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"Breakfast at Tiffany's" (1961), de Blake Edwards
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"Breakfast at Tiffany's" (1961), de Blake Edwards

"Breakfast at Tiffany's" (1961), de Blake Edwards

O namoro eterno entre a moda e o cinema: no Batalha há um ciclo de filmes para "fugir do óbvio"

Dois mundos distintos e, ao mesmo tempo, inseparáveis, num programa para ver até 1 de novembro. E o pretexto para refletir: “Porque é que o cinema português nunca se interessou pelo fenómeno da moda?"

Quando “Barbie” de Greta Gerwig se estreou a 20 de julho, as salas de cinema por todo o mundo encheram-se de cor-de-rosa. “Era impressionante a quantidade de pessoas de diversas idades e origens vestindo rosa. Olha só como o cinema e a moda são linguagens potentes também para o comércio”, comenta Hanayrá Negreiros, investigadora e curadora de moda brasileira, que, perante o fenómeno Barbenheimer, escolheu ver o filme de Christopher Nolan.

Negreiros, que foi curadora-adjunta de moda do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand — MASP, não tem dúvidas da influência que a sétima arte sempre bebeu nas passerelles e o seu inverso: “É uma mão dupla, acontece dos dois lados”.

Essa relação inegável entre a moda e o cinema é o ponto de partida para o ciclo “Sobre-vestir: Histórias de Cinema e Moda”, que arranca este sábado, 2 de setembro, e prossegue até 1 de novembro, no Batalha Centro de Cinema, no Porto. O programa, com a curadoria de Guilherme Blanc (diretor artístico do Batalha), Hanayrá Negreiros e João Sousa Cardoso, mostra como o cinema é indissociável das narrativas que a roupa e os figurinos transportam.

Em dez sessões se procura mostrar, por exemplo, como o aparato da roupa se tornou um contributo decisivo na construção das linguagens cinematográficas de cineastas — muitas vezes culminando em colaborações fecundas com criadores de moda —, ou como há códigos de vestuário de comunidades cuja produção estética pulsante nem sempre tiveram (ou têm) visibilidade.

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Com um desejo assumido de “fugir àquilo que é o óbvio”, “um dos critérios foi procurar filmes que fossem pouco vistos e que trabalhassem um entendimento da relação entre expressões do vestir que não fossem a dominante”, explica João Sousa Cardoso, artista e professor doutorado em Ciências Sociais pela Universidade Paris Descartes. Daí a tentativa de fugir às biografias de designers, às referências clássicas e, por oposição, optar por desbravar caminho num terreno menos habitual que resulta numa “valorização do sul global e a valorização de filmes muito pouco vistos”.

À esquerda: still do filme "Touki Bouki" (1973), de Djibril Diop Mambéty. À direita: still de "Ori" (1989), de Raquel Gerber

“Queríamos descentralizar, trazendo cinema de arquivo, trazendo um cinema feito no século XXI”, assume também Hanayrá Negreiros, que destaca a programação do documentário “Ôri” (1989), de Raquel Gerber, sobre o percurso de Beatriz Nascimento, historiadora que moldou o pensamento antirracista e feminista do Brasil, acompanhando os movimentos negros no país entre 1977 e 1988. No filme (que é exibido a 3 de setembro, às 17h15) evidencia-se a cultura de matriz africana nas vestes tradicionais brasileiras.

A curadora, que desenvolve investigações centradas em histórias do vestir da diáspora africana no Brasil, menciona também “Touki Bouki” (1973), considerado uma obra-prima do cinema africano. A obra realizada por Djibril Diop Mambéty conta a história de Mory e Anta, um vaqueiro e uma estudante que sonham trocar a capital senegalesa por Paris. Para conseguir dinheiro para a viagem, embarcam numa epopeia onde a roupa se assume como protagonista.

“As identidades e as estéticas e as culturas sempre estiveram aqui, mas por um processo histórico de apagamento foram deixadas de lado. O cinema tem uma forte característica de documentação. Quando a gente traz esses títulos para a mostra a gente quer justamente tanto evidenciar que sempre estiveram aqui como que essas culturas e comunidades possuem uma linguagem de vestir uma expressão vestimentar muito forte”, sustenta.

“Tentámos também ser muito cirúrgicos e mostrar um cinema menos visto em Portugal”, resume João Sousa Cardoso. De fora ficaram as biografias de criadores de moda, os filmes que se passam nos bastidores da indústria ou as películas em que o figurino colheu louvores. “Queríamos que os filmes tivessem que ver com o fenómeno vestimentar, mais do que ser um filme sobre um autor.”

Sem esquecer a importância das duplas criativas, compostas por designers e realizadores, o ciclo inaugura este sábado, 2, às 21h15, com “The Cook, the Thief, His Wife & Her Lover” (1989), de Peter Greenaway, protagonizado por Michael Gambon e Helen Mirren. “A colaboração com Jean-Paul Gaultier traz a moda de autor de vanguarda que até aí não tinha tido lugar no cinema contemporâneo”, recorda o curador. A colaboração entre o criador de moda francês e o realizador britânico seria um marco na história do figurinismo, e “um pontapé de saída que, nos anos 90, vai ter expressão no cinema do Almodóvar e de outros cineastas”.

