[Este é o 2.º de uma série de seis artigos sobre marcas de bebidas não-alcoólicas. O anterior pode ser lido em Da Coca-Cola à Inca Kola: Breve história dos refrigerantes de cola]

É irónico que os refrigerantes gaseificados tenham nascido no final do século XIX envoltos numa aura de ludíbrio (o dos charlatães que apregoavam as suas propriedades medicinais) e que seja outro tipo de ludíbrio (o dos “marqueteiros”) que permite que estas bebidas continuem a ser, no século XXI (supostamente uma era de “consumidores informados”), um negócio extraordinariamente lucrativo.

Os alegados “segredos” que envolvem a confecção das diferentes marcas destas bebidas são irrelevantes, pois não passam de preparados industriais à base de água e açúcar, cuja insipidez é mitigada pelas bolhas de dióxido carbono e por corantes, aromatizantes, conservantes e reguladores de acidez – tudo ingredientes de valor nutritivo escasso ou nulo, mas que têm a vantagem, para quem os produz, de serem muito baratos e fáceis de obter. O verdadeiro “segredo” para o sucesso das “soda pops” está na habituação das crianças desde tenra idade a estes produtos (uma espécie de “imprinting”) e a um bombardeamento maciço com anúncios ao longo da vida, que permite que esse “gosto infantil” se perpetue sem nunca ser questionado. Para esta dependência vitalícia contribui a presença de açúcar e, em muitos casos, cafeína, que são substâncias estimulantes e viciantes. Quem se interrogue sobre as causas do alastramento da perturbação de hiperactividade e déficit de atenção (ADHD, na sigla inglesa) entre as crianças poderá encontrar uma resposta (parcial) na dieta atestada de cafeína e açúcar a que são submetidas desde a mais tenra idade.

Anúncio à 7 Up, 1955: “Este jovem tem 11 meses – e está longe de ser o nosso cliente mais novo”

Fanta

Max Keith, o gerente do ramo alemão da Coca-Cola – Coca-Cola GmbH – fez um trabalho notável, ao conseguir, apesar do clima de nacionalismo exacerbado que tomara conta da Alemanha sob o nazismo, que as vendas anuais da bebida americana passassem de 300.000 grades em 1933 para 4 milhões de grades em 1939.

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A Coca-Cola foi um dos patrocinadores oficiais dos Jogos Olímpicos de Munique, em 1936

Mesmo com as restrições impostas pela eclosão da II Guerra Mundial, Keith teve a habilidade suficiente para ir aguentando o negócio da Coca-Cola, mas, em Dezembro de 1941, quando a Alemanha declarou guerra aos EUA, viu definitivamente cortado o acesso aos ingredientes importados dos EUA e indispensáveis ao fabrico da Coca-Cola.

Anúncios à Coca-Cola, Alemanha, 1939

Racionando cuidadosamente os stocks de ingredientes importados, Keith conseguiu prolongar a produção de Coca-Cola até 1942, mas, por esta altura, também os ingredientes usualmente obtidos na Alemanha se tinham tornado escassos, devido à guerra. Keith viu-se, então, forçado a inventar uma bebida com “as sobras das sobras” (na expressão do próprio): açúcar de beterraba, soro de leite, bagaço resultante do processamento das maçãs. Era necessária alguma imaginação para impingir esta mistela aos consumidores e foi isso, imaginação (“Fantasie”, em alemão), que Keith pediu à sua equipa quando promoveu um brainstorming para baptizar a bebida e delinear uma estratégia de marketing – e Fanta acabou por ser o nome escolhido. Esta vendeu 3 milhões de grades em 1943, mas é possível que a maior parte não tenha sido consumida como refrigerante, sendo antes usada como aditivo para confecção de sopas, dado que a Alemanha passava por uma extrema penúria de bens alimentares.

Anúncios à Fanta, Alemanha, década de 1940

Dir-se-ia que um ponto de partida como este tornaria a bebida pouco recomendável, mas, em 1955, a casa-mãe decidiu relançar a Fanta, primeiro na Europa – com a Itália a ser pioneira na Fanta de laranja – e depois à escala mundial e o empreendimento foi um sucesso. A Fanta existe hoje em quase uma centena de variedades, o que prova que, desde que se invistam rios de dinheiro em publicidade, os consumidores estão disponíveis para pagar por qualquer líquido açucarado.

