Uma conversa à mesa da Casa de Chá de Santa Isabel, em São Bento, onde comia “os melhores scones do mundo, com manteiga e geleia”, levou Maria Lecticia Monteiro Cavalcanti a uma ideia invulgar: estudar o livro sagrado do cristianismo a partir dos alimentos que nele se encontram. Não há, talvez, metáfora mais apta para entender A Mesa de Deus – Os Alimentos da Bíblia, publicado em Portugal pela Quetzal.
Com este livro, a autora brasileira, membro da Academia Pernambucana de Letras, cronista e investigadora gastronómica, quis mostrar a “singular importância da mesa de refeição, lugar onde se conversa, onde se discute, onde organiza até o projeto da sua própria vida”. Em entrevista ao Observador, confessa que não estava à espera do volume de trabalho que A Mesa de Deus exigiu — cerca de dez anos — tal é a quantidade de referências à alimentação na Bíblia. O resultado está dividido em capítulos, que falam dos principais alimentos, as regras, as refeições ou as tradições alimentares espelhadas nos textos bíblicos.
Ainda que a premissa gire em torno de um texto religioso e que a autora se afirme como católica, desengane-se quem pense que estamos perante um livro teológico. Pelo contrário, o olhar historiográfico é escrupulosamente respeitado, procurando oferecer uma visão sobre o desenvolvimento dos hábitos alimentares no berço da civilização, do Egito à Mesopotâmia, da Grécia Antiga ao Império Romano, e sobre a forma como estes mesmos hábitos se manifestaram no Antigo e no Novo Testamento. Dentro e fora da Bíblia. “A história do homem é a história da procura por alimento”, diz a autora
O objetivo do livro é o de partir dessa cronologia alimentar para melhor compreender a origem do pensamento religioso. O cardeal José Tolentino Mendonça também estava à mesa da referida confeitaria naquela tarde, escreve no prefácio que “entrar na Bíblia pela porta da cozinha é um argumento mais sério do que se possa supor, e também mais espiritual”.
O olhar deste livro sobre a Bíblia parte de uma perspetiva diferente daquela a que estamos habituados. Qual é a importância da comida neste cenário?
Quando comecei a pesquisar, não tinha ideia da extensão do trabalho que teria pela frente. Comecei a ler e a marcar na própria Bíblia cada versículo que referia algum alimento. Aí tomei um susto, porque são muito raras as páginas que não têm um versículo marcado, os alimentos estão por toda a parte. A segunda etapa do trabalho foi colocar no computador esses versículos que falavam de alimento, descartando aqueles que eram apenas a mesma ideia dita de maneira diferente, e depois fazer a revisão e arrumar por assunto cada um. E percebi que a comida tem uma importância imensa na Bíblia. Para aquele povo, naquele tempo, tudo girava em torno da comida. Eles obedeciam à Torá [escrituras sagradas judaicas, correspondentes ao Pentateuco no Antigo Testamento], que ensinava tudo, desde preparar e cuidar da terra, como plantar (nunca podiam plantar sementes diferentes na mesma terra), como deveriam colher, como cuidar dos animais, quais os alimentos permitidos e proibidos. Todos os judeus naquela época se alimentavam da mesma maneira. Isso foi muito importante, porque deu àquele povo, tantas vezes deslocado e disperso pelo mundo, uma identidade, quer estivessem exilados em lugares distantes, ou na própria terra dominada por outros povos.
Havia um peso cultural?
Enorme. O alimento juntou, deu àquele povo uma identidade. Se não fosse o alimento, o que é que juntava pessoas que estavam exiladas e espalhadas fora do país? O alimento era a identificação, o carimbo. Na Bíblia, tem um valor imenso, podemos contar toda a história da Bíblia através dos alimentos.
Na introdução, conta que esta ideia partiu de uma conversa à mesa com José Tolentino Mendonça.
