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O (outro) relatório que conta as origens do caso José Veiga

Um relatório de uma ONG suíça sobre alegada corrupção na indústria petrolífera do Congo conta uma história que tem no seu centro um trader com ligações a Putin e que também envolve José Veiga.

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Este texto foi originalmente publicado a 13 de setembro de 2017. Republicamo-lo agora a propósito de um novo relatório da Global Witness  

José Veiga terá ajudado filho de Presidente do Congo a desviar 50 milhões de euros

A Operação Rota do Atlântico, que envolve o empresário José Veiga, teve a sua origem numa carta rogatória enviada pela Confederação Helvética para Portugal em 2014 no âmbito do caso Gunvor. Agora, ficaram a conhecer-se os pormenores da investigação suíça à empresa que é o quarto maior trader de petróleo do mundo, que faz parte de um grupo de energia que, só em 2015, teve lucros que superaram os mil milhões de euros.

Um relatório da organização não governamental (ONG) suíça Public Eye (antiga Declaração de Berna), intitulado “Gunvor in Congo — Oil, Cash and misappropriation: the adventures of a Swiss trader in Brazzaville”, revela pormenores desconhecidos sobre indícios do alegado crime de corrupção no comércio internacional, destaca o papel de José Veiga e cita um conjunto alargado de informações que foram publicadas em primeira mão pelo Observador. “O trabalho do Observador foi muito útil em ligar o caso Gunvor à utilização dos fundos que foram alocados a Obras Públicas adjudicadas à empresa Asperbras”, à qual José Veiga esteve ligado, afirma o investigador Marc Gueniat, um dos autores do relatório da Public Eye.

Tudo terá começado quando um dos maiores bancos suíços, o Credit Suisse, decidiu absorver em 2011 um dos principais private bankers helvéticos, no qual tinha uma participação: o Clariden Leu. Feitas as devidas auditorias antes da integração em novembro de 2011, o Departamento de Compliance do Credit Suisse detetou um conjunto de transferências realizadas entre fevereiro e setembro de 2011 entre duas sociedades offshore (a Petrolia e a Fortus) e contas de sociedades de Hong Kong que tinham 11 cidadãos chineses como beneficiários. Desse grupo de cidadãos chineses, seis tinham alegadas ligações conhecidas ao crime organizado chinês.

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No total, foram transferidos cerca de 4,7 milhões de dólares (cerca de 3,9 milhões de euros ao câmbio atual), sendo certo que a Petrolia (uma sociedade offshore do Belize) e a Fortus (companhia criada no paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas) tinham Yoann Gandzion, de 28 anos, como beneficiário económico. Yoann, que morava em Paris e não tinha qualquer trabalho remunerado conhecido, é filho de Maxime Gandzion — alegado testa-de-ferro e conselheiro especial de Dennis Sassou Nguesso, Presidente da República do Congo — país que também é conhecido como Congo Brazzaville.

Aprofundando a investigação, o Credit Suisse descobriu que os fundos depositados nas contas da Petrolia e da Fortus tiveram origem na Gunvor e em contratos que tinham sido assinados por Pascal C. (nome abreviado referido pela Public Eye mas que o Observador já tinha identificado como Pascal Collard aqui) em nome do trader suíço. Os sinais de alerta dispararam e, apesar das explicações do trader suíço, o Credit Suisse informou a Procuradoria Federal da Suíça, em dezembro de 2011, sobre estas transferências ao abrigo da lei contra o branqueamento de capitais. Um mês depois, o Ministério Público suíço entrou na sede da Gunvor, situada num dos bairros mais luxuosos de Genebra, para realizar buscas judicias no âmbito de uma investigação contra a empresa ligada a capitais russos.

O que é a Public Eye?

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Trata-se de uma organização não governamental (ONG) suíça criada em 1968 com o nome de “Declaração Berna”. O objetivo desde sempre foi lutar por relações económicas mais justas entre os países mais desenvolvidos, como a Suíça, e os países mais pobres. Nos anos 70, esteve envolvida em lutas sociais para ajudar a desenvolver negócios sustentáveis em países como a Tanzânia ou o Bangladesh, mas a partir dos anos 80 e 90 envolveu-se em investigações com um carácter jornalístico que pretendem denunciar práticas ilícitas de empresas suíças em países com um elevado índice de corrupção ou com sérios problemas em termos de direitos humanos. Na prática, trata-se de uma ONG que faz lobbying a favor da transparência, das boas práticas na gestão dos dinheiros públicos e do respeito pela lei e pelos direitos humanos por parte das empresas suíças e europeias.

