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Boris Johnson pode enfrentar uma moção de censura interna se o relatório do inquérito ao "Partygate" lhe for desfavorável

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Boris Johnson pode enfrentar uma moção de censura interna se o relatório do inquérito ao "Partygate" lhe for desfavorável

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"Operação Salvar Boris". O plano de Johnson para continuar ao leme do Reino Unido

Um grupo de WhatsApp, ameaças e promessas a deputados e um Excel para sistematizar tudo. Como a equipa de Boris Johnson se organiza para tentar salvar o PM do "Partygate". Conseguirá?

Na última semana Boris Johnson voltou à Câmara dos Comuns — a terceira quarta-feira seguida desde que a pressão a propósito das festas em Downing Street, durante o confinamento, se acentuou. No primeiro dos três debates, o ambiente foi sombrio. O primeiro-ministro britânico de 12 de janeiro era um homem cabisbaixo e sem chama, que se limitou a remeter as respostas para o escândalo da festa em que se pediu aos convidados “Bring Your Own Booze” (Tragam a Vossa Própria Bebida) ao inquérito de Sue Gray, que já estava a decorrer. À sua volta, os deputados conservadores mantiveram-se em silêncio — nem uma palavra de apoio aos seus discursos, nem um dos gritos habituais de encorajamento na Câmara.

O silêncio dos conservadores é de ouro. Como Boris enfrentou o pior dia de sempre em três atos

Na semana seguinte, Boris Johnson entrou na Câmara dos Comuns apenas minutos depois de ver um deputado do seu partido, Christian Wakeford, atravessar a sala e sentar-se do lado dos trabalhistas, depois de ter desertado do Partido Conservador. Os sinais eram de mau presságio — e quase no final da sessão o primeiro-ministro ainda ouviu o colega de bancada David Davis pedir-lhe encarecidamente: “Em nome de Deus, vá-se embora.”

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Ukraine - Russian tensions

Os últimos debates parlamentares viram Boris Johnson com posturas diferentes

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O Boris Johnson que reapareceu no Parlamento britânico na última quarta-feira parecia outro homem. Enérgico, rebateu os argumentos da oposição, garantiu que não se vai demitir e ainda atacou o principal rosto da oposição, Keir Starmer, ao dizer que até pode ser um advogado, mas “não é um líder”. O seu amigo e antigo conselheiro Guto Hari classificou a exibição perante os deputados como “uma demonstração do gorila macho-alfa na selva”.

A nova postura é parte da “Operação Salvar Boris” que decorre em Downing Street. A horas de ser conhecido o relatório do inquérito de Sue Gray (será divulgado na tarde desta segunda-feira), o primeiro-ministro britânico ainda acredita que pode sobreviver ao “Partygate”. Isto apesar de já ser público que ocorreram pelo menos 17 eventos em Downing Street durante o confinamento para a Covid-19 que podem ser considerados festas. E isto apesar de o primeiro-ministro britânico registar neste momento a sua pior taxa de popularidade de sempre, ao mesmo nível da que Theresa May registou no pior momento.

Um Excel decisivo, ameaças e promessas — como se convencem deputados

Para reagir e garantir que tem uma hipótese de impedir que os deputados conservadores o afastem com uma moção de censura interna, Boris Johnson reuniu quatro homens que já o ajudaram no passado, quando se candidatou à liderança do Partido Conservador, em 2019: Conor Burns, atual secretário de Estado para a Irlanda do Norte; Chris Pincher, secretário de Estado da Habitação; Nigel Adams, membro do governo sem pasta; e Grant Shapps, ministro dos Transportes.

Shapps é um membro essencial desta equipa, já que trouxe uma das estratégias de organização que mais relevo teve na campanha de 2019: uma folha de Excel onde organiza os nomes dos deputados e as suas prováveis posições. Os tories são catalogados como “leal”, “hesitante” ou “contra”. Há dois anos, lembra a Spectator, Shapps acertou nas posições de todos. Agora, espera repetir a avaliação certeira e dar ao seu líder uma noção clara do que tem pela frente.

