A constituição como arguida de Luísa Salgueiro nos autos da Operação Teia não está apenas relacionada com a eventual necessidade de a nomeação da sua chefe de gabinete (Marta Laranja Pontes) ser precedida de concurso público. No centro das suspeitas reunidas contra a presidente socialista da Câmara de Matosinhos e da Associação Nacional de Municípios Portugueses está uma alegada troca de favores entre Joaquim Couto, histórico autarca socialista, e José Maria Laranja Pontes, pai de Marta e presidente do Instituto Português do Porto (IPO) à data da nomeação da sua filha como chefe de gabinete de Luísa Salgueiro.
Cunhas e trocas de favores entre autarcas socialistas no centro da Operação Teia
Em troca desta suposta influência de Joaquim Couto junto de Luísa Salgueiro, as empresas de Manuela Couto (mulher do então presidente da Câmara de Santo Tirso) foram contratadas pelo IPO do Porto. Só entre fevereiro de 2017 e agosto de 2018, os contratos celebrados entre o IPO e as empresas de Manuela Couto totalizaram cerca de 360 mil euros, sendo certo que Marta Pontes foi nomeada chefe de gabinete de Luísa Salgueiro em outubro de 2017 e hoje é vereadora da Câmara de Matosinhos.
Estas suspeitas do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) Regional do Porto foram classificadas esta quarta-feira por Luísa Salgueiro como “uma invenção”. “Eu posso falar daquilo que está no processo e o que está no processo é a nomeação a minha chefe de gabinete”, afirmou a também presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses.
Uma arguida inevitável
A constituição de arguida de Luísa Salgueiro verificou-se em outubro último, tendo sido noticiada há 15 dias pela revista Sábado. O Correio da Manhã noticiou esta terça-feira que o crime imputado é o de tráfico de influências mas o Observador ainda não conseguiu confirmar essa informação.
Certo é que tal constituição como arguida era inevitável. Isto porque, tal como o Observador noticiou a 29 de maio de 2019, aquando da detenção de Joaquim e Manuela Couto e de José Maria Laranja Pontes, já então existiam indícios de que a escolha de Marta Laranja Pontes como chefe de gabinete na Câmara de Matosinhos seria uma alegada contrapartida pelo facto de o IPO do Porto ter contratado a empresa da mulher do autarca de Santo Tirso.
Mais: o gabinete de Luísa Salgueiro foi então alvo de buscas judiciais e o seu telemóvel e computador foram apreendidos e copiados pela Polícia Judiciária (PJ) do Porto. Uma informação datada de maio de 2019 e que a autarquia de Matosinhos confirmou em comunicado recentemente.
Ainda antes da apreensão do telemóvel de Luísa Salgueiro, os investigadores já tinham reunido indícios de que Joaquim Couto e o próprio José Maria Laranja Pontes teriam alegadamente influenciado a presidente da Câmara de Matosinhos a promover a chefe de gabinete a técnica superior Marta Laranja Pontes, que trabalhava na Divisão de Promoção Económica e Turismo desde 2015.
Acresce que existem indícios de que a própria empresária Manuela Couto, proprietária do Grupo Mediana, na área da comunicação e do marketing, terá garantido a uma sua funcionária um dia depois da nomeação de Marta Laranja Pontes que a subida de posto da filha do presidente do IPO do Porto só teria acontecido após a alegada influência de Joaquim Couto junto de Luísa Salgueiro.
Ao que o Observador apurou, esses indícios foram reforçados desde 2019, sendo certo que Marta Laranja Pontes é hoje vereadora da Câmara de Matosinhos com os pelouros do desenvolvimento económico, turismo, defesa do consumidor e proteção civil.
Cerca de 360 mil euros de contratos entre o IPO do Porto e a Mediana
Tal como o Observador tem vindo a noticiar desde 2019, os autos da Operação Teia têm três protagonistas: o autarca Joaquim Couto, a sua mulher e empresária Manuela Couto, José Maria Laranja Pontes e o igualmente socialista Miguel Costa Gomes, ex-presidente da Câmara de Barcelos que chegou a dizer, em junho de 2019, quando ainda estava em prisão domiciliária, que a Operação Teia “faz parte de uma conspiração para atirar a democracia abaixo.”
Joaquim Couto e a Manuela Couto são arguidos por um crime de corrupção ativa em regime de co-autoria por alegadamente terem corrompido José Maria Laranja Gomes.
Um das situações em causa tem a ver com José Maria Laranja Pontes, a sua filha Marta e indiretamente com Luísa Salgueiro, enquanto que a segunda tem a ver apenas com o próprio ex-líder do IPO do Porto.
Foi precisamente para continuar como líder do IPO do Porto que Laranja Pontes terá recorrido desde setembro de 2017 à alegada influência de Joaquim Couto, então histórico autarca socialista com real influência no aparelho do norte do PS, e de Manuel Pizarro, então presidente da Federação do PS do Porto e eurodeputado e hoje ministro da Saúde de António Costa.
Quer Couto, quer Pizarro estavam focados em convencer o Governo de António Costa a alterar a lei que impedia a recondução de José Maria Laranja Pontes como presidente do IPO do Porto. Enquanto Pizarro garantia que havia disponibilidade dos ministros das Finanças (Mário Centeno) e da Saúde (Adalberto Campos Fernandes) para alterar a lei e assegurava que já tinha pedido uma primeira redação da alegada nova norma, Couto queria que o líder do PS Porto, juntamente com Luísa Salgueiro (presidente da Câmara de Matosinhos), falasse diretamente com o primeiro-ministro socialista sobre esse assunto durante um Congresso do PS. O contacto com Costa não terá sido concretizado.