De acordo com o relatório da ONG suíça, que teve acesso ao relatório do Departamento de Compliance do Credit Suisse, os cerca de 3,9 milhões de euros que foram transferidos para Hong Kong foram levantados em dinheiro vivo, acondicionados em malas próprias e enviados para o Congo Brazzaville.

Dois anos depois, a Procuradoria Federal Suíça pediu ajuda judicial a Portugal, emitindo uma carta rogatória em que pedia a identificação de uma série de contas bancárias no Banco Espírito Santo (BES) e no Banco Internacional de Cabo Verde (detido pelo BES) que tinham um nome em comum: José da Silva Veiga.

Segundo esse pedido de assistência judicial, as transferências feitas pela Gunvor para a conta da Petrolia no banco Clariden Leu tinham atingido os 10,8 milhões de dólares (cerca de 9 milhões de euros ao câmbio atual), tal como o Observador já tinha noticiado.

The Russian Connection

No centro do relatório da Public Eye está a Gunvor. Trata-se de um trader suíço de petróleo que foi fundado em 2000 por Gennady Timchenko, empresário com cidadania russa e finlandesa, e o bilionário sueco Torbjorn Tornqvist. A Gunvor foi registada em Amesterdão, tendo como suas co-proprietárias duas sociedades offshore de Chipre e das Ilhas Virgens Britânicas que pertencem a Timchenko e a Tornqvist. A empresa de trading, que abriu o seu quartel-general em Genebra em 2003, começou por trabalhar com os gigantes russos produtores de petróleo, tendo-se transformado no trader favorito da empresa pública Rosneft. De acordo com o relatório da ONG suíça, entre 2005 e 2007 a Gunvor vendeu entre 30% a 40% da produção russa da Rosneft, tendo as suas vendas subido de cerca de 5 mil milhões dólares (cerca de 4,1 mil milhões de euros ao câmbio actual) para 43 mil milhões de dólares (cerca de 36 mil milhões de euros ao câmbio actual).

A Gunvor começou por trabalhar com os gigantes russos produtores de petróleo, tendo-se transformado no trader favorito da empresa pública Rosneft. As suas vendas subiram de cerca de 4,1 mil milhões de euros para 36 mil milhões. Nada disto teria sido possível sem as ligações entre Gennady Timchenko e Vladimir Putin.

Nada disto teria sido possível sem as ligações entre Gennady Timchenko e Vladimir Putin, Presidente da Rússia. Tais ligações são negadas por Timchenko, que já processou órgãos de comunicação social internacionais como a The Economist (retirando as queixas numa fase posterior), mas certo é que os Estados Unidos incluíram o seu nome na lista de oligarcas próximos de Putin que viram os seus ativos internacionais congelados na sequência da anexação da Crimeia em março de 2014.

Essa ação da administração Obama obrigou Timchenko a vender a sua participação na Gunvor ao seu sócio sueco — uma operação de camuflagem que não retirou o russo do controle da gestão do trader suíço. Vladimir Putin, por seu lado, chegou a dar o exemplo da mulher de Timchenko como um dos casos de injustiça das sanções norte-americanas, já que lhe foi recusado o cartão de crédito no ato de pagamento de uma cirurgia numa clínica alemã.

O Grupo Gunvor detém, neste momento, três refinarias europeias (em Roterdão, na Holanda; em Antuérpia, na Bélgica; e em Ingolstadt, na Alemanha), está ligada a diversas empresas de extração de petróleo e expandiu os seus negócios para as áreas das infra-estruturas petrolíferas, carvão, gás natural e biocombustível. No ano fiscal de 2016 teve receitas de 47 mil milhões de dólares (cerca de 39,2 mil milhões de euros) e lucros de cerca de 315 milhões de dólares (cerca de 263 milhões de euros). Em 2015, os lucros tinham atingido os 1,2 mil milhões de dólares (cerca de mil milhões de euros ao câmbio atual).

