Imagine-se perto do Natal 2017, ali no dia 20 Dezembro. Agora imagine-se a comer um boca negra no Rabo d’Pêxe, ali no Saldanha. E agora imagine-se a falar de bola com o Oceano, ali na mesa encostada à janela. Oceano, o maior. Pacífico, sempre. Entre a história engatilhada na ponta da língua e as gargalhadas espontâneas, há um mar de histórias. EI-lo, o capitão do Sporting, o terceiro estrangeiro de sempre da Real Sociedad, o melhor marcador do Toulouse, o adjunto de Queiroz no Irão.
Abro as hostilidades com esta foto.
Ahahahahahahah. Que maravilha. Eu ali em baixo e o Neno de pé. Conheço-o desde os 12/13 anos. Ele jogava no Santo Antoniense e eu no Almada, era uma brincadeira pegada.
Isto era o quê?
Um torneio em Tróia, com a primeira seleção de iniciados da Associação de Futebol de Setúbal. O que é engraçado é que ele era um caga-tacos e eu também era um caga-tacos, éramos os dois mais pequeninos do grupo.
A sério?
Se calhar foi por isso que ficámos juntos desde então, naquela coisa da proteção, sabes?
Estou a ver.
O Neno sempre foi um palhaço, já desde esta idade. Ele dizia que eu era mais palhaço naquele naquele tempo, mas não, ele é que era. Sempre foi. E o grupo estava sempre à nossa volta, nós é que animávamos aquilo tudo. Ahahahah. Aquilo para nós era a Walt Disney. O guarda-redes mais alto era o Castelão ou Casarão, um bicho do caraças. Claro que o Neno era suplente, ahahahah. Escreve isso, escreve isso, pica o gajo. Ahahahahah.
Ele falou-me num penálti em Alvalade?
Estávamos a perder por 1-0 e demos a volta para 3-1. Faço dois golos, um deles de penálti. Antes da marcação, o Neno vem ter comigo e diz que me conhece de Tróia. Depois, arrisca: ‘tu, com esse pé de pato, vais marcar a bola aqui para este lado, não vais mudar, pois não?’
E tu?
‘Se já me conheces, sabes que não vou mudar’. Quando cheguei ao ponto do penálti, não mudei mesmo. Só que o Neno foi para o outro lado, ahahahahah. A meio caminho, já ele me dizia ‘sacana’ O Neno é giro, tenho uma grande relação com ele desde esses tempos de caga-tacos.
Jogavas no Almada, isso era que divisão?
Os seniores jogavam na 2.ª, depois foram para a 3.ª. Eu ainda estava nos juvenis, depois juniores. Aqui, chegámos a jogar na 1.ª divisão.
O quê, com Benfica, Sporting, Estoril, Belenenses?
Todos esses mais o Vitória. Foooogo, o Vitória, lá em Setúbal, tinha uma belíssima equipa. Havia um gajo fabuloso chamado Fernando Cruz. Era aquele ponta-de-lança que não existia em Portugal, todos o queriam.
Eras tu e mais quem no Almada?
Dos que jogaram na 1.ª divisão, eu, o Galo e o Horácio.
https://www.youtube.com/watch?v=6QnYc83zUbA
Imagino a vossa impaciência em chegar aos seniores?
Ahahahahah, a piada é essa.
Então?
Não queríamos nada disso.
Baaaah.
Batia-se tanto nos jogos do Almada da 3.ª divisão que nem queríamos chegar aos seniores. Só queríamos continuar nos juniores.
Ahahahahah.
Só que o campeonato de juniores acabou mais cedo que o esperado e o treinador dos seniores chamou-nos logo para a equipa no último mês e meio de competição, na 3.ª divisão.
Começa aí a tua aventura.
A minha e a do Galo mais a do Horácio. Subimos os três ao mesmo tempo e fomos logo titulares.
Ainda te lembras disso?
Tenho cada história desses tempos, há coisas que um gajo não esquece. No meu primeiro jogo, fomos jogar a Cuba, no Alentejo. Estavam 40-e-tal graus e fiz o golo da vitória.
É beeeem.
O remate é do Horácio, a bola bate na barra e até entra, só que o árbitro não o valida. Como estava a seguir a jogada, entrei em voo para dentro da baliza, foi bola, foi tudo. Agora sim, é golo sem margem para dúvida, ahahahah. Levanto-me todo contente, para o abraço com o Horácio, e um central deles vem direito a mim.
E?
Dá-me um pontapé nos testículos. Apaguei. Apaguei mesmo. E apaguei mal. Só acordei no balneário cheio de gelo aqui [Oceano afasta a cadeira e aponta para baixo], com o massagista a trabalhar esta zona. Ahahahahah.
Ahahahahah.
Ri-te ri-te, se soubesses o que sofri. Tive de fazer uma porrada de exames, porque o massagista estava preocupado. Dizia que os testículos tinham ficado assim e tal, dizia que eu até podia ficar ??. Agora imagina a minha reação, não é? Ouvir aquilo tudo e ainda era um miúdo.
E o agressor? E o árbitro?
Nada, nada. O árbitro disse que não viu nada porque “estava a olhar para o meio-campo”.
E tu, depois?
Só queria sair dali.
De onde?
Da 3.ª divisão. Disse a mim mesmo “não quero jogar mais a este nível”. Por isso, quando apareceu o Odivelas, da 2.ª divisão, nem pensei duas vezes. Além disso, ofereciam-me quatro vezes mais que o Almada. Tinha de dar esse passo.
Conhecias alguém no Odivelas?
Os treinadores eram o Lourenço e o Carvalho, duas figuras do Sporting e jogadores de Portugal no Mundial-66. Eram pessoas que já conhecia de nome e isso dava-te necessariamente outra força. O Odivelas foi melhor para mim, claro. Se bem que ir todos os dias de Almada para Odivelas era um martírio.
Viagens e isso?
Tudo. Ia de autocarro Odivelas-Entrecampos e, depois, apanhava o metro para o outro lado de Lisboa. Claro, era atacado, assaltado, roubado e sei lá o que mais. Ahahahah, que histórias. No metro, em Entrecampos, estava tipo sardinha em lata, nem metia os pés no chão. São experiências engraçadas, fortalecem-te o espírito.
E para voltar a Almada?
Uyyyy, nem me digas nada, ahahahah. Havia barco, mas só até a uma determinada hora. Se falhasse o último, já só apannhava o das seis da manhã.
E como é que fazias?
Ficava com o Mafra.
Mafra?
O nosso capitão de equipa. Um bandido de primeira e muito boa gente. Pagava mais do bolso dele do que o próprio Odivelas.
A sério?
Ya, o gajo era sensacional. Entrava no balneário e dizia-nos ‘o clube oferece mil escudos, eu dou 1200 a cada um se a gente ganhar este jogo’.
Craque, estou a ver.
Ele tinha aqueles cartões da lotaria dos bairros de Lisboa que se chamavam mafras e a alcunha ficou. O Mafra ganhava dinheiro com isso e, na altura, tinha três Mercedes, um deles era o SL descapotável.
Isso devia ser uma novidade.
Era uma coisa do outro mundo. De vez em quando, convidava-me ‘miúdo, queres ir jantar?’.
E tu?
‘Não, sr. Mafra, a minha mãe disse que eu tinha horas para estar em casa.’
E o Mafra?
‘Não, não, miúdo, anda lá jantar e depois deixo-te em casa’.
E?
