Discurso do primeiro-ministro Luís Montenegro
“Boa noite a todas e a todos mais uma vez. Estão aqui muitos membros do Governo e eles sabem que, mesmo nos dias mais difíceis e nas maiores adversidades, eu nunca perco a serenidade. Tenho tranquilidade. Estamos aqui para resolver os problemas. Mesmo estes.”
Falaram três pessoas antes de Luís Montenegro, mas quando o líder do PSD começou a falar o som falhou. Há décadas que não acontecia nada deste género num comício. No passado (anos 80) eram mais comuns pequenas sabotagens e maldades que os partidos faziam entre si — neste caso desconhece-se a razão da falha técnica. No calçadão de Quarteira, Luís Montenegro teve de esperar uns longos sete minutos e meio até que lhe voltassem a dar voz. Mas André Ventura nem precisou de tanto para fazer um aproveitamento da falha do adversário político e escreveu na rede social X (antigo Twitter) que “quando nem o microfone funciona, está tudo dito sobre o estado do país”. Quando o som regressou, Montenegro tentou virar o jogo, aproveitando a calma e serenidade — que manteve em cima do palco durante o longo silêncio — como a prova que tem nervos de aço e que não se incomoda com as adversidades.
Hoje não pusemos barreiras para estar aqui perto de toda a gente. Perto dos portugueses. Para tratar da vida de cada português. É muito por isso que nove anos depois o PSD volta a ter na Festa do Pontal o primeiro-ministro, muitos ministros e secretários de Estados. Nós quisemos sempre fazer esta festa sempre: nos momentos que estivemos na oposição ou que estamos no Governo
Habitualmente o recinto da Festa do Pontal é fechado, com o espaço delimitado e entradas controladas, o que permitia um maior controlo sobre quem estava na festa e mais próximo do palco. Desta vez, o PSD decidiu abrir as portas da Festa do Pontal sem colocar qualquer tipo de restrição. Montenegro explicou que foi propositado: para mostrar que o Governo não tem medo da rua nem do contacto popular. A organização estima que tenham estado entre quatro a cinco mil pessoas na festa, números que o Observador só conseguiria confirmar com recurso a drone — que não foi o caso. Nas palavras do líder do PSD pode ainda ler-se alguma crítica às opções passadas de Rui Rio relativamente à Festa do Pontal, já que o seu antecessor chegou a mudar o evento de sítio e a torná-la mais virada para dentro e menos para o eleitorado.
“Porque não somos daqueles que entendem que o Estado tem de se meter em tudo e todos os serviços públicos prestados ao cidadão são um exclusivo do Estado. Somos daqueles que acreditamos na livre iniciativa das pessoas e das empresas para poderem potenciar a sua capacidade. Somos daqueles que acredita que o Estado serve para garantir as funções mais soberanas e serve para garantir a igualdade de oportunidades e a justiça social.
Luís Montenegro insiste várias vezes nesta questão ideológica relativamente ao peso do Estado nas instituições e na economia. Na verdade, o que o presidente do PSD pretende demonstrar é que o partido não tem um cegueira ideológica que o leve a dispensar o privado em todas as circunstâncias, mas que mantém na sua matriz a justiça social e a primazia do Serviço Nacional de Saúde na prestação de cuidados de saúde. Aqui prentende distinguir-se da esquerda (avessa às soluções que incluem o privado na Saúde) e da direita liberal (em particular a IL, que exige menos Estado em praticamente todo o lado, incluindo a Saúde).
“Sei que dadas todas as decisões que tomámos nos últimos meses há quem queira diminuir a nossa ação no Governo e quem queira de uma forma mais superficial dar a entender aos portugueses que nós estamos problemas menores e que não estamos a projetar a vida do nosso país. Nestes quatro meses fizemos um acordo com os professores, com os polícias, com os oficiais de justiça, com os guarda-prisionais, estamos a construir entendimentos com os médicos e enfermeiros. Estamos, portanto, a valorizar os profissionais de serviço público. Ao termos bons professores nas escola, os polícias motivados, os tribunais a funcionar a tempo e horas, médicos e enfermeiros em hospitais de saúde, estamos a pensar estratégica e estruturalmente no futuro de Portugal.”
O primeiro-ministro, a certa altura no discurso, chega a elencar o que considera a crítica “legítima” da oposição, mas não tem a mesma benevolência com os comentadores que arrasam as políticas do Governo. Há, novamente, uma espécie de obsessão de Montenegro por esses opinadores da comunicação social. E, nessas críticas, aquela que o primeiro-ministro considera mais injusta e que se esforça mais por contrariar é que o Governo governa para o imediato, para o curto prazo, mas que nada muda estruturalmente. Montenegro deixa claro que considera que a valorização dos salários das carreiras da função pública é uma medida estrutural.