Ele era amigo do meu marido, esteve em Pernambuco num seminário sobre Fernando Pessoa. José Paulo [Cavalcanti Filho, escritor, jurista e marido da autora] escreveu sobre Pessoa, então ele foi lá participar. Quando acabou o seminário, esteve com José Paulo e disse “quando for a Lisboa, vá à Capela do Rato”, para se encontrarem. O meu marido não tem religião nenhuma, mas eu sou muito católica, por isso fomos e assistimos a uma missa linda. Quando acabou, ele nos chamou para tomar um lanche na Casa de Chá de Santa Isabel, na Rua de São Bento. As comidas eram feitas por umas vicentinas, tudo uma delícia. Eu escrevo sobre a história dos alimentos e, em conversa, saí de lá com a ideia de fazer uma pesquisa sobre os alimentos da Bíblia. Faz agora 10 anos.
E foi esse o tempo que demorou a fazer o livro?
Sim, porque é muita coisa, muito trabalho. Eu nunca tinha lido a Bíblia antes, não tenho formação teológica. Por isso foi mais trabalhoso ainda, tive de me cercar de pessoas que me dessem suporte, que me tirassem dúvidas, que me ajudassem a interpretar algumas passagens. Como diz muito bem Frederico Lourenço, a Bíblia pode ser lida de muitas maneiras. Fiquei com medo de interpretar alguma coisa de forma errada, essas pessoas deram realmente um suporte importante. E a pandemia ajudou — com os confinamentos o trabalho avançou muito. Mas foi realmente muito trabalho. Quando acabou, fiquei contente de ter tudo pronto, mas também fiquei aliviada, porque foi um período de tensão muito grande, toda essa pesquisa… Tive de fazer também toda uma pesquisa paralela para poder compreender muitas histórias que ali estavam contadas.
De que tipo de coisas é que estamos a falar?
Por exemplo, o tempo histórico do que acontecia naquela época entre as grandes civilizações daquele tempo, os egípcios, os assírios e babilónios, os persas, os gregos e os romanos. Muitos hábitos que estão na Bíblia se originaram em algumas dessas culturas. Então era importante eu compreender a origem do hábito alimentar para poder compreender como eles estavam ali.
O livro tem uma bibliografia extensa. Nas suas pesquisas, encontrou algum trabalho que já tivesse tido este ângulo?
Não. A Bíblia não tem uma receita. Mas tem todos os ingredientes, todas as ervas e temperos que se usavam para preparar os alimentos, tem a especificação de todas as técnicas usadas na preparação, mas uma receita não há. Então, se tiver o trabalho de pesquisar, você encontra, por exemplo, “os pratos da Bíblia” — a partir dos ingredientes que estão ali, as pessoas criaram receitas que podiam ser as receitas feitas na Bíblia. Mas essa visão, esse olhar, é inédito. E Tolentino, no prefácio do livro, disse uma coisa linda. Disse que eu tinha “entrado na Bíblia pela porta da cozinha”, que é um olhar completamente diferente dos outros, porque você olha pela história das religiões, das civilizações… mas pelos alimentos, acho que é um trabalho realmente inédito.
Falava há pouco da pesquisa que teve de fazer em torno do tema central, relativamente ao lado histórico. É uma das coisas que salta mais à vista quando se lê o livro. O título A Mesa de Deus pode dar a ideia de estarmos perante uma perspetiva mais teológica sobre os alimentos, mas não é esse o objetivo.
Tive muito esse cuidado. Senti que tinha de respeitar a matéria e os leitores. Sou católica, mas não podia dar a este livro uma visão de uma católica fazendo a pesquisa. Tinha de ser uma coisa baseada no que está na Bíblia, a partir daí, cada um tire as suas conclusões e puxe para a religião que tiver.
Era importante adotar esse método académico, até para criar um distanciamento do lado religioso?
Exatamente. Acho que isso interferiria na pesquisa. Procurei olhar com esse cuidado, de não puxar para a minha religião. Era mais fiel ao que estava escrito na Bíblia.
Que interesse é que acha então que um livro destes pode ter para uma pessoa não-católica, não-crente?