Este anúncio de 1959 para o mercado norte-americano atribui à Fanta origem italiana, talvez porque a memória ainda fresca da II Guerra Mundial tornaria pouco apetecível a ingestão de uma beberagem nascida na Alemanha nazi

Mas até os publicitários mais sagazes cometem erros e quando, em 2015, foi lançada na Alemanha uma edição comemorativa que prometia restituir o sabor da Fanta do tempo da guerra e fazer reviver “os bons velhos tempos”, o anúncio acabou por ser retirado das televisões. Talvez a Alternative für Deutschland esteja interessada em fazer da Fanta a bebida oficial do partido.

Dr. Pepper

Dr. Pepper é um refrigerante gaseificado com vários pontos em comum com a Coca-Cola: começou a ser comercializada pela mesma altura (em 1885, um ano antes da Coca-Cola), apresentava-se como uma alternativa às bebidas alcoólicas e como possuindo propriedades “medicinais” e era (e é) fabricada segundo uma fórmula ciosamente guardada (reza a lenda que a receita está fraccionada em duas metades, guardadas em cofres em bancos diferentes). Não tem, claro, senão uma fracção da popularidade da Coca-Cola: o seu principal mercado são os EUA e a sua implantação pelo mundo é fragmentária. A Dr. Pepper foi absorvida pela Cadbury Schweppes, mas em 2008 este mega-grupo vendeu o seu sector de bebidas, que incluía, além da Dr. Pepper, as marcas Schweppes, Canada Dry e 7Up, à Keurig Green Mountain, passando a resultante desta fusão a denominar-se Keurig Dr. Pepper (pelo seu lado, após esta alienação, a Cadbury Schweppes passou a denominar-se apenas Cadbury). Estas “danças de cadeiras” no mundo empresarial não são fáceis de seguir e, para aumentar a confusão, na Europa e Coreia do Sul a sua produção e distribuição do refrigerante Dr. Pepper estão nas mãos da Coca-Cola Company.

Anúncio à Dr. Pepper, 1961: “It´s different… I like it!”: A publicidade a anúncios a refrigerantes gaseificados por vezes reconhece que o sabor destes produz, num primeiro contacto, um efeito de rejeição instintiva, que os “marqueteiros” tratam de contrariar, assegurando que “primeiro estranha-se, depois entranha-se”

A bebida foi criada pelo farmacêutico Charles Alderton em Waco, no Texas, e começou a ter distribuição à escala nacional em 1904. A fama que a bebida ganhou nos EUA levou a que surgissem numerosas teorias sobre a origem do seu nome, mas todas as tentativas para vinculá-la a um médico com existência real chamado Pepper fracassaram. O “Dr.” resulta, provavelmente, da voga, na época, de buscar patrocínio “científico” para vender beberagens supostamente benéficas para a saúde.

Canada Dry

O refrigerante Canada Dry nasceu poucos anos depois do Dr. Pepper e também pelas mãos de um farmacêutico e em 1982 a empresa foi adquirida pela Dr. Pepper, fazendo hoje parte do grupo Keurig Dr. Pepper.

John J. McLaughlin, um farmacêutico estabelecido em Enniskillen, no Ontario, que se iniciara no ramo das bebidas comercializando água gaseificada, criou em 1904 um refrigerante gaseificado a que deu o nome de Canada Dry Pale Ginger Ale. McLaughlin não foi o inventor do “ginger ale”, primazia reivindicada por Thomas Joseph Cantrell, um farmacêutico de Belfast, na década de 1850, mas a bebida inventada por McLaughlin trazia algumas novidades: uma cor mais clara e um sabor menos intenso a gengibre (“ginger”) e menos doce – é à ausência de doçura que alude o qualificativo “dry” (“seco”, como no “vinho seco”). Fica assim explicado o paradoxo de, num mundo em que as marcas de refrigerantes tendem a aludir ao conceito de frescura e a regiões tropicais, Canada Dry evoque secura e um país frio.