“Sei que alguns quiseram com elevada desonestidade política e intelectual criar a ideia de que nós tínhamos feito a promessa de que em 60 dias conseguíamos resolver. os problemas da saúde. Essa tese, não vale a pena sequer comentar. Mas vale a pena dizer que o compromisso que nós assumimos está a ser resolvido. É um plano para dois anos: 2024 e 2025. Com objetivos determinados, que já estão a ser cumpridos. E que já estão a ser cumpridos.”
Montenegro está novamente a atirar aos comentadores, lembrando que nunca disse que resolvia os problemas na saúde em 60 dias, mas que esse era o tempo para apresentar o plano. A leitura pública e mediática foi sempre, de facto, que nesses 60 dias fossem logo tomadas medidas mais imediatas e que esse não era apenas o prazo para desenhar o plano. O primeiro-ministro não se incomodou com essa perceção mediática antes das eleições (e ela já existia), mas agora vem reforçar e reiterar que, para resolver os problemas da Saúde, precisa de dois anos: 2024 e 2025. Metas que, aliás, estão no tal plano que tinha como prazo (apenas para a sua elaboração) 60 dias.
“Nós não estamos distraídos, não somos daqueles que criam a ilusão, falsas expectativas. Mas há uma coisa que é preciso dizer. A situação este ano é muito melhor do que era o ano passado. E no próximo ano, prometo que vai ser melhor do que é este ano.”
O primeiro-ministro esteve, ao longo do discurso, em permanente comparação com a governação socialista. Mas a fase em que arriscou mais nesse paralelismo foi na questão da saúde. Apesar de a ex-ministra da Presidência Mariana Vieira da Silva ter apresentado alguns dados em que os serviços de saúde estão piores do que em 2023, Luís Montenegro garante que em 2024 a realidade está melhor do que em 2023. Ou seja: apesar dos problemas, está melhor agora do que no tempo do Governo de António Costa.
“Acham que os portugueses são estúpidos? Que acreditam em quem teve os instrumentos na mão oito ano e nos está acusar a nós. Se fosse fácil, tinha sido feito por eles. Como é evidente.”
Luís Montenegro ainda não abdicou de um dos argumentos principais deste governo: não podem exigir que faça em poucos meses o que o anterior não fez em oito anos. Não só é essa ideia que quer passar, como acredita que os portugueses já a interiorizaram porque, diz o primeiro-ministro, não são “estúpidos”.
“Nós vamos continuar com os nossos princípios. Com todo o respeito pelas nossas todas as opiniões políticas. Mas claro que o vamos fazer com os nossos princípios, com a nossa matriz social-democrata, com aquilo que nos foi legado por Francisco Sá Carneiro e por Aníbal Cavaco Silva.”
O período da austeridade, da troika e os serviços prestados ao país pelo Governo de Pedro Passos Coelho desapareceu por completo dos discursos de Luís Montenegro. O próprio lembra que há nove anos que o Pontal não tinha um primeiro-ministro a discursar, mas não repetiu a ideia de que na altura houve um grande esforço governativo que salvou Portugal da bancarrota. O passado passista está, para Montenegro, proscrito.
“Nós não estamos num governo para dar benesses a ninguém. Entendemos que os apoios que damos são um investimento. Para a diminuição dos impostos. Para a diminuição das tensões sociais. Um investimento na dignidade de cada pessoa, na dignidade da nossa comunidade.”
Luís Montenegro marca a diferença para o Chega de André Ventura ao ter um entendimento de que as prestações sociais não promovem a subsidiodependência, mas que são, pelo contrário, investimentos que vão dar retorno futuro ao país. O primeiro-ministro tem um discurso, neste aspeto, mais próximo do PS do que o anterior governo PSD/CDS, que colocava a tónica na fiscalização e priorizava o combate aos abusos — muito por influência do CDS de Portas.
“No Serviço Nacional de Saúde, de todas as cirurgias oncológicas que foram realizadas nos últimos meses, 99% realizaram-se no Serviço Nacional de Saúde. Para aqueles que dizem que nós estamos a governar para o setor privado e são os mesmos que impuseram que mais de 4 milhões de portugueses tivessem que ter seguro de saúde. São os mesmo que fizeram crescer a saúde privada em Portugal como nunca, não deixa de ser difícil de explicar que nós fizemos esta recuperação dentro do Serviço Nacional de Saúde, valorizando-o.”