Chegava a casa às cinco/seis da manhã. Um dia, disse-lhe ‘oh sr. Mafra, gosto muito de si, mas não dá para continuar’. É que aquilo era quase todos os dias, ahahahahah.
O que feito dele?
Está bem, tem um stand de automóveis no outro lado do rio e ainda me dou com ele. O Mafra desenrasca-se, tem olho para o negócio. Ainda nem se falava de Valverde, na Verdizela, e ele já tinha comprado duas vivendas. Depois vendeu-as e comprou outra. É assim, o Mafra. Grande, grande homem.
O campo do Odivelas era pelado ou…?
Pelado, pelado à séria. Ahahahah. Na 2.ª divisão, zona sul, só Marítimo, Belenenses, Farense e mais um ou outro é que tinham relvado. De resto, pelados. E o nosso era cá um quintal, ahahahah. Que tempos. Tínhamos uma jogada ensaiada, nos pontapés de baliza: o guarda-redes chutava lá para a frente, nós íamos em bando para o meio-campo contrário e a ideia era passar a bola ao Sebastião, que tinha cá um pontapé. Ainda fizemos um golinho ou outro assim.
Também só jogaste um ano no Odivelas, não foi?
Fui logo para o Nacional.
Porquê a Madeira?
O treinador era o Pedro Gomes e ele viu-me a jogar pelo Odivelas. Quis contratar-me e fui.
Que tal?
Vê bem, às vezes era extremo-esquerdo.
Maravilha.
Fisicamente, estava mais forte que nunca. No primeiro estágio de pré-época do Nacional, o Pedro Gomes puxou tanto por nós que lhe cheguei a dizer ‘mister, com estes treinos posso estar sem fazer nada nos próximos dez anos’.
Era duro?
Foi o mais duro que apanhei. Aquilo era uma coisa. Nós tínhamos crosses nos Barreiros e havia um exercício do caraças.
Então?
Estávamos todos a correr na pista de tartan à volta do relvado dos Barreiros e ele, de repente, dizia Oceano.
Sim?
Tinha de correr mais depressa que todos os outros e dar-lhes uma volta de avanço.
Quêêêê?
Era o melhor gajo a fazer aquilo, só que demorava três voltas a apanhá-los.
Só três? Porra.
Pois, eles continuavam a correr, a puxar uns pelos outros, e eu, sozinho, tinha de apanhá-los. Era tramado. Agora imagina a quantidade de voltas que dávamos àquela pista.
Não imagino, impossível, ahahahah.
Os gajos do União e do Marítimo treinavam nos Barreiros, como nós. Aquilo era uma confusão do caraças, eles chegavam depois e saíam antes. Às vezes, iam para a bancada e gozavam connosco. Ahahahah. Mas digo-te, os primeiros jogos até correram bem e houve um que acabou 8-1 para nós [ao Esperança de Lagos]. Nesse dia, choveu até dizer chega. Os gajos do União e do Marítimo, os que gozavam connosco, é que ficaram impressionados. ‘Fogo, já viram como vocês voam?”. E realmente voávamos, só que depois tivemos uma quebra.
Ya, é sempre assim.
Espalhámo-nos ao comprido a partir de Janeiro. Foi aí que o Pedro Gomes decidiu jogar.
Quando dizes jogar, estás a dizer jogar mesmo?
Ya, eu joguei com o Pedro Gomes. A primeira vez que ele decide entrar no 11 é em Lagos. Havia lá no Esperança um defesa-esquerdo muita velho, com 39 ou 40 anos, mas, pá, o Pedro Gomes já tinha 46 ou 47 ou 48. Epá, vamos para Lagos, dentro da cabina, e começamos a ouvir a equipa: ‘número 1 não sei quem, número 2 disto, número 3 disto, número 4 nanana, número 5 não sei o quê, número 6 Oceano, número 7 eu, número 8 não sei quê”. Aquele ‘eu’ passou despercebido, como se ele estivesse a dizer o Miguel.
E depois?
Ele acaba de dizer o onze e nós todos ‘eu’? Ahahahahah. Isto é mesmo só rir.
E o Pedro Gomes?
‘Sim, isto pode ser uma surpresa para vocês, mas estou inscrito como jogador e hoje vou jogar. Considerem-me como um companheiro vosso mais velho.’
Que tal correu?
Perdemos, 2-1. Só que há coisas engraçadas para contar. Quer dizer, não são bonitas, mas são engraçadas.
É contar e pronto.
Havia gajos da equipa que não gostavam dele e avisaram-no. ‘Ò mister, a gente enerva-se lá dentro e chamamos nomes’.
E o Pedro Gomes?
‘Vocês podem mandar-me para todo o lado, podem chamar-me cabeçudo e isso tudo.’
Imagino a farra.
O que é que os gajos fizeram? Chamaram-lhe tudo. Ainda por cima, o primeiro golo do Esperança foi culpa dele, ahahahah.
E de resto, o jogo dele?
Queria marcar tudo; cantos, livres, lançamentos. Ahahahah. Na jornada seguinte, jogámos em casa e aí levei uma entrada duríssima na canela. Levei para aí uns 15 pontos na perna e a sorte foi que o piton parou no osso, senão partia-me a perna. Coseram-me aquilo e fiquei de molho. Só que era o campeonato, não é?
Non-stop.
Pois. No jogo da semana seguinte, íamos ao Restelo e eles insistiram para que eu jogasse. Era um jogo importante para a subida e tal.
E tu?
Fui a jogo, com reticências. O médico disse-me ‘vais jogar, mas, se alguém te tocar, vai haver sangue como nunca’. A uns 15 minutos do fim, há um gajo que me entra à perna, toca na ferida e era sangue comò caraças. Tive de sair e quem é que entra?
Nããããão.
Pedro Gomes, ahahahah. Com o número 16. Então, o Jimmy Melia, treinador inglês do Belenenses, diz isto no final do jogo. ‘O número 16 mais parecia um camião do leite.’
Ai é aí que começa a expressão, não fazia a mínima ideia.
Estás a ver, o Pedro Gomes já fortinho, com 40-e-muitos-anos. Foi o seu último jogo da carreira. Ele que ganhou a Taça das Taças pelo Sporting em 1964 e estava ali a jogar comigo em 1984. Ahahahah. Quando digo que joguei com o Pedro Gomes, as pessoas todas riem-se e dizem ‘és um mentiroso do caraças’. Nada disso e marco sempre uma aposta, ahahahah.
Grande história. E o Nacional, sobe nesse ano?
Ficámos em quarto ou assim e não subimos.
Como é que aparece o Sporting nessa história?
O Pedro Gomes disse-me ‘epá, deixa o Sr. Rocha ganhar as eleições e ir buscar o John Toshack; provavelmente, vou para adjunto e gostava que fosses para o Sporting’.
E tu?
Pensei ‘agora vou para o Sporting ‘tá bem ‘tá’.
E não é que foste?
Há toda uma história.
Booooa.
O Nacional estava há três meses sem pagar o ordenado e insistiam na minha renovação. Só lhes disse ‘okay, só renovo com a condição de que paguem tudo o que me devem por inteiro’. E os gajos pagaram. Beeem, nessa altura, senti-me multimilionário. Quer dizer, não era nada de especial, o salário em si, mas três de uma vez era uma sensação libertadora. Ainda por cima, vivia sozinho e não tinha vícios nenhuns. Não fumava nem bebia: o dinheiro chegava e sobrava. Agora, havia jogadores titulares que não era assim. O que fazíamos, então? Comíamos no restaurante do nosso apart-hotel e dizíamos ‘mandem a conta para o Nacional’. E também havia um restaurante no centro do Funchal em que fazíamos o mesmo. O que interessa é que a situação se resolveu para o meu lado e aquando da minha renovação, inclui uma cláusula no contrato a advertir os gajos do Nacional que tinham de me deixar sair se houvesse interesse de um grande,
Veio o Sporting.
