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© D.R.

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O Plano B fez 10 anos e deu-nos uma entrevista. "Não estávamos malucos"

Abrir um bar na Baixa do Porto são favas contadas. Mas há 10 anos não era assim. A 7 de dezembro de 2006, numa rua onde não havia viv'alma, quatro amigos abriram o Plano B. Falámos com ele (a sério).

Não anda, mas foi um dos motores que mais contribuiu para que a noite cultural e boémia da Baixa do Porto seja aquilo que é hoje. Não respira, mas já deixou muita gente sem fôlego na pista de dança, ou no final de algum concerto. Não fala, mas há muita gente que pode contar a sua história.

O Plano B comemora 10 anos de vida e o Observador conseguiu, em exclusivo, a sua primeira entrevista. É que o bar, sala de espetáculos e galeria pode até não falar, mas os seus quatro sócios, Filipe Teixeira, João Teixeira, Bernardo Fonseca e Filipe Galante, têm histórias infindáveis na ponta da língua, assim como alguns dos seus frequentadores, como Capicua, Cláudia Guerreiro (Linda Martini), Marta Bateira (m7 / Beatriz Gosta), André Gomes (Bodyspace), Joaquim Durães, André Forte e Márcio Laranjeira (Lovers & Lollypops).

Foi com base nessas respostas que construímos esta conversa.

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Olá, Plano B. Esperamos não te ter acordado demasiado cedo.
Olá! Nada disso, sou como o presidente da República, só durmo quatro ou cinco horas por noite, tenho muito que fazer. Queria começar por agradecer o convite. Falam muito de mim, mas nunca me perguntam nada diretamente. Espero sair-me bem.

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De certeza que sim. Como correu a tua festa de aniversário na sexta-feira?
Foi incrível, tive direito às atuações de Move D, Best Youth e Octa Push, do fantástico Kerri Chandler e do João Vieira, na pele de DJ Kitten. O Paulo Pimenta, que foi um dos primeiros fotojornalistas a acompanhar-me desde o meu nascimento, montou uma exposição fotográfica à entrada, com alguns dos momentos mais bonitos dos últimos 10 anos. Foi uma festa de anos em grande, apareceram muitos amigos.

Como é que tu nasceste? Os teus pais já tiveram essa conversa contigo?
Sim, claro. Nem tentaram a metáfora da cegonha, explicaram-me logo a verdade. Os gémeos João e Filipe, e o Bernardo, já andavam a tentar ter-me há algum tempo. Até que, após uma noitada de copos e dança ali no Tendinha dos Clérigos, aconteceu. Mas vou começar pelo início. Os pais do João e do Filipe faziam festas em casa para os amigos, de passagem de ano, Carnaval, essas coisas. O Bernardo conhece-os deste criança também. E eles ficaram com esse bichinho. Alugavam um PA, organizavam festas com DJs, tudo muito caseiro mas já com alguma visão. Aos 14 ou 15 anos, decidiram fazer uma festa na adega da avó e cobrar entrada: 100 escudos. Fizeram uma pista de dança, tudo corria bem, mas o PA queimou e lá se foi o lucro. Mesmo assim, foi por essa altura que os gémeos começaram a falar em ter um bar no futuro.

Quando acabaram o curso, o João em Belas-Artes, o Filipe e o Bernardo em Arquitetura, começaram a pensar mais a sério na falta que fazia à Baixa um espaço onde pudessem ouvir música que agradasse ao grupo de amigos. Queriam um bar onde se pudesse ouvir dois tipos de música diferentes, onde houvesse concertos, pista de dança, uma galeria de arte. E tinha de ficar aberto para lá das quatro da manhã, que era o que realmente fazia falta aqui.