Quando acabei o livro, conversando com o meu marido, disse a mesma coisa. “A quem interessará esse livro? A religiosos? A teólogos?”. Tive um susto imenso porque, quando o livro ficou pronto, muitas pessoas que não têm absolutamente nenhuma ligação com a religião se interessaram por ele e o leram. E disseram, “vamos agora ler a Bíblia com outro olhar”. Outra frase de Frederico Lourenço diz que “independentemente de se ter ou não fé, a Bíblia é um dos mais fascinantes livros já escritos”. E é. Grandes universidades do mundo, como Harvard ou Princeton, estão a adotar a Bíblia em matérias não-religiosas. Porque a Bíblia é uma fonte imensa, é um retrato do que foi aquela época, o berço de toda a civilização. Olhar a Bíblia com olhos que não são religiosos é cada vez mais uma tendência.
O seu livro fala várias vezes sobre a importância da descoberta do fogo na evolução da espécie humana. Uma ideia que sublinha várias vezes é a de que esse é o ponto em que passámos do “estado natural” ao “estado cultural”. Como se faz essa passagem?
É uma coisa muito importante que [o antropólogo francês] Lévi-Strauss, no seu método estruturalista, definiu, quando determinou o grau de civilização de um povo a partir da forma como ele transformava os alimentos. O homem passava do “estado natural”, quando se alimentava do alimento cru, sem interferência do fogo, ao “estado cultural”, quando usava o fogo para transformar o alimento. No livro, aprofundei a pesquisa da origem do fogo, tão importante que é em toda a história. No começo, o homem usava o alimento cru, claro. Depois, passaram a colocar as carnes no fogo, e porquê? Porque, depois dos grandes incêndios, começaram a apreciar a carne encontrada queimada, que era mais fácil de mastigar e de digerir, e passaram a assar. A evolução aconteceu quando começaram a fazer potes de cerâmica, resistentes ao fogo. Nesses potes, começaram a colocar legumes, temperos, carnes, e misturavam aquilo tudo junto, o que deu origem aos caldos. Os caldos, durante muito tempo, foram a base da alimentação de todo o mundo. Só muito mais tarde na evolução veio a técnica de fritura. Depois aprenderam a conservar o fogo e a trazê-lo para dentro de casa… tudo isso foram avanços que determinaram, de uma forma ou de outra, o avanço da humanidade, da evolução.
Ou seja, a evolução dos alimentos andou a par e passo com a evolução do Homem? Contribuiu também para essa evolução?
A história do Homem é a história da busca por alimento, é muito simples. Em qualquer cultura, em qualquer tempo, essa procura por alimento foi o que provocou a evolução da humanidade. A Bíblia tinha de ilustrar isso.
Falámos sobre o papel da Bíblia enquanto texto fundacional, não só da religião, mas também enquanto documento histórico e cultural. Neste seu livro tentou também demonstrar como o significado que atribuímos a alguns alimentos vem também da Bíblia. Do leite, ao mel, ao pão, a animais como o cabrito… A espiritualidade influenciou sempre a nossa relação com os alimentos?
Sabe que o pão é sem dúvida o mais importante de todos os alimentos para aquele povo. No livro conto a história de como evoluiu. Todos os dias se fazia pão e se usavam cereais, sobretudo o centeio, a cevada, a espelta e o trigo. Tudo na casa girava em torno da produção desse pão. O principal utensílio que existia em todas as casas era a mó: duas pedras colocadas na horizontal, uma em cima da outra, onde no meio se colocavam os grãos para os triturar e usar na fabricação do pão. Tão importante é a mó que, no [livro do] Deuteronómio, está escrito que “se penhorar a própria mó, penhora a própria vida”. Durante muito tempo, o pão era apenas uma massa que assavam em cima de pedras quentes. Com o tempo foi evoluindo, mas o pão fazia parte de todas as refeições. Não existiam pratos como os que conhecemos hoje; durante muito tempo foram rodelas, pedaços de pão, e a comida era colocada em cima. Na Bíblia, o pão é sem dúvida o mais importante de todos os alimentos, além do vinho, que se juntou mais tarde. A primeira referência ao vinho é com Noé, que é o primeiro a beber de mais. Quando acabou o dilúvio e ele desembarcou, plantou uma vinha. É muito engraçado esse pedaço da Bíblia: ele plantou as uvas, fez o vinho e ficou bêbado. É a primeira história de uma bebedeira na Bíblia. Diz até que ele ficou muito chateado, porque ficou nu na tenda, um dos filhos viu e ele jamais perdoou esse filho. O vinho acompanhava todas as refeições.
