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A ministra Francisca Van Dunem é a cara da Estratégia Nacional Contra a Corrupção
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A ministra Francisca Van Dunem é a cara da Estratégia Nacional Contra a Corrupção

A ministra Francisca Van Dunem é a cara da Estratégia Nacional Contra a Corrupção

O que muda com as novas leis anticorrupção

Oposição do PSD determina fim dos acordos de sentença e colaboração premiada menos ambiciosa. Avança enriquecimento injustificado e aumenta prazo de prescrição de corrupção.

Foi uma rara unanimidade aquela que se viveu na Assembleia da República esta sexta-feira. O pacote anti-corrupção foi aprovado em plenário com o voto a favor de todas as bancadas parlamentares e com importantes mudanças e avanços legislativos.

É verdade que os chamados acordos de sentença, que poderiam acelerar muito a resolução dos processos de criminalidade económico-financeira (e não só), foram chumbados no Parlamento por oposição do PSD, mas não é menos certo que a tão almejada criminalização do enriquecimento injustificado avança.

E os avanços não se ficam por aqui. Surpreendentemente, o PSD concordou (dando o dito por não dito) que se alargassem os instrumentos do direito premial que existem na lei, abrindo assim as portas à colaboração premiada entre arguidos e Justiça — numa versão mais tímida do que a pretendida pela ministra Francisca Van Dunem, é certo.

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Os prazos de prescrição de diversos crimes de titulares de cargos políticos, como a corrupção, foram alargados para 15 anos, reforçaram-se as penas acessórias de proibição de exercício de cargos políticos e públicos em períodos que podem ir até aos 10 anos e responsabilizam-se as empresas e outras entidades por crimes de corrupção ativa praticados pelos seus representantes.

Medidas rejeitadas estão relacionadas com a chamada justiça negociada

Com a dissolução da Assembleia da República no horizonte, PS e PSD acabaram por acordar uma proposta conjunta que manteve o essencial do pacote anti-corrupção proposto pelo Governo mas fez uma grande vítima: a justiça negociada, uma das medidas mais inovadoras da estratégia concebida pela ministra Francisca Van Dunem.

O Governo queria que fosse possível a celebração de acordos sobre a pena aplicável durante a fase de julgamento. Ou seja, no âmbito de uma audiência prévia, o arguido ou arguidos poderiam acordar com o Ministério Público um limite máximo e mínimo de uma pena a aplicar pelo tribunal de julgamento. Mas com duas condições:

  • Teria de fazer uma confissão livre, integral e sem reservas dos factos que lhe eram imputados;
  • E não poderia ser premiado se responsabilizasse outros arguidos. Só poderia confessar (e ser premiado) sobre matérias que tivessem diretamente a ver com a sua ação.
A deputada do Partido Social Democrata (PSD), Mónica Quintela, intervém durante o debate sobre o pedido de renovação do estado de emergência, na Assembleia da República, em Lisboa, 04 de dezembro de 2020. JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

Deputada Mónica Quintela foi a cara da oposição á proposta do Governo

JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA

O PSD sempre considerou esta matéria uma linha vermelha por entender que estava em causa o “mercadejar de Justiça”. Na prática, um negócio jurídico — algo que a lei proíbe claramente.

Apesar de o PS entender que o que estava em causa era um acordo sobre os factos, e não uma negociação da culpa, esta matéria teve de cair para viabilizar uma proposta conjunta. Aliás, nem todos os deputados socialistas estavam à vontade com o conceito de justiça negociada.

Porta semi-aberta à colaboração premiada

Além dos acordos de sentença, a outra grande divergência entre PS e PSD centrava-se na chamada colaboração premiada. Isto é, os arguidos que denunciassem crimes ou tivessem uma colaboração ativa na descoberta da verdade material poderiam ser premiados com uma dispensa ou uma atenuação especial da pena decidida por um tribunal de julgamento.

