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O potencial do teletrabalho em Portugal

Só 9% dos empregados no mercado de trabalho português podem desempenhar as suas profissões atuais de forma alargada via teletrabalho. Quais são as profissões mais afetadas? Ensaio de Pedro S. Martins.

Os Ensaios do Observador juntam artigos de análise sobre as áreas mais importantes da sociedade portuguesa. O objetivo é debater — com factos e com números e sem complexos — qual a melhor forma de resolver alguns dos problemas que ameaçam o nosso desenvolvimento.

Este estudo foi escrito inteiramente a partir da residência do autor. Em parte, isto deveu-se às restrições relacionadas com o Covid-19 mas, na verdade, isto também poderia ter acontecido antes de estas restrições terem sido introduzidas. Em todo o caso, esta situação resulta do elevado potencial de teletrabalho em profissões como a de investigador ou professor universitário. Em que medida é que esta flexibilidade de local de trabalho – nomeadamente a partir de casa – se verifica ou tem potencial de se verificar entre as principais profissões num mercado de trabalho?

Esta pergunta é analisada neste breve ensaio para o caso específico de Portugal. A metodologia baseou-se na análise dos Quadros de Pessoal, uma componente do Relatório Único recolhido anualmente pelo Ministério do Trabalho junto de todas as empresas em Portugal com pelo menos um empregado. Esta base de dados é posteriormente cedida pelo Instituto Nacional de Estatística a um conjunto de investigadores universitários para o desenvolvimento de estudos como este. Os casos dos trabalhadores por conta própria e dos funcionários públicos, bem como dos desempregados e dos inativos, não é considerado neste estudo.

A análise conduzida aqui baseou-se ainda na classificação qualitativa e subjetiva conduzida pelo autor de cada uma das principais 200 profissões em termos do seu potencial de teletrabalho (‘telework’ ou ‘remote work’). Este potencial de teletrabalho refere-se às perspetivas de a profissão ser desempenhada à distância, por exemplo a partir da residência do trabalhador, num contexto de distanciamento social ou físico. Estas perspetivas poderão envolver um recurso às tecnologias de informação e comunicação e possivelmente alguns ajustamentos de curto prazo no perfil de cada profissão, em termos do leque de atividades que a compõem.

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Para os habituados a consultar estes dados, vale a pena especificar que as 200 profissões analisadas aqui resultam da Classificação Portuguesa de Profissões (CPP2010, do INE), na sua versão definida a quatro dígitos. Estas 200 profissões representam 93% dos trabalhadores por conta de outrem no setor privado em Portugal. Estes dados referem-se a 2017, o ano considerado nesta análise, o último ano com dados disponibilizado pelo Ministério do Trabalho à comunidade científica, mas que será semelhante à situação do mercado de trabalho em 2020.

Como é que se classificaram as profissões?

A classificação conduzida neste estudo baseou-se na criação de quatro categorias:

  • 0: profissões com potencial de teletrabalho muito baixo (as principais cinco profissões nesta categoria, em termos do número de trabalhadores que as desempenham, são Trabalhador de limpeza, Empregado de mesa, Vendedor em loja, Empregado de armazém, e Motorista de veículos pesados);
  • 1: profissões com potencial de teletrabalho baixo (Operador de máquinas de costura, Padeiros, Empregado de serviços de apoio à produção, Outros trabalhadores de montagem, e Diretor e gerente de restauração);
  • 2: profissões com potencial de teletrabalho significativo (Empregado de escritório, Outros trabalhadores relacionados com vendas, Diretor e gerente de outros serviços, Diretor geral e gestor executivo, Diretores e gerentes do comércio);
  • 3: profissões com potencial de teletrabalho elevado (Contabilista, Técnicos administrativos de contabilidade, Secretário administrativo e executivo, Operador de serviços financeiros, Analista em gestão e organização).