O primeiro-ministro já tinha lançado o número quando visitou com Marcelo Rebelo de Sousa o Hospital de Santa Maria, mas voltou a repeti-lo. A recuperação das cirurgias foi feita essencialmente através do Serviço Nacional de Saúde. O PCP tem sido o partido que mais faz estas acusações ao Governo, mas Montenegro orienta a crítica para o PS. E lembra que foi durante a governação socialista que dispararam os seguros de saúde e a saúde privada em geral.
“E nós temos um problema. Que não podemos ignorar. Nós. Temos cada vez. Mais falta. De recursos humanos, sobretudo médicos. No caso dos médicos, é preciso ter a coragem de inventar uma visão demasiado corporativista, que não tem contribuído para que os profissionais de saúde, em particular os médicos, estejam no SNS. E nós não vamos ficar à espera que as coisas se resolvam apenas chegando acordo em termos de remunerações. Isso é importante.”
Esta é a frase que deve provocar as críticas de sindicatos e da ordem nos próximos dias, mas Montenegro quis mesmo dizê-la. Para o primeiro-ministro, o corporativismo tem sido um dos obstáculos à fixação de médicos no Serviço Nacional de Saúde. E promete enfrentá-lo, desde logo, pelo aumento das vagas em Medicina. Mais vagas, acredita o primeiro-ministro, vai significar mais médicos.
“Existem 1684 vagas para médicos, com nove anos de medicina, ao mesmo tempo, que 1.500 médicos por ano se aposentam. Vamos mesmo ter na universidade pública mais vagas para medicina para termos mais médicos disponíveis. Eu sei que isso custa dinheiro. E sei que também é preciso ter coragem. Vamos criar mais vagas na Universidade de Trás-Montes e na Universidade de Évora”
Luís Montenegro tinha prometido três medidas e esta foi a primeira, dirigida à área da Saúde: o aumento das vagas na medicina em universidades fora da faixa litoral, como é o caso da Universidade de Trás-os-Montes e da Universidade de Évora.
“No próximo mês de setembro. Vamos apresentar um plano que designamos de Mobilidade Verde, que vai facilitar a mobilização de meios de transporte. Que sejam do ponto de vista ambiental mais sustentáveis, mas ao mesmo tempo se facilitem verdadeiramente a vida do cidadão. Ora, uma das traves-mestre deste pacote da Mobilidade verde é a de ferrovia. Quero dizer-vos que uma das medidas que nós vamos apresentar é a criação de um novo passe ferroviário que tem um custo de 20 euros mensais e dará a possibilidade de acesso pleno de todos comboios urbanos, em todos os comboios regionais e também tem toda a rede de intercidades.”
A segunda medida anunciada por Luís Montenegro foi a criação de um passe ferroviário que, por 20 euros, permite a qualquer cidadão circular pelo país de comboio durante um mês em todos os comboios exceto o alfa e comboios especiais. O valor é válido até para intercidades. O primeiro-ministro quer promover a mobilidade no país e, para isso, tem este grande plano para a ferrovia.
“Prometi na campanha eleitoral, nós não vamos diminuir um cêntimo de nenhuma pensão. Eu disse que se tivéssemos condições financeiras íamos ajudar mais os pensionistas e reformados que têm pensões mais baixos. E vamos atribuir e pagar no próximo mês de outubro um suplemento extraordinário aos pensionistas que têm mais baixas pensões: será de 200 euros para quem tem pensão até ao IAS (509,26 euros); entre 509,26 euros a 1018,52 cêntimo será 150 euros; e quem tiver uma pensar entre 1018,62 euros e 1527, 78 € será pagaremos uma verba a título de suplemento 100 euros”
Luís Montenegro continua o processo de aproximação do PSD ao eleitorado pensionista que nos últimos anos tinha fugido para o PS de forma preocupante. Para dar mais um sinal aos pensionistas, o primeiro-ministro começa a colocar-lhes dinheiro nas mãos. E a fundo perdido. É um cheque único, que será pago em outubro, que pode ir de 100 a 200 euros para todos os pensionais que ganhem entre 509,26 euros e 1527,78 euros. Depois deste cheque no bolso, pensará qualquer estratega político, poucos são os que quererão ir a votos no final de 2024/início de 2025. Ou seja: há menos vontade da oposição de chumbar o orçamento.