Boris Johnson Holds Special Cabinet Meeting Ahead Of HS2 Green Light

O Excel de Grant Shapps ajudou Boris Johnson a vencer a eleição interna de 2019

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De nada serve estar a par das posições de cada um, porém, se não se for capaz de convencer os hesitantes a mudarem de posição. E os quatro membros têm tentado fazê-lo, sem esconder que estão a dar tudo pelo seu primeiro-ministro. Um relato da revista New Statesman desta semana dá conta de que alguns destes membros do governo têm nas últimas semanas entrado pelos gabinetes de vários deputados, “ocupado as secretárias e acusado em voz alta [os deputados] de desiludirem um primeiro-ministro cercado, antes de marcharem porta fora a exigir lealdade”.

Não admira que nos corredores de Westminster já haja quem lhes chame whips informais. Os whips são as figuras dos governos cuja função é a de garantir a disciplina de voto dos deputados que apoiam o executivo — o nome vem de um termo do século XVIII relacionado com o ato de “whipping-in” os cães de caça, ou seja, mantê-los junto da matilha durante o encalce à raposa.

“Qualquer [deputado] que estivesse com problemas abordava os whips e dizia ‘Estou entalado, podem ajudar-me?’ Podia ser uma dívida, um escândalo com rapazinhos, ou um escândalo de outro tipo. E nós fazíamos tudo o que podíamos, porque acumulávamos pontos a nosso favor.”
Tim Fortescue, whip dos tories na década de 70

Os relatos sobre os métodos usados pelos whips no Parlamento britânico têm contornos de lenda. Andrew Mitchell, antigo whip dos tories durante o governo de John Major, conta no seu livro de memórias Beyond a Fringe (sem edição em português) que os whips conservadores mantinham um livro onde apontavam todas as indiscrições dos deputados, para que pudessem ser usadas contra eles numa negociação futura. Outro antigo whip conservador, Tim Fortescue, revelou num documentário da BBC o método do seu tempo, na década de 70: “Qualquer [deputado] que estivesse com problemas abordava os whips e dizia ‘Estou entalado, podem ajudar-me?’ Podia ser uma dívida, um escândalo com rapazinhos ou um escândalo de outro tipo. E nós fazíamos tudo o que podíamos, porque acumulávamos pontos a nosso favor.”

E os métodos radicais não são apenas do passado: Gavin Williamson, whip nomeado por Theresa May — e que está debaixo de fogo por alegadamente ter dito à ex-ministra Nusrat Gahni que foi despedida do governo por ser muçulmana —, é conhecido por manter uma tarântula no seu gabinete, que gosta de mostrar aos deputados.

Boris Johnson And Gavin Williamson Hold Meetings With Japanese Counterparts

Gavin Williamson (à esquerda) era conhecido por manter uma tarântula no seu gabinete quando era whip

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Agora, as táticas usadas com os atuais deputados tory, continuam a ser brutais — a fazer fé na denúncia feita por um deputado, na semana passada. William Wragg denunciou aos jornais que ele e outros colegas têm sido alvo de “chantagem” por parte dos whips para que apoiem Johnson. Em concreto, terão sido ameaçados de que histórias embaraçosas sobre a sua vida privada podiam surgir nos jornais e de que poderia não ser dado financiamento a determinados projetos nos seus círculos eleitorais — esta última ameaça terá sido a gota de água que levou Christian Wakeford a juntar-se ao Labour.

Mas não só de mão pesada se faz a estratégia de um whip. O charme e a lisonja são também armas do seu arsenal e a equipa de Boris Johnson tem recorrido a ele. “Tem havido muitas conversas do género ‘O primeiro-ministro sempre sentiu que tens sido desperdiçado’ e todas as tretas do costume”, desabafou um deputado ao site PoliticsHome. Em linguagem do Parlamento, este costuma ser um sinal de que um deputado pode estar a ser considerado para um cargo no governo no futuro, por exemplo.

Ninguém sabe ao certo, porém, se estas estratégias estão a resultar. O correspondente parlamentar da BBC, Mark D’Arcy, aponta um ponto relevante que denota a incerteza que se vive em Westminster numa era afetada pelas contingências da Covid-19: “A maioria destes deputados têm contactado com os whips pelo WhatsApp, é uma relação muito mais superficial. Agora, num momento político perigoso, isso começa a ter relevância”.