Anúncio ao McLaughlin’s Canada Dry Pale Ginger Ale, 1916, Toronto

Com o passar do tempo, a Canada Dry deixou de incorporar gengibre na sua fórmula (se é que alguma vez o conteve), pelo que em 2019 as autoridades americanas moveram um processo por publicidade enganosa contra a marca, o que levou esta a remover das embalagens a menção “made from real ginger”. Porém, esta proclamação foi mantida nos restantes mercados, o que fez com que, do outro lado da fronteira, na British Columbia, um cidadão canadiano chamado Victor Cardoso processasse a marca, alegando que consumia a bebida crendo que esta seria benéfica para a saúde. Acreditar que água gaseificada com açúcar, corantes e conservantes faz bem à saúde é como acreditar que o detergente Presto contém “glutões”, mas, em Outubro de 2020, um tribunal canadiano deu razão a Cardoso e a outros consumidores “defraudados” que se lhe juntaram e a Canada Dry foi condenada a pagar um total de 200.000 dólares aos queixosos; todavia, a marca não foi obrigada a deixar de publicitar o ingrediente-fantasma.

Entretanto, a Canada Dry foi diversificando a sua gama de produtos, entre as quais está uma cola, a Spur Cola, surgida em 1943. Esta teve um desempenho modesto no mercado dos EUA, mas teve alguma difusão em Portugal, onde a Coca-Cola e a Pepsi-Cola não eram comercializadas. Com a chegada destas colas ao mercado nacional, em 1977, a Spur Cola viu a sua quota de mercado declinar rapidamente e acabou por ser extinta.

Anúncio à Spur Cola, 1944

Moxie

Este refrigerante é desconhecido na Europa e mesmo no seu país de origem, os EUA, está hoje muito esquecido, resistindo apenas na sua região de origem, a Nova Inglaterra e, em particular, no Maine. Mas não só é uma marca histórica – “o mais antigo refrigerante gaseificado com um historial de produção ininterrupto”, segundo o fabricante – como nos primeiras décadas do século XX chegou a superar a Coca-Cola em vendas.

A Moxie tem como antepassado a Moxie Nerve Food, um dos muitos “tónicos medicinais” que proliferaram nos EUA no 4.ª quartel do século XIX; foi criada em 1876, em Lowell, Massachusetts, por Augustin Thompson, que garantia que ela curava um largo espectro de mazelas e achaques, nomeadamente “paralisia, amolecimento do cérebro, astenia e insónia”. Ao contrário de outras mixilangas medicinais da época, não continha cocaína nem álcool: os seus ingredientes principais eram extractos de raiz de genciana-amarela (Gentiana lutea), chinchona (Chinchona sp.) e casca da raiz de sassafrás (Sassafras albidum) e caramelo.

Genciana-amarela (Gentiana lutea)

Em 1884, a fórmula passou a usar água gaseificada e a bebida passou a designar-se Beverage Moxie Nerve Food, marca que foi registada no ano seguinte. A fórmula foi alterando-se com o tempo, mas não deixou de incluir o extracto de raiz de Gentiana lutea, responsável pelo seu intenso sabor amargo, resultante da presença dos glicósidos amarogentina e gentiopicrina. A planta há muito que era conhecida pela sua raiz de sabor amargo e alegadas propriedades medicinais e o nome “genciana” provirá de Gentius (fl. 181-168 a.C.), um rei da Ilíria (Balcãs Ocidentais) que terá sido o primeiro a aperceber-se do “poder tonificante” da sua raiz.

Thompson, que começara por afirmar que “Moxie” era o apelido de um amigo seu que lhe revelara os poderes medicinais da genciana, foi apresentando sucessivas versões para a origem da marca: segundo uma delas, provinha do nome que os índios Abenaki, que viviam no Quebec e Nova Inglaterra, davam à dita planta e que significa “água escura”, pois na época era usual as “bebidas medicinais “ e outros elixires reclamarem origem na “sabedoria tradicional” dos índios (a Gentiana lutea é uma espécie europeia, mas os “marqueteiros” nunca deixam que os factos atrapalhem uma narrativa sedutora).

