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Ciclista esloveno sagrou-se campeão do mundo no passado fim de semana, em Zurique, fechando com chave de ouro uma temporada de sonho

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Ciclista esloveno sagrou-se campeão do mundo no passado fim de semana, em Zurique, fechando com chave de ouro uma temporada de sonho

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O registo em que bate Merckx, mais vitórias do que todas as equipas, 39 dias como líder: o que faz de Pogacar o potencial melhor de sempre

O estilo ofensivo depressa o destacou no seio do pelotão, as grandes vitórias obtidas com ataques brilhantes cimentaram-no. Pogacar venceu Giro, Tour, Mundiais e um Monumento em 2024 – e bateu Merckx.

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Esta podia ser uma história qualquer. Mas não é. É a história de um miúdo como outro qualquer, que deixou a bola e pegou na bicicleta para fazer – e escrever – a sua própria história. Falamos, claro está, de Tadej Pogacar, nome com o qual, certamente, já se cruzou. Falamos de um super desportista esloveno que teima em desafiar o racional para atingir os seus objetivos. A cada corrida, Pogi surpreende-se a si mesmo e mais ainda aos adversários. A sua estratégia ofensiva faz parte do tão preconizado nos últimos tempos “novo ciclismo”. Seja lá o que isso for, é certo que o “menino” que corre de sorriso no rosto e tem tufos do seu cabelo loiro a aparecerem por entre as brechas do capacete faz parte desta história. A história que ele próprio começou a escrever.

O último capítulo dessa história de altos e baixos – desengane-se quem acredita que a carreira de um desportista pode ter apenas momentos de vitória – foi escrito em Zurique, nos Campeonatos do Mundo de ciclismo de estrada. Como habitual, a prova que ostenta as camisolas mais desejadas por todos os ciclistas encerra – não de forma oficial – uma temporada difícil, com muitos dias de corrida e milhares de quilómetros nas pernas. Este ano foi atípico porque, como é habitual de quatro em quatro anos, os Jogos Olímpicos obrigam a “redesenhar” um calendário que, só por si, já é bastante completo.

Foi aí que Pogacar mostrou todo o seu esplendor. No difícil circuito helvético – com mais de 4.000 metros de desnível acumulado em 273,9 quilómetros –, o esloveno tinha um grande desafio pela frente. Apesar do crescimento repentino que aconteceu nos últimos anos, em parte por conta de Pogacar e também de Primoz Roglic, a Eslovénia não ecoa no pelotão como uma das principais seleções em termos coletivos. E essa fraca defesa acabou por ser o melhor ataque de Pogacar. Sem companheiros de equipa na segunda metade da prova, o esloveno decidiu atacar a 101 (!) quilómetros da meta, isolou-se a 51,7 e venceu… a solo.

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Ao longo dos próximos 12 meses, o esloveno vai envergar a camisola mais desejada do pelotão

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Essa vitória levou, inclusivamente, Eddy Merckx, considerado por muitos o melhor ciclista de todos os tempos, a elogiar Tadej Pogacar e a considerar que o esloveno está “acima” de si… mas apenas em termos de Mundiais. “A sua vitória foi excecional, certamente única. Foi incrível, mas não acho que Pogacar seja superior a Eddy Merckx. Ele ainda não é superior a mim. Acho que são poucos os casos de ciclistas que, de janeiro a dezembro, tenham corrido e vencido tantas corridas. Tive um ano com cerca de 190 dias de competição. Agora eles competem cerca de 80 dias por ano. Pogacar faz de tudo um pouco, é verdade, mas poucos fazem o que fizemos: competir nas Clássicas, nos Monumentos e nas Grandes Voltas. Não há comparação”.

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2024, o ano em que Tadej foi Pogacar e chegou ao trono

As palavras do antigo ciclista levantaram uma questão na última semana: Pogacar é, afinal, o melhor de sempre? Como o próprio belga assumiu nas diversas entrevistas que foi dando, a comparação torna-se difícil por tratarem-se de duas eras completamente diferentes. No entanto, é praticamente um dado adquirido acrescentar o esloveno a esse lote para a eternidade. Em jeito de curiosidade, Pogi alcançou, até ao momento, 23 vitórias em 2024, o que significa que tem quase um triunfo a cada dois dias de competição – taxa de 41%, num total de 55 dias. Esta marca é inédita para o esloveno, mais ainda se considerarmos que, só neste ano civil e nesses 55 dias, Pogacar tem mais vitórias que… todas as equipas do World Tour – a seguir à UAE Team Emirates (40), a Visma-Lease a Bike leva 18 triunfos.

A história desta temporada começou em dezembro. Numa fase em que já se encontrava a estagiar em altitude para preparar os grandes objetivos da época, o esloveno foi anunciado na Volta a Itália pela primeira vez. A relação entre o Giro e Pogi era antiga, mas só agora se concretizou e Tadej não podia pedir melhor: a prova italiana caracteriza-se pelas suas montanhas, mas em 2024 a concorrência era manifestamente inferior. E foi assim que começou uma jornada com 39 dias de liderança nas Grandes Voltas, 12 vitórias em etapas e a terminar com aquilo que só Eddy Merckx e Stephen Roche fizeram, mas não era alcançado desde 1987: ganhar a tríplice coroa (Giro, Tour e Mundiais).

