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Caldas da Rainha. O título de maior árvore de Natal iluminada em Portugal só durou 25 dias (culpe-se Aveiro)
O tamanho aqui — e “aqui” são as Caldas da Rainha — importa. E mais importará a cronologia nesta história. A 17 de novembro era inaugurada na Praça 25 de Abril a “maior árvore de natal artificial e iluminada” do país. A inauguração, ou melhor, a iluminação, foi com pompa — e até teve direito a coro gospel e tudo. E o caso não era para menos, dirão alguns: 41 metros de altura — contando já com uma estrela de seis metros no topo –, 20 metros de diâmetro, mais de 10 toneladas de peso e 5.000 metros (sim, leu bem: cinco-mil) de iluminação. Não há outra como esta no país. Até 12 de dezembro, não havia.
Nesse dia, Aveiro chegou-se à frente com uma árvore com 50 metros de altura. E, como quem não quer a coisa, ainda tinha no topo um barco moliceiro a fazer as vezes da estrela. O recorde das Caldas da Rainha durou 25 dias. Mas o presidente da Câmara, Fernando Tinta Ferreira, não deu por mal gastos os 125 mil euros (a árvore inclui-se nos 76 mil gastos em iluminação de rua) que investiu no Natal caldense. “A verdade é que a nossa árvore, quando foi inaugurada, era mesmo a maior do país. Agora é a segunda, não é? Pois, acho que há outra lá para Aveiro ou o que é. Não importa nada. Para mim, e olhando à nossa dimensão — pois não somos uma capital de distrito [como Aveiro é] –, até somos a maior. Proporcionalmente, somos.” Palavra de presidente.
Convidámos Fernando Tinta Ferreira a subir até ao terraço da Câmara, de frente para a estrela no topo da árvore. São três andares e um telhado de altura. E a pergunta impõe-se: porquê investir tanto numa árvore? “É precisamente isso: um investimento. E que trará retorno às Caldas. Quando pensámos na árvore de Natal — e este é o segundo ano em que temos uma árvore desta dimensão [em 2015 tinha 30 metros] –, pensámos que se a apresentássemos como a maior do país, isso atrairia os media. E os media atrairiam os visitantes. Foi o que aconteceu no ano passado e é o que está a acontecer neste ano. Tudo isto foi pensado. Não é por acaso. E pensámos logo no começo do ano, com a Associação Empresarial [das Caldas da Rainha e do Oeste]”, explica.
As Caldas da Rainha são “um centro comercial a céu aberto”. Quem o diz é o presidente da Associação, Paulo Agostinho. “Há mais de 600 lojas, 40 restaurantes e 80 pastelarias. Tudo na rua. Para atrair visitantes no Natal, tínhamos de pensar em grande. Queríamos a maior árvore. E contactámos as 12 empresas que oferecem este tipo de serviço. Contratámos aquela que nos fornecesse a maior. Curiosamente, a empresa que fez a árvore de Aveiro nem sequer é uma destas; é uma empresa de metais. Eles quiseram bater o nosso recorde. E os recordes estão aí para ser batidos, não é verdade? Mas, por causa disso, fomos notícia duas vezes: com a maior árvore e quando deixou de ser a maior”, graceja. Mas, para Paulo Agostinho, só faz sentido ter uma árvore desta envergadura, um “chamariz”, se a oferta que as Caldas da Rainha têm para oferecer a complemente.
Até ver, e olhando aos números de 2015, tem tido. “A maioria das empresas teve um aumento de vendas de 20%. E este ano, pelo que os comerciantes me têm dito, o negócio também está a correr bem. Mas nós não temos só a árvore e o comércio para oferecer. Temos a ‘Casa do Pai Natal’, temos uma exposição de árvores de Natal [na Avenida 1.º de Maio] em que participaram mais de 60 escolas e entidades, e temos o ‘Comboio Mágico’, que é um sucesso. Repare: é de manhã [10h30] e até fazem fila par lá entrar!”, explica.
O maquinista é Patrick. “O comboio é o menino dos meus olhos”, atira. Não circula sobre carris, mas pelo asfalto, às vezes alcatroado, às vezes empedrado. “O empedrado é que é pior. E também há ruas mais esburacadas que outras, mas já as vou conhecendo e desvio-me. Isto dá-me cabo das costas ao fim do dia, mas vale a pena”, explica. E o dia de Patrick tem horas de trabalho a perder de conta, de manhã à noite, das 11h00 às 19h30. Patrick vai escutando hip-hop na cabine. Nas carruagens de trás, escutam-se canções de Natal em loop. A fila adensa-se.