Ainda começo a época com o Rui Mâncio e, às tantas, recebo um telefonema do Pedro Gomes “É pá, o Toshack queria que viesses aqui este fim-de-semana para treinares com ele à sexta, sábado e domingo. Já falei com a direção do Nacional’.
Foste.
Disse que não.
Hein?
Já viste a minha idade? Só tinha 21 anos. E já tinha tido uma experiência um bocadinho traumatizante no Sporting, aos 16.
Porquê?
Cheguei lá e estavam cinquenta mil miúdos. Cinquenta mil, não estou a exagerar. Quando chegou a minha vez de ir jogar, só foi um minuto ou dois. Logicamente, não dá para ver nada, fui-me embora e disse a mim mesmo ‘nunca mais vou passar por isto; se o Sporting quiser, que me venha buscar, agora à experiência é que não’.
Mai’nada. E agora, como se resolve o impasse?
A minha mãe falou comigo.
Olha que bem.
‘Filho, não perdes nada, porque sabes batalhar como ninguém e ainda tens contrato com o Nacional’. Ah é verdade, faltava dizer que fui jogar para o Nacional em vez de ir para a universidade.
Ias seguir o quê?
Engenharia. Quando era mais miúdo, nos tempos de Almada e Odivelas, tinha de ter boas notas para jogar futebol. Era a condição dos meus pais, senão os gajos tiravam-me do futebol. Tiravam mesmo. E mesmo nesta época do Nacional, em que já sou maior de idade e tenho um ordenado à minha disposição, os meus pais insistiam; ‘vais para lá, tudo bem, é um ano à experiência; se não correr bem, entras na universidade’. A minha mãe estava sempre a dizer-me ‘não te esqueças da universidade, está sempre pendente’.
Engraçado. Então e o Sporting?
Pronto é isso, a minha mãe disse-me ‘ò filho, se tens contrato com o Nacional, qual é a pior coisa que te pode acontecer no Sporting? É não ficares? Não, o pior é ficares a pensar no que teria acontecido se não fosses’. Pronto, liguei ao Pedro Gomes e lá fui fazer os treinos. No primeiro de todos, dei uma porrada no Jordão ahahahahah e eu só dizia ‘desculpe Sr. Jordão, desculpe”. Hoje, o Jordão é o padrinho da minha filha mais velha. Ahahahah. Ele protegeu-me no Sporting e disse-lhe “sr. Jordão, ainda não sou casado nem tenho filhos, mas você vai ser o padrinho da minha filha’.
E foi mesmo.
Uns anos depois, nasceu a Carina e o Jordão foi o padrinho, ahahahah.
Que espetáculo.
Bom, aquele fim-de-semana no Sporting passou e o Toshack disse-me ‘epá, já não vais mais para a Madeira’. Assinei três anos pelo Sporting.
Um contrato melhor ainda?
Na altura, ganhava 65 ou 69 contos por mês no Nacional e o Sporting ofereceu-me 100 contos no primeiro ano, 150 no segundo e 200 no terceiro.
Era bom?
Cem contos era dinheeeeeeeiro.
Vivias onde?
Miraflores. Quem levava aos treinos era o Gabriel, que tinha um dois cavalos que eu adorava. Depois passei a viver na Quinta do Lambert, perto do estádio. Numa terceira fase, o Rosário, que é hoje adjunto do Fernando Santos na seleção, sugeriu-me ir viver para Caneças, um sítio tranquilo e perto de Lisboa. Foi quando comprei casa, por dois mil e duzentos contos.
Entraste logo na equipa do Sporting?
Fui suplente no primeiro e depois fiquei a titular. Fiz uns 29 jogos nessa época.
É a época europeia do Auxerre e Dínamo Minsk?
Exacto. Com o Auxerre, fui central e marquei o meu primeiro golo pelo Sporting. Ganhámos cá 2-0 e estávamos a perder lá por 2-0. No prolongamento, faço o 2-1.
Como?
É um dos maiores golos da minha vida, porque estávamos ali no prolongamento a aguentar o 2-0 e o Toshack diz-me para subir na altura de um canto. Quando chego à área, a bola vem ter comigo e atiro de primeira. Foi um g’anda golo pá. Ainda me lembro da página d’A Bola: ‘Oceano congelou os franceses’.
Com o Dínamo Minsk, a mesma coisa: 2-0 em Alvalade, 2-0 em Minsk.
Perdemos nos penáltis, nem me fales. Estava um gelo, -14 graus. E tivemos um azar tremendo com a lesão do Lito. Ele entrou a meio da segunda parte e, na primeira jogada, sofreu uma rotura muscular. Jogámos com dez e foi aguentar até chegar aos penáltis. Aí deu para o outro lado.
Quem era o guarda-redes do Sporting, Damas?
Damas, o jovem Damas.
Jovem?
Só tinha 42 anos. Se apanhei o Pedro Gomes, não ia estranhar o Damas ahahahahah.
Que balneário esse, com Jordão, Manuel Fernandes.
Oliveira, Jordão e Manuel Fernandes, que trio de luxo. Só que o Toshack começou a encostar o Oliveira. Mas havia mais: Jaime Pacheco, Sousa, Gabriel.
Xiiii, o Gabriel. É agora taxista no Porto.
É? Nem sabia.
Já o apanhei uma vez, da Foz até à Campanhã.
Epá tenho que estar com ele, foi a pessoa com quem me dei melhor .
Pois, o homem do dois cavalos.
Ahahahah. Vivíamos no mesmo prédio. Não é Gabriel, é sr. Gabriel. Eu só perdia a vergonha durante o treino, mas depois também dizia ‘epá, isto foi demais, tem que me desculpar Sr. Jordão’ ahahahahaha.
Falaste no Toshack, era porreiro?
O Toshack adorava-me. Foi o treinador com quem tive mais discussões mas era o gajo de quem mais gostava. Tive mesmo discussões de nos agarrarmos um ao outro, era para bater. Lembro-me de um episódio no meu segundo ano da Real Sociedad em que cheguei a acordo com o Barcelona.
Uyyyyyyyy.
Só que a Real não me deixou sair. Primeiro porque me faltava um ano de contrato, depois abriram a boca e pediram o preço do Pelé ao Barcelona.
E o Barcelona?
O presidente Núñez disse-me ‘ò Oceano, gostava muito que viesses para aqui, mas não posso pagar este valor por um jogador com 31 anos; se conseguires convencê-los a baixar esse valor’.
Barça de Cruijff, certo?
Reuni-me com ele e tudo.
Com o Cruijff?
Foi o Bakero, que era basco, ex-Real Sociedad e capitão do Barça. Ele disse-me ‘ficas aqui depois do jogo porque o Cruijff vem falar contigo’. Assim foi, Cruijff e Núñez no Hotel Princesa Sofia, mesmo ao lado do Camp Nou, no dia em que o Barça foi campeão espanhol. Eles hospederam-me numa suite e tivemos uma reunião de um minuto.
Só?