"Os amigos diziam que os meus pais-fundadores eram malucos! 'Têm a certeza?'. Era um grande risco, não só porque não havia aqui nada, mas também porque eu sou muito espaçoso…"

Era um projeto ambicioso para a Baixa do Porto naquela altura. Tu lembras-te como era esta zona?
Claro que sim. Não havia aqui nada à volta. É certo que já existia o Passos Manuel e o Maus Hábitos, na rua do Coliseu, e o Contagiarte, perto da Praça da República. Mas a Baixa estava quase deserta, exceção feita ao Lusitano e ao Tendinha. Também houve o bar Café da Praça, do Vasco Mourão, que tinha uma boa programação. Mas talvez tenha aparecido aqui antes do tempo e acabou por fechar. Mais uns anos e tinha assistido ao boom da Baixa. Mas quando eu nasci não havia absolutamente nada nesta zona dos Clérigos / Galerias. Só mais ali em cima, no Piolho! A Rua Cândido dos Reis era um deserto, só havia tecidos.

Quando o João, o Filipe e o Bernardo contaram à família e aos amigos que queriam abrir um projeto tão ambicioso num local deserto, a notícia foi bem recebida?
Os gémeos contaram-me que, realmente, ninguém acreditava que eu podia resultar. Só mesmo os pais deles e os patrões. Ou seja, os mais velhos confiaram que era boa ideia. Os amigos diziam que eles eram malucos! “Têm a certeza?”. Era um grande risco, não só porque não havia aqui nada, mas também porque sou muito espaçoso…

Mas, aqui entre nós, não achas que os teus pais fundadores já sentiam que o Porto estava prestes a mudar?
Sim, havia um feeling. O João [narrador do vídeo acima] e o Filipe tinham 28 anos, moravam aqui na Baixa e, em 2005, já conseguiam sair por aqui quase todas as noites. As ruas de facto estavam desertas, mas os bares que havia estavam cheios. O Contagiarte estava sempre a abarrotar, o Maus Hábitos também, e o Piolho- O Tendinha também tinha noites muito bem compostas. Sentia-se que as pessoas procuravam algo.

plano b

Havia partes do edifício que estavam em ruína. Ali era onde seria construído o palco. A bateria era um teste. © Foto cedida pelo Plano B

Estavas a dizer-me que um dos gémeos saiu uma noite do Tendinha, e…
Ah, sim. O bar fecha às seis da manhã, então o Filipe e o Bruno Vieira, que foi um dos sócios fundadores, apesar de já não estar ligado, estavam a passar aqui na rua Cândido dos Reis e viram um espaço para alugar, no número 30. Até foi o Bruno que viu, e os dois ficaram a olhar um para o outro, do género: “Nunca vamos ter dinheiro para alugar isto!”. A grande vantagem era a centralidade e o facto de não haver moradores no prédio nem na rua, para que o barulho não impedisse ninguém de dormir. Isso foi sempre uma das principais preocupações. Há quem pense que eu só quero festa, mas sou muito respeitador do descanso alheio!

No dia seguinte, lá ligaram ao agente imobiliário e quem veio trazer a chave foi o senhor Oliveira, que já faleceu, mas o agente ficou atrapalhado porque não queria que eles vissem de onde é que tinha vindo a chave, com medo que os sócios tentassem negociar diretamente com os proprietários. Que foi o que veio a acontecer [risos]. Quando eles entraram aqui pela primeira vez, ficaram abismados com as áreas. Eram dois pisos e eles até pensaram em alugar o andar de baixo. Tendo em conta a situação da Baixa na altura, a mensalidade era muito cara. Dava para comprar um carro usado por mês… Depois de muito negociarem, lá conseguiram um acordo. A procura por um espaço já tinha começado em 2004. Andaram um ano nisto e depois para aí meio ano a negociar valores com os senhorios — que ainda são os mesmos.