Anúncio à Beverage Moxie Nerve Food

A partir de 1906, a legislação americana proibiu que as marcas publicitassem efeitos benéficos na saúde que não fossem comprovados, pelo que a Moxie deixou de poder proclamar que a bebida “robustecia os nervos”, mas nem por isso deixou de investir maciçamente em publicidade. Talvez esta – e o facto de o presidente Calvin Coolidge ser um grande apreciador da Moxie – tenha sido responsável pelo crescimento nas vendas nas décadas de 1920-30 e pelo facto de “moxie” ter entrado no inglês norte-americano com o significado de “determinação, audácia, atrevimento”, mas a marca declinou em popularidade a partir do final da década de 1930.

A marca foi passando por vários proprietários e em 2018 acabou por ir parar às mãos da sua antiga rival, a Coca-Cola.

A estrela do baseball Ted Williams, dos Boston Red Sox, foi um dos rostos das campanhas da Moxie nos anos 30

Schweppes

A Schweppes, que é a mais antiga das grandes marcas de bebidas não-alcoólicas e a primeira bebida gaseificada a ter sido engarrafada, foi fundada em 1783 em Genebra por Jacob Schweppe (1740-1821), um relojoeiro, joalheiro e cientista amador natural da Alemanha e estabelecido na Suíça.

Johann Jacob Schweppe, por autor anónimo c.1792-99

Como aconteceu com a Coca-Cola e a Dr. Pepper, a criação de Jacob Schweppe  foi apresentada, inicialmente, como possuindo propriedades “medicinais”. Estas não pareceram convencer os consumidores suíços, pelo que em 1792 Schweppe abriu negócio em Londres, mas também aqui a sua bebida teve modesta aceitação, o que o levou a regressar a Genebra em 1802. A bebida só ganhou popularidade nas Ilhas Britânicas depois da partida de Jacob Schweppe, impulsionada pelo facto de o rei Guilherme IV a ter adoptado em 1831. Igualmente decisivo foi o surgimento, em 1870, da Schweppes Indian Tonic Water, uma água gaseificada contendo quinino e sumo de lima, que reivindicava ser um profiláctico da malária, o que ajudou a que fosse bem recebida pelos britânicos estabelecidos na Índia. Os poderes medicinais das bebidas de Jacob Schweppe não parecem ter ajudado o seu criador, que sucumbiu à cólera em 1821.

A Schweppes fundiu-se com a Cadbury em 1969, mas o ramo das bebidas americano voltou a autonomizar-se em 2008, sob o nome Dr. Pepper Snapple Group, que foi comprado pela Keurig em 2018, dando origem ao grupo Keurig Dr. Pepper. Em resultado desta série de fusões e separações, a marca Schweppes é hoje detida por empresas diferentes em diferentes partes do mundo: nos EUA pela Keurig Dr. Pepper, no Reino Unido pela Coca-Cola Company, na Europa continental pela Orangina-Schweppes, que pertence ao grupo japonês Suntory.

7 Up

É irónico que uma das marcas com nome mais incisivo – apenas três caracteres – tivesse começado por chamar-se Bib-Label Lithiated Lemon-Lime Soda. A beberagem foi inventada em 1929 por Charles Leiper Grigg e, ao ser publicitada, inicialmente, como um remédio para a ressaca, inseria-se na tendência da época, explorada com sucesso pela Coca-Cola, Dr. Pepper e Schweppes, de atribuir propriedades medicinais a refrigerantes gaseificados. Acontece que a Bib-Label Lithiated Lemon-Lime Soda possuía mesmo uma propriedade medicinal, embora não necessariamente recomendável: um dos seus ingredientes era o citrato de lítio.

O lítio ganhou hoje protagonismo pelo seu uso em baterias, mas tem tido diversas aplicações: no século XIX, os sais de lítio foram usados no tratamento da gota e quando surgiram preocupações sobre o efeito do sódio na hipertensão, começou a comercializar-se cloreto de lítio como substituto do vulgar cloreto de sódio (o sal de cozinha); a ideia de uma “bebida medicinal” contendo lítio já tinha sido posta em prática pela Coca-Cola, através da Lithia Coke, que não obtivera grande sucesso.