Apesar das críticas da deputada Mónica Quintela, coordenadora do PSD na 1.ª Comissão, certo é que a proposta conjunta PS/PSD acolheu uma parte importante da proposta da ministra Francisca Van Dunem. As mudanças são fáceis de explicar:

  • A dispensa de pena ou a atenuação especial da pena passam a ser obrigatórias, quando hoje em dia são apenas uma possibilidade;
  • Suspeitos que tenham praticado crimes terão dispensa de pena ou atenuação especial de pena desde que tenham denunciado os mesmos ilícitos antes da abertura do respetivo inquérito;
  • Aplica-se a crimes de corrupção ativa e passiva e ao recebimento indevido de vantagem, mas também foi aberta a porta para que seja aplicada a crimes conexos com a criminalidade económico-financeira:
  • A lei atual tinha um prazo de 30 dias após a prática dos crimes para que as denúncias fossem feitas — o que inviabilizava, na prática, a aplicação da dispensa de pena ou atenuação especial. Tal prazo desaparece com a lei aprovada.
Além dos acordos de sentença, a outra grande divergência entre PS e PSD centrava-se na chamada colaboração premiada. Apesar das críticas da deputada Mónica Quintela, coordenadora do PSD na 1.ª Comissão, certo é que a proposta conjunta PS/PSD acolheu uma parte importante da proposta da ministra Francisca Van Dunem.

O que não foi acolhido acaba também por afetar a eficácia destas medidas — que visam romper os pactos de silêncio entre os diferentes participantes nos crimes de corrupção. Tudo porque a proposta da ministra Francisca Van Dunem previa a aplicação destes instrumentos logo na fase de inquérito e de instrução criminal com proposta do Ministério Público e validação judicial de um juiz de instrução criminal.

Contudo, face à oposição do PSD, estes instrumentos só serão aplicados na fase de julgamento. Isto é, o arguido que colabore com o Ministério Público (MP) durante a investigação ou queira contribuir para a descoberta da verdade material não terá uma garantia de que o tribunal de julgamento possa aplicar a dispensa de pena ou a atenuação especial da pena — nem terá uma certeza de que o procurador que representa o MP no julgamento concorde com o colega que fez a investigação.

Avança o enriquecimento injustificado com alertas do PSD e o combate aos megaprocessos

Numa outra comissão parlamentar, a da Transparência, foi consensualizada uma proposta para a criminalização de enriquecimento injustificado. Na prática, o novo crime é inspirado claramente na proposta apresentada pela Associação Sindical de Juízes liderada pelo desembargador Manuel Ramos Soares.

Ao contrário das outras propostas de enriquecimento ilícito chumbadas pelo Tribunal Constitucional, a proposta que recebeu agora luz verde pretende criminalizar a violação das obrigações declarativas a que todos os titulares de cargos políticos e titulares de altos cargos públicos estão adstritos.

A ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, intervém durante a apresentação do Instrumento de Documentação e Avaliação da Ameaça na América Latina (IDEAL), na sede da Polícia Judiciária Portuguesa, em Lisboa, 13 de julho de 2021. MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

Ministra Francisca Van Dunem conseguiu a aprovação da Estratégia Nacional Contra a Corrupção no final do seu mandato

MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

As linhas mestras do novo crime são as seguintes:

  • Será acusado deste crime qualquer político e titular de alto cargo público que não declare todos os rendimentos a que estava obrigado;
  • A aplicação do crime é independente do momento em que os rendimentos ocultos forem descobertos. Isto é, os responsáveis abrangidos pela lei têm obrigação de declarar todos os seus rendimentos durante o exercício do respetivo mandato e num prazo máximo de três anos após saírem do cargo que exerceram. Se os rendimentos ocultos só forem descobertos cinco anos após a cessação de funções, o suspeito em causa poderá ser acusado à mesma deste novo crime. Ou seja, os acréscimos patrimoniais passam a ser criminalizados;
  • Desaparece a obrigação da declaração prévia que atualmente a Entidade das Contas tem de fazer, notificando o político faltoso para que retifique os rendimentos. Basta constatar a ocultação de rendimentos para que o crime possa ser imputado;
  • A pena aumenta para um máximo de cinco anos de prisão;
  • O titular de cargo político ou alto cargo público passa a ter a obrigação de explicar a origem desses acréscimos patrimoniais.

Este último ponto levou a deputada Mónica Quintela (PSD) a alertar que o Tribunal Constitucional pode voltar a chumbar a lei por inversão do ónus da prova.

Uma matéria que teve consenso entre PS e PSD desde o início foi o combate aos megaprocessos. O grupo de trabalho nomeado pela ministra Francisca Van Dunem defendeu a alteração das regras de conexão dos processos, de forma a evitar que o Ministério Público possa incorporar diversos inquéritos criminais num só — uma prática regular nos casos da criminalidade económica-financeira devido a interligação dos factos

Prazos de prescrição do crime de corrupção e de outros passam para 15 anos

O pacote anti-corrupção aprovado no Parlamento levará igualmente a aumentar o prazo de prescrição para 15 anos de diversos crimes de titulares de cargos políticos, nomeadamente de corrupção ativa e passiva, recebimento indevido de vantagem, prevaricação, violação das regras urbanísticas, abuso de poderes, entre outros.