Foi precisamente em dezembro do ano passado que Tamau anunciou o desafio mais complexo do ciclismo e que, na era moderna, tornou-se quase impossível alcançar. Mas, para Pogacar, não há impossíveis: “Na minha cabeça, posso fazer as três Grandes Voltas, se quiser. Para quê fazer apenas uma? Se fizeres apenas o Giro, é basicamente o fim da temporada. Porque é que vou fazer apenas uma corrida de três semanas, quando não posso fazer apenas duas, mas posso vencer duas. Acho que depois do Giro terei tempo para recuperar”, assumira o esloveno, revelando que o grande objetivo era “o Mundial”.

O arranque da temporada foi a imagem do fim: de sonho e com exibições marcantes que perdurarão na memória. Na primeira clássica, Pogacar atacou a 82 quilómetros do fim e venceu a Strade Bianche com quase três minutos de vantagem para o segundo classificado. Seguiu-se um pódio (terceiro) no primeiro Monumento, a Milão-Sanremo. Na Volta à Catalunha, a primeira prova por etapas que disputou, alcançou a maior margem de vitória dos últimos 41 anos (3.41 minutos), triunfando em quatro das sete etapas. No fecho da temporada de primavera, o atleta da Emirates conquistou o seu sexto Monumento, triunfando na Liège-Bastogne-Liège com uma diferença que não se via desde 1980 (1.39).

Foi em Itália que Tadej Pogacar começou a traçar o caminho dourado de uma temporada que será difícil de igualar. A concorrência não esteve à altura e os rivais chegaram a designar-se de “idiotas” por tentarem seguir os ataques do esloveno. Uma, duas, três, quatro, cinco, seis. As vitórias apareceram em catadupa e até podiam ter sido mais mas, tal como o próprio reconheceu, a maior derrota de Pogacar foi a sua maior vitória: esteve a quatro segundos de deixar o segundo classificado a dez minutos. É essa a diferença da geração de canibais para o comum dos mortais. “Talvez ele tenha corrido o Giro sem se esforçar”, assumiu Matxin Fernández, diretor desportivo da Emirates, depois da primeira Grande Volta do ano.

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Pogacar venceu o Giro na sua estreia com uma exibição de gala

AFP via Getty Images

Consumada a conquista da maglia rosa e do mítico troféu Senza Fine, faltava reconquistar a Volta a França. Afinal, Roma e Paris (ou Nice) são cidades diferentes. Com a feroz concorrência de Jonas Vingegaard (Visma), Primoz Roglic (Red Bull-Bora-Hansgrohe) e Remco Evenepoel (Soudal Quick-Step), foram precisos apenas dois dias para ver Pogacar ao ataque e a vestir a amarela 718 dias depois. Na quarta etapa deu mesmo um murro na mesa no Galibier e ganhou mais de minuto e meio aos rivais. No primeiro contrarrelógio aumentou a vantagem para todos, menos Remco.

O espectáculo seguiu para o Maciço Central e foi aí que se assistiu a algo que ainda não se tinha visto em 2024: Tadej foi traído pela sua impetuosidade e, depois de ter deixado Vingegaard para trás na 11.ª etapa, foi alcançado e perdeu ao sprint. O Pogacar mortal acabou por não passar daí e, no Pla d’Adet e no Plateau de Beille, o esloveno deu uma lição a tudo e a todos, e quebrou os registos históricos destas subidas. A vitória estava praticamente garantida, mas não foi por isso que Pogacar deixou de ser ofensivo. Dominou no Cime de la Bonette e nem mesmo o Isola 2000 inverteu a tendência, que ficou completa com um hat-trick nas derradeiras três etapas. Tadej Pogacar fechou mais uma Grande Volta com seis vitórias em etapas e completou um bis apenas alcançado por Fausto Coppi, Jacques Anquetil, Eddy Merckx, Bernard Hinault, Stephen Roche, Miguel Indurain e Marco Pantani.

Tadej Pogacar destruiu a concorrência na Volta a França, onde somou seis vitórias

AFP via Getty Images

Com a fadiga acumulada na primeira fase da temporada, Tamau precisou de férias e abdicou de participar nos Jogos Olímpicos, bem como na Volta a Espanha, deitando por terra o feito histórico de vencer três Grandes Voltas no mesmo ano. Depois de quase dois meses de “descanso”, Pogacar regressou no Canadá e conquistou com categoria o Grande Prémio de Montreal, na cidade que organizará os Campeonatos do Mundo de 2026. Seguiu-se Zurique e a presença apenas na prova de fundo. Todos pensavam que Tadej atacasse a 50 quilómetros do fim, mas o esloveno desafiou as probabilidades e duplicou o feito, naquela que é, em termos estatísticos, a melhor vitória de sempre nuns Mundiais.

