Nas melhores das hipóteses, se nada for feito, as águas do mar poderão subir em média entre 28 e 55 centímetros até 2100 e há o risco de em zonas da América latina, do sudeste asiático e da África subsaariana a vida humana se tornar impossível devido ao aumento das temperaturas, com potencial para gerar milhões de refugiados climáticos. Mudanças que não encontram paralelo em milhares, se não centenas de milhares de anos, e que têm o Homem como principal responsável. O sexto relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre as Alterações Climáticas, organismo científico da ONU) conhecido esta segunda-feira é já visto por muitos como um último aviso e estará no centro de todos os debates dentro de três meses, quando os líderes mundiais se reunirem no Centro de Exposições de Glasgow, na Escócia, para a 26.ª Conferência da ONU sobre as Alterações Climáticas (COP 26)
O documento que analisa o modo como o clima terrestre está a mudar devido à ação humana — e quais as consequências que isso já está a ter sobre a vida na Terra — dá como quase certo que, nos próximos 20 anos, a temperatura do planeta ultrapasse a meta de 1,5ºC de aquecimento médio em relação às temperaturas de referência do final do século XIX, uma vez que os esforços atuais não estão a ser suficientes para limitar as emissões de dióxido de carbono para a atmosfera. Para a comunidade científica, o relatório é um “banho de realidade” — mas os climatologistas acreditam que a publicação do documento nos meses antes da COP 26 contribua para que a cimeira de Glasgow seja firme nas decisões para reverter o aquecimento global.
O documento é a primeira de três partes daquele que, quando estiver completo em 2022, será o sexto relatório de avaliação científica das alterações climáticas do IPCC. O painel global começou a publicar regularmente estes enormes relatórios (só o documento publicado esta segunda-feira tem perto de 4 mil páginas) em 1990, ano em que saiu a primeira edição. A segunda foi publicada em 1995, a terceira em 2001 e a quarta em 2007. Mas foi a quinta edição, publicada em 2014, que mais deu que falar, uma vez que foram usados novos modelos de simulação da evolução do clima que levaram a comunidade científica a ter uma perspetiva muito mais clara sobre os cenários possíveis para o futuro do planeta — e o documento pôs o aquecimento global na agenda mediática internacional. No ano seguinte, os líderes mundiais reuniram-se em Paris para a COP 21, cimeira da qual saiu o histórico Acordo de Paris que definiu a meta de 1,5ºC.
É possível repetir o efeito Paris com este sexto relatório? “O relatório do clima do IPCC mostra a imensa urgência de agir agora para combater a crise climática. Não é demasiado tarde para conter a maré e evitar alterações climáticas descontroladas, mas só se agirmos decisivamente agora e se o fizermos juntos”, reagiu o vice-presidente da Comissão Europeia Frans Timmermans, responsável pela política climática da UE, acrescentando: “Manter os 1,5ºC ao nosso alcance exige a neutralidade carbónica a nível mundial e a implementação mais rápida de políticas para lá chegar. A COP 26 tem de ser o lugar onde o mundo diz ‘basta’!” Oito anos depois do histórico relatório que moldou o discurso contemporâneo sobre as alterações climáticas e que motivou os líderes globais a adotarem o inédito acordo de 2015, o mundo parece longe do caminho para as metas de Paris. Da comunidade científica, vem o repetido alerta: este poderá ser o último aviso dos cientistas para que haja decisões políticas de peso antes de que seja tarde demais.
“Muitas das mudanças observadas no clima não têm precedentes em milhares, senão em centenas de milhares de anos”
O relatório publicado esta segunda-feira resulta da investigação feita pelo primeiro grupo de trabalho do IPCC, que se debruça sobre os fundamentos científicos das alterações climáticas. Para fevereiro de 2022 está prevista a publicação do segundo documento, elaborado pelo grupo de trabalho responsável pelo estudo dos impactos, adaptação e vulnerabilidade às alterações climáticas; no mês seguinte deverá ser publicado o terceiro documento, feito pelo grupo de trabalho que estuda as opções para a mitigação dos efeitos do aquecimento global. Os três documentos em conjunto constituem o sexto relatório do IPCC e serão publicados numa síntese total em setembro de 2022. O documento do primeiro grupo de trabalho reúne os contributos de 751 autores diferentes (234 autores principais e 517 contribuidores) e estava previsto para abril de 2021 — mas a pandemia da Covid-19 obrigou a fase final dos trabalhos a decorrer exclusivamente online, o que atrasou a publicação do relatório em cerca de quatro meses.