Existe a frase que diz que “não pode faltar pão e vinho à mesa”.
Exatamente. E há regras de etiqueta muito interessantes na Bíblia. Por exemplo, ninguém podia entrar na casa sem bater; quando entrava, não devia nunca procurar o melhor lugar — procurava um, depois esperava que o dono da casa o conduzisse a um lugar melhor; tinha de ser moderado, não podia ser o último a chegar nem o primeiro a sair. E havia muitas regras sobre vinho: “não beba vinho junto de mulher casada, o vinho morde como a cobra e fere como a víbora”. A preocupação com os excessos da bebida já existia naquele tempo.
Numa entrevista recente, falava do papel que lugares como os conventos tiveram no desenvolvimento das receitas. O papel das instituições religiosas na evolução dos alimentos é algo que às vezes passa despercebido?
Conheço várias cozinhas e repito que o lugar onde se come melhor no mundo é aqui, em Portugal. E vocês devem isso a algumas coisas. Toda essa doçaria maravilhosa portuguesa é chamada de doçaria conventual porque nasceu nos conventos. Criaram doces, bolos, é uma herança importante e um património cultural, essa comida maravilhosa. Por exemplo, se você vai para a França, gosta muito, mas depois de uma semana já fica cansado com a comida. Aqui não, porque vocês escolhem um ingrediente — por exemplo, o porco — e assam no forno, fazem da maneira mais simples, sem muitos disfarces. É uma herança que a gente recebeu e agradece muito e que devemos em parte às instituições religiosas. Os conventos funcionaram como grandes laboratórios gastronómicos.
Identifica então uma relação entre a culinária brasileira e a portuguesa?
Sim. Nisso tivemos sorte, porque herdámos de vocês. Pernambuco, sobretudo, tem uma relação com a comida muito semelhante à que vocês têm. A mesa farta, a alegria de receber em volta da mesa… Pernambuco foi, durante os séculos XVI e XVII, o maior centro produtor de açúcar do mundo. O português, quando chegou lá, não fez como no Rio de Janeiro ou em São Paulo, em que chegou com ideia de depois voltar. Em Pernambuco, chegou para se estabelecer. O nosso donatário, Duarte Coelho, levou a família, muita gente do Norte, e se estabeleceram. Eles levaram nos navios a cozinha inteira: chaminés, fogões, utensílios, isso tudo chegou lá. Quando chegaram, como não tinham todos os ingredientes e não eram fáceis de levar, foram adaptando as receitas aos ingredientes locais. Um exemplo lindo é o bolo de rolo, o principal bolo de Pernambuco. É uma herança do colchão de noiva português. A massa do colchão de noiva, que aqui leva recheio de amêndoa, a gente trocou por goiaba, porque era uma coisa que tinha em qualquer lugar. Fez-se o recheio de goiaba, começou a ser enrolado em camadas cada vez mais finas e nasceu o bolo de rolo. A história da culinária pernambucana, que na época era a culinária mais importante, tem tudo a ver com a culinária portuguesa.
No livro aborda também a relação de Jesus Cristo com a comida. É uma relação que é referida e descrita várias vezes na Bíblia. É verdade que era “um glutão e um beberrão”, como escreve, citando a Bíblia?
Ele foi chamado assim, eu explico porquê. Ele compreendeu muito cedo que a mesa não era só uma mesa. Era um dos fortes alicerces da sociedade, era símbolo de união, de comunhão, de partilha. Jesus pregou a tempo inteiro a união e a inclusão de todos em volta da mesa, homens e mulheres. As mulheres eram completamente escanteadas: deviam obediência ao pai e, depois que casavam, ao marido. Não participavam na vida religiosa, na vida política, não tinham nem direito à herança. Quando o pai morria ficava tudo para os filhos, só se a mulher não tivesse irmão é que ficava alguma coisa para elas. Jesus começou a tratar aquelas mulheres em igualdade com os homens. Elas acompanharam Jesus em toda a sua trajetória.