Laranja Pontes, por seu lado, não só estaria a par de todas as manobras como já tinha avisado o presidente da Câmara de Santo Tirso que a sua saída do IPO do Porto levaria inevitavelmente ao fim da relação comercial que aquele hospital público tinha com as empresas de comunicação de Manuela Couto, a mulher do autarca.
Tal relação comercial levou a que, só entre fevereiro de 2017 e agosto de 2018, os contratos celebrados entre o IPO e as empresas de Manuela Couto totalizassem cerca de 360 mil euros. Só em agosto de 2018, o IPO do Porto contratualizou serviços de comunicação do Grupo Mediana que chegaram a cerca de 120 mil euros. Sendo que existe um contrato de avença trimestral de cerca de 2.800 euros que acresce àqueles contratos de comunicação e imagem.
O DIAP Regional do Porto e a PJ do Porto ligam os contactos entre Joaquim Couto e Laranja Pontes, ocorridos durante o primeiro semestre de 2018, ao facto de, no mesmo período, o IPO do Porto ter contratualizado serviços da Mediana de Manuela Couto avaliados em cerca de 262.595 euros. Ou seja, foi durante o período em que Laranja Pontes solicitou a influência de Joaquim Couto que o IPO do Porto contratualizou cerca de 73% do valor total dos contratos adjudicados ao Grupo Mediana da mulher do autarca socialista.
O caso do software e os benefícios nos prazos de pagamentos
Dentro desse valor total de cerca de 262,5 mil euros, encontra-se um contrato relacionado com o desenvolvimento de aplicações para serviços de internet e de intranet no âmbito de um programa designado de Odisseia que é financiado por fundos comunitários do Programa Portugal 2020. Ora, o IPO do Porto contratou a Mediana de Manuela Couto mas o objeto desta sociedade nada tem a ver com o desenvolvimento de aplicações informáticas. O seu negócio é a área da comunicação e imagem.
A 7 de junho de 2018 foi adjudicado um contrato de prestação destes serviços informáticos à Mediana por cerca de 75 mil euros, sendo que em janeiro de 2018 tinha sido feita uma adjudicação semelhante pelo valor de cerca de 41 mil euros. Ou seja, um total de 116 mil euros.
Em outubro de 2018, o IPO do Porto adjudicou ainda à Mediana um novo concurso público no valor de 121 mil euros, mas desta vez relacionado com o objeto social da empresa: consultadoria de imagem, comunicação e produção de produtos gráficos.
A tudo isto acresce, segundo os indícios recolhidos pelo DIAP Regional do Porto e da PJ do Porto, outro alegado favorecimento: a Mediana era paga antes do vencimento das respetivas faturas. Diz o titular da investigação que tal procedimento prejudicava o IPO do Porto, visto que não se verificava o diferimento do pagamento normal entre entidades adjudicatárias e adjudicantes.
Por outro lado, Joaquim Couto terá beneficiado de uma parte das adjudicações feitas pelo IPO do Porto e pela Câmara de Barcelos, outra autarquia socialista que contratava em larga escala os serviços do Grupo Mediana de Manuela Couto. O então presidente da Câmara de Santo Tirso terá recebido cerca de 37 mil euros das empresas da mulher.
A questão do concurso público
A questão da nomeação de Marta Pontes como chefe de gabinete de Luísa Salgueiro terá assim no seu centro, segundo o Ministério Público, um crime de corrupção passiva que é imputado ao seu pai, José Maria Laranja Pontes. Isto é, o então presidente do IPO do Porto terá solicitado a influência de Joaquim Couto para que a sua filha, que era apenas uma técnica superior na Divisão de Promoção Económica e Turismo da Câmara de Matosinhos, fosse nomeada chefe de gabinete de Luísa Salgueiro.
Ora, o DIAP Regional do Porto argumentou em 2019 junto do Tribunal de Instrução Criminal do Porto aquando da detenção de Joaquim e Manuela Couto e de Laranja Pontes que a nomeação de Marta Laranja Pontes necessitava de ser precedida de um concurso público. O procurador titular dos autos defendeu que a chefia de gabinete da Câmara de Matosinhos equivale a um cargo de direção intermédia que, tendo em conta o enquadramento orgânico escolhido pela autarquia, necessitará de um concurso público.
Esta argumentação jurídica tem sido contestada publicamente, após a revista Sábado ter noticiado que Luísa Salgueiro tinha sido constituída arguida na Operação Teia, mas sem referir o crime imputado à autarca. Francisco Assis, presidente do Conselho Económico e Social e militante do PS, contestou tal a visão jurídica do DIAP Regional do Porto, argumentando que o cargo de chefe de gabinete é de confiança política e que a procuradora-geral Lucília Gago deveria intervir no caso. Comentadores como Luís Marques Mendes e José Pacheco Pereira criticaram duramente o Ministério Público.
Contudo, e mesmo que o DIAP Regional do Porto deixe cair a tese jurídica do concurso público, tal não afetará as imputações de alegada corrupção ativa de Joaquim e Manuela Couto e de corrupção passiva de José Maria Laranja Pontes. Isto porque os indícios reunidos permitirão, na ótica do DIAP Regional do Porto, sustentar que a nomeação de Marta Laranja Pontes resultou de uma alegada influência movida por Joaquim Couto, a sua mulher Manuela junto de Luísa Salgueiro.
A concretização dessa alegada influência gerou dois ganhos: Marra Laranja Pontes foi promovida e as empresas de Manuela Couto foram contratadas pelo IPO do Porto. Esta é a tese do DIAP Regional do Porto.
PS – Corrigida a informação sobre Francisco Assis ser dirigente do PS às 19h46. Assis já não é dirigente do PS desde 2014