“Quero ser Grande Mestre antes de ir para a universidade”. O desejo de José Francisco Veiga, confessado ao Observador, significa chegar ao escalão máximo do xadrez internacional em dois anos. Fazê-lo aos 18 anos implica ser o português mais novo de sempre a receber o mais alto galardão da Federação Internacional de Xadrez (FIDE). O atual recordista, Jorge Viterbo Ferreira, fê-lo aos 24 anos, em 2018 (à época já dominava o ranking português, e estava entre os mil melhores jogadores do mundo). “É complicado, depende se os torneios me correm bem, mas é o meu objetivo, e se trabalhar para isso acho que consigo chegar lá”, sublinha o jogador de 16 anos.
José Francisco Veiga tornou-se Mestre FIDE aos 14 anos, um recorde nacional. Hoje está classificado como o melhor jogador Sub-16 em Portugal, o que o torna o 77.º melhor do mundo e o 43.º melhor do continente europeu. O próximo passo é ser um Mestre Internacional. Precisa de conquistar três “normas”, um reconhecimento oficial de uma boa performances num torneio internacional – já trouxe uma do Open Internacional de Sevilha em 2018, numa conquista “inesperada” que classifica como um dos seus momentos de maior felicidade no desporto. Para ser reconhecido como Grande Mestre, o jovem tem de melhorar continuamente os resultados para fazer subir o seu rating FIDE (a listagem internacional que classifica todos os jogadores federados de xadrez do mundo) até ser reconhecido pela organização.
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Número de Grande Mestres de xadrez portugueses reconhecidos pela FIDE
Federação Internacionald de Xadrez
O objetivo não é só ser o mais jovem Grande Mestre português. José Francisco Veiga quer subir a escada do xadrez em Portugal e conquistar o primeiro lugar do ranking. “O nível do xadrez em Portugal, neste momento, não é tão alto como noutros países”, afirma, sublinhando que é possível ser o melhor do país, mas que “tudo depende de quem trabalha mais”.
José Francisco treina sozinho todos os dias
A chave do xadrez, como define José Francisco, está no trabalho. O jovem treina duas horas por dia, estudando livros, praticando cenários específicos e jogando online. “Às vezes prefiro ficar em casa a preparar-me do que ir sair com amigos”, admite, confessando que os pais “até gostavam que saísse mais e fizesse outras coisas”. O processo é regrado e pensado passo a passo para minorar as fraquezas e potenciar as forças em cada momento do jogo. “É muito mais de treino do que de talento”, garante, porque “se podem treinar muito mais horas do que no futebol, no basquetebol ou no ténis”. Portanto “quem treina mais é quem chega mais alto”. Treina sem música, para reduzir as distrações, mas depois ouve “um pouco de tudo”, destaque para o rapper americano Eminem.
Ao trabalho diário, o jovem acrescenta três a quatro horas por semana com um orientador, o Mestre Internacional cubano Roberto Ledo, feitas por vídeo-chamada. “Ele tem muitas ganas e vontade de trabalhar”, explicou ao Observador o treinador, que o conheceu em 2014 e começou a trabalhar regularmente com o jovem em 2017. Para Roberto Ledo, a evolução de José Francisco mostra a ética de trabalho do jovem e o seu amadurecimento até se aperceber que “era preciso sacrificar-se e estudar para dar o salto”.
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Rating FIDE de José Francisco Veiga. Um Grande Mestre, geralmente, está acima dos 2500.
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A melhoria de José Francisco está associada à sua entrada na Escola de Xadrez do Porto, dirigida por Pedro Caramez, o auto-inititulado “melhor professor de xadrez de Portugal”. Foi em 2015 que José Francisco foi convidado a integrar o projeto, numa fase em que “estava estagnado”, nas palavras de Pedro Caramez ao Observador, e queria fazer mais. “Ele não estava habituado a treinar sozinho, portanto criámos um plano de treinos e passado três meses subiu imenso no nível”, explica o professor, continuando: “Sentimos que ele tinha mais potencial do que aquilo que estava a render”.
Paixão pelo xadrez começou para ganhar ao irmão
José Francisco começou a jogar xadrez aos seis anos no clube da escola onde estudava, o Colégio Português. “Foi o meu irmão que aprendeu primeiro e me ensinou a jogar”, conta, assumindo que foi a competitividade que o fez continuar: “Queria ganhar ao meu irmão e queria saber mais do que ele num jogo de que eu gostava”.
Fã de futebol (e portista assumido), José Francisco chegou a praticar ténis e gostava de experimentar o basquetebol, mas foi no xadrez que cresceu profissionalmente. “O Francisco sempre foi uma figura de destaque: era campeão nacional e um dos melhores da idade dele”, relembra Pedro Caramez, concluindo que “ele chama a atenção porque é bom”.