“Os cientistas estão a observar mudanças no clima da Terra em todas as regiões e em todo o sistema climático”, resume o comunicado do IPCC em que são apresentadas as principais conclusões do relatório. “Muitas das mudanças observadas no clima não têm precedentes em milhares, senão em centenas de milhares de anos, e algumas das mudanças já em marcha — como a subida continuada do nível do mar — são irreversíveis ao longo das próximas centenas ou milhares de anos.” Ainda assim, fugindo ao alarmismo climático, o comunicado do IPCC deixa, logo no início do texto, uma mensagem pela positiva: “Contudo, reduções fortes e sustentadas das emissões de dióxido de carbono e outros gases com efeito de estufa limitariam as alterações climáticas. Enquanto os benefícios para a qualidade do ar seriam rápidos, poderia demorar 20 a 30 anos para que as temperaturas globais estabilizassem.”
Neste sexto relatório do IPCC (assinado por centenas de cientistas com base na revisão de mais de 14 mil estudos científicos) são usados novos modelos de previsão da evolução das temperaturas e atualiza o conhecimento sobre as alterações climáticas iniciado com o relatório de 2014 e entretanto aumentado com um relatório intermédio publicado em 2018 — e mostra inequivocamente que o clima está a mudar mais rapidamente do aquilo que se pensava até aqui. De acordo com os cientistas que assinam o relatório, só uma pequena parte do aumento da temperatura do planeta que se registou desde o século XIX se pode atribuir a causas naturais: o grande causador do aquecimento global é mesmo a atividade humana e há pouco tempo para o reverter.
No indicador central — o aumento da temperatura global —, todos os cenários considerados pelo IPCC, até os mais otimistas, apontam no mesmo sentido: até 2040, o planeta estará 1,5ºC mais quente do que na era pré-industrial. Trata-se de uma conclusão em linha com aquilo que já havia sido difundido em 2018, quando o IPCC publicou um relatório especial focado nos esforços para manter o planeta abaixo do aumento de 1,5ºC de aumento de temperatura. Nessa altura, o organismo estimou que esse limite poderia ser atingido já entre 2030 e 2052, uma vez que já então o planeta se encontrava 1ºC acima dos níveis pré-industriais. Agora, o IPCC afirma que o planeta já se encontra 1,1ºC acima desses níveis. Ou seja, as metas e os limites continuam bem identificados, mas o planeta continua a não estar no caminho certo para se manter dentro desses limites.
“O relatório mostra que as emissões de gases com efeito de estufa com origem nas atividades humanas são responsáveis por um aumento de temperatura de cerca de 1,1ºC desde 1850-1900, e que, em média ao longo dos próximos 20 anos, a temperatura global deverá alcançar ou ultrapassar os 1,5ºC de aquecimento”, diz o resumo do IPCC. “Esta avaliação baseia-se em conjuntos melhorados de dados de observações para avaliar o aquecimento histórico, bem como em progressos no conhecimento científico sobre a resposta do sistema climático às emissões de gases com efeito de estufa causadas pelos humanos.” No longo prazo, uma análise aos padrões médios leva os cientistas a concluir que em 2100, se o ritmo das emissões de gases com efeito de estufa se mantiver igual ao atual, a temperatura do planeta poderá subir 2,7 graus Celsius em relação ao período pré-industrial — uma previsão que, embora esteja muito acima dos limites do Acordo de Paris, fica abaixo de algumas previsões mais negras que a própria ONU fez nos últimos anos. Em dezembro, por exemplo, um relatório anual do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente previa um aumento de temperatura superior a 3ºC até 2100.
Ainda assim, quando comparado com a última edição do relatório do IPCC, de 2014, as previsões para o aumento de temperatura estão mais pessimistas. Na altura, a previsão dos cientistas no cenário mais otimista colocava o aquecimento global até 2100 entre os 0,3ºC e os 1,7ºC. Agora, o intervalo está entre o 1ºC e os 1,8ºC. No cenário intermédio, em 2014 a previsão colocava o aumento entre 1,1ºC e 2,6ºC; agora, esta previsão está entre os 2,1ºC e os 3,5ºC. Já o cenário mais pessimista não colocava o planeta a aquecer mais de 4,8ºC — agora, o máximo está nos 5,3ºC.