O acordo era fácil. Quer dizer, limitei-me a dizer sim ao Barça. Fácil. E eles do Barça estavam animados com a perspetiva de negócio porque havia um histórico de boas relações com a Real Sociedad.
E porque é que não foste para o Barça?
Apanhei a Real Sociedad numa altura complicada. Tínhamos acabado a época em 13.º lugar, fora da UEFA, e o Toshack disse-me ‘não posso vender o meu melhor ativo, a não ser por muito dinheiro’, porque os sócios isto, o clube aquilo.
E a tua reação?
‘És um cabrão, hijo de puta’. O engraçado era que eu insultava-o em castelhano e ele insultava-me em inglês. Não brinques, estivemos mesmo em vias de facto. Eu puxei-lhe a camisola, ele a minha e embrulhámo-nos à grande. Eu só desabafava ‘para o ano não tens jogador; vou lesionar-me no primeiro jogo da época e não tens mais jogador’. Ele conhecia-me bem e sabia que não era disso.
Bem, grande mágoa, não?
Claro, era a minha última oportunidade de ir para o Barça. Mas, tudo bem, depois voltei para o Sporting.
E o Toshack?
Uns anos mais tarde, em 1999, voltou ao Real Madrid. Ainda pensei ‘queres ver que me leva para o Real Madrid’, mas nada. Ahahahahahaha. Só que o gajo picava-me.
Então?
Contratou o Géremi, lembras-te?
O dos Camarões?
Esse. E disse à imprensa que tinha ido buscá-lo porque fazia-o lembrar o Oceano.
No Sporting, o Toshack fez a época toda?
Saiu a quatro jornadas do fim e ficou o adjunto Pedro Gomes à frente da equipa.
Olha que bem, o reencontro.
Ahahahahah. Avisei os jogadores: ‘malta, hoje jantem às sete e trinta, façam um passeio digestivo e deitem-se às dez da noite para acordarem fresquinhos porque amanhã vocês vão treinar como nunca treinaram na vida’. E eles sem me ligar nenhuma, tipo ‘faltam quatro jogos para acabar o campeonato e era agora que íamos ganhar forma?” E eu insisti: “epá, vocês não conhecem o mister como eu’.
E que tal o dia seguinte?
Havia uns dois mil sócios a ver o treino e o Pedro Gomes até meteu corridas a subir as bancadas. E as bancadas em Alvalade não eram fáceis.
Pois não.
Aquilo era jogadores a vomitar, ahahahahah, e os sócios na bancada a dar mais alfinetadas. Já sabes como é: ‘é isso mesmo Pedro Gomes, tudo a trabalhar’. Quando chegámos ao balneário, eu só dizia ‘bem avisei’ aos gajos. O que aquela malta trabalhou nas últimas semanas, ahahahahah.
Depois chegou o Manuel José, não foi?
Ya, roubámos o campeonato ao Benfica em vésperas de Saltillo.
Associas as duas, porquê?
Estreei-me na seleção portuguesa em 1985, com a Roménia, em Alvalade. Perdemos 3-2. Depois deixei de ir, quem ia era o meu suplente no Sporting. Quando o Carlos Manuel marca aquele golo em Estugarda, o Torres convida-me para almoçar e diz-me “tu és o jogador a quem eu cometi a maior injustiça; a partir de agora, se continuares a ser titular no Sporting, és tu e mais dez no Campeonato do Mundo’. Curiosamente, não só fui titular os jogos todos até ao final da época como ganhámos os jogos quase todos, nomeadamente esse da Luz, em que demos o campeonato ao Porto, e acabei por não ir ao México. Foi o Venâncio, que teve de ser operado ao joelho e saltou da lista. Aí, ele disse ‘há males que vêm por bem, porque tu és o gajo que mais merece estar no Mundial’. Sabes quem é que ele convocou?
Nem ideia
O Sobrinho, do Belenenses. E o Lito, aquele do Sporting, sabes? A gente chamava-o de Doutor porque o Lito andava sempre pipi e tinha uma Volkswagem Scirocco, que era uma granda pinta, uma máquina do caraças. Então, o Doutor passa por mim enquanto estou a falar com os jornalistas e diz-me ao ouvido para todos ouvirem: “tens que dizer que isto é a maior vergonha que eu já vi’. Realmente foi uma tristeza muito grande, porque estava completamente convencido de que ia ao Mundial. Titular nos jogos todos do Sporting e depois aquela conversa com o selecionador.
Mas e o Torres, nada?
Só falámos no ano seguinte, quando ele já estava no Estrela.
Amadora?
Ele foi de Saltillo para o Estrela. Nós fomos lá ganhar e encontrei-o na sala de conferência de imprensa. Ele viu-me e ‘aqui está o meu jogador preferido’. Chamei-o à parte e disse-lhe tudo o que havia para dizer, ahahahahah. Desabafei um bocadinho, coitado do Torres, ouviu das boas.
Mundial nada, Barça nada. A vida, às vezes, tem destas coisas.
Claro que sim, temos de olhar em frente e seguir o nosso caminho. Agora falaste do Barça e lembrei-me daquela eliminatória europeia que perdemos em Alvalade: 1-0 lá, 2-1 cá.
Golo do Roberto?
Lembro-me bem desse golo, o 2-1. E lembro-me de ter saído do estádio ao mesmo tempo que os adeptos.
Então?
Cheguei ao balneário e, taaaau, saí do estádio. Foi um jogo pá, podíamos ter feito o 3-0. O Fernando Mendes fez um jogo incrível. Era o dia de anos dele ou véspera, já nem sei. Só sei que ele fez as assistências para os dois golos e ainda teve duas ou três hipóteses para marcar ou dar a marcar. E nada.
Grande noite.
Grande noite foi aquela do 7-0 ao Timisoara. Eles tinham eliminado o Atlético Madrid do Futre na eliminatória anterior e eu, como capitão, fui falar com o presidente Sousa Cintra. ‘Você tem de dar um prémio do caraças’. E ofereceu.
Quanto?
Não sei quanto, só sei quer era um balúrdio. O Sousa Cintra ficou com um azia, ahahahahahah. Outra história de prémios, ainda na era João Rocha. Fomos jogar com o Colónia, para os quartos-de-final da Taça UEFA, e o João Rocha fez uma aposta com os jogadores. ‘Se vocês ganharem, dou dois mil contos de prémio; se vocês perderem, cada um dá-me cento e cinquenta contos’. Ora bem, eu ganhava precisamente 150 contos. Se perdêssemos, lá ia o meu ordenado. E ele ‘ò miúdo, aguenta’. E fomos eliminados, ahahahahah. Era o Colónia, uma equipa do caraças com Schumacher, Littbarski, Bein, Allofs. Jogar na Europa era um sonho de infância.
Vias muito na televisão?
Como vivia em Almada, o meu mundo dos jogos ao vivo era basicamente Almada. Lembro-me de um Almada-Porto para a Taça de Portugal, por exemplo. E lembro-me de ir uma vez à Luz e outra a Alvalade. Agora, Europa, Europa, só na televisão. Lembro-me de um Torpedo Moscovo-Benfica em que o Vítor Baptista apareceu em mangas de camisa no estágio e nem seguiu com a equipa. Que se qualificou para a fase seguinte, com um penálti do Bento, no desempate. Seguia assim, estás a ver?
Pois, claro. Como o comum dos mortais.
Exactamente. Via os jogos com o meu pai.
De que clube era ele?
Porto. Ele até jogou numa equipa em Cabo Verde chamada Derby, que era a filial do Porto e jogava de azul e branco.