Do “Grupo de Apoio” no WhatsApp às entrevistas sobre a “emboscada com um bolo”

Sabendo que o WhatsApp é agora uma das principais ferramentas políticas em Westminster, a “Operação Salvar Boris” também o utiliza. Nos últimos dias, foi criado um grupo intitulado “Grupo de Apoio”, para onde foram convidadas 98 pessoas, de acordo com o The Telegraph.

A jornalista da ITV Anushka Ashtana explica como tem funcionado: os seus membros são convidados pelo WhatsApp para três reuniões diárias, duas pessoalmente e uma em formato virtual. O primeiro-ministro tem estado nessas reuniões, com o objetivo de ouvir as queixas desses deputados e membros do governo — escolhidos a dedo, a maioria parte da lista de “hesitantes” de Shapp.

British Foreign Sec Boris Johnson

O WhatsApp tem sido uma ferramenta essencial para o primeiro-ministro comunicar com os deputados

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Segundo Ashthana, a principal mensagem que estes membros têm passado ao primeiro-ministro é a de que querem um governo mais tipicamente conservador. Uma das exigências que têm feito é que não seja aumentado o valor do National Insurance, um pagamento para o Estado semelhante às contribuições pagas pelos cidadãos à Segurança Social em Portugal. Se Boris Johnson demonstrar que está disposto a ceder nestas e outras matérias, estes tories podem, em troca, decidir apoiá-lo no caso de uma moção de censura interna.

Nos media tradicionais avança outra faceta da “Operação Salvar Boris”. As entrevistas de membros favoráveis ao primeiro-ministro sucedem-se. Na última semana, Conor Burns (membro do núcleo duro que tem liderado esta operação) protagonizou uma das mais ridicularizadas. Em conversa com o Channel 4, Burns tentou explicar o mais recente escândalo de uma festa, a de uma celebração pelo aniversário de Boris Johnson, dizendo que o primeiro-ministro foi apanhado de surpresa ao ser “emboscado com um bolo” — o que levou a conhecida apresentadora de programas de culinária Nigella Lawson dizer que esse devia ser o título do seu próximo livro.

Esta quinta-feira, Burns deu uma entrevista ao Telegraph assumindo a responsabilidade pelas declarações: “Foi uma operação a solo, pela qual já paguei o preço.” Mas aproveitou a mesma conversa para dizer que o primeiro-ministro lhe garantiu que “não houve nenhum bolo” naquele encontro. Em que ficamos? Talvez tudo não passe de uma estratégia da “Operação”. Afinal, ao falar no evento do bolo, a festa de “Bring Your Own Booze” acaba por ser substituída nas manchetes.

Northern Ireland centenary

Conor Burns (à direita) deu uma famosa entrevista em que disse que o PM tinha sido "emboscado com um bolo"

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Nadine Dorries, ministra da Cultura, é outra das principais aliadas de Boris dentro do governo que também tem cavalgado o recente evento do aniversário do primeiro-ministro. “Então quando as pessoas num escritório compram um bolo a meio da tarde, para alguém que trabalha consigo, e param durante dez minutos para cantar os Parabéns e voltam depois para as secretárias, isso é uma festa?”, perguntou no Twitter. O seu peso, porém, é limitado e ilustra como Boris Johnson não tem ministros de peso — como Rishi Sunak, das Finanças, e Liz Truss, dos Negócios Estrangeiros, ambos apontados como possíveis sucessores — a mobilizarem mais esforços a seu favor. “Quando a tua principal cheerleader é a Nadine Dorries, afundaste-te mesmo”, comentava um membro do governo com o colunista do Telegraph Fraser Nelson.

As estratégias da “Operação”: Acenar com eleições e comparar Boris a Thatcher

Ainda sobre a rajada mediática de entrevistas, o ministro dos Assuntos Parlamentares, Jacob Rees-Mogg, tem sido um dos ativos mais destacados nesta área da “Operação Salvar Boris”. Nas últimas semanas, tem-se desdobrado em intervenções, inclusivamente no conhecido programa Newsnight da BBC. Foi ali que deu início a uma das táticas que o núcleo duro do primeiro-ministro mais tem promovido: passar a ideia que, se afastarem Boris, os deputados conservadores podem ter de enfrentar novas eleições legislativas.