Constança, cinco anos, chega pela mão da avó Graziela. Ou o contrário. “É mais ela que me arrasta para cá. Ela adora isto. E pede-me para vir cá todos os dias. O comboio e a árvore gigante trazem muita gente de fora aqui às Caldas. E isso é bom.” Mas no comboio, ou na fila para o comboio, nem sempre corre tudo bem. Precisamente por causa dos “repetentes” como Constança e a avó. E Patrick recorda-nos: “Há caras que eu vou conhecendo. E às vezes os pais são piores do que os filhos. Quando digo às crianças que têm que esperar até voltar a andar no comboio [as viagens são de meia em meia hora], elas ficam amuadas, mas os pais discutem e dizem que estavam na fila. Faz parte. Vou ser sincero: o comboio já esteve em Alcobaça, Castelo Branco, Leiria — e Leiria até ficou ‘chateada’ comigo por não estar lá este ano — e nunca vi nada como nas Caldas. Epá, isto tem sido uma loucura.”
A cidade das Caldas da Rainha é conhecida pela sua cerâmica. A de Rafael Bordalo Pinheiro e a “fálica”, como lhe chama Paulo Agostinho. Mas será que a árvore gingante — tal é o sucesso — vai ser, daqui por alguns anos, mais conhecida do que a atividade tradicional da cidade? “Não”, responde, “são complementares”. Mas nada de varrer a louça (a mais “fálica”, claro está) para baixo do tapete durante a quadra natalícia. Antes pelo contrário. “Somos uma cidade da cerâmica. E a louça fálica faz parte da nossa cultura. Identifica-nos. É verdade que às vezes é depreciada ou mal-tratada, mas é um ramo de atividade e até está exposta nas lojas de rua. Não choca nada com o Natal. Se o turista vier ver a árvore e levar um souvenir como esse, melhor para todos”, explica.
A árvore do próximo ano já está a ser pensada. Em maio começará a ser negociada e em novembro erguer-se-á. O recorde de Aveiro — e que até foi das Caldas durante algumas semanas — cairá? “Vamos ver, vamos ver. Uma coisa é certa: não será pequena. E tentaremos que seja a maior. Mas até pode não ser uma árvore e ser outra coisa. O nosso propósito é que seja algo que traga visitantes às Caldas”, garante o presidente da Associação Empresarial.
Águeda. O maior Pai Natal do mundo (em breve o Guinness dirá se é ou não) senta-se aqui
Saídos das Caldas, a viagem continua para norte, para Águeda. Lá chegados, e antes mesmo de atravessar o rio, não há como enganar: é ele. Está de costas, mas é ele. O maior de que há memória em Portugal e não só. É o maior Pai Natal iluminado do mundo. Por falar em iluminação, são 250 mil lâmpadas a brilhar a partir das 17h45. Ainda não são 17h45, é começo da tarde, mas a azáfama é muita na baixa da cidade e no Largo 1º de Maio, onde o “barbudo” se senta.
O frio é de enregelar o mais natalício dos natalícios. E alguns sentam-se à volta de uma fogueira que arde lado a lado com o Pai Natal. Entre ele e a fogueira, e ao som de “Primeiro Beijo”, de Rui Veloso, dois namorados envolvem-se num beijo “ardente” – afinal, o frio aperta e a carne é fraca. Não os incomodámos. O avô Vítor não sabe do neto Salvador. O petiz escondeu-se debaixo de uma das botas do Pai Natal – e tem muitos por onde se esconder: a base tem nove por 12 metros; de altura são 21 metros – e nem sinal dele. Lá o encontrou, o avô. E conta: “Não somos de cá. Viemos de Coimbra. Curiosamente, não foi ele que me pediu para vir. Fui eu que, ao passar por aqui, vi o Pai Natal ao longe e resolvi parar.”
A intenção da Câmara Municipal foi precisamente essa: quem quer que passasse, mesmo que em “visita de médico”, viesse visitar Águeda, surpreendidos pelo Pai Natal gigante. E investiu, a Câmara, 49 mil euros na construção deste. “É o segundo ano que está”, explica o vereador do Turismo, Edson Santos. “Sabíamos que este Pai Natal existia e que tinha estado noutras cidades – durante pouco tempo por ano, oito dias se tanto. E queríamos que viesse para Águeda. Então, contactámos o construtor. Porquê? Nós apostamos muito na arte urbana — temos o festival Agitágueda no Verão, por exemplo. E essa aposta na arte urbana é uma forma de atrair visitantes, que usufruem da paisagem, da gastronomia, do comércio, de tudo. É uma aposta ganha: os restaurantes estão cheios, a hotelaria também, há excursões para visitar a cidade e o Pai Natal. E mais do que para quem nos visita, o Pai Natal é um orgulho para a gente da terra. As ruas estão repletas de gente”, explica.