Lembro-me de ti em Alvalade, sobretudo da tua evolução. No início, eras assobiado.
Verdade, isso só deu ainda mais motivação para me superar.
E superaste-te.
Tenho de agradecer ao Roger Spry. Ele ficava sempre comigo. Os outros iam-se todos embora e nós treinávamos exercícios específicos. O gajo dizia “tu precisas de ser mais forte, precisas de ter mais elasticidade, precisas de ter mais impulsão e precisas de trabalhar a tua força para a saberes direcionar’. Com essa aprendizagem, melhorei muito. De repente, comecei a ganhar bolas pelo ar. Quer dizer, tenho 1,75 metros de altura, como o João Vieira Pinto, e comecei a marcar os mais altos das outras equipas, como o Magnusson do Benfica. E ganhava esses lances. O Roger preparou-me para melhorar a capacidade de reação, o tempo de salto e, sobretudo, a antecipação dos lances. Fiquei muito melhor jogador, sem dúvida. Depois, em Espanha, já fui recebido como uma vedeta e não podia desiludi-los.
Tu e o Carlos Xavier?
Isso, só que o Carlos faz-me uma rotura de ligamentos cruzados no primeiro jogo e eu fico sozinho, num sítio onde os estrangeiros não eram bem vistos. Ao lado, em Bilbau, tinhas o Athletic, que não aceita estrangeiros nem espanhóis, à exceção de bascos. Ali, em San Sebastian, tinhas a Real Sociedad que tinha aberto as portas aos estrangeiros dois anos antes de nós, com aquele avançado irlandês, o Aldridge. Quando o Carlos se lesiona, o meu pensamento é o de trabalhar mais e jogar mais que todos aqueles gajos juntos.
E?
Missão cumprida, ahahahah. Marquei sete golos na primeira época.
Acabaram em que posição?
Quarto ou quinto lugar. À quinta jornada, estávamos em último com zero pontos e zero golos marcados. À sexta jornada, jogámos com o Sevilha de Maradona e Simeone.
Maravilha.
Esse jogo tem uma história engraçada, porque fui à seleção nessa semana. Acho que jogámos com a Bulgária, em França [2-1 com golos de Figo, Balakov e Oceano], sem Futre nem Rui Barros. Eles estavam lá mas não jogaram o particular e o Fitre disse-me ‘vamos sair à noite’, só que estava vidrado no Sevilha e segui viagem para Espanha.
E então?
Ganhámos 3-1 ao Sevilha, marquei dois golos, um deles de penálti, e fiquei com a camisola do Maradona. Por acaso, foi engraçado porque chateei o Maradona o tempo inteiro a dizer-lhe ‘pá, ‘tás velho’ e ele, a rir-se, ‘tienes razón, tienes razón’. Naquela altura, o Maradona tinha sido apanhado a conduzir a 160 km/hora no centro de Sevilha e houve uma confusão dos diabos. Claro que aproveitei para picá-lo constantemente.
Como?
Virava-me para o Simeone, que era mais fresco que o Maradona, e dizia-lhe ‘esse tu amigo no puede conducir’.
E o Simeone?
Fitava-me com o olhar. Com o Maradona a ver tudo. Quando o Simeone não dizia nada, mandava-lhe mais uma acha para a fogueira ‘tu eres um cabrón, no estas defendiendo tu amigo’. Ahahahahahah. Aí, o Simeone resmungava qualquer coisa.
Imagino, o Simeone era um tratado.
O gajo era um refilão do caraças, ‘Cabrón, hijo de puta’ dizia-lhe a torto e a direito. E ele a mim. Quando acabou o jogo, o Simeone é que ia trocar de camisola comigo quando apareceu o Maradona. Ahahaha, o Simeone só abanava a cabeça como quem diz ‘este Maradona, tsss tsss’.
Era difícil jogar no Atocha?
Ninguém passava lá, nem Real Madrid nem Barça.
Tu marcaste o último golo do estádio, não foi?
Os dois últimos, com o Tenerife. E também marquei na estreia do Anoeta [atual estádio da Real Sociedad]. Empatámos 2-2 com o Real Madrid e fiz um chapéu ao Buyo. Que golaço, nem te conto.
Conta lá.
Já sabia que aquele central do Real Madrid gostava de driblar na cabeça da área e roubei-lhe a bola. Quando vi o guarda-redes a sair, piquei-lhe a bola. Granda golo, tens de ver.
E esta foto aqui?
Xiiiiii, a seleção nacional. Áustria, 1-0 em Alvalade.
Isso.
Qualificação para o Euro-96, golo do Figo. Ora bem, Baía, Hélder, Paulo Madeira, eu, Rui Costa, João Pinto, João Vieira Pinto, Paulinho Santos, Figo, Sá e Paulo Sousa. E eu falhei um penálti, ahahahahah. Ainda bem que ganhámos, senão g’anda barraca.
Por falar nisso, falhaste um penálti na Arménia.
No último minuto, zero-zero lá. Atirei ao poste, primeiro jogo de qualificação para o Mundial-98. E depois perdemos na Ucrânia, no início da fase das jornadas duplas de qualificação. Na altura, esse penálti nem parecia ter importância mas acabou por ter. E muita.
Imagino a tua cabeça no final do jogo com a Arménia.
Mau, muito mau. Quem falha acaba por sofrer mais que os outros, é um desgosto incrível. Porque acabas por ser o culpado e sofres o dobro. Falhei esse com a Arménia e o da Áustria.
E aqui, tu mais o Nené e o Damas, duas instituições.
O Nené era engraçado, porque começava o jogo a dizer para o seu marcador directo ‘então a família, está tudo bem?’ Ahahahahah. Começava logo a preparar o terreno, só que eu já o conhecia dos meus colegas mais velhos e dizia-lhe ‘ò Nené, isto hoje não há aqui conversa, nem chegues aqui perto’. Ahahahahah. E sabes o que fazia o Nené a essa boca? Respondia-me com ‘está tudo bem, gosto muito de te ver’. Ahahahah. De repente, o gajo já estava lá à frente a marcar um golo. Depois, vinha para o meio-campo e dizia ‘epá, desculpa lá, estavas distraído’. Quem me contava isso era o Paris, central do Estoril.
E era comum marcares o Nené?
Sim, no ano em que o Toshack inventou os três centrais.
Quem eram?
Titulares absolutos, Venâncio e eu. Depois, o terceiro elemento era o Zezinho ou o Virgílio. Nas alas, Carlos Xavier à direita e Mário Jorge à esquerda. Lembro-me de darmos 8-1 ao Braga, por exemplo. Agora este aqui [Oceano aponta para Damas], era o maior. Foi o jogador com mais estilo que vi no futebol. Além da sua qualidade dentro de campo, ele preparava-se para ir à baliza, metia o gel e depois dizia ‘elas vão ficar doidas na bancada’. Foi ele um dos que começou a levar-me para os almoços do plantel do Sporting.
Ai não ias antes?
Era miúdo, ainda não ia. O Jordão protegia-me nos estágios e nos treinos. Fora disso, ele tinha a sua vida e eu a minha. Depois, aos poucos, comecei a integrar-me. Havia dois restaurantes muito frequentados: “A Nau”, em que almoçávamos cabeças de peixe até à hora do jantar, e “A Paz”, ali na Ajuda, onde comia o Eusébio.
Havia muito respeito pelos mais velhos, não era?