Nasceste em berço de ouro?
Longe disso. Se tu visses o estado deste espaço no início… Havia partes em ruínas. As casas de banho em baixo não funcionavam. Quando andávamos a carregar coisas, as escadas desmoronaram. Não havia eletricidade. Antes de eu nascer, isto era a loja de tecidos Torres Figueiredo, com armazém em baixo. Toda a rua era conhecida precisamente por vender tecidos a retalho. Depois, o artista André Viana teve no piso de cima uma galeria. Ou seja, os andares não estavam minimamente preparados para o meu nascimento… Os sócios tiveram de alterar tudo, fazer obras, gastar algum dinheiro.

"O Filipe e o Bruno Vieira (...) estavam a passar aqui na rua Cândido dos Reis e viram um espaço para alugar. Até foi o Bruno que viu, e os dois ficaram a olhar um para o outro, do género: 'Nunca vamos ter dinheiro para alugar isto!'”. 

Ainda tenho nas minhas paredes algumas coisas que eles encontraram na altura, quando andavam a pensar na decoração. Aqueles skis foram eles que encontraram junto ao lixo e acharam que ficava bem aqui. Uma vez os gémeos iam a descer a Rua Mouzinho da Silveira com a carrinha do pai e viram quatro mesas de tasco abandonadas na rua. Pararam e trouxeram-nas para aqui [risos]. Agora, por acaso, estão guardadas.

Aqui, o papel dos amigos foi fundamental. Eles no início podem ter sido muito cautelosos, tinham medo que o João, o Filipe, o Bernardo e o Bruno entrassem num projeto demasiado grande onde não havia nada. Mas a partir do momento em que eles assinaram o contrato, os amigos foram incansáveis nas obras e em tudo o que eles precisaram.

Nas obras? Como assim? Não contrataram um empreiteiro e uma empresa?
É como te digo. Quando me perguntaste sobre o berço de ouro, até me deu vontade de rir. Foram o João, o Filipe e o Bernardo a fazer as obras, saiu-lhes do corpo, a eles, aos amigos, aos irmãos, às namoradas, ao pai dos gémeos. O máximo que conseguiram foi contratar um trolha, que não era sempre o mesmo. Houve um que trabalhou 15 dias e, quando recebeu o pagamento, fugiu para o Luxemburgo [risos].

A tua data oficial de nascimento é 7 de dezembro de 2006. Essa foi a primeira noite aberta ao público em geral. Mas, tal como acontecia antigamente, em que as pessoas eram registadas mais tarde, tu também já cá andavas, não é verdade?
Confesso. O contrato de arrendamento com o senhorio foi assinado no início de 2006 e eu nasci como associação cultural. No início, o João, o Filipe e o Bernardo organizavam festas privadas aos fins de semana. Com o dinheiro que conseguiam nesses eventos, iam comprar tinta, cimento e ferramentas, para fazerem as obras. Teve de ser aos poucos, porque eu sou bastante espaçoso, são dois pisos, dois bares, o café, a sala cubo, a galeria e o palco. Aquelas festas foram o crowdfunding da altura!

Como é que eram essas festas privadas?
A primeira de todas foi uma festa de Carnaval. Nós convidávamos os amigos, e os amigos podiam trazer acompanhantes. Tínhamos aqui um livro onde as pessoas deixavam o e-mail e, quando havia algum evento, nós enviávamos o convite com uma password. Para entrar, era preciso dizer essa password, normalmente a data de aniversário de uma rapariga. Chegou uma altura em que as festas começaram a ficar tão concorridas que as pessoas apareciam-me aqui à porta a dizer passwords da semana passada, ou a tentarem adivinhar à sorte. O João às vezes estava na porta e, se achasse que as pessoas eram fixes, até as deixava entrar.