UK Daily Politics 2019

Jacob Rees-Mogg abriu a porta para a possibilidade de novas eleições legislativas se Boris for afastado

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“A minha perceção é que, para melhor ou pior, tornámo-nos num sistema mais presidencial em que o mandato [do primeiro-ministro] é mais pessoal do que partidário e qualquer primeiro-ministro deve conseguir um mandato novo”, disse Rees-Mogg na BBC. A estratégia é clara: dar a entender que se Boris for afastado, o membro do Partido Conservador que lhe suceder deve ir a eleições para obter um mandato renovado.

Esse discurso tem sido propagado pela equipa do primeiro-ministro. Chris Pincher disse-o num dos encontros virtuais do “Grupo de Apoio”: “O Chris disse que afastar o Boris levaria a mais instabilidade e podia fazer com que os deputados perdessem os seus lugares”, revelou um dos deputados presentes ao The Times. “A mensagem que nos disseram para passarmos é a de que o sucessor teria de convocar eleições.” O mesmo jornal avança que o próprio Boris Johnson acabou por dizer o mesmo num dos encontros, acrescentando que o timing não é bom para mudar de líder, perante a atual situação na Ucrânia.

O Reino Unido não tem uma Constituição escrita, o que abre sempre a porta a diferentes interpretações sobre o que fazer perante um cenário como este. A tradição, porém, é a de seguir o precedente aberto por crises semelhantes no passado — e nunca houve uma eleição convocada pelo facto de um primeiro-ministro ser afastado pelo seu próprio partido. Foi assim quando Margaret Thatcher saiu, em 1990, sendo substituída por John Major, sem eleição nacional. O mesmo aconteceu quando Gordon Brown substituiu Tony Blair em 2007, quando Theresa May tomou o lugar de David Cameron em 2016 e quando o próprio Boris Johnson sucedeu a May em 2019. Não admira, por isso, que um deputado conservador tenha comentado com o Telegraph que considera este argumento uma “treta”.

Os membros da “Operação Salvar Boris” sabem-no e, por isso, insistem numa última tecla: a de tentar convencer os tories que se podem arrepender amargamente se afastarem Boris Johnson, tentando capitalizar o seu carisma e a sua vitória estrondosa nas eleições de dezembro de 2019. “Não só ele vai sobreviver, como vai florescer”, disse Conor Burns na última entrevista que deu ao Telegraph.

“No dia a seguir à demissão de Margaret Thatcher, o Daily Express tinha em manchete uma fotografia dela à porta do Número 10, com um enorme ramo de flores. E foi o dia a seguir ao discurso incrível dela durante a moção de censura. E a manchete dizia apenas ‘O que é que eles foram fazer?’. Acho que nos últimos 10 dias há uma sensação no partido de ‘O que é que estamos a fazer?’.
Conor Burns, secretário de Estado para a Irlanda do Norte e organizador da "Operação Salvar Boris"

“No dia a seguir à demissão de Margaret Thatcher, o Daily Express tinha em manchete uma fotografia dela à porta do Número 10, com um enorme ramo de flores. E foi o dia a seguir ao discurso incrível dela durante a moção de censura. E a manchete dizia apenas ‘O que é que eles foram fazer?’. Acho que nos últimos 10 dias há uma sensação no partido de ‘O que é que estamos a fazer?’. E acho que os meus colegas estão a recuar.” Depois das comparações entre Boris Johnson e Winston Churchill, joga-se agora a cartada habitualmente vencedora entre os tories: a comparação com Margaret Thatcher.

Ninguém sabe, porém, se tudo isto resultará. Aquilo que parece evidente neste momento é que o futuro político de Boris Johnson está dependente do que estiver no relatório de Sue Gray, a ser divulgado esta segunda-feira. A partir daí, tudo pode acontecer. Se as conclusões forem benéficas para o primeiro-ministro, os deputados que estão contra Boris provavelmente recuarão e ele irá aos Comuns novamente em modo “gorila macho alfa”, a gabar-se de mais uma vitória.

Se as conclusões forem negativas, contudo, a situação pode ser diferente. A primeira dúvida é se o Comité 1922 receberá rapidamente as 54 cartas necessárias para convocar uma votação de moção de censura interna. A segunda é se, perante essa votação, a equipa de Boris Johnson terá capacidade de convencer 180 deputados a votarem a seu favor. Essa será a verdadeira batalha da “Operação Salvar Boris”, que ditará o futuro político do — pelo menos por enquanto — primeiro-ministro britânico.

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