“Estou muito cansado. Quero dar o meu melhor nos Mundiais”: Pogacar desiste dos Jogos Olímpicos e garante que não vai à Vuelta

Por agora, Tadej Pogacar está longe e é praticamente impossível alcançar o total de vitórias de Eddy Merckx (525), mas o número de 86 triunfos em apenas seis temporadas é brilhante e explica muito daquilo que o esloveno é. Em dezembro ninguém esperava que o ano terminasse desta forma e todos avisaram-no dos riscos e das incertezas presentes nesta missão. A resposta surgiu nove meses depois e levou Tadej a tornar-se num Pogacar ainda mais inigualável e imbatível. Apesar de ainda não ter vencido a Vuelta, a Paris-Roubaix e a Milão-Sanremo, o trono dos melhores de sempre tem um espaço reservado a Tadej Pogacar.

A mudança de treinador (e de pequenos almoços) que catapultou os feitos

Lutar pela Volta a Itália e o título de campeão do mundo não foram as únicas novidades de Pogacar para esta temporada. Depois de muitos anos a trabalhar com Iñigo San Millán, com o qual conquistou dois Tours, Tadej juntou-se a Javier Sola, especialista em biomecânica e readaptou a sua forma de trabalhar. “Eu e o Iñigo tínhamos uma boa relação, o treino dele era bom para mim, mas às vezes precisamos de uma mudança de ritmo, de coisas diferentes, de um estilo diferente de treino. Não foi uma grande mudança, mas foi uma boa mudança”, assumiu o esloveno depois de vencer o Giro.

Com Sola, Pogacar dedicou-se a uma nova filosofia de treino, mais focada no corpo e no aspeto físico do ciclismo, procurando fortalecer aquelas que eram consideradas as suas fraquezas: a exposição ao calor, a adaptação às grandes altitudes e os dias consecutivos com grandes subidas e um ritmo alto do início ao fim. Deste modo, o novo plano de treino passou ainda mais pelo ginásio, de modo a cimentar a musculatura, e contemplou ainda mais horas de túnel de vento. A Sola juntaram-se outros dois elementos essenciais: Alexandre Baccili, o fisioterapeuta de Egan Bernal e Chris Froome, e Gorka Prieto, nutricionista.

A mudança de treinador, o fisioterapeuta de Tsitsipas e o fim da massa ao pequeno-almoço: como Pogačar deixou os adversários para trás

“Quando comecei a correr mais a sério, há seis anos, comia massa e arroz ao pequeno-almoço e às vezes juntava uma omelete. Agora tenho pequenos almoços normais, com aveia, pão, panquecas. Essas pequenas coisas fazem a diferença, não ter de comer massa ao pequeno-almoço”, revelou o ciclista no início do ano, explicando ainda que deixou de precisar de consumir tantas calorias e passou a adotar uma dieta mais saudável e menos pesada.

Os números estratosféricos de quem leva 710 quilómetros em fuga

Para além das já mencionadas 23 vitórias em 53 dias de competição neste ano civil, os números não mentem e espelham aquele que tem sido um ano de sonho para Tadej Pogacar. O ano começou com um ataque superior a 80 quilómetros na Strade Bianche e, até ver, terminou com uma fuga de 100 quilómetros nos Mundiais. Pelo meio, o esloveno manteve o ADN ofensivo e, até ao momento, leva 710 quilómetros em fuga na presente temporada, número que representa quase o dobro de 2023, segundo o ProCyclingStats. Curiosamente, Pogacar conquistou 16 vitórias quando esteve em fuga.

Outro dos dados curiosos e que nos chega através do Strava – aplicação que rastreia os exercícios físicos e é muito utilizada no ciclismo profissional – indica a quantidade de subidas (KOM, em inglês) conquistadas por Pogi ao longo do ano. Este “título” de rei da montanha é atribuído de forma virtual ao ciclista que completar, no menor tempo possível, um determinado segmento. Assim, Pogacar leva 614 novos troféus de rei da montanha em 2024, com destaque para o Isola 2000 (Tour), o Poggio (Milão-Sanremo) ou o Côte de La Redoute (Liège-Bastogne-Liège).

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Tadej conquistou a Liège-Bastogne-Liège no início da temporada

Belga/AFP via Getty Images

Torna-se indiscutível não concluir que estamos perante a melhor temporada de sempre de um corredor. Até porque, se olharmos para toda a história, nem Eddy Merckx nem Stephen Roche venceram um Monumento no ano em que averbaram a tríplice coroa. Só no ciclismo feminino existe um registo igual, quando Annemiek van Vleuten venceu as três Grandes Voltas, os Mundiais e a Liège-Bastogne-Liège em 2022. Ainda assim, Pogacar pode superar a agora ex-ciclista se conquistar a Il Lombardia, onde é dono e senhor, dentro de uma semana – importa frisar que o Monumento italiano não tem “versão” feminina.

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