Mas começou a ser tanta gente a ficar à porta, começou a dar tanto nas vistas, que os sócios tiveram de mudar-me de associação cultural para o estatuto que temos hoje. Aí, fechamos para obras e lá tivemos de pedir um empréstimo, para abrir os espaços que ainda estava encerrados. Só a 7 de dezembro é que eu abri tal como sou hoje, tirando uma parede que entretanto foi demolida e algumas diferenças de disposição do espaço.

cartaz inauguracao plano b

O cartaz das três noites de festa que marcaram a abertura. “O Plano B pretende, mostrar ao público o trabalho que propõe desenvolver, na cidade do Porto e a nível nacional ligado à cena cultural com variadíssimos eventos de carisma cultural (arte, música, teatro, cinema…). Se apostou tudo no preto e saiu vermelho, está na hora de passar ao Plano B.”, podia ler-se no e-mail de convite da altura.

Que memórias guardas do teu nascimento oficial?
Lembro-me que os Kumpania Algazarra vieram cá dar um concerto, se bem que ainda não tínhamos o palco.. Foi uma grande festa! Na quarta-feira passada, 7 de dezembro, convidei-os outra vez para um concerto aqui, tal como há 10 anos. Como bom português, quando abri ainda havia algumas coisas por acabar. Havia andaimes montados, por exemplo. As paredes lá em baixo foram pintadas uma hora antes, nós nem deixámos as pessoas descerem logo! O João pôs música com o Paulo Santos Rodrigo e o Paulo Centeno. Tivemos uma exposição de quatro artistas, Nikola Raspopovic, Ricardo Brito, Mariana Santos e Luís Magalhães, e tínhamos um bar com rodas, que dava para andar de um lado para o outro. No piso de cima havia o bar com rodas e um DJ sentado, com o computador, normalmente malta que vinha passar música com o Fua [Joaquim Durães, da Lovers & Lollypops]. Talvez no início tenha caído uma ventoinha em cima de alguém, mas não confirmo nem desminto. Só posso garantir que ninguém se magoou a sério.

"Quando começaram a abrir negócios aqui na Rua Cândido dos Reis, foi uma alegria. Sentimos que não estávamos malucos, que havia potencial."

Conhecíamos quase toda a gente que estava aqui dentro. Houve uma altura em que pedimos ajuda ao Daniel Pires do Maus Hábitos, e ele disse-nos uma coisa engraçada: “No início conhecemos toda a gente. Passados 10 anos, se ao entrarmos conhecermos o pessoal do bar já é uma sorte” [risos]. E ele tinha razão. Hoje os nossos amigos da altura estão mais velhos, têm família, muitos emigraram. Em compensação, quando eu nasci havia crianças com 10 anos que hoje têm 20 e vêm cá com frequência. O ciclo da vida é uma coisa bonita.

Que profundo, Plano B. Dizem que tu ajudaste muito ao desenvolvimento da noite na Baixa, tens essa noção?
Não é para me gabar, mas é verdade. Aliás, não faltam artigos de jornais e testemunhos que atestam isso. Na altura eu ainda não sabia ler, mas entretanto fui ao Google pesquisar-me e encontrei muitos elogios. Uma das primeiras notícias, do Público, dizia: “A Baixa tem um plano A”. As fotografia até eram do Paulo Pimenta. Fui muito badalado! Acho que as pessoas ficaram muito agradecidas com este farol na noite que acabava de nascer.

Dizerem que ajudei a revitalizar a Baixa é o maior elogio que me podem fazer. E não só pela noite. Os sócios também criaram o festival “Se esta rua fosse minha” durante três anos seguidos, que era um autêntico serviço público à Baixa. Ainda hoje organizamos o Mercadinho dos Clérigos aqui na rua, por exemplo. Quando começaram a abrir negócios aqui na Cândido dos Reis, foi uma alegria. Sentimos que não estávamos malucos, que havia potencial. Foi a partir de 2006 que a noite do Porto foi crescendo, com o primeiro boom em 2008. O Márcio Laranjeira, o diretor artístico do festival Milhões de Festa, já me disse que as primeiras memórias como morador na cidade do Porto foram, muitas delas, feitas aqui dentro de portas.

se sta rua fosse minha plano b

O festival “se esta rua fosse minha…” foi uma das atividades organizadas pelos sócios do Plano B para dinamizar a Baixa do Porto.