Como te digo, era o Sr. Jordão, o Sr. Damas, o Sr. Zezinho, o Sr. Manuel Fernandes. É verdade que havia coisas que eram demais, mas agora, bem vistas as coisas, já não acho que fossem demais. Venho de uma cultura africana, diferente da europeia. O africano respeita o mais velho e nós vemos isso na tratamento aos nossos avós. Em África, o velho é sabedoria. Na Europa, o velho é entrave. Como quem diz ‘temos que arranjar um sítio para os meter, porque já não há paciência para os aturar’. No meu caso, como jogador do Almada, percebi isso do respeito aos mais velhos bem cedo. Quando subi aos juniores para o seniores e marquei aquele golo da vitória em Cuba, queria entrar no balneário e estavam lá três veteranos a falar entre si. Viram-me e disseram ‘ò miúdo, não vês que estamos aqui a conversar; quando acabarmos, a gente chama-te’. E eu lá fora, ao frio. Logicamente, quando chego ao Sporting, venho dessa formação. Agora esta malta nova já não é assim e qualquer miúdo de 16, 17 ou 18 anos chega ao balneário e nem diz nada.
Imagino-te então com Danis, Porfírio, Nunos Valentes?
Tinham muito respeitinho. Não só eles, também Figo, Capucho. Nunca lhes fiz aquela do ‘miúdo, espera lá fora’, mas alertava-os para muitas complicações futuras, que já adivinham.
Crises e tal?
Por aí, sim.
Também havia o Nélson, com quem o Figo fazia uma dupla imparável na ala direita.
O Nélson era um paz de alma. Nunca vi ninguém como o Nelson, ele não tem nada de maldade naquele corpo. O Nélson é demasiado puro para existir neste mundo, nem sei como é que está hoje em dia.
Na mesma, com cabelo branco.
Ahahahahah, já quando tinha 20 anos era uma espécie de avô. Eu dizia ao Nélson ‘imagino como é que tu fazes amor com a tua mulher: metes uma porta no meio dos dois e está lá um buraquinho só para coiso’. Ahahahah. Era impressionante, um gajo organizava almoços e ele nada, tinha de ir para casa. Depois, quando o apanhávamos, ele não bebia álcool. Nem uma cerveja. Dizia logo ‘eiii não posso beber’. É dos mais puros que há, a pureza em pessoa.
No outro lado, o Paulo Torres.
‘Tás mazé maluco, o PT tem histórias do caraças. Chamava-me capitas a torto e a direito. E aquilo colou, comecei a ser o capitas para toda a gente.
E agora?
Sou o velhote. O Figo chama-me velhote, o Dimas também, o Rui Costa também.
E agrada-te?
Antes, era engraçado porque jogava; era velhote mas jogava; agora que estou a ficar mesmo velhote, deixou de ter piada’. Ahahahahah.
Toma lá disto.
Olhò sr. Futre. Este é o primeiro dérbi dele em Alvalade pelo Porto. Meti-o na pista de atletismo, ahahahah. Fui mauzinho.
E o pessoal do Porto, nada?
Era em Alvalade, sabes? Travavam-se grandes guerras no meio-campo e o André era giro. O André era mauzinho, só que não reclamava. Comia e calava.
E o Futre?
Um jogador do caraças. E marcar o menino? Já não sei se foi neste jogo ou no seguinte, fiz para aí uns 50 metros sempre atrás dele e o gajo com a bola dominada à minha frente. Não o consegui apanhar e ele entrou na área para dar ao Gomes ou assim. Nunca vi ninguém assim: é que não é chutar a bola para a frente, é dominá-la em corrida. Talvez o Messi, mas nem o Messi tinha tanta velocidade como o Futre com a bola nos pés. O Futre era empolgação.
E o Chalana?
Era inteligente. O Chalana adiantava bolas uns três metros e depois ia driblar com o corpo, lixado também. Fazia assim [Oceano abana o corpo] sem tocar na bola e os defesas começavam a cair para um lado e para o outro.
Apanhaste os dois, então?
Apanhei-os e não me lembro de apanhar ninguém mais forte pela esquerda do que eles os dois.
E este golo?
Isto é o Mónaco, é o meu primeiro golo da Liga dos Campeões. Livre do Lang e dou de cabeça ao primeiro poste. Na baliza, Barthez. Ganhámos 3-0, num relvado inexistente. Sinceramente, o relvado desapareceu e era para não haver jogo de todo. Só que depois lá se jogou.
E o Costinha?
Pois éééééé, o Costinha a marcar-me. O Costinha tem uma admiração por mim do caraças e tinha dois posters no quarto, um deles era o meu. Ainda hoje ele diz isso. E acho que esse golo foi um bocado fruto da sua admiração por mim, Ahahahah, devo ter-me metido com ele antes da marcação do livre e ele ficou preso à conversa. Com o Monaco, marcou um Alvalade e outro lá.
Um 3-2 para o Monaco com 2-0 ao intervalo para o Sporting?
Fui substituído e saí com uma azia, porque estou a andar para o banco de suplentes e a ver os golos do Trézéguet. Nessa noite, marco o 1-0 e faço a assistência para o 2-0 do Luís Miguel.
Tu eras fera a marcar na Europa, lembro-me de um golo ao Real Madrid.
Sim, ganhámos 2-1 em casa. Ainda hoje passam esse golo meu no Irão. Meti o pé de pato e marquei um g’anda golo, mas essa eliminatória foi muito mal perdida.
Só bolas ao poste, não foi?
Lá em Madrid, acertei uma bola no poste, o Figo outra e o Sá mais uma. Cá, tivemos mais que oportunidades para seguir em frente e o Michael Laudrup faz-me um golo de cabeça, um chapéu ao Lemajic.
E aquela eliminatória com o Inter, na meia-final da Taça UEFA?
Esse Inter tinha Brehme, Matthäus, Klinsmann, Bergomi. Era do caraças, mas aqui, em Alvalade, fiz o melhor jogo de sempre e falhei dois golos.
Falhaste porquê?
Num dos falhanços, a culpa nem foi minha, o mérito é do Zenga [guarda-redes]. O outro foi culpa minha, bati mal na bola. É daquelas bolas em que tu vais encostar e, por qualquer razão, não olhaste bem para ela. Se tivesse calhado olhar só um bocadinho, metia-a onde queria. Só que.
Só mais uma eliminatória europeia, aquela de Nápoles.
Perdemos nos penáltis porque não me deixaram marcar no desempate. Era eu o marcador oficial e o treinador decidiu ‘quem decide os penáltis sou eu’. Deviam ter-me posto lá.
[Oceano e Klinsmann]
Não me digas que este é o fatídico jogo, o do Batta.
É mesmo.
Neste jogo, também falhei um golo de cabeça que não podia ter falhado. Seria o 2-0, num lance que só eu e o Pedro Barbosa é que sabemos, num canto. Se fosse golo, ganhávamos e passávamos ao Mundial-98. Mas aqui o árbitro entalou-nos. Aqui viu-se que Portugal não tinha peso internacional, porque fomos completamente postos de fora.
Dá para descrever o balneário?
Epá, um sentimento de revolta muito grande. Quer dizer, tens o jogo controlado, eles sem hipótese nenhuma e, de repente, ficas a jogar com dez quando estás a fazer uma substituição. Continuo a achar que o árbitro dá o segundo amarelo ao Rui Costa sem saber que ele já tem o primeiro. Continuo a achar que não foi maldade do árbitro, acredito na boa-fé das pessoas. Só que, de repente, ele dá o amarelo, percebe que é o segundo e fica comprometido porque é sua obrigação mostrar-lhe o vermelho. Tipo ‘oh boy, meti-me numa alhada do caraças’.