Congo. Conheça o regime onde José Veiga renasceu

A diversificação das suas áreas geográficas de negócio, de forma a esbater as ligações à Rússia, iniciaram-se em meados da década passada. África, nomeadamente o Congo Brazzaville, foi precisamente uma das primeiras apostas da Gunvor. Segundo a Public Eye, Gennady Timchenko ter-se-á encontrado no final de 2008 com Denis Christel Sassou Nguesso, filho do Presidente da República do Congo, vice-presidente da Societé Nationale des Petroles Congolais (SNPC) e administrador da Congolaisse de Raffinage (CORAF), no luxuoso hotel Georges V, em Paris, para discutir a entrada da Gunvor no mercado congolês. O resultado desse encontro foi um pequeno sinal de abertura: a compra de dois barcos de fuel por parte da Gunvor.

Também conhecido como “Kiki”, o filho de Sassou Nguesso é uma figura-chave na indústria petrolífera da República do Congo, através dos seus postos na SNPC, a empresa pública que controla toda a extração e produção de petróleo no país, e na CORAF — outra empresa pública que serve de refinaria do petróleo extraído para assegurar a auto-suficiência do mercado nacional.

Dois anos depois do encontro em Paris, começou a ser construído o verdadeiro negócio: entre setembro de 2010 e junho de 2012, a Gunvor assegurou cerca de 22 contratos para vender petróleo congolês, avaliados em mais de 2,2 mil milhões de dólares (cerca de 1,8 mil milhões de euros). Em troca, a Gunvor assegurou seis empréstimos ao país de Sassou Nguesso no valor total de 750 milhões de dólares (cerca de 628 milhões de euros) — e que seriam pagos em petróleo.

Entre 2010 e 2011, duas delegações de entidades do Congo Brazzaville visitaram Moscovo para negociar acordos diplomáticos, o que culminou com um encontro em novembro de 2012 entre Vladimir Putin e Denis Sassou Nguesso para a assinatura de um acordo de cooperação económica.

Vladimir Putin, Presidente da Rússia, recebeu Denis Sassou Nguesso, presidente da República do Congo, em Moscovo, em novembro de 2012

Os compromissos com o FMI e a entrada em cena de José Veiga

À luz dos compromissos que tinham sido assumidos com o Fundo Monetário Internacional (FMI), de forma a garantir um alívio no pagamento da dívida calculada em cerca de 2,4 mil milhões de dólares (cerca de 2 mil milhões de euros ao câmbio atual), os fundos dos empréstimos do trader suíço apenas poderiam ser adstritos à atividade da SNPC – e não para financiar obras públicas ou qualquer outro tipo de despesa pública. O próprio Gilbert Ondongo, então ministro de Estado e das Finanças e hoje suspeito em Portugal de ter sido alegadamente corrompido por José Veiga, tinha assumido tal compromisso por escrito, numa carta enviada a 14 de julho de 2011 para a Christine Lagarde, a diretora executiva do FMI.

O problema é que, seis meses antes, Gilbert Ondongo e o seu Governo já estavam a fazer o contrário do que tinham prometido ao FMI — e é aqui que entra José Veiga.

A 9 de maio de 2011, o ex-empresário de futebol foi contratado pela brasileira Asperbras para representar a empresa no Congo Brazaville e assegurar a adjudicação de contratos públicos no interesse da empresa brasileira. Veiga chegou a apresentar-se como diretor-geral da Asperbras.

Segundo o relatório da Public Eye, Veiga teve de recorrer a dois testas-de-ferro do poder político do Congo Brazzaville para ter acesso ao presidente Dennis Sassou Nguesso: o seu conselheiro especial Maxime Gandzion e um francês chamado Jean-Marc Henry, residente em Marrocos, ex-dono de uma empresa de segurança em Montpellier e que terá trabalhado para a Gunvor na Siria, Iemen e Sudão.

Como José Veiga comprou 5% de um dos bancos mais antigos de Portugal

Ambos, juntamente com as suas empresas offshore Petrolia (que está na origem da investigação suíça à Gunvor) e Armada Trading (com residência fiscal em Malta) estão referenciados na Operação Rota do Atlântico, como o Observador já noticiou.