Conta-nos alguma história engraçada que já tenhas presenciado
Ui, se estas paredes falassem… Ah, é verdade, é suposto falarem nesta entrevista. Então vamos lá. Já ouviste falar na Marta Bateira, certo? Para além de cantar como M7, ela tem um projeto muito engraçado e com bolinha vermelha chamado Beatriz Gosta. Pois fica sabendo que muitas das histórias que ela conta são passadas dentro das minhas paredes. Por exemplo, a história “Pack Night“, em que ela conta como, depois de acordar de uma noitada, tem de conferir se tem a roupa vestida, se tem a carteira e o telemóvel, houve um dia em que não tinha o telefone. Eu bem a vi nessa noite a beber shots e cerveja como se não houvesse amanhã, mas nem liguei. Só saiu daqui às sete ou às oito da manhã!

Ficou desesperada, correu para o computador para localizar o telefone que, por sorte, ainda tinha 1% de bateria. E estava aqui. Como era domingo e eu nesse dia posso dormir até mais tarde, não acordei quando ela me bateu à porta e não estava aqui mais ninguém. Ela teve de ficar à porta à espera, “toda desgraçada”, enquanto”cutucava”, como ela me contou, toda a gente que conhecia das minhas relações. Teve mesmo de esperar por segunda-feira para confirmar que o telemóvel estava aqui. A Marta é uma das minhas clientes mais queridas. Farto-me de rir quando vejo que ela se dirige para as casas de banho. Se há fila, ela faz logo amizade. “Trocámos uma ideia, tirámos muitas fotos”, diz ela. No dia seguinte, deve ser engraçado vê-la a abrir as imagens do telemóvel e a ter surpresas.

Com 10 anos já deverias sair tanto à noite e ver esse tipo de coisas?
Sabes que os anos de um bar são como os anos de gato, contam-se mais depressa. Além disso, estou sempre bem acompanhado.

Hmm. Nesse caso, aqui que ninguém nos ouve, diz-me lá onde é que os teus clientes mais gostam de dar uns beijinhos.
Quando te disser, vais passar a olhar sempre duas vezes para esse sítio. Mais uma vez, é uma dica da Marta: junto ao bengaleiro lá em baixo, do lado esquerdo, há uma cortina mais pesada, perto da entrada para os camarins. Quando uma pessoa não quer ser vista a beijar outra, é ali que costuma ir parar… Se calhar a partir de agora vai deixar de ser tão secreto, mas ainda bem. Quero as pessoas na pista de dança, não atrás de cortinas!

"Junto ao bengaleiro lá em baixo, do lado esquerdo, há uma cortina mais pesada, perto da entrada para os camarins. Quando uma pessoa não quer ser vista a beijar outra, é ali que costuma ir parar..."

E em relação a concertos, quais os que te ficaram na memória?
Ui, são muitos. Uma das coisas mais improváveis que já aconteceram em termos de concertos foi um de tributo aos AC/DC. O espetáculo ia acontecer na rua, o problema é que começou a chover torrencialmente e o evento ia ser cancelado. Para não deixar os fãs tristes, a organização propôs-nos acolher o concerto e, apesar de concertos tributo não serem muito a minha cena, lá aceitei. Eles eram portugueses, super profissionais, até vinham com perucas. Foi inacreditável porque tocaram para aí cinco ou seis horas, foi a noite quase toda! As pessoas chegavam aqui e ficavam malucas, foi espetacular, mesmo quando repetiam músicas. E foi assim que os AC/DC tocaram no Plano B [risos].