Na rua, literalmente na rua, está Maria, “só Maria”, vendedora de cavacas, numa pequena banca montada (estrategicamente) à saída de uma passadeira. “Ó menino, eu nem sou de Águeda, mas é uma alegria ver tanta gente. E entra muito money, que é o que eu preciso e o nosso primeiro ministro quer”, graceja. E continua: “Ele nunca haveria de morrer!” Quem? O Pai Natal? “Não, menino, o Gil [Nadais]. Abençoado, este presidente da Câmara. E ainda por cima montou-me ali um rapaz [leia-se: Pai Natal] tão bonito e tão grande ao fundo.” Conversa feita, despedimo-nos de Maria. Mas esta, depois de atravessada a passadeira para o outro lado da rua, atira de chofre: “Olhem: saudinha e bom Natal! Não comam é muitos doces, que faz borbulhas!”
As montras da baixa de Águeda, do café — e os cafés vendem Pastéis de Águeda como “pãezinhos quentes” por estes dias — ao talho, do supermercado à taberna, estão engalanadas. Mas nenhuma reluz tanto como a da florista. “Chamar-me, chamo-me Maria. Mas o meu ‘nome artístico’ é Graciete. E não sou florista, amor. Sou mais fina que isso: agora sou ‘designer de flores’”, graceja. Diz que a montra é feita com “uns tarecos” da “selva” que tem por casa. E dos tarecos e da selva nasceu uma árvore de Natal feita de desperdício floral. “Ó amor, tira-me então uma fotografia da montra, para eu pôr no Facebook e as minhas amigas meterem ‘gosto’! Eu caprichei nisto porque sou florista. É defeito de profissão”, explica, enquanto enrola um ramo de flores, sem nunca tirar dele os olhos. E a clientela? Aumenta nesta altura? “Assim-assim. Mas se não houvesse nada ainda era pior, não é?”
O vereador do Turismo garante que há clientela. “No ano passado houve um acréscimo e foi por isso que este ano voltámos a investir no Pai Natal.” Mas se o Pai Natal não tivesse a dimensão que tem, o acréscimo seria menor do que é. “Naturalmente. Nós pensámos nele, com esta dimensão, por saber que seria notícia. E agora se entrar para o Guinness, mais notícia será.” A candidatura está entregue. “Em 2015 também nos queríamos candidatar, mas as condições climatéricas não nos permitiram fazer as medições necessárias. Uma coisa é certa: quer seja recorde, quer não, o Pai Natal estará cá para o ano, tal e qual como está hoje. Não nos interessa isso. Interessa-nos é que as pessoas – as de fora e as de Águeda – usufruam da cidade”, explica.
Priscos, Braga. Na terra do pudim, o maior presépio vivo da Europa é uma “máquina do tempo” com 800 figurantes
– Qualquer dia, o presépio é mais conhecido do que o Pudim Abade de Priscos, não?
– Acho que o presépio até é mais conhecido do que o pudim. [Risos] É que as pessoas comem o pudim e não sabem que é da freguesia. E para conhecer o presépio têm mesmo que vir cá.
O padre Francisco Torres é quem organiza, desde há 11 edições, o maior presépio vivo da Europa, em Priscos. E este é maior a cada ano. Neste, serão 30.000 metros quadrados de área, 90 cenários diferentes e cerca de 800 figurantes. O reconhecimento não vem em nenhum livro dos recordes. Mas veio “de cima”, do Vaticano e do Papa Francisco. A inauguração, a 21 de dezembro, teve a bênção do Sumo Pontífice. “É o que é. Mas não podemos, lá porque tivemos essa bênção, estar cheios de penachos. Seria errado. O que significou? Foi como um filho tirar boas notas na escola e o pai sentá-lo ao colo e beijá-lo na testa. Foi isso que sentimos”, explica.