Quase que está a dizer que à mesa, com Jesus, aconteceu a primeira vaga do feminismo?
Exatamente, sem dúvida. Depois de ressuscitado, escolheu aparecer primeiro a uma mulher, Maria Madalena, que São Tomás de Aquino chamava de “a apóstola dos apóstolos” e a quem o Papa Francisco concedeu definitivamente esse título. Juntou em volta dele homens, mulheres, amigos, inimigos, ricos, mendigos, doentes, pessoas sãs, pecadores… Por conta disso é que foi chamado de “glutão e beberrão”, porque tudo acontecia em volta da mesa. Para Jesus, a mesa não era apenas um lugar para sentar e comer, tinha outro significado. Ele não dava muita importância aos ensinamentos da Torá, que foi outra grande novidade. Por exemplo, num sábado era proibido cozinhar ou colher qualquer coisa. Ao passar por uma plantação de cereais com um de seus apóstolos, com fome, pegaram uma espiga e se alimentaram. Foi muito criticado e disse: “Se por acaso um filho seu, ou um animal, cai num poço num sábado, vai esperar até domingo para tirar ele do poço?” Não dava muita importância às regras da época, mesmo fora do contexto da mesa.
Diria que a mesa continua a ter esse papel hoje em dia?
Acho muito importante conseguir juntar os meus filhos todos em volta da mesa com muita frequência. O que me deixa triste é ver que as pessoas têm cada vez menos tempo. É uma pena porque é o lugar onde se conversa, onde se discute, onde organiza até o projeto da própria vida. Mas hoje não há tempo físico para você passar em volta da mesa. É muito comum ver essas comidas de fast food por aí, que perdem um pouco esse espírito, da preparação e divisão do alimento em volta da mesa. É uma pena.
Mas continua a ter importância, ou não? Ainda existem conceitos como o “almoço de domingo”, ou até pensando no lado político e diplomático, aquela tradição de receber um chefe de estado com um banquete…
Isso sim, continua tendo essa importância total. Sobretudo aqui em Portugal, tem as grandes festas que são comemoradas em volta da mesa. Não é a importância que é menor, mudou foi a maneira de as pessoas se reunirem. Tem menos do que era na época, porque a disponibilidade do tempo não é mais o que era, mas tem importância.
Depois de 10 anos a trabalhar neste livro, a olhar para a Bíblia desta perspetiva muito particular, de que forma é que este projeto mudou a sua relação com a religião?
Esse trabalho foi muito importante para mim. Lendo a Bíblia, é óbvio que o Antigo Testamento é a base do Novo. Santo Agostinho dizia que “o Novo Testamento está oculto no Antigo e o Antigo está patente no Novo”. Então você vai evoluindo, no Antigo Testamento, vendo como era o alimento e como as pessoas se relacionavam. Depois chega ao Novo, a Jesus, que é como uma abertura, uma coisa muito mais leve, mais fácil de ler. Há um episódio lindo, de uma refeição que ele faz na casa de um fariseu, quando entra uma mulher trazendo para ele um vidro de alabastro com perfume de nardo, que à época era considerado um ingrediente caríssimo. Ela quebrou o vidro do perfume e começou a ungir os pés de Jesus, enxugando os pés dele com o próprio cabelo. Esse episódio é chamado de “Unção em Betânia” e é contado pelos quatro evangelistas: Mateus e Marcos se referem a ela como “uma mulher”, Lucas como “uma pecadora”, e João como “Maria, irmã de Marta e de Lázaro”. Foi inclusive a tese de doutoramento de Tolentino para o curso de Teologia Bíblica, que depois se transformou num livro lindo chamado A Construção de Jesus.
Diria que comer é um ato espiritual?
É. Não sei se vocês aqui têm uma expressão que a gente tem muito lá no Brasil: “Comi esse alimento de joelhos”. O alimento, naquela hora, é sagrado, a mesa é um altar. Sem dúvida nenhuma, o alimento tem essa importância do sagrado. Sobretudo depois de ter lido a Bíblia e ter feito essa pesquisa, tenho mais ainda essa certeza. Não é só alimentação ou tirar a fome. É muito mais importante, muito mais espiritual.