Outro momento muito improvável foi com as Dirty Princess, que são duas raparigas de Madrid. Estávamos em 2007 e elas tinham um concerto aqui marcado, mas perderam o avião. Então, alugaram um carro e fizeram-se ao caminho para o Porto. Era sábado à tarde, elas tinham de fazer o soundcheck mas nunca mais chegavam, estávamos a ficar preocupados… O João estava a passar à beira da Casa Guedes, ali na Praça dos Poveiros, e um carro cheio de material pára e pergunta-lhe: “Onde é o Plano B?”. Era a banda! Ele diz que está a vir para aqui, mete-se no carro e chegam todos. Nem se apresentou como um dos donos! Foi um concerto incrível e esteve quase para não acontecer.

E de bandas portuguesas, que noites é que podes partilhar?
Os WrayGunn, em 2007! Não sei como é que eles couberam todos naquele palco minúsculo, eram para aí nove músicos. A sala estava cheia. O Paulo Furtado tinha-nos pedido um cabo de guitarra com 30 metros e nós tudo bem. Só depois é que vi que era para ele poder avançar pelo meio do público. Veio até aos balcões, subiu com a guitarra, estava tudo a delirar! Foi uma loucura.

No outro dia estava a recordar com a minha amiga Capicua, que já cá tocou algumas vezes, o primeiro ano em que houve o NOS — antigo Optimus — D’Bandada. Eu quis associar-me à festa e um dos concertos que acolhi foi o de Linda Martini. Apesar do meu tamanho, nunca previ uma enchente como aquela que se verificou. Não cabia nem mais um alfinete. A fila para entrar era abismal e já havia gente a assistir ao concerto pelas escadas acima. A Capicua entrou com eles e conseguiu um lugar, mas mesmo a banda teve de entrar pelo meio das pessoas! A Cláudia Guerreiro, a baixista, lembra-se que foi alguém à frente para abrir caminho. Foi tão louco, tão louco. E não sou eu que o digo, a própria Cláudia disse-me que foi um dos concertos mais intensos, se não o mais intenso que a banda já deu. “O público parecia possuído”, disse-me ela. E para sair? O Pedro Geraldes e o Hélio Morais não se fizeram rogados e saíram da sala em crowdsurfing. A Cláudia e o André Henriques tentaram outra estratégia. Há um vídeo no YouTube com algumas das imagens desse concerto.

https://www.youtube.com/watch?v=BTlhcEqQFjk

Mais algum concerto que recordes com carinho?
O dos Heavy Trash, que é uma banda do Jon Spencer, dos Jon Spencer Blues Explosion. Foi em 2008. O concerto ia acontecer na rua mas, já não me lembro porquê, decidiu-se passá-lo para o meu palco. Cheio, cheio, cheio. No final, le pergunta ao público: “Gostaram?”. E o público: “Siiiiim!”. “Ai é? Então amanhã estamos cá à mesma hora e ninguém paga” [risos].

E foi mesmo assim? Houve concerto e ninguém pagou?!
Aconteceu! Os sócios tiveram de abrir as portas de propósito porque era domingo, dia de folga. Kap Bambino, em 2007, foi uma loucura também. Quando os No Age vieram cá tocar, em 2010, vi o André Gomes, do Bodyspace, vidrado, não na banda principal, mas na banda de abertura. Ele conhece quase tudo o que é banda mas nunca tinha prestado muita atenção aos Thee Oh Sees. Mas o concerto deles foi tão frenético e explosivo que acabou por eclipsar totalmente o cabeça de cartaz. É sempre engraçado quando isso acontece.

Tendo tu nascido numa altura em que não havia muita concorrência, muitas ideias e amores devem ter nascido dentro das tuas paredes…
Confirmo. Fico muito orgulhoso quando sei de casais que se conheceram aqui, como o Rui Sinel de Cordes e a namorada. Há muitas histórias destas. U amigo nosso já se casou aqui. Olha, um dos gémeos conheceu a mulher aqui! E mais: já li em alguns artigos que determinada ideia nasceu numa noite de copos no Plano B.

kap-bambino 2007 plano b

Os Kap Bambino deram uns dos concertos mais intensos da história do Plano B, em 2007.

