Nos dois primeiros episódios de “O Senhor dos Anéis: Os Anéis do Poder” existem várias confirmações de expectativas em relação à série, anunciada há algum tempo pela Amazon, atrasada pela pandemia, mas com uma ideia persistente: de que seria a produção para televisão mais cara até ao momento. O dinheiro é visível nos episódios que chegarão à Prime Video esta sexta-feira, 2 de setembro, como também é óbvia a vontade de construir este mundo ao longo de várias temporadas. Ainda não se sabe o número certo – especula-se que, pelo menos, serão cinco – mas a primeira, de oito episódios, já está (quase) aí.
Desde a compra dos direitos de “O Senhor dos Anéis” pela Amazon em 2017 que era mais ou menos esperado que esta seria a resposta a “Game Of Thrones”. Acontece num momento peculiar, semanas após a estreia do primeiro spin-off de “GOT”, “House Of The Dragon”. Apesar de serem mundos fantásticos diferentes, concorrem pelo mesmo tipo de audiência – mais fã, menos fã. A boa notícia é que o “O Senhor dos Anéis” não precisou de uma GOTização para se fazer mostrar. Apesar dos trailers sugerirem uma corrida ao poder, os dois primeiros episódios tornam aparente que tudo existirá em volta de um renascer do mal. Megan Richards, uma das atrizes de “Os Anéis do Poder”, confirmou mesmo isso ao Observador numa entrevista no início desta semana.
O receio era compreensível. Afinal, porque não seguir uma fórmula de sucesso? Mas “Os Anéis do Poder” surge em total coerência com “O Senhor dos Anéis” – certo, outra fórmula de sucesso –, apesar de não ser bem o mesmo mundo que muitos ficaram a conhecer com os filmes de Peter Jackson. A história acontece na Segunda Era da Terra Média, ou seja, alguns milénios antes dos três livros/três filmes mais importantes. Começa com o fim da guerra com Morgoth e é o momento do crescimento de poder de Sauron (e, eventualmente, da sua primeira queda). É também a era em que os anéis do poder são criados, quando Sauron engana tudo e todos para os mandar fazer.
[o trailer de “Os Anéis do Poder”:]
Os dois episódios lançam este mundo. Apresentam uma série de personagens que dão pistas para o que virá a seguir. A grande maioria serão novas para o espectador, outras serão familiares para a audiência, como Galadriel (Morfydd Clark) ou Elrond (Robert Aramayo), Elfos que já existiam na jornada do nosso hobbit favorito. O piscar de olho aos filmes de Jackson é inevitável, há um imaginário já construído e muita da arquitetura é inspirada nesse universo que vimos antes (Kate Howley, responsável pelo design do vestuário, tinha a mesma função em “O Hobbit).
Essa pré-existência facilita a entrada na longa introdução aos povos e dinâmicas desta Segunda Era da Terra Média. Todo este imaginário foi repescado pelos criadores e argumentistas aos apêndices escritos por J.R.R. Tolkien para O Senhor dos Anéis, bem O Silmarillion, Contos Inacabados de Númenor e da Terra Média e outras histórias que contam histórias e dão achegas sobre a Primeira e a Segunda Era da Terra Média. Entre eles, há um grupo de personagens que captará a atenção dos espectadores, os Harfoots, uma classe Hobbits conhecida por serem nómadas, e que têm um papel curioso nestes primeiros dois episódios: um dos Harfoot, Nori (Markella Kavenagh), encontra uma personagem sobre o qual se sabe pouco, que aparenta ter poderes estranhos e é apenas referido nos créditos como “o estranho”.
Megan Richards, cuja entrevista pode ler mais abaixo, é uma das Harfoot, Poppy Proudfellow, a melhor amiga de Nori. Parecem completar-se: Nori é mais destemida, Poppy é precavida, uma espécie de sexto sentido de Nori. Ao vê-las em ação, recordamo-nos imediatamente das interações dos hobbits nas trilogias realizadas por Jackson. Richards, tal como muito do elenco, pode ser uma ilustre desconhecida para o espectador. Faz parte da estratégia da Amazon ter uma série de atores pouco conhecidos para edificar a série: por um lado, para criarmos menos associações com os filmes, por outro, para se ver este universo quase como uma coisa virgem.
Tarefa difícil, mas não custa tentar. É essa a sensação ao longo dos dois primeiros episódios, um mundo a ser apresentado enquanto se espera uma súbita mudança. Começa com o relato de uma guerra para logo a seguir dar o prenúncio de outra. Se há vinte anos se duvidava que um mundo fantástico pudesse dominar as audiências e criar uma tendência nos blockbusters, em 2022 temos a certeza isso que move multidões. A primeira temporada de “Os Anéis do Poder” tem o difícil papel de ir além dos números e introduzir um universo que justifique o regresso nos próximos anos. A ver vamos.
“O Senhor dos Anéis: Os Anéis do Poder” tem muitas caras novas, atores que a audiência irá ver pela primeira vez. Já tinha um bom currículo, mas nada desta dimensão: de repente está na produção mais cara da televisão. Está a gostar?
É um trabalho maravilhoso. É ótimo este não ser o meu primeiro trabalho, porque o que fiz no passado ajudou-me a perceber melhor a indústria. Como atriz, gosto de perceber o que está a acontecer à minha frente e desligo-me das coisas externas. Por isso, tento não pensar na escala da série. Creio que essa era a sensação de toda a equipa, ninguém estava a pensar nisso, mas no que estávamos a criar. Estou muito grata por fazer parte disto.