Sim, a atividade humana é mesmo a principal responsável pelas alterações climáticas
O relatório do IPCC aborda todos os tópicos clássicos das alterações climáticas — a temperatura, o nível das águas do mar, as florestas, a libertação de gases com efeito de estufa —, mas uma das grandes inovações do estudo prende-se com a chamada “ciência da atribuição”, ou seja, o estudo dos fenómenos climáticos a posteriori, para perceber como a atividade humana e as causa naturais partilham responsabilidades. “Tem sido claro, ao longo das últimas décadas, que o clima da Terra está a mudar e o papel da influência humana no sistema climático é indiscutível”, diz a climatologista francesa Valérie Masson-Delmotte, uma das coordenadoras do grupo de trabalho que elaborou o relatório.
De acordo com o IPCC, “o novo relatório também reflete grandes avanços na ciência da atribuição” e ajuda a “perceber o papel das alterações climáticas na intensificação de fenómenos climáticos específicos como ondas de calor extremas e grandes chuvas”. Este ponto é fundamental num documento que se assume como um apelo à ação política.
O relatório dá exemplos. “É praticamente certo que os extremos quentes (incluindo ondas de calor) se tornaram mais frequentes e mais intensos na maioria das regiões de terra desde a década de 1950, enquanto os extremos frios (incluindo ondas de frio) se tornaram menos frequentes e menos intensos, com uma grande confiança de que as alterações climáticas provocadas pelos humanos são a principal causa destas mudanças”, diz o relatório. “Alguns dos extremos quentes observados ao longo da última década teriam sido extremamente improváveis de ocorrer sem a influência humana no sistema climático. As ondas de calor marinhas chegaram aproximadamente ao dobro desde a década de 1980 e a influência humana muito provavelmente contribuiu para a maioria delas desde, pelo menos, 2006.”
Conclusões semelhantes são retiradas para episódios de forte chuva, incluindo tempestades, e episódios de seca, em que a influência humana foi também um dos fatores centrais — embora o relatório não estabeleça uma relação direta entre a influência humana e a ocorrência de grandes ciclones tropicais ao longo das décadas. A relação encontrada é entre a influência humana e a probabilidade de fenómenos climáticos extremos compostos — ou seja, momentos em que várias condições se verificam em simultâneo, favorecendo a ocorrência de grandes incêndios, secas ou tempestades.
E o que significa tudo isto para o mundo em que vivemos? Com um aquecimento global limitado aos 1,5ºC nas próximas décadas, os cientistas assumem que haverá “cada vez mais ondas de calor, estações quentes mais longas e estações frias mais curtas”. Se o aquecimento global chegar aos 2ºC, as ondas de calor mais extremas chegariam “mais frequentemente aos limites críticos de tolerância para a agricultura e a saúde”, diz o relatório. Isso significaria que várias zonas do planeta — particularmente na América latina, sudeste asiático e mais ainda na África subsaariana — poderão chegar ainda neste século a temperaturas em que a vida humana se torna impossível, o que tem potencial para gerar milhões de refugiados climáticos, sobretudo entre os mais pobres, afetados desproporcionalmente pelas alterações climáticas.
Pobreza, racismo e poluição. As alterações climáticas também revelam (e agravam) as desigualdades
Além da temperatura, várias outras mudanças vão ser visíveis no planeta. De acordo com o IPCC, o ciclo da água continua a ser adulterado pelas alterações climáticas, o que continuará a motivar “chuvas mais intensas, e inundações associadas, bem como secas mais intensas em muitas regiões”. Nas latitudes mais elevadas — ou seja, mais longe da Linha do Equador —, é provável que a intensidade da chuva aumente, ao mesmo passo que diminui nos trópicos. Uma das principais consequências da continuação do aquecimento global nas próximas décadas vai verificar-se nos pólos, onde o degelo do pergelissolo (solo permanentemente gelado, ou permafrost na popular designação inglesa) está a levar à libertação de enormes quantidades de metano armazenado há séculos no solo. Este processo acelera ainda mais o aquecimento global, uma vez que se alimenta a si próprio: quanto mais aquece, mais o gelo descongela, mais metano liberta e mais aquece o gelo.
Incêndios na Sibéria, temperaturas recorde, o solo a descongelar. O que se está a passar nos pólos?
Os pólos, autênticos sistemas de “ar-condicionado” do planeta, que enviam temperaturas mais frias para os trópicos à boleia das correntes oceânicas, estão de facto em grande risco — o que significa um efeito bola de neve para o resto do planeta: quanto mais os pólos aquecerem, mais rapidamente o planeta aquece. No Ártico, por exemplo, o aumento da temperatura deverá verificar-se a um ritmo três vezes maior do que o aquecimento global, estimam os cientistas. Por outro lado, o relatório aponta outro dado preocupante: o grande sistema de correntes oceânicas do Atlântico responsável por transportar as massas de água fria dos pólos para as latitudes mais baixas, está a abrandar de modo significativo e “é muito provável que enfraqueça ao longo do século XXI em todos os cenários de emissões”. Ou seja, mesmo que as emissões baixem para os níveis pretendidos pelos cientistas, este fenómeno vital para o planeta já está grave e irreversivelmente afetado.