Conta-me uma.
Duvidas? O Fua trabalhou aqui alguns anos. Fez um pouco de tudo, da produção de eventos à programação de concertos. Muitos dos acordos que ele fez para editar com bandas foram feitos aqui, como os Glockenwise, Throes + The Shine ou Black Bombaim. E digo-te mais: ideias importantes para a editora e promotora, como a criação dos festivais 20 XX Vinte ou Milhões de Festa surgiram aqui. O Fua tem tantas histórias! Mas já revelei muito. Há segredos que ficam comigo, senão ele chateia-se e eu não quero problemas com o meu grande amigo. Mas posso dizer que também o André Forte, que é uma das peças chave da Lovers & Lollypops, estreitou a relação dele com a editora aqui, entre copos.

Nestes 10 anos, foram tudo rosas ou houve algum espinho?
Apesar de a inauguração ter sido a 7 de dezembro, nos primeiros meses eu ainda não abria todos os dias. E houve uma altura em que tive de fechar para sofrer umas obras a sério. Um parto é muito difícil e eu fui um bebé muito, muito grande… Os meus pais-fundadores passaram por tantas dificuldades que houve alturas em que pensaram em desistir. Felizmente, nunca pensaram todos ao mesmo tempo e uns puxavam pelos outros. Na fase final das obras, o facto de eu ter estado fechado algum tempo fez com que não entrasse dinheiro e isso foi preocupante. Houve quem tivesse de atrasar o pagamento da renda de casa.

Ou seja, podias não estar cá hoje.
[Bate três vezes na madeira] Nem me lembres! Depois, por volta do ano 2009, tinha eu três aninhos, houve uma altura menos boa. Sabes que, como eu estava a crescer bem e a desenvolver-me com sucesso, os meus pais-fundadores deixaram de andar tão em cima de mim e aproveitaram para viajar e descansar um pouco. A juntar a isso, houve pessoas que saíram e, consequentemente, alguma desorganização, até com o relacionamento com os fornecedores. Isso obrigou-os a focarem-se.

Por exemplo, eu fazia lucro, mas acabava por financiar outros projetos, como festivais de rua e uma loja de roupa que eles abriram aqui na rua, a Mezzanine. O objetivo era chamar gente aqui para a rua, mas não estava a funcionar. Quando eu nasci, o Filipe Galante ainda vivia em Londres, mas o João, o Filipe e o Bernardo conheciam-no e convidavam-no a vir cá pôr música, enquanto Pixel82. Houve uma altura em que os três sentiram a necessidade de chamar uma pessoa mais nova para a sociedade, com outras ideias. Ainda bem que o fizeram. Os dois últimos anos têm sido excecionais.

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O Plano B em 2010. João Teixeira está à esquerda, de t-shirt azul. Uma hora antes da inauguração, os sócios ainda pintavam as paredes do piso inferior. © Foto cedida pelo Plano B

Porque é que te batizaram Plano B?
Olha, porque os meus pais-fundadores não tinham nome para mim! Enquanto andavam a atirar nomes para cima da mesa e a pensar alto, surgiram pérolas como Gran Turismo, ou Acredita. Também brincaram com heterónimos, como Espaços Manuel, em homenagem ao Passos Manuel, ou Auto Via, em vez de Via Rápida. A esta altura podias estar a falar com o Baixa 30 ou coisa do género! Eles divertem-se muito juntos, mas ainda bem que deixaram essas ideias de lado. E ainda bem que deixaram na parede do andar de cima os muitos flyers de exposições e concertos que estavam aqui afixados, que o André Viana recebia de todo o mundo. Porque foi num desses flyers que eles, aqui sentados, viram um sobre uma exposição de pintura em Oeiras chamada Plano B. O João chegou e disse que não queria esse nome, mas naquela altura eles estavam sob pressão para abrir e pronto, fiquei Plano B. Não é um nome giro?