Tenho visto entrevistas suas. Dá para perceber que está preparada para esta pressão.
Acho que ninguém consegue estar preparado para o que acontece na vida. Mas facilita haver uma elenco gigante, todos nós estamos a experienciar coisas novas. E sentimos que estamos a fazer isto por todos.
Como é que conseguiu este trabalho?
Fiz uma audição e para um projeto que na altura tinha o nome “produção da Amazon sem título”. E depois não ouvi nada durante um tempo, passados uns meses recebi o tão desejado telefonema. Foi nessa altura que me disseram que era para “O Senhor dos Anéis”. Contudo, só quando cheguei à Nova Zelândia é que soube o papel que iria desempenhar e o meu tipo de envolvimento.
Os Harfoot fazem parte de uma população muito querida do público, os Hobbits. Pode explicar-me o que os diferencia?
Eles formam uma comunidade nómada. têm semelhanças com os Hobbits, os pés grandes e o formato das orelhas. A grande diferença, contudo, são as circunstâncias, os Harfoot são uma comunidade nómada e deslocam-se com a mudança de estação para sobreviverem. Estão à procura de uma casa, são viajantes, lutadores, sobreviventes, gostam de manter toda a gente segura e pronta para partir. Adoro esse conceito. Outro detalhe que achei fascinante é que não veem o seu tamanho como uma vulnerabilidade, mas como uma força. Porque é. E usam isso para se esconder. Nós usávamos umas saias, que se dobravam e pareciam uma folha que ia por cima da tua cabeça, e ficávamos camuflados. Adorei usar isso. Por causa disso, aprendemos diferentes formas deles se movimentarem, de se esconderem. Foi uma sorte, trabalhar no local. A Nova Zelândia é muito bonita e senti-me muito bem lá, especialmente porque usei aqueles pés falsos. Eram uma espécie de “earth shoes”, com os quais podemos sentir a terra. As próteses eram um pouco como isso.
Já que fala nisso, sentiu-se bem quando se vestiu como um Harfoot pela primeira vez?
A Kate Hawley, que desenhou o guarda-roupa, quando me viu com vestida pela primeira vez, disse: “Ah, aí está ela, é a Poppy!” Naquela altura eu não sabia muito da personagem, por isso fiquei meio… “OK, é ela”. Foi num momento de perceber quem era a personagem… o “aí está ela” foi importante para perceber tudo o resto, o movimento, o dialeto. Lemos o argumento, vemos o diálogo, mas visualizar e dar vida e substância, algo que se consegue tocar e sentir, é muito importante. E isso ressoou comigo.
Quando participou na primeira audição, não sabia o que aí vinha. Depois de filmar a primeira temporada, está impressionada com a escala do programa e de que continuará durante mais temporadas?
Há surpresas constantes… tem sido uma autêntica viagem. Estou muito entusiasmada em contar a história. Estou muito entusiasmada para saber como a audiência a recebe.
Noutra entrevista sua, soube que havia um especialista de Tolkien no set a quem fazia perguntas. Que tipo de perguntas fazia?
A primeira que lhe perguntei foi o que mete medo a um Harfoot. Porque eles são pequenos, estão no fim da cadeia de alimentos, para lá de ratos e coelhos. E ele deu-me uma lista inteira. Eu não conhecia o trabalho de Tolkien antes disto, por isso perguntava coisas como “o que é que isto significa”, “o que é isto”, “como é que”… o significado das coisas, ou frases que ouvi de outras pessoas e sobre as quais queria saber. Aprendi muito com ele, mas também com os showrunners [J. D. Payne e Patrick McKay], que sabem imenso. Ia ao especialista para saber coisas literais, características perguntava aos showrunners.
Como descreveria a Segunda Era da Terra Média?
Vem aí o mal. Descreveria assim, há imensa gente à procura de poder, a lutar por isso. É interessante ver como as pessoas mudam com o poder, como respondem. Porque o poder não é só físico, mas também conhecimento. É interessante ver como as personagens usam o seu poder. Definitivamente, o mal cresce nesta temporada.
Não conhecia Tolkien. Entretanto, já leu os livros?
Ainda não. Vi os filme e adorei. Sou uma pessoa muito visual, é assim que adquiro muita informação. Por enquanto, quero concentrar-me no que está na página à minha frente e construir a partir daí. A Poppy é muito leal e a ligação com outras personagens significa muito para ela. Quero concentrar-me nisso, no trabalho com os atores e as personagens. Mas daqui a uns anos talvez leia. Agora, enquanto estiver no projeto, quero concentrar-me na personagem, experienciar as coisas ao mesmo tempo que ela. Se algo lhe acontecer, quero ter uma reação imediata.
Mencionou a sua relação com outras personagens. O que é que a Poppy dá à Nori e o que é que a Nori [Markella Kavenagh] dá à Poppy? Vocês são personagens tão diferentes!
É verdade! A Poppy adora a Nori e vice-versa. Elas são como irmãs, é a relação que têm. A Poppy fará qualquer coisa por ela, ela faz por lealdade. Apenas por isso. Elas estão lá uma para a outra. Isso que me perguntas será respondido à medida que vês os episódios, a amizade dela fará parte da história. A Poppy é nada sem a Nori. E é isso que a motiva.