"The Cook, the Thief, His Wife & Her Lover" (1989), Peter Greenaway, com figurinos do francês Jean Paul Gaultier

A fazer jus à expressão “a exceção confirma a regra”, eis apenas um título óbvio do imaginário comum no que toca ao binómio cinema-moda. Trata-se de “Breakfast at Tiffany’s” (1961), de Blake Edwards, a adaptação do romance com o mesmo nome publicado por Truman Capote três anos antes. Foi o designer de moda Hubert De Givenchy quem ficou incumbido de criar as peças-chave do guarda-roupa de Holly, a protagonista interpretada por Audrey Hepburn — marcando o que viria a ser uma relação profícua entre o designer francês e a atriz britânica de origem belga, iniciada quando esta elegeu três vestidos Givenchy para o filme “Sabrina” (1954).

Aquele que foi um dos grandes costureiros da era dourada da alta-costura fez de Hepburn sua musa e “sobre o modelo da sua relação de 40 anos [com a atriz] construiu-se todo um complexo industrial moda/Hollywood”, escreveu Vanessa Friedman no The New York Times. A cena que abre o filme, em que Hepburn toma o pequeno almoço diante da montra da joalharia, continua a ser uma das mais memoráveis referências em que a moda (e, especificamente, o clássico vestido preto) ganhou protagonismo na grande tela.

Com uma história que já foi por demais vezes contada, tudo teria para não se enquadrar na frescura que o Batalha — que ainda não tendo completado um ano nesta nova vida — tem procurado trazer aos ciclos e retrospetivas. Ei-lo, contudo, na secção destinada a famílias (sessão a 9 setembro, às 15h15).

"Breakfast at Tiffany's" (1961), de Blake Edwards. Hubert De Givenchy criou as peças-chave do guarda-roupa de Holly, a protagonista interpretada por Audrey Hepburn.

Batalha Centro de Cinema

“Porque é que o cinema português nunca se interessou pelo fenómeno da moda?”

No leque de obras que vão desfilar no cinema portuense até novembro neste ciclo vislumbra-se um título português: “Vanitas” (2004), de Paulo Rocha. O penúltimo filme do cineasta de “Os Verdes Anos” (1963), e também a sua primeira longa-metragem realizada em formato digital, conta a história de uma designer que se enamora pela filha de uma costureira do seu atelier, lançando-a no mundo da moda. Com argumento da poetisa, dramaturga e letrista Regina Guimarães e interpretação de Isabel Ruth e Joana Bárcia, o filme foi integralmente rodado no Porto. “Vanitas”, lê-se na sinopse elaborada no cinema que o recebe, “ilustra a relação histórica e prolífica entre a moda e os géneros de suspense e terror”.

“Todo o filme versa sobre a questão da trama em que nos enredamos. Há toda uma poética, não só do vestir, do despir, mas do tecer, do entretecer, do enredar”, explica João Sousa Cardoso. “É mais do que a peripécia narrativa de ser sobre um atelier de costura. É um filme sobre sexualidade, e de que forma a moda é uma expressão entre o desejo e a morte. É um filme precioso.” A sessão (a 22 de outubro, às 17h15) é seguida de uma conversa com Regina Guimarães, que “a convite do Paulo Rocha redigiu o guião inspirado na avó costureira, que fazia, precisamente, figurinos para teatro, para espetáculo”, explica o curador.

Ser o único filme português no ciclo poderá, afinal, ser explicado pela aparente inexistência de um cruzamento entre cineastas e criadores de moda portugueses. “Não temos uma tradição no cinema contemporâneo português de relação com a moda e com os autores de moda. Esta é uma programação que também produz isso. É uma espécie de consciência que se desperta sobre o que nos falta”, formula o professor.

"Vanitas" (2004), penúltimo filme de Paulo Rocha, conta a história de uma designer de moda que se perde de amores pela filha de uma costureira do seu atelier

Batalha Centro de Cinema

Essa ausência deverá ser um dos temas abordados na conversa com Ana Salazar, figura de proa na moda nacional e a primeira criadora de moda portuguesa a internacionalizar-se. A designer, de 82 anos, vai estar no Batalha (a 19 de setembro, às 19h15, com entrada gratuita mediante levantamento de bilhete) numa palestra no âmbito do ciclo. “É uma autora que tem uma visão sobre todos estes autores, fashion designers e costume designers. A nossa interrogação, por exemplo, é como é que a Ana Salazar, em 50 anos de percurso, sendo uma autora tão respeitada, tão singular, nunca foi convidada pelo cinema português para criar figurinos.”