Aqui quem faz as perguntas sou eu…
Como diz o João, as coisas nunca corriam como eles queriam, então tinham de andar sempre a improvisar. A usar um Plano B. Mas com esta é que te vou convencer: se tu virares o nosso logótipo ao contrário, as nossas designers Sara Westermann e Joana Macedo conseguiram desenhar um B que quando visto de pernas para o ar, se transforma em A. Pouca gente saberá disto.

"Enquanto andavam a atirar nomes para cima da mesa e a pensar alto, surgiram pérolas como 'Gran Turismo', ou 'Acredita'. Também brincaram com heterónimos, como 'Espaços Manuel', em homenagem ao Passos Manuel, ou 'Auto Via', em vez de Via Rápida. A esta altura podias estar a falar com o 'Baixa 30' ou coisa do género!"

Conta-me mais alguma curiosidade que pouca gente saiba
Nós temos como vizinho de cima o Club Portuense. É um clube já com mais de 160 anos, que reúne a nata das famílias tradicionais da cidade. E quando os quatro assinaram o contrato e andavam aqui nas obras todos sujos, de cabelos brancos, veio cá o porteiro do Club Portuense, o sr. Mário: “Boa noite. O sr. presidente quer falar com um de vocês. Quem é arquiteto?”, disse ele. Foi o Filipe que acabou por ir lá, àquelas salas lindíssimas de tetos espetaculares, e ele começou a perguntar quais eram os nossos planos. “Devo ficar preocupado?”. É que o Club fica mesmo ao nosso lado e uma parte que fica por cima de mim, tipo Lego. Fazem lá festas da caça, bailes de debutantes, esses eventos. E o Filipe disse ao distinto senhor: “Você não sabe com quem é que está a falar, pois não?”.

Estou a brincar, claro que ele não teve coragem de dizer isso ao presidente. Isso ouvi eu muitas vezes na minha porta, de algumas pessoas que se acham muito importantes. E pronto, eles acabaram por explicar que eu ia nascer como projeto cultural. Passados uns tempos houve uma inundação no prédio e o Club Portuense acabou por chamar o Filipe: “Ó sr. arquiteto, estamos aqui com um problema, não pode ir ao telhado?” Ele foi e lá resolveu o que estava a entupir as caleiras. A partir daí, acho que ficaram mais descansados em relação aos novos vizinhos.

E esses bailes de debutantes não acabam depois aqui?
Confesso que não sei se ainda fazem. Mas sim, depois da festa algumas pessoas desciam e vinham para aqui, algumas de fraque. Temos uma relação muito boa com eles. E um público muito heterogéneo, de diferentes estilos e idades. É essa a minha identidade.

Um dia, quando fores maior de idade e tiveres de te candidatar a empregos, algum patrão vai-te perguntar: “Onde é que te vês daqui a 10 anos?”
Ui… A dar uma entrevista ao Observador sobre os 20 anos [risos]. É difícil fazer planos a tão longo prazo, mas posso dizer-te que os meus fundadores nunca tinham pensado em mim tão crescido. 10 anos da vida de um bar é muito tempo. Olha, daqui a 10 anos o filho do Filipe já tem 18 anos, já pode ser o meu gerente. Ou o porteiro! Já os meus pais-fundadores vão querer estar de férias num sítio qualquer com palmeiras e água cristalina.

Quanto a projetos mais imediatos, o Filipe Galante, juntamente com o DJ André Carvalho, estão a lançar agora a editora Cubo Records, ligada à minha sala Cubo e que se vai dedicar à música eletrónica.

Foi um prazer falar contigo, Plano B. Para primeira entrevista, não te saíste nada mal.
Obrigado! Agora vê lá se apontas tudo direitinho. Vocês jornalistas às vezes… Também foi um prazer. Daqui a 10 anos terei muito mais para contar, voltamos a falar nessa altura!

© Divulgação

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