Viste o Batta depois disso?
Chamei-o de tudo na primeira vez que o encontrei.
E ele, na boa ou…?
Nãããã, comprometido, comprometido. Ele sabe que fez merda, eu tenho a certeza que ele sabe que fez merda. E depois volto a explorar este ponto e digo-o com toda a sinceridade: ele fez merda sem querer e há muita gente que pensa que ele fez merda de propósito.
Diz-se que o Klinsmann foi ao balneário de Portugal dar uma força.
Disseram-me isso mas não vi nada, tanta era a azia. Ahahahah. Estava na azia, mas o Klinsmann era um cavalheiro.
Porquê?
Por ações dentro do campo. Dou-te um exemplo: uma vez, jogámos com a Holanda nas Antas e a dupla de centrais foi, vê lá bem tu, o Veloso e eu. E ganhámos 1-0, golo do Rui Águas. Nessa noite, a Holanda jogou com Van Basten e Gullit. O Van Basten era um nariz empinado, era mesmo aquele gajo ‘eu sou o maior’, enquanto o Gullit era um cavalheiro. Há detalhes em campo que percebemos logo quem é quem e, por isso, o Klinsmann era um gentleman. Como o Gullit. Ao contrário do Van Basten.
Dois anos antes, o Euro-96. O que é que isso representou para ti?
Divertimo-nos muito. Empatámos os campeões europeus [Dinamarca] e ganhámos sem sofrer golos à Turquia e, depois, Croácia. Nos quartos, tivemos azar naquele jogo com a República Checa.
Poborsky.
Eu e o Paulo Sousa fomos à bola, ele ganhou o ressalto e fez o chapéu à saída do Vítor. O Vítor também sai e, se calhar, não devia ter saído porque estávamos a controlar o lance. A verdade é que o Vítor também pensou que chegava à bola e esta não adiantou o suficiente. O resultado é aquela colherada. Até final, ainda tivemos hipóteses de marcar e foi a vez em que estivemos mais perto de ganhar um Europeu. À exceção de 2004, claro. Tínhamos uma senhora equipa e havia muita competência. Neste tipo de competições, Europeus e Mundiais, o insucesso de Portugal passa por não ir mais além da fase de grupos. Uma vez ultrapassado essa barreira, tudo é possível. Isso viu-se em 2010, por exemplo. A Espanha perde o primeiro jogo com a Suíça e depois é levado ao colo. Levado ao colo, não; é levado no andor. A Espanha foi levada no andor no segundo jogo da fase de grupos, com o Chile. Expulsaram um chileno e tudo. Nos oitavos, Portugal e Espanha decidido por um golo em fora-de-jogo. Se o árbitro apitasse falta, que jogo teríamos? Imagina que Portugal eliminava a Espanha, podia ser campeão do mundo.
São coisas, detalhes.
Como o Euro-2016. Passamos do insucesso para os quartos-de-final num abrir e fechar de olhos, em terceiro lugar do grupo. De repente, vamos à final. E, verdade seja dita, há uma sensação de alguma injustiça com a derrota da França. Quer dizer, o Rui Patrício faz um jogo do outro mundo e ninguém fala no Rui Patrício.
Para mim, é o melhor de Portugal.
Mas é que nem há a mínima dúvida, o Rui Patrício foi o nosso Pelé. Fez tudo, ou quase; só não fez golos. E não os fez porque não foi preciso, senão teria ido à outra área e marcava. Tenho a certeza que sim. Em 2016, o Rui Patrício confirma-se como melhor guarda-redes do mundo. Não há Neuer nem Buffon, é o Rui Patrício. E não digo por ser português ou isso, é porque vi-o fazer coisas que nunca o tinha visto fazer. Ele esteve num nível acima da média, acima do normal. Craque, estrela. O Rui Patrício faz os jogos todos, os minutos todos, defende o penálti com a Polónia no desempate e faz duas defesas na final, de ir buscar a bola lá ao canto superior, de ficar de boca aberta. Aquelas bolas eram golo.
Falas de guarda-redes e lembro-me de te ver com luvas nas Antas, para a Supertaça.
O Costinha foi expulso e lá fui à baliza. Ou era eu ou o Carlos Xavier, só que eu era o capitão e assumi.
Estavas nervoso?
Nãããã, tranquilo. Até porque os gajos do Porto começaram a rematar de longe a achar que era fácil. Ahahahah. Depois, perceberam e começaram a aproximar-se da área com cruzamentos, só que eu esbarrava num portista e gritava aaaaaaahhhh. Resulta sempre, é falta. Ahahahahahah. Acaba 2-2 e não sofro golos. Ainda hoje, quando me vê, o Pinto da Costa diz-me ‘és dos poucos guarda-redes do mundo que se pode gabar de não ter sofrido qualquer golo nas Antas’. O engraçado é que estive quase para jogar pelo Porto.
Quando?
Na era Jorge Gonçalves, quando estivemos sete meses sem receber ordenados. Havia gente a sair para todo o lado e, um dia, o Pinto da Costa reuniu-se comigo para oferecer-me contrato. Ele sabia de tudo ‘tu ganhas isto e isto, eu vou-te oferecer isto, vou dar-te dois anos de contrato e uma coisa que te garanto: ainda vais ser campeão nacional esta época’. Ahahahah. Curiosamente, o Porto foi mesmo campeão.
E tu, o que lhe disseste?
Fiz questão de ir lá acima falar pessoalmente para agradecer o convite e dizer-lhe ‘obrigado, mas não obrigado’. É daquelas coisas, tu és capitão do Sporting, tens de ficar. É que o Sporting estava a passar por um processo complicado e eu sabia que o Jorge Gonçalves estava a fazer tudo para nos pagar, só que não havia dinheiro.
Saíste duas vezes do Sporting, uma para a Real, outra para o Toulouse.
Fizemos o último jogo da época nos Açores, um amigável com o Santa Clara, e lembro-me que o presidente, o Doutor Roquette, deu uma entrevista no avião a dizer ‘o Oceano vai assinar mais um ano por tudo o que tem feito, coiso e tal’. Só que houve confusão com o Carlos Manuel e senti que estava a ser um instrumentalizado pelo próprio Sporting.
De que maneira?
O Sporting queria um treinador estrangeiro, mas ainda não tinha nenhum. Então o que é que me prometeu? Um contrato de cinco anos em que seria o adjunto do próximo treinador [Mirko Jozic].
E?
Queria jogar mais um ano, pensava lá em seguir a carreira de treinador. E depois não aceitei porque sabia que havia uma lista de dispensas e os nomes eram os de Pedro Martins, Pedro Barbosa, Paulo Alves, eram uns 11 e eu disse ‘fogo, isto é um presente envenenado: estes gajos foram companheiros durante estes anos todos e vou pôr a minha assinatura debaixo destas dispensas? não, nem pensar’ E fui de férias. Quando voltei, estava desmotivado para jogar em Portugal e apareceu o Toulouse. Sabes o que fazia se fosse hoje?
Diz.