Ao mesmo tempo que o cinema português e a moda nacional nunca estreitaram laços, o mesmo não se pode dizer do teatro. Só nos últimos anos, não faltam exemplos. O designer Valentim Quaresma assinou o figurino das peças “Rei Édipo” e “Medeia”, levadas à cena no Teatro Romano, em 2019 e 2020. Luís Buchinho, criador que apresenta regularmente na Moda Lisboa, concebeu as vestes de “Castro”, produção do Teatro Nacional de São João em 2020. Joana Duarte, designer atrás da marca Béhen, criou o guarda-roupa de “Casa Portuguesa”, que abriu a última temporada do Teatro Nacional D. Maria II, em setembro último. Há ainda o caso de António José Tenente, que depois de uma carreira como designer, é hoje um dos figurinistas mais requisitados dos palcos nacionais. Lembra João Sousa Cardoso que também “Ana Salazar produziu muito e em continuidade, figurinos para a [coreógrafa] Olga Roriz, em [espetáculos de] dança contemporânea”, sublinhando a existência de “uma colaboração assídua entre as duas”.

“Porque é que o cinema de autor português, ou o cinema mais experimental, o cinema mais especulativo, nunca se interessou pelo fenómeno da moda?”, questiona o curador, atrevendo-se a responder: “Posso arriscar dizer que há uma espécie de preconceito, de que a moda, o vestir, ou a criação têxtil é uma arte menor e roça a futilidade. Acho que isso tem que ser ultrapassado.”

Fashion films são “um campo que se abre”

Um fenómeno que encontra improvável lugar neste ciclo é a produção cinematográfica patrocinada pelas marcas de moda, que se popularizou sob o desígnio fashion films (“filmes de moda”, numa tradução literal): produções, por regra curtas, utilizadas para comunicar a estética e conceito de uma coleção. “Os filmes tornaram-se o acessório de moda mais cobiçado — uma forma de trazer emoção e excitação visual à promoção de marcas para a geração do YouTube”, escrevia a histórica jornalista de moda Suzy Menkes no The New York Times, em 2010, numa época de efervescência do registo.

Stills dos filmes "Act da Fool", "Missoni", "Joy" e "Marée Noire", incluídos no programa "Sobre-vestir: Histórias de Cinema e Moda"

Apesar da popularização do formato, os fashion films sempre subsistiram de forma marginal ao circuito de exibição cinematográfica, mesmo quando, não obstante de serem usados como panfleto comercial, devessem mais ao cinema do que à publicidade a sua linguagem e narrativa. Não tardou para que se criassem festivais destinados a este novo género um pouco por todo o mundo — até em Portugal existe o Fashion Film Festival.

Em contracorrente, dá-se neste ciclo o caso raro de ver cinema de autor intercalado com obras assumidamente patrocinadas por marcas. “Estamos em 2023 e o fenómeno cinematográfico está ele próprio em acelerado processo de metamorfose. Não podemos pensar cinema contemporâneo sem pensar, por um lado, a moda, as visualidades, a cultura gráfica, e, por outro lado, também a publicidade, tudo o que se relaciona com a comunicação”, justifica João Santos Cardoso.

No certame para ver no Porto até novembro está “Act da Fool” (2018), filme de quatro minutos realizado por Harmony Korine (“Spring Breakers”, “Gummo”, “Kids”) para a marca Proenza Schouler, ou um pequeníssimo filme de três minutos encomendado pela italiana Missoni — “Missoni” (2010) — a Kenneth Anger, um dos nomes mais importantes do cinema dito “experimental” , que morreu em maio. Também nesta seleção se encontram obras de cineastas e designers emergentes, como “Joy” (2020), de Samona Olanipekum, para promover a marca inglesa Ahluwalia, ou “Marée Noire” (2020), assinado pelo estúdio Actual Objects, para a marca Marine Serre.

“Muitas vezes, grandes autores, jovens cineastas, são convidados a criar objetos que são encomendas de pequenos filmes publicitários, mas têm um fulgor, uma capacidade inventiva, uma arquitetura que é claramente cinematográfica, no melhor sentido do termo, isto é, especulativa, inventiva, singular, e que se ancora nessa tradição das linguagens cinematográficas, jogando com a comunicação, com a publicidade, com marcas, com o imaginário de uma casa de moda”, descreve o curador. “O cinema hoje tem que navegar nessas águas turvas, híbridas, isso é muito estimulante. É um campo que se abre também, diante do cinema.”

Em abril, a Saint Laurent, marca de moda de luxo que pertence ao grupo Kering, anunciou a criação de uma produtora cinematográfica. “Quero trabalhar com todos os grandes talentos do cinema que me inspiraram ao longo dos anos e dar-lhes um espaço“, disse então o diretor criativo da etiqueta francesa, Anthony Vaccarello, em comunicado. Um mês depois, a Saint Laurent Productions mostrava a sua primeira produção no Festival de Cinema de Cannes: a curta-metragem “Strange Way of Life” (2023), de Pedro Almodóvar, que inclui no elenco Ethan Hawke, Pedro Pascal e o português José Condessa.

 
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