Estas classificações procuraram ser ‘ambiciosas’ em relação ao potencial de teletrabalho de cada profissão, admitindo inovações de gestão e tecnológicas a serem introduzidas no curto prazo no sentido da promoção e adoção mais generalizada desta forma de trabalho. Por outras palavras, em casos de dúvidas na categoria a aplicar (entre 0 e 3), optou-se sempre por classificar uma profissão no nível mais elevado de potencial de teletrabalho. Em todo o caso, não poderão ser excluídos erros, até porque as classificações não foram conduzidas por especialistas em cada área profissional.

Cada uma destas profissões poderá também encerrar um leque significativo de heterogeneidade, relacionado com o setor ou empresa específicos em que são desempenhadas. Por exemplo, um empregado de escritório numa determinada empresa poderá ter um potencial de teletrabalho muito maior que noutra empresa, incluindo no mesmo setor, dependendo das práticas de gestão ou do tipo de serviços em cada empresa.

Com vista a poder definir-se um indicador sumário do potencial de teletrabalho, associou-se a cada categoria acima um valor quantitativo, nomeadamente: 0: 0%; 1: 33,3%; 2: 66,6%; e 3: 100%.

Por outras palavras, uma profissão de nível 3 tem um potencial de 100% de ser desempenhada em teletrabalho, enquanto que, por exemplo, uma profissão do nível 1 tem um potencial de apenas 33,3%. Este último caso pode ser interpretado como indicando que um terço dos seus trabalhadores poderão desempenhar a profissão plenamente em teletrabalho enquanto que os restantes 66,6% o deverão fazer nas instalações da empresa. Em alternativa, este caso pode ser interpretado como indicando que estes trabalhadores podem trabalhar, em tese, de forma remota em cerca de um terço do seu tempo (um a dois dias por semana, por exemplo).

O estudo estima de seguida o peso de cada tipo de profissão para o total dos empregos em Portugal. Esta análise é obtida considerando, por um lado, a classificação das profissões desenvolvida e, por outro lado, a distribuição dos 2,8 milhões de trabalhadores analisados entre estas mesmas profissões (através dos dados dos Quadros de Pessoal acima mencionados).

O que mostram os resultados?

Os resultados obtidos são os seguintes: 54,4% dos trabalhadores tem um potencial de teletrabalho muito baixo, 10% tem um potencial baixo, 26,4% tem um potencial significativo, e 9% tem um potencial elevado (figura 1). O potencial médio que resulta destas percentagens, neste indicador de potencial de teletrabalho, é de 30% — juntando aos 9% do potencial elevado, 66.6% da categoria seguinte (26,4%) e 33.3% da categoria de potencial baixo (10%).

Esta distribuição mantém-se relativamente inalterada quando consideramos as 200 profissões (Tabela 2), embora agora com maior peso das profissões com maior potencial de teletrabalho (e vice-versa), uma vez que estas representam em média um menor número de trabalhadores.
Se olharmos para outras características dos trabalhadores em cada uma destas profissões, torna-se possível compreender melhor os aspetos que podem influenciar o potencial do teletrabalho (em função das profissões desempenhadas pelos trabalhadores). Vejamos sete pontos específicos.

Primeiro, o potencial de teletrabalho tende a ser mais baixo tanto entre os mais jovens como entre os mais velhos, atingindo o seu valor mais elevado para aqueles com entre 30 e 40 anos de idade. Por outro lado, o potencial de teletrabalho é ligeiramente mais elevado entre as mulheres que entre os homens.

Segundo, há uma relação positiva muito forte entre o nível de escolaridade e o potencial de teletrabalho (figura 2): apenas 17% dos trabalhadores com o ensino básico desempenham profissões com potencial de teletrabalho. Esta percentagem aumenta para 61% entre os trabalhadores com ensino superior.

Terceiro, os trabalhadores de nacionalidade portuguesa ou com contratos permanentes tendem a estar em profissões com maior potencial de teletrabalho do que trabalhadores de nacionalidade estrangeira ou com contratos a termo, respetivamente.

Quarto, há diferenças importantes no potencial de teletrabalho entre as regiões do país (de acordo com a localização da empresa/estabelecimento do trabalhador), com os valores mais elevados em Lisboa e os valores mais baixos no Alentejo, Açores e Algarve.

