada – e Jerónimo, que fez subir o score eleitoral do PCP ao nível de 1999, abriu as portas do arco da governação aos comunistas, depois de ter conversado com o PS e de lhe dar apoio para a formação de um possível Governo à esquerda. Passos não enfrentará, desta vez, uma oposição tão frágil e desorientada como em 1986.

Nesse ano, crescia já em Cavaco a convicção que o país estava ao seu lado e que, caso houvesse novas eleições, os portugueses poderiam responder de forma inequívoca nas urnas quem queriam à frente do país e assim, aproximá-lo de um sonho, a maioria absoluta.

A “benesse” e o alívio da moção de censura

Apesar de agora ser um acérrimo defensor da estabilidade, a instabilidade parlamentar no final de 1986 e início de 1987 foi encarada por Cavaco como uma oportunidade. Em novembro de 1986, a oposição rejeitou as Grandes Opções do Plano para 1987 e Cavaco optou pelo “estoicismo” do seu Governo. “A sensação no PSD era de que, em resultado da ação do Governo, o partido estava bastante mais forte do que em 1985 e não havia receio de eleições antecipadas”, pensava o primeiro-ministro. Também Miguel Cadilhe defendeu que, para o próprio Governo, a sua queda seria “um alívio”.

Já o Diário de Lisboa ridiculariza a posição em que Cavaco colocava o seu Governo, referindo que o país não correspondia à descrição feita pelo primeiro-ministro e que a culpabilização da oposição era exagerada.

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A moção de censura veio a 23 de março de 1987 pela mão do PRD. A motivação? Um caso insólito de política externa. Convidados a visitar a URSS, vários deputados portugueses deslocaram-se a Moscovo e os soviéticos tinham preparado uma visita à Estónia, país que não era reconhecido pela NATO. O Governo terá avisado o presidente da Assembleia para não participar na visita e ela acabou por não se realizar, mas Fernando do Amaral, que liderava o Parlamento e tinha sido eleito pelo PSD, reclamou. E estava gerada a polémica. O PRD tentou capitalizar, mas falhou ao explicar ao certo o que ligava o caso Estónia à ação do Governo. Hermínio Martinho, número dois do partido, disse que este incidente “prejudicou a imagem internacional do país”, dando a entender que outra solução de Governo podia ser encontrada.

Se estava à espera de ajuda por parte PS, ficou sem pé. Os socialistas vieram dizer imediatamente que tinham “objetivos próprios” e que a decisão do PRD tinha sido “grave” já que não houve consulta prévia dos restantes partidos da oposição. Segundo Cavaco, esta moção “estragou o calendário político” do PS que esperava derrubar o Governo mais tarde, possivelmente depois da nova liderança estar bem estabelecida e de Víctor Constâncio se tornar conhecido da generalidade dos portugueses. Constâncio ainda tentou um género de acordo parlamentar com o PSD, mas Cavaco achou a jogada “demasiado ostensiva”. O PSD manteve-se em silêncio.

“Logo que o PRD anunciou a moção de censura, convenci-me de que já não valia a pena desenvolver grandes esforços para garantir a sobrevivência do Governo. (…) Para mim, a única saída para a crise era a convocação de eleições legislativas antecipadas”, determinou Cavaco. Desde logo, quando a moção começou a ser discutida, o PRD não apresentou argumentos fortes. “O PRD não diz que este Governo foi péssimo, mas diz que teve um oportunidade única e desiludiu”, afirmou Hermínio Martinho no dia 2 de abril de 1987. No dia seguinte, o próprio Cavaco Silva admite em plenário: “Hoje o Governo cairá”. E acerta, mas não no dia. O Governo cai no dia seguinte e, com oposição apenas do PSD e do CDS (que procurava um entendimento pré-eleitoral para as próximas legislativas), a moção de censura é aprovada com votos favoráveis do PS, PRD, MPD, Os Verdes e PCP.

Enquanto isto acontecia, Mário Soares, eleito Presidente da República em 1986, estava em visita oficial ao Brasil. Quando voltou, ainda ouviu Constâncio propor-lhe uma alternativa maioritária na AR: o seu PS queria liderar um governo e tinha garantido o apoio do PRD e até do PCP. Mas, depois de ouvir o Conselho de Estado, Soares decidiu convocar eleições antecipadas. Algo que virou o PS contra si. “Resolvi, em consciência, de acordo com aquilo que pensava – e penso – ter sido o interesse nacional, procurando maior estabilidade política, no momento em que Portugal começava a beneficiar dos apoios da CEE. Secundariamente, reconheço-o, é exacto que não fiz o jogo político do PRD”, afirma em entrevista a Maria João Avillez para o volume “Soares, o Presidente”.

Cavaco ficaria mais oito anos no poder, ganhando duas maiorias absolutas consecutivas. Um feito único na história da democracia portuguesa.

Desta vez, Passos pode jogar este seu governo minoritário muito mais cedo, logo no programa de Governo. E aí estão mais diferenças: o PS de Costa já procurou a esquerda para avaliar o apoio destes partidos logo à partida, com um chumbo do programa de Governo; e o Presidente da República não tem o poder, nesta fase, de convocar eleições antecipadas. Não se sabe, porém, o fim da história: se a esquerda se entende; e, mesmo em caso positivo, se o Presidente aceita a alternativa que esta lhe possa dar.

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