A Public Eye cita informações já publicadas pelo Observador, ao referir que Gandzion e Henry terão recebido um total de cerca de 17 milhões de dólares da Asperbras em 2011. Maxime Gandzion terá recebido cerca de 5% de cada contrato que a empresa brasileira fez com o Estado congolês.

Mais: a Gunvor, como estava a emprestar mais de 628 milhões de euros ao Congo Brazzaville, terá intercedido pela Asperbras junto do Governo de Sassou Nguesso. O que levou à assinatura de um memorando de entendimento em que tal colaboração ficou regulada, mediante o pagamento à empresa de capitais russos de uma percentagem de 7,5% por cada contrato que a Asperbras conseguisse.

Os brasileiros confirmaram esse facto à ONG suíça, tendo justificado os pagamentos que fizeram à Gunvor como pagamentos de comissões exigidos pelo trader de capital russo.

O primeiro contrato conseguido pela Asperbras foi a construção de um parque industrial na zona de Maloukou, a cerca de 80 quilómetros da capital Brazzaville. Trata-se de um parque que o Observador já revelou em pormenor aqui, tendo sido construído mediante um investimento público de 500 milhões de dólares, que, por sua vez, foi financiado por dois empréstimos (de 250 milhões cada um) da Gunvor. Pela adjudicação dessa obra, o trader suíço terá recebido cerca de 21 milhões de dólares de comissão da Asperbras.

Veiga terá conseguido contratos que superam os 967 milhões de euros para o mapeamento geológico e mineiro do Congo Brazzaville, a realização de 4 mil furos hidráulicos e a construção de 12 hospitais que terá levado à Asperbras a receber cerca de 500 milhões de euros do Ministério das Obras Públicas. Como compensação, Veiga terá recebido cerca de 100 milhões de euros.

Após esse contrato de Maloukou, a Asperbras cessou a colaboração com a Gunvor, a Petrolia e a Armada. Mas, de acordo com a Public Eye, terá sido Maxime Gandzion quem terá apresentado José Veiga a Jean-Jacques Bouya, ministro das Obras Públicas, e aos filhos de Denis Sassou Nguesso: Denis Cristel e Claudia. Enquanto que “Kiki” dominava a indústria de petróleo, a filha era deputada e empresária.

Terá sido com estas relações privilegiadas com as altas esferas da administração do Congo Brazzaville que Veiga terá conseguido mais três contratos para a Asperbras:

  • O mapeamento geológico e mineiro do país – contrato avaliado em cerca de 200 milhões de dólares (cerca de 167 milhões de euros ao câmbio actual);
  • A realização de 4 mil furos hidráulicos, ao abrigo do programa “Água para Todos” do Governo congolês — a troco de cerca de 300 milhões de euros o que perfaz um valor de cerca de 75 mil euros por cada furo;
  • A construção de 12 hospitais, que terá levado a Asperbras a receber cerca de 500 milhões de euros do Ministério das Obras Públicas.

No total, a Asperbras conseguiu contratos que superam os cerca de 1,5 mil milhões de euros.

Curiosamente, antes de ser detido em 2016 pela Polícia Judiciária, José Veiga preparava-se para começar a publicitar no mercado português o Grupo JV, apresentando as obras acima descritas como projetos que o seu pequeno conglomerado de empresas estaria a desenvolver no Congo Brazzaville em parceria com a Asperbras — como o Observador noticiou aqui, através de uma holging denominada Costwolds Partners. O Grupo JV tinha ainda um braço financeiro, a Norwich (uma empresa fantasma que não passa de uma caixa postal no Canadá), que detinha uma participação de 5% no Banco Carregosa mas que tinha sido impedida de criar um banco em Cabo Verde e de adquirir uma subsidiária do Novo Banco denominada de Banco Internacional de Cabo Verde.

O Bentley, os 100 milhões de Veiga e o mistério da ‘casa do ministrinho’

Como compensação por estes contratos ganhos pela Asperbras, e de acordo com a Public Eye, José Veiga terá recebido um total de cerca de 100 milhões de euros de compensações que terão sido depositados numa conta aberta no banco libanês Audi, sediado em Genebra.