Quinto, as maiores diferenças no potencial de teletrabalho, no entanto, encontram-se entre os setores de atividade do estabelecimento de cada trabalhador (figura 3). Por exemplo, as atividades de informação e de comunicação apresentam um indicador de potencial de teletrabalho de 88%, enquanto que o alojamento e a restauração, a agricultura, e os transportes apresentam valores abaixo de 20%. O valor mais baixo (10%) encontra-se no caso do alojamento e restauração, que representa mais de 250.000 empregados.

Sexto, são as empresas com menos e com mais trabalhadores que têm maiores potenciais de teletrabalho (em função dos perfis de profissões que empregam), em contraste com as empresas com entre 10 e 250 trabalhadores. A propósito, vale a pena referir um estudo sobre duas mil empresas em Portugal de média e grande dimensão, que conclui que 75% destas empresas oferece a possibilidade de teletrabalho aos seus trabalhadores, definida como o acesso a email e a documentos de trabalho à distância. O estudo encontra uma relação negativa entre o teletrabalho, definido desta forma, e o desempenho da empresa. Em contraste, existem outros estudos, neste caso sobre a China, que encontram uma relação positiva entre o teletrabalho e o desempenho de empresas.

Sétimo, de forma semelhante ao caso da escolaridade, encontra-se um declive positivo muito pronunciado entre a remuneração do trabalhador e o potencial de teletrabalho da profissão que este desempenha (Figura 4): 18% para trabalhadores com salário mínimo (557 euros em 2017) ou inferior (trabalho a tempo parcial ou aprendizes) em contraste com 63% para trabalhadores com 2000 euros ou mais por mês de remuneração base.

Considerando também o potencial de teletrabalho em termos parciais das outras profissões, a estimativa deste estudo aumenta, mas para não mais de 30%. Mesmo este valor parece ser baixo em termos internacionais. 

Conclusão

Este estudo indica que a percentagem de empregados no mercado de trabalho português que pode desempenhar as suas profissões atuais de forma alargada via teletrabalho é reduzida (9%). É, no entanto, desconhecida a percentagem dos empregados que efetivamente trabalham de forma remota, admitindo-se que seja um valor (muito) inferior, pelo menos até à eclosão da pandemia. Por outro lado, admite-se que o trabalho remoto seja mais comum entre as categorias de trabalhadores não consideradas, nomeadamente entre os trabalhadores por conta própria.

Considerando também o potencial de teletrabalho em termos parciais das outras profissões, a estimativa deste estudo aumenta, mas para não mais de 30%. Mesmo este valor parece ser baixo em termos internacionais. Por exemplo, Lister e Harnish (2019) estimam que cerca de 40% dos trabalhadores nos Estados Unidos já trabalham de forma remota, pelo menos de forma parcial.

Estas estimativas resultam provavelmente de vários fatores, como a estrutura produtiva da economia portuguesa (nomeadamente a distribuição do emprego pelos diferentes setores de atividade), os perfis de escolaridade dos próprios trabalhadores, e talvez até a própria distribuição de remunerações.

Assim, estes resultados sublinham sobretudo o potencial impacto muito negativo junto da economia das práticas de ‘distanciamento social ou físico’ que a Covid19 parece exigir – mas que variam muito de acordo com as práticas efetivas e com o potencial de teletrabalho de cada profissão.

Neste contexto, o impacto económico da Covid19 será mais pronunciado junto dos trabalhadores com níveis mais baixos de escolaridade e de remuneração, bem como em determinados setores, como se poderia esperar. Estes trabalhadores e setores de atividade deverão merecer maior atenção por parte das políticas públicas, na medida em que a sustentabilidade dos seus postos de trabalho poderá ser mais afetada pela pandemia. A abordagem quantitativa adotada neste estudo pode ainda contribuir para as projeções do impacto económico e social da Covid19 bem como para a modelização de iniciativas para o desenvolvimento do teletrabalho.

Pedro S. Martins é doutorado em Economia pela Universidade de Warwick, Reino Unido. Professor no Queen Mary College, Universidade de Londres. Desempenhou funções de Secretário de Estado do Emprego no XIX Governo Constitucional.

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