Porém, começaram a surgir indícios de que o lítio era tóxico, mesmo em baixas concentrações, e no final da década de 1940, a venda de cloreto e brometo de lítio foi interditada. O alarme em torno do lítio levou a que a 7 Up removesse o citrato de lítio dos ingredientes do refrigerante em 1948. Por coincidência, no ano seguinte, John Cade, um psiquiatra australiano publicou um artigo em que relatava as suas experiências do uso de lítio no tratamento da depressão e da epilepsia – esta nova aplicação do lítio enfrentou alguma resistência inicial pela comunidade médica, já que os sais de lítio tinham acabado de ser removidos do mercado devido à sua toxicidade e os efeitos do lítio nem sempre eram previsíveis – mas acabou por ganhar uso generalizado no tratamento da perturbação bipolar.

Anúncio à 7 Up, 1953

A Bib-Label Lithiated Lemon-Lime Soda foi a terceira “criação” de Grigg no domínio das bebidas gaseificados e acabou por superar largamente as vendas das anteriores Whistle e Howdy. Para o sucesso terá certamente contado o facto de, em 1936, após um período intermédio como 7 Up Lithiated Soda, o produto ter sido rebaptizado como 7 Up. A origem deste nome é assunto de especulação: uma lenda urbana sugere que resulta de o seu pH ser superior a 7 (é falso: é de 3.9), outra que provém do número de ingredientes da bebida, outra que é uma alusão ao número de massa atómica do lítio (6.941, para ser mais preciso), outra ainda que resulta de ter começado por ser comercializada em garrafas de sete onças americanas (207 mililitros).

A 7 Up esteve nas mãos dos descendentes de Grigg até 1978 e desde então andou numa roda viva entre os grandes grupos americanos de bebidas e alimentação – desde 2018 que é propriedade da Keurig Dr. Pepper.

Mountain Dew

Se fosse preciso demonstrar que a popularidade das marcas de refrigerantes pouco tem a ver com a qualidade dos seus ingredientes e as suas propriedades organolépticas e é sobretudo uma questão de modas puxadas pelas máquinas publicitárias das grandes empresas, a Mountain Dew serviria de eloquente testemunho.

Os irmãos Barney e Ally Hartman gostavam de usar Natural Set-Up, um refrigerante gaseificado de lima-limão, na diluição do seu whisky, mas quando, em 1932, foram forçados a trocar o seu trabalho em Augusta, Georgia, por outro em Knoxville, Tennessee, descobriram que a Natural Set-Up não se vendia por aquelas paragens, pelo que decidiram criar eles mesmos algo similar. Em 1948, registaram a patente de um refrigerante carbonatado com sabor a lima-limão e contendo cafeína e citrato de lítio (o que poderia ser também a descrição da 7 Up), a que deram, provisoriamente, o nome de Personal Setup, mas a que chamavam, informalmente, Mountain Dew (literalmente: “orvalho da montanha”), que era um antigo calão para o whisky de fabrico caseiro, produzido em destilarias clandestinas. Este nome acabou por prevalecer e a imagem da marca começou por evocar, de forma irónica, o mundo “hillbilly”, do interior rural dos EUA.

Anúncio à Mountain Dew: “vai fazer cócegas nas tuas tripas”

A Mountain Dew começou a ser comercializada em 1951, mas não conseguiu afirmar-se contra a sua rival mais próxima, a 7 Up, e a marca ficou, praticamente, circunscrita ao Tennessee. As vendas eram tão residuais que em 1958 os irmãos Hartman aceitaram vender a marca a Bill Jones, um dos gerentes da TIP Corporation, pelo preço (reza a lenda) de um jantar (e nem sequer foi num bom restaurante, pois terá custado 6.95 dólares). A marca continuou sem ganhar grande implantação no mercado, nem mesmo quando foi comprada pela Pepsi em 1964 – só após 10 anos de ensaios fracassados dos químicos e dos “marqueteiros” da casa, o refrigerante encontrou, finalmente, o seu primeiro público: os jovens de inclinação hippie/boémia foram seduzidos pelo novo sabor a laranja, pela cor verde fluorescente e pelo slogan “Hello sunshine” e, pelo final da década de 1970, a Mountain Dew registava vendas substanciais. Estas declinaram na década de 80, para ressuscitarem em meados da década de 1990, agora puxadas pelos jovens ligados aos desportos radicais.