Para se chegar ao topo do xadrez, nacional e internacional, é preciso ter-se algo de especial, e, para o professor, o que define o jovem é a confiança e a vontade: “O ponto forte do José Francisco é acreditar sempre em si próprio. Com qualquer pessoa com que vá jogar ele acha que vai ganhar e quer sempre ganhar”. Ter força mental é importante para ser bem sucedido no desporto, garante: “O xadrez é um jogo muito psicológico e muitas vezes o medo, o receio de perder ou de fazer uma má jogada, afeta os jogadores”, enquanto que “o José Francisco se distingue por ter muita confiança”.
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“Quando jogo estou calmo e sinto-me feliz”, diz o jovem que se esforça por não mostrar o que sente aos adversários: “Há momentos em que quero expressar raiva, porque cometo um erro e estou chateado, mas tento manter a minha poker face. É uma maneira de não dar mais confiança ao meu adversário”.
Também Roberto Ledo vê na promessa maior do xadrez português a preparação psicológica para fazer mais e melhor: “Ele tem muito interesse e gosta de trabalhar porque sabe o que quer e procura atingir os seus objetivos. Aquilo que o José Francisco precisa para ser bem sucedido é de manter a força, porque já tem a posição, a idade e a vontade”.
José Francisco tem objetivos difíceis mas possíveis
“Acho que pode ser o próximo Grande Mestre Português”, garante o orientador e Mestre Internacional. Mas fica o aviso de que “pode não ser uma vitória a curto prazo”, já que é preciso uma melhoria de performance sustentada para atingir o patamar mais elevado do xadrez internacional.
“É possível chegar a Grande Mestre”, concorda Pedro Caramez, explicando que “cada vez é mais fácil porque há mais oportunidades, há mais torneios”. Mas, para o fazer, José Francisco tem de ter “uma rotina quase profissional” porque “a concorrência cada vez é maior, há cada vez mais jovens a jogar bem e há mais acesso a informação”. “É trabalhoso”, conclui o professor. José Francisco explica que alguns dos melhores do mundo treinam até dez horas por dia.
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Posição de José Francisco Veiga no Ranking mundial. É o número 77 em sub-16.
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O jovem reconhece a necessidade de continuar a trabalhar (“É uma coisa complicada”), mas vê o espaço para se destacar no panorama nacional: “Sou bom em Portugal, o meu treinador que que eu evolua e eu vou evoluir, mas tenho de trabalhar”. Os limites e os objetivos vêm dele mesmo: “Sou eu que decido o que quero atingir. É tudo pressão própria”. E José Francisco Veiga deu a si mesmo um objetivo e um limite de tempo, já que se quer afastar do desporto quando chegar ao Ensino Superior. “Preciso de me dedicar agora, enquanto tenho tempo no secundário, porque me vou afastar quando entrar para a universidade”, explica o estudante no 10.º ano de Ciências e Tecnologias.
Xadrez não deve ser ocupação a tempo inteiro
José Francisco não planeia profissionalizar-se no xadrez. Mais do que falta de interesse, prevê falta de possibilidades: “Não gostava de me dedicar só ao xadrez porque não há condições em Portugal. Não se tem um salário fixo, só o dinheiro dos torneios que nem é muito. É uma profissão inconstante”. Mesmo se surgisse uma oferta financeiramente sustentável, podia não aceitar ser jogador: “Também me interesso por outras coisas e quero seguir para a universidade e encontrar um emprego”. Ainda não escolheu uma carreira definitiva, mas José Francisco pondera seguir para o ramo da Engenharia.
Pedro Caramez considera igualmente difícil ter o xadrez como ocupação a tempo inteiro. “Acho que isso não vai passar pelo futuro dele, nem da maioria dos jovens em Portugal, porque é muito difícil o universo do xadrez”. Uma das soluções para procurar rendimentos mais estáveis é precisamente a seguida por Pedro Caramez: “A única hipótese das pessoas viverem do xadrez é fazerem como eu e darem aulas, mas é preciso vocação para isso, não basta jogar bem”.
Para se jogar profissionalmente é preciso conseguir destaque internacional e vitórias regulares nos maiores torneios do mundo. “Antes era mais fácil”, sublinha Pedro Caramez, mas com a entrada de novos jogadores, muitos a aprender através da Internet, “acaba por se tirar o ganha pão a quem faz vida do xadrez”. A única hipótese, garante o professor, é “ter um nível mundial muito alto e viver fora do país”.
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José Francisco olha para fora de portas, mas considera difícil destacar-se internacionalmente. “É quase impossível entrar no Top 100 mundial [sem escalão de idades] e no xadrez é muito complicado atingir esse nível”, admite, acrescentando que os melhores jogadores do mundo Sub-16 “já não vão à escola” e dedicam-se a tempo inteiro ao desporto. “Talvez eu conseguisse chegar lá se fizesse o mesmo, mas com as condições que temos podiam não valer o esforço”. Mas, fora os objetivos individuais, resta um sonho maior a José Francisco Veiga. O jovem quer representar Portugal nas Olimpíadas do Xadrez, e, como com tudo, acredita em si próprio: “Daqui a alguns anos acho que tenho hipótese de fazer parte da equipa olímpica absoluta”.