Aceitava os cinco anos de contrato do Sporting e depois dizia que não concordava com aquela lista de dispensas. Era o que eu devia ter feito, mas, naquela altura, não queres assinar esta merda. Não são só amigos, são jogadores da seleção, que têm condições mais que suficientes para jogar no Sporting. Havia realmente jogadores que tinham que ser dispensados, mas não estes. A meio dessa época que tinha acabado, o Carlos Manuel trouxe uns 15 jogadores e ficámos com um plantel de quase 40, a maioria deles eram miúdos. Geri aquilo emocionalmente e o que devia ter feito era dizer ao presidente ‘então acabou de dizer ontem que ia assinar comigo por mais um ano e agora está a dar o dito por não dito, só porque está com o cuzinho apertado; não vou facilitar a vida, não vou aceitar isso.’
E lá em Toulouse?
Foi bom conhecer mais um país, mais um campeonato. Mudámos de treinador a meio: saiu o Guy Lacombe, o do bigode, entrou o Giresse. E o Giresse dizia-me ‘com a tua idade e com a tua experiência, podes treinar quando quiseres; se não te apetecer vir treinar, mandas-me uma mensagem e eu envio o médico a tua casa só para justificar a tua ausência; não te preocupes, só preciso de ti nos jogos.’ E aquilo até era tentador, porque, às vezes, acordava e estavam -13 graus, fosgasssss, ahahahahahah. Só que depois não estava a ser honesto. Nem com ele nem comigo. Quando já não te sentes motivado para treinar, é o fim. E então cheguei a acordo para sair, a um mês do fim do campeonato.
Mesmo assim, marcaste em quatro jornadas seguidas.
Estive bem e, embora não tenha feito a época até ao fim, fui o melhor marcador da equipa, com seis golos. Marquei ao Monaco e ao Marselha. Foi só para convencer os gajos de que era mesmo bom, ahahahahahah.
Deu tempo para fazeres amigos por lá?
Fiquei muito amigo de um jogador que era meio francês, meio espanhol, o José Cobos. E fiquei amigo de um guarda-redes, o Teddy [Richert]. Nem imaginas o que lhe aconteceu: a meio de um Marselha-Toulouse, lá no Velódrome, o Dugarry, avançado do Marselha, foi à bola e chocou com ele.
Grave?
Grave? Nunca vi nada disso. Já vi pernas partidas, pés ao contrário, agora aquilo.
Desembucha.
O Dugarry cravou-lhe o piton na glande do pénis e aquilo rasgou-se tudo até cá abaixo, até aos testículos. Nunca vi nada assim, arrepiante. Era ver toda a gente com as mãos na cabeça, tudo em pânico e só sangue a esguichar por todo o lado. Aquilo nem era esguicho, era mesmo jorrar. Jorrava sangue por todo o lado. Primeiro no relvado, depois no balneário. O Dugarry ficou tão impressionado que até pediu para ser substituído e nós começámos a jogar outra coisa que não futebol. Cada vez que alguém tocava em alguém, era excuse-moi para ali, excuse-moi para aqui. Tudo cagado, ahahahah. Também foi o momento em que os jogadores começaram a usar aquela proteção dos gajos da esgrima, ahahahahah.
E o Teddy, como é que ficou?
Teve de ser operado durante 36 horas, voltaram a juntar-lhe tudo entre veias e tendões. Era ainda um puto novo, de 20/21 anos. Que ultrapassou o drama, com o tempo e muita psicologia, porque aquilo mexe com tudo, virilidade e tal, e chegou a ser convocado para a seleção francesa. Só lhe dizia isto ‘tu liga para mim quando deres a primeira queca’. E ele ligou. Respondi-lhe c’est magnifique. Também me ligou quando soube que ia ser pai. Acho que agora já tem dois ou três filhos.
Que susto do caraças.
Só de pensar, fico arrepiado.
Há situações beras no futebol. Conheces mais?
Iordanov, por exemplo.
Xiiiiiii, pois.
Curiosamente, sou eu o primeiro a saber que ele tinha esclerose múltipla. O doutor veio falar comigo. E, nessa altura, há um vice-presidente do Sporting que faz uma declaração estúpida sobre o fim do futebol para o Iordanov. Sabes o que fiz?
Quero saber, acompanhei esse processo de perto.
Como aquela declaração do vice saiu numa revista, recortei a página e entreguei-a ao Iordanov: ‘ò, vais pôr isto aqui no teu cacifo e um dia, depois de fazeres um grande jogo, ele vai entrar no balneário e mostras-lhe isto’. Assim foi. Ele voltou ao futebol e até marcou. Mas, claro, nesse processo, há momentos em que te vais abaixo. Aí, apoiava-o sempre. O doutor Fernando Ferreira também o ajudou. Eu dizia-lhe: ‘tiveste um acidente em que partiste a coluna, em que a tua medula começou a sair, em que qualquer um fica paraplégico ou tetraplégico, e o que é que os gajos te fizeram? Agarraram-te no meio do acidente, meteram-te na parte de trás de um carro e foram a conduzir uma hora e meia até ao hospital, contigo ao telefone com o doutor? Portanto, se tu não ficaste tetraplégico e se tu não morreste, é porque não vais morrer. O que é esta merda? Esta merda não é nada, isto não e nada e vais continuar a fazer a tua vida’. E ele, que era um mouro de trabalho, continuo a sua vida. Até hoje.
Estás a falar do Iorda e lembrei-me do Cherba.
Aí estava ainda em Espanha, na Real. Conhecia-o só de ver jogar e achava-o fabuloso. Curiosamente, estive assim [Oceano aproxima o polegar e o indicador] de jogar com ele no Sporting.
Ai sim?
O Robson queria-me no Sporting. À sua maneira, disse-me ‘tu experience, great player, attitude, we need this, i need you’.
E tu?
Já estava naquele fase torta com a Real Sociedad e não ia renovar contrato, só que depois dá-se o adeus do Robson, o acidente do Cherba. Nem joguei com o Cherba ao meu lado, nem fui treinado pelo Robson.
Mas voltaste ao Sporting.
Porque o Queiroz disse-me ‘gostava muito de ter aqui’. E fui, claro. Agora o Robson, ele falava dos miúdos com um entusiasmo. Nunca vi um velho tão animado. A sério, notava-se que aquela equipa era a dele. Ou melhor, ele sentia que podia fazer uma coisa fora de série com aqueles miúdos nos próximos dez anos. E, afinal, não. Saiu e foi campeão no Porto. Curiosamente em Alvalade, há ironias do destino, mesmo. Mais uma vez, o Pinto da Costa foi inteligente.
Essa do Sporting cheio de miúdos lembra-me os anos 80.
Mário Jorge, Litos, Futre, Vernâncio, Morato, Fernando Mendes, tão bom.
E o dia dos 7-1?
Ninguém esperava aquilo, nem o Manuel Fernandes. O Manel marcou um golo e, durante os festejos, sentiu uma coisinha ali. Queria sair e nós ‘fica mais um bocadinho’. Depois ele marcou outro golo, mais um e tal, acabou nos quatro, ahahahahah. Ao intervalo, o jogo estava completamente aberto, 1-0. Na segunda parte, saiu-nos tudo bem. Se o jogo demora mais cinco ou dez minutos, era 10-1 porque a gente não pensava as jogadas, simplesmente executava-as. Foi um dia fabuloso, inesquecível. E depois do jogo?
Isso é uma pergunta?
Ah poizeeeeee [Oceano contorce-se todo a rir]. Fomos jogar bingo e fizemos todos bingo.
Nããããããã.
Digo-te, a sério: fomos jantar, entrámos no bingo e fizemos todos bingo.
Bar aberto.
Grande grande noite, um ambiente do caraças.