No final da década de 1990, começou a emergir um novo tipo de consumidor: o teor de cafeína da Mountain Dew, bastante superior ao dos principais rivais (Dr. Pepper, Coca-Cola), iludia a sensação de cansaço e ajudava os entusiastas dos videogames a ficar a jogar pela madrugada dentro. Em 2005, estes consumidores já tinham ganho peso suficiente nas vendas da Mountain Dew para que a marca desenvolvesse campanhas publicitárias maciças a eles dirigidas, apresentando-se como “designed for gamers” (o que quer que seja que isto signifique) e fazendo coincidir os lançamentos de novos jogos vídeo de massas com o lançamento de “novos sabores”, com latas com grafismos alusivos aos jogos respectivos. Em 2008 o logótipo perdeu consoantes, ficando reduzido a“Mnt Dew”, pois a miudagem cool do século XXI (sobretudo a que tem demasiada cafeína no sangue) não tem tempo para desperdiçar a pronunciar palavras completas.

Ao mesmo tempo, os nomes atribuídos aos “sabores” foram ganhando uma ressonância cada vez mais adolescente, estridente, desmiolada e “radical”: Adrenaline, Baja Blast, Blue Shock, Citrus Charge, Code Red, Distortion, Electric Citrus, Extreme Pomegranate, Frost Bite, Fuel Arctic Burst, Fuel Electrifying Berry, Fuel Mango Heat, Game Fuel, Kryptonite Ice, Live Wire, Passionfruit Frenzy, Pitch Black, Revolution, Sangrita Blast, Solar Flare, Supernova, Sweet Lightning, Typhoon, Voltage, VooDew, White Out, X-Treme soam como nomes para bandas de garagem de metal e hardcore ou títulos de vídeojogos e filmes de acção e pancadaria da grossa (e alguns destes “sabores” foram, com efeito, associados a estreias desse tipo de blockbusters).

Em 2014, com a marca já firmemente identificada com uma cultura juvenil ostensivamente estólida, surgiu a DEWitos, uma edição limitada de refrigerante Mountain Dew com sabor aos Nacho Cheese da Doritos (outra marca do grupo PepsiCo); este “casamento feito no céu” entre dois “monstros sagrados” da fast food foi reeditado em 2020, com o lançamento dos Doritos com sabor a Mountain Dew.

Uma amostra da vasta gama de “combustíveis” que a Mountain Dew propõe aos gamers

A Mountain Dew fez um longo caminho desde os primórdios como mixer com aura “hillbilly” até combustível favorito dos gamers, e, embora o seu nome original se tenha esvaziado completamente de significado, não passaria pela cabeça de ninguém mudá-lo, o que mostra que a “marca” pode ser uma matéria infinitamente moldável nas mãos dos “marqueteiros”.

Fioravanti

A Fioravanti é pouco conhecida fora da América do Sul ou das comunidades de expatriados sul-americanos, mas merece ser incluída nesta lista por ser considerada por alguns “gasosólogos” como uma das mais antigas marcas de refrigerante ainda em produção; isto se se der crédito a quem situa a sua origem na fábrica de refrigerantes e águas minerais aberta em 1878 (1881, segundo outras fontes) por Giovanni Fioravanti, um imigrante italiano, em Guayaquil, no Equador. Porém, tal como acontece com a colombiana Kola Román (ver Da Coca-Cola à Inca Kola: Breve história dos refrigerantes de cola), os primeiro anos da Fioravanti estão envoltos em bruma, havendo quem sugira que o refrigerante hoje comercializado como Fioravanti só foi lançado em 1935.

A fábrica Fioravanti em 1910

A marca mudou de mãos várias vezes e foi sob o controlo da família Peré e da sua empresa S.A. Bebidas Efervecentes, constituída em 1942, que a Fioravanti conquistou o mercado, sendo hoje a 2.ª marca de refrigerantes mais consumida no Equador, só atrás da Coca-Cola. Tal como aconteceu com a Kola Román, acabou por ser comprada pela Coca-Cola nos anos 90.