O crime de associação criminosa relacionado com esta criminalidade económico-financeira também está abrangido pelo alargamento do prazo de prescrição.

O mesmo se passa com os crimes de corrupção no comércio internacional e corrupção ativa e passiva no setor privado, crimes de corrupção e outros de natureza económico-financeira na atividade desportiva. E outros ilícitos como fraude na obtenção de subsídio.

Por outro lado, serão reforçadas igualmente as penas acessórias de proibição de funções seja de titulares de cargos políticos, seja de dirigentes ou funcionários da administração pública e equiparados.

O pacote anti-corrupção aprovado no Parlamento levará igualmente a aumentar o prazo de prescrição para 15 anos de diversos crimes de titulares de cargos políticos, nomeadamente os crimes de corrupção.

Isto é, os arguidos que sejam condenados por crimes de corrupção ativa e passiva e de recebimento indevido de vantagem com penas de prisão efetiva acima dos três anos passam a estar sujeitos a penas acessórias reforçadas:

  • No caso dos políticos, podem ser proibidos de exercer cargos políticos até a um prazo máximo de 10 anos (neste momento é de oito anos) — equivalente às sanções de inibição banqueiros no setor financeiro, por exemplo.
  • No caso dos funcionários, a proibição do exercício de cargos públicos pode ir até a um prazo máximo de 8 anos (agora é de cinco anos)

Estas penas acessórias passam a ser aplicadas a gerentes e administradores de sociedades comerciais.

Por último, há duas últimas alterações relevantes:

  • As pessoas coletivas, nomeadamente as sociedades comerciais e instituições financeiras, passam a ser responsabilizadas pelo crime de corrupção ativa de titular de cargo político e de oferta indevida de vantagem;
  • O mecanismo de suspensão provisória do processo passa a ser aplicado à oferta de recebimento indevido de vantagem. Isto é, as empresas e outras entidades do setor privado passam a poder beneficiar da suspensão do processo desde que cumpram determinadas injunções.

Para que a Estratégia Nacional Contra a Corrupção seja aplicada na sua globalidade, falta igualmente que o Presidente da República promulgue o decreto-lei que vai instituir o Mecanismo Nacional Anticorrupção, a nova entidade de fiscalização e prevenção da corrupção por parte do setor público e do setor privado — que, com a versão final da estratégia, passa a ter as mesmas obrigações que as entidades públicas.

As reações à aprovação do PS e do PSD

No final das votações, o grupo parlamentar do PS, através da deputada Cláudia Santos, que coordenou os trabalhos dos socialistas na Comissão de Assuntos Constitucionais, quis “sublinhar a importância histórica da aprovação por unanimidade”, acrescentando que não tem “memória de ter sido aprovado antes um pacote tão extenso” e que estas alterações permitem “afirmar que o governo cumpriu as promessas feitas em matéria de combate à corrupção”.

Entre as principais alterações, Cláudia Santos destacou a pena acessória que impede a candidatura a cargos políticos ou as “novas e exigentes soluções de direito premial”, que, sublinhou, “nunca passam pela delação premiada”.

Entre as principais alterações, a deputada Cláudia Santos (PS) destacou a pena acessória que impede a candidatura a cargos políticos ou as "novas e exigentes soluções de direito premial", que sublinhou, "nunca passam pela delação premiada".

Do lado do PSD, Mónica Quintela viu “com grande satisfação” a aprovação de muitas das medidas propostas pelos sociais-democratas, mas também “o abandono de medidas que eram linhas vermelhas, como a negociação das penas e a delação premiada”. A deputada do PSD diz que não entende “que o reforço do direito premial seja uma porta de entrada para a delação premiada” e destaca ainda “os avanços feitos no combate aos mega-processos, onde era possível ter ido ainda mais longe”.

Mónica Quintela mostrou-se também satisfeita com a aprovação unânime destas medidas e referiu ainda que entende que “as penas acessórias não são inconstitucionais” por não serem “normas de funcionamento automático”. “O tribunal terá sempre que fazer um juízo sobre esta perda”, referiu a deputada, que é também advogada de profissão.

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