De acordo com as informações que o Observador já tinha publicado, José Veiga chegou a ter mais de 64 milhões de euros em oito contas abertas no Banco Internacional de Cabo Verde em nome de diversas sociedades offshore que terão Veiga como beneficiário económico.

Como José Veiga conseguiu reunir mais de 60 milhões de euros em Cabo Verde

Tais fundos terão servido, por exemplo, para Paulo Santana Lopes, sócio português de Veiga na sua aventura no Congo Brazzaville, comprar na Suíça um carro da marca de luxo Bentley, avaliado em cerca de 177 mil francos suíços (cerca de 154 mil euros ao câmbio actual). A viatura foi exportada para Portugal, tendo sido apreendida no âmbito dos autos da Operação Rota do Atlântico. Este é um exemplo que é dado pela Public Eye mas há muitos mais, como pode verificar aqui.

O Observador confrontou Tiago Félix da Costa, advogado de Paulo Santana Lopes, com este facto mas o causídico não quis fazer declarações.

Com a detenção de José Veiga e de Paulo Santana Lopes no dia 3 de fevereiro de 2016, por suspeitas da alegada prática dos crimes de corrupção no comércio internacional, fraude fiscal e branqueamento de capitais, a Polícia Judiciária promoveu buscas em diversos domicílios, como uma vivenda na Quinta da Marinha, em Cascais, onde foram descobertos cerca de 6,9 milhões de euros em notas. A quantia estava dividida entre dólares e euros, devidamente cintados. No caso dos euros, os números de série eram do Banco Central de Itália. A suspeita das autoridades portuguesas é que o dinheiro terá vindo do Congo Brazzaville em jatos particulares que pertenciam à Asperbras e que aterravam no aeródromo de Tires .

A vivenda em Cascais, que ficou conhecida como a “Casa do Ministrinho”, foi utilizada várias vezes pelo então ministro das Finanças Gilbert Ondongo e pela sua família, sendo que o imóvel está registado em nome da Westside Worldwide, gerida pela advogada Maria Jesus Barbosa (igualmente arguida no processo), mas o Ministério Público suspeita que Barbosa será uma mera testa-de-ferro de Veiga. À Public Eye, Rogério Alves, advogado de Veiga, afirmou que o seu cliente apenas soube da existência dos cerca de 6,9 milhões de euros em ‘dinheiro vivo’ durante as buscas judiciais. Já José Veiga, aquando do seu primeiro interrogatório judicial, disse ao juiz Carlos Alexandre e à procuradora Susana Figueiredo (titular da investigação no DCIAP) que a casa pertencia à Asperbras, que, por seu lado, facultava a mesma a Gilbert Ondongo para uso pleno.

O Observador tentou entrar em contacto com Rogério Alves mas até ao momento não obteve qualquer resposta.

José Roberto Conalghi, acionista e presidente do Grupo Asperbras, e José Maurício, diretor financeiro, foram constituídos arguidos na Operação Rota do Atlântico por suspeitas de corrupção no comércio internacional e branqueamento de capitais. No total, tiveram de depositar cauções de 5 milhões de euros para saírem em liberdade. De acordo com o Correio da Manhã, Conalghi terá testemunhado que a Asperbras adquiriu a casa na Quinta da Marinha por cerca de 4 milhões de euros para oferece-la a Gilbert Ondongo. Para esse efeito, terá contado com a ajuda de Veiga e de Santana Lopes.

Apesar de a Asperbras se ter distanciado do tema, numa primeira fase do processo Rota do Atlântico, José Veiga garantiu à Public Eye, através do seu advogado, que a empresa brasileira “estava ao corrente de toda a informação relevante relacionada com as suas actividades no Congo”.

Ninguém quer assumir a propriedade dos 6,9 milhões de euros em notas que foram encontrados numa vivenda na Quinta da Marinha que foi utillizada pelo ministro das Finanças do Congo Brazzaville e adquirida por uma sociedade gerida por uma alegada testa-de-ferro de José Veiga.

Ao Le Monde Afrique, fonte oficial do gabinete de Ondongo afirmou que “é preciso muita imaginação para considerar a hipótese de que esse dinheiro que foi encontrado numa casa que não lhe pertence está de alguma forma ligado ao ministro [Gilbert Ondongo]”.