O padre guia-nos pelo presépio, do acampamento romano à Aldeia dos Judeus, da manjedoura às catacumbas. E das catacumbas sai uma mulher assustada, de mão sobre o coração e palpitante. “Oh senhor padre, o senhor padre ia-me matando. Então, estão ali mortos!”, atira. E graceja o pároco de Priscos: “É verdade. As famílias não os foram buscar à morgue e nós trouxemo-los para aqui, como figurantes.” “Sabe, aquilo são bonecos numa mortalha, mas às vezes está lá mesmo um figurante enrolado e assusta as pessoas…”
O presépio virou “casa assombrada” num parque de diversões, é? O padre explica: “Não, não. Mas as pessoas não podem ver o Natal só como uma época fofinha, até melosa. Têm que conhecer tudo daquela época e como se vivia em Belém. Jesus nasceu numa manjedoura, ao lado dos animais e do estrume. Isso não é fofinho. E quando as pessoas morriam, erram enroladas em mortalhas e sepultadas como ali se viu. O natal não representa só o nascimento. As pessoas devem conhecer a história toda.”
Seguimos para a manjedoura. Habitualmente, e mesmo quando o presépio é “vivo”, encontram-se figurantes para fazer de José e Maria, encontram-se os animais, mas não um recém-nascido sobre as palhinhas deitado. Em Priscos, sim. “Nós vamos à procura das famílias. Só no presépio de 2015 tivemos 33 famílias com bebés. O pai, a mãe e o filho. E recordo-me de uma história curiosa, a de um casal que me disse que o filho não era batizado e que eles não eram casados. E eles perguntaram-me se, ainda assim, poderiam vir fazer de figurantes. Respondi-lhes que sim. Afinal, Jesus também não era batizado. E Maria e José nunca se casaram. Aceitamos todas as confissões religiosas, todas as sensibilidades – e até aceitamos quem não tem nenhuma.” Voltando aos bebés-figurantes. Como é que estes lidam com a fria manjedoura e o corrupio de visitantes? “Lidam bem. Até dormem uma soneca. [Risos] É verdade que cá fora faz frio, mas lá dentro, com os animais, é mais acolhedor e quente. Desde que tenham o que comer, adormecem e nem dão pelos visitantes.”
O telefone toca.
– Oh homem, você é o centurião, você é que manda. Faça de conta que é verdade…
Quem faz figuração em Priscos, fá-lo pro bono. O Presépio Vivo recebeu cerca de 55 mil euros da Câmara Municipal de Braga — vencedor que foi do Orçamento Participativo –, mas o dinheiro é quase todo para pagar os materiais e pagar aos reclusos do Centro Prisional de Braga, que constroem e reparam o presépio. “De outra forma, e sem a boa-vontade das pessoas, o presépio não custaria 55 mil, mas 220 mil euros.” Voltando às instruções que o padre João deu por telefone. “Há muita coisa para fazer: casamentos, funerais e até batalhas. Agora mesmo, estava a falar com um ‘centurião’ do exército romano e a dar-lhe instruções para amanhã. Mas é tudo simples. Chego-me à beira do responsável, digo-lhe o que temos que fazer no dia e ele organiza tudo com os restantes figurantes. Há sempre um guião, ensaia-se tudo, mas também se vive muito do improviso no próprio dia.”
O padre chama José Pinto: “Oh senhor Pinto! Venha cá…” “É para me confessar, senhor padre?”, graceja o mais velho dos figurantes do presépio. Que idade tem? “Um maluco e uma batata!” Como disse? “Não sabe o que é um maluco? É nove. E uma batata é zero…” Noventa, portanto. Fez de tudo, José Pinto: de figurante, de trolha, limpou com a enxada o cenário de uma ponta à outra e até “coisou coisas”. “Sabe, eu trabalho de graça. E a seco! Mas sou mais ‘rico’ por dar do que se recebesse”, explica.
Este ano, e como sempre, José Pinto veste “a farda”, anda pelo presépio, “pico qualquer coisa, bebo um copinho” e diz-se “feliz” assim. Mas nem todos ficam felizes com o “papel” que lhes calhou em sorte. Ou azar. Todos querem ser Maria ou José, todos querem ser apóstolos, poucos querem ser soldados romanos e muito menos fariseus. “Tenho que saber lidar com as sensibilidades, os feitios e as neuroses de cada um. Há muitos que não querem ser pobres e pedem-me, uma vez que são remediados no dia-a-dia, para fazerem de ricos uma vez na vida. Acho que as pessoas revivem aqui a sua meninice”, explica o padre.
O título de maior presépio vivo da Europa não lhe pesa. Nem teme que um dia o perca. “Sei que há presépios em Itália, por exemplo, que são quase tão grandes quanto o de Priscos. Mas nós temos o que há de mais precioso: as pessoas. Isto é organizado pelas pessoas, não é por nenhuma empresa. E até costumo dizer: se tivesse sido organizado por uma empresa, o empreiteiro já estaria rico e, provavelmente, preso. Gastar-se-iam milhões neste presépio. O que fazemos aqui é um pequeno-grande milagre.”