Os cientistas acreditam que não deverá haver um “colapso abrupto” deste sistema de correntes até 2100, mas avisam: “Se um colapso desses ocorresse, seria muito provável que causasse mudanças abruptas nos padrões meteorológicos regionais e no ciclo da água, bem como uma deslocação para sul da cintura tropical de precipitação, enfraquecendo as monções africanas e asiáticas, reforçando as monções do hemisfério sul e secando a Europa.” Além disso, a Europa terá ainda de enfrentar um aquecimento a um ritmo superior ao da média mundial, registando menos dias de neve e verões mais longos durante as próximas décadas, segundo o IPCC.
Olhando para o que aconteceu no último século, o relatório conclui que o nível médio das águas do mar subiu cerca de 20 centímetros a nível global, mas o ritmo de subida praticamente triplicou a partir de 2006 — e a influência humana tem sido a principal causa deste processo. O que é certo, para os cientistas, é que este aumento vai continuar. Em que medida? Dependerá do grau de emissões de gases com efeito de estufa com origem nas atividades humanas. No cenário mais otimista, estima-se que até 2100 as águas do mar poderão subir, em média, entre 28 e 55 centímetros relativamente aos valores calculados entre 1995 e 2014. O cenário mais pessimista coloca este aumento entre os 63 centímetros e os 1,01 metros. Como sucede com todas as médias, já se sabe que o problema não é o valor médio, mas sim os extremos do cálculo — que significam que uma parte muito considerável das zonas costeiras do planeta (e Portugal tem uma exposição considerável a este fenómeno) poderão ficar inundadas. Trata-se de um valor em linha com a última previsão apresentada pelo IPCC num relatório especial sobre o oceano e as alterações climáticas. Porém, é uma previsão mais negra do que aquela apresentada em 2014, no último relatório de avaliação do IPCC sobre as alterações climáticas, antes do Acordo de Paris. Nessa altura, o organismo apontava para uma subida máxima de 82 centímetros no cenário pessimista.
Os cientistas que assinam o novo relatório do IPCC avisam ainda que os chamados “sorvedouros de carbono” — na prática, grandes regiões de floresta e de oceano que captam o dióxido de carbono para o usarem em processos naturais (como a fotossíntese) —, aliados fundamentais da humanidade no combate ao aquecimento global, vão tornar-se cada vez menos eficientes ao longo das próximas décadas, uma vez que o aumento das emissões não será acompanhado por um aumento destes “sorvedouros”. Ao longo das últimas seis décadas, estimam os cientistas, as florestas e os oceanos captaram cerca de 56% do dióxido de carbono emitido pelos humanos.
Relatório é “chamada de atenção” para o mundo apenas a três meses da COP 26
Com este novo relatório em cima da mesa, os climatologistas e os ambientalistas esperam que a informação contida no documento possa influenciar os decisores políticos a adotar metas mais ambiciosas já em novembro deste ano — ou, pelo menos, a adotar políticas consentâneas com as metas já definidas.
“O documento de hoje será provavelmente o último aviso da comunidade científica mundial sobre os efeitos das emissões de gases de estufa e consequentes alterações climáticas, antes do planeta se encaminhar para um aumento de temperatura superior a 1,5ºC”, disse a associação ambientalista portuguesa Zero num comunicado divulgado pouco depois da publicação do relatório. “Note-se que os últimos seis anos foram os mais quentes desde que há registos históricos (desde aproximadamente 1850). Em 2020 os oceanos atingiram a sua temperatura mais elevada. Os incêndios, as inundações e as condições meteorológicas extremas dos últimos meses são apenas sinais do que se pode esperar.”
O comunicado da associação Zero sublinha algo que já havia sido usado por cientistas e ativistas em 2018, quando o IPCC divulgou um relatório especial sobre os esforços para limitar o aquecimento global à meta de 1,5ºC. “O relatório especial do IPCC é, provavelmente, o último lembrete de que não existem impedimentos técnicos e biofísicos sem resolução que impeçam de atingir as metas mais baixas de temperatura estabelecidas pelo Acordo de Paris”, disse na altura o diretor do Global Carbon Project, o investigador Pep Canadell.