Fontes das investigações que estão a ser levadas a cabo pela PJ e pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) garantiram à ONG suíça que José Veiga terá afirmado a vários contactos que tem em Genebra que prometeu determinadas contrapartidas ao ministro Gilbert Ondongo e a Denis Christel Sassou Nguesso, filho do Presidente do Congo Brazaville.

As comissões da NTA

A Asperbras não foi, de todo em todo, a única empresa a pagar comissões a Maxime Gandzion, a Jean-Jacques Henry e à Gunvor. Outro caso revelado pela Public Eye está relacionado com a empresa francesa NTA – especializada em navegação e logística marítima. Contratada pelo Congo Brazzaville para proceder à renovação da rede de transportes ao longo do Rio Congo, reconstruindo o cais de desembarque e reintroduzindo diferentes barcos de transporte de pessoas e de carga.

Os irmãos Thierry e Sébastien Allix, que gerem a NTA, terão pago cerca de 21,7 milhões de dólares (cerca de 18,9 milhões de euros ao câmbio actual) em comissões à dupla Gandzion/Henry e à Gunvor – o que equivale a cerca de 14,5% do valor total do contrato que foi assinado entre o Congo Brazzaville e a NTA e que ascendeu a cerca de 150 milhões de dólares (cerca de 125 milhões de euros ao câmbio actual).

Gandzion terá recebido cerca de 7,7 milhões de dólares (cerca de 6,4 milhões de euros ao câmbio actual) nas contas das sociedades offshore Petrolia e Fortus, enquanto Henry terá tido direito a cerca de 4 milhões de dólares (cerca de 3,3 milhões de euros ao câmbio actual). Estes fundos terão sido transferidos de uma conta de uma sociedade offshore chamada Singapore River and Sea Development, detida pela NTA, para as contas de Gandzion e Henry no banco suíço Clariden Leu.

Um intermediário da Gunvor (que o relatório identifica como Pascal C. mas que se trata de Pascal Collard), terá igualmente recebido cerca de 6,8 milhões de dólares (cerca de 5,6 milhões de euros ao câmbio actual) – aparentemente sem o conhecimento do trader suíço.

A Gunvor acabou por despedir um dos intermediários alegando a empresa que tinham sido pagas comissões a entidades congolesas sem o seu conhecimento ou autorização. Em resposta, o funcionário terá prestado depoimento na investigação contra a Gunvor.

Os valores não foram confirmados pela NTA devido a cláusulas de confidencialidade contratuais, mas a empresa francesa confirmou à ONG suíça que pagou comissões à dupla Gandzion/Henry e à Gunvor. A NTA diz que tais pagamentos estão enquadrados com contratos de consultadoria, logo recusa admitir que os mesmos possam ser classificados como subornos, nomeadamente a Gilbert Ondongo, que, enquanto ministro de Estado e das Finanças, tutelava o projeto que levou à contratação da NTA.

Pascal Collard (que a Public Eye apenas identifica como Pascal C.) acabou por ser despedido da Gunvor, alegando o trader suíço que o seu funcionário pagou comissões a entidades congolesas sem o seu conhecimento ou autorização. Em resposta, Collard terá prestado depoimento nos autos da investigação da Procuradoria Federal Suíça contra a Gunvor, declarando que as comissões pagas terão beneficiado a Presidência da República do Congo e representantes da SNPC liderada pelo seu filho “Kiki”.

Mais tarde, a empresa despediu um segundo funcionário (Bertrand G.) depois de este ter aparecido num vídeo a conversar sobre alegados subornos a titulares de cargos políticos do Congo Brazzaville com um representante de “Kiki” Sassou Nguesso, o filho do presidente — vídeo que terá sido filmado por um detetive particular.

Esta terça-feira, em reação à divulgação do relatório da Public Eye, fonte oficial da Gunvor confirmou aos media suíços que duas subsidiárias (a Gunvor SA e a Gunvor International BV) estão a ser formalmente investigadas pela Procuradoria Federal Suíça sob suspeita da prática dos alegados crimes de fraude, desfalque e branqueamento de capitais na obtenção de contratos com a indústria petrolífera do Congo Brazzaville — país onde a Gunvor diz que deixou de operar desde julho de 2014.

A investigação suíça começou em 2011 mas, passados seis anos, ainda não está concluída.

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