“O documento hoje acabado de divulgar é verdadeiramente histórico por ser a avaliação mais abrangente até agora efetuada, oito anos após o 5.º relatório de 2014, e a menos de três meses antes das negociações das Nações Unidas em Glasgow, de 1 a 12 de novembro e onde a ZERO participará e que determinarão a forma como viveremos num futuro próximo”, diz a associação portuguesa. “Para a ZERO, os governos não podem ignorar os avisos feitos pelo IPCC.”
Os ambientalistas portugueses sublinham ainda que, “apesar de um esforço de muitos países ou grupos de países como a União Europeia, ainda não existem planos de ação que mantenham o aquecimento global abaixo dos limites supostamente seguros”. A associação liderada por Francisco Ferreira considera que este “relatório é porém mais decisivo, dado que reforça a conclusão de que os anos 20 deste século serão uma década crucial em que as emissões de gases de efeito estufa devem ser reduzidas a metade para limitar o aquecimento a 1,5 °C acima dos níveis pré-industriais”. É por isso que, diz a Zero, “esta é a última avaliação do IPCC que pode fazer uma diferença real em termos de política, antes de ultrapassarmos 1,5ºC e as metas estabelecidas pelo Acordo de Paris”.
Do ponto de vista político, os olhos do mundo vão estar virados para Glasgow em novembro deste ano — e é aí que os cientistas e ativistas esperam que haja decisões mais assertivas.
“O relatório do IPCC sintetiza uma vasta quantidade de trabalho e vai informar os governos de todo o mundo, na preparação da COP 26, sobre as escolhas que fazem e os impactos que elas têm no clima da Terra”, sublinhou o investigador australiano Andrew King, climatologista da Universidade de Melbourne. No mesmo sentido, o também australiano Steven Sherwood, climatologista na Universidade de Nova Gales do Sul, em Sydney, destacou que o relatório aumenta a “confiança” no conhecimento científico sobre as alterações climáticas. “Espero que esta confiança reforçada, juntamente com os acontecimentos que temos testemunhado em todo o mundo, como grandes incêndios e o calor abrasador, dêem aos nossos líderes a confiança para dar passos mais fortes para reduzir as emissões de carbono na COP 26 este ano.”
Na esfera política, a mensagem foi entendida. Para o ministro português do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, o relatório do IPCC “vem no tempo certo porque estamos a três meses da Conferência do Clima”. “É o tempo de o Mundo assumir o compromisso que a Europa já assumiu e no qual Portugal liderou que é o de sermos neutros em carbono em 2050”, disse Matos Fernandes à Lusa. “Mais do que salvar o planeta é salvar-nos a nós próprios como espécie. Nós de facto não conseguimos suportar este aumento de temperatura e aquilo que ele provoca dia a dia e com os fenómenos extremos que está também a condicionar.”
No Reino Unido, que em novembro vai acolher a COP 26, o primeiro-ministro Boris Johnson concordou e classificou o relatório como uma “chamada de atenção para que o mundo atue já, antes de nos encontrarmos em Glasgow em novembro para a cimeira decisiva da COP 26”. “O relatório de hoje pede uma leitura moderada e deixa claro que a próxima década será fundamental para garantir o futuro do nosso planeta”, disse Johnson. “Nós sabemos o que deve ser feito para limitar o aquecimento global — remeter o carvão à história e mudar para fontes de energia limpas, proteger a natureza e fornecer linhas de financiamento climático a países na linha da frente.”
The evidence is irrefutable: greenhouse gas emissions are choking our planet & placing billions of people in danger.
Global heating is affecting every region on Earth, with many of the changes becoming irreversible.
We must act decisively now to avert a climate catastrophe. https://t.co/TQlgp1D9AV
— António Guterres (@antonioguterres) August 9, 2021
A nível global, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, considerou as provas científicas “irrefutáveis” e declarou: “Os gases com efeito de estufa estão a sufocar o nosso planeta e a pôr milhares de milhões em risco. O aquecimento global está a afetar cada região da Terra, com muitas das alterações a tornarem-se irreversíveis. Temos de agir decisivamente agora para evitar uma catástrofe climática.” A intenção dos climatologistas e das Nações Unidas ao publicar o relatório definidor neste momento era clara: influenciar políticos de todo o planeta a agir. Se a COP 26 vai realmente significar uma mudança decisiva nas metas globais ou nas políticas públicas de cada país, só em novembro saberemos.