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Para além da guerra — e dos seus efeitos e respostas para os conter — poucas novidades eram esperadas na proposta orçamental apresentada por Fernando Medina e que reproduz uma grande parte do documento conhecido desde outubro. Afinal, António Costa foi a eleições, tendo como bandeira o Orçamento para 2022 que o Parlamento, com a ajuda da esquerda, chumbou. Mas entre as centenas de páginas e tabelas com números foi possível encontrar algumas medidas que ficaram fora do radar. Pouco ou nada desenvolvidas nos documentos de apresentação e ausentes da conferência de imprensa e entrevistas dadas entretanto pelo ministro das Finanças. Ficam aqui algumas.
A promessa ainda por concretizar de corrigir a penalização fiscal que afeta 250 mil agregados
O compromisso de corrigir as situações em que os aumentos salariais são “comidos” pelo imposto retido, mais a contribuição para a segurança social, que reduzem o rendimento líquido vem no programa socialista e há uma referência na proposta orçamental agora conhecida. O tema não constava do Orçamento que foi chumbado no ano passado, mas o Governo de então estava já a trabalhar em soluções técnicas a pensar nas negociações com os partidos à esquerda que acabaram por não acontecer.
Ganhar mais e receber menos. Aumento do salário mínimo agravou distorção do IRS
Na proposta conhecida esta semana, o Governo compromete-se a “corrigir elementos de regressividade que desincentivam o aumento de rendimento dos trabalhadores imediatamente acima do salário mínimo nacional. Assim, o Governo implementará uma solução, no âmbito do mínimo de existência, que beneficiará cerca de 250 mil agregados familiares, que atualmente veem prejudicadas as suas valorizações salariais, devido à tributação resultante do mínimo de existência”. Mas esta solução só produzirá resultados em 2023 no momento de liquidação do imposto sobre os rendimentos deste ano e não está por isso reconhecido qualquer impacto orçamental.
A proposta de lei abre um pouco mais o véu e sinaliza que a correção dos impactos regressivos do imposto nestes rendimentos vai passar também pela “introdução de um procedimento que permita a aplicação de uma taxa de retenção na fonte mais adequada à situação tributária do sujeito passivo nas situações em que, por via de um aumento da remuneração, da aplicação das tabelas aprovadas ao abrigo do artigo 99.º-F do Código do IRS resulte um rendimento líquido mensal inferior ao anteriormente obtido.” Se a solução técnica passa por uma taxa reduzida para o primeiro escalão de rendimento, por uma dedução específica diferenciada para estes contribuintes ou ainda por um novo escalão, ainda não se sabe.
O Regressar que regressa ao Orçamento com uma nuance
Já se sabia que o programa Regressar — um pacote com incentivos ao regresso de emigrantes a Portugal, que inclui um apoio fiscal — ia ser prolongado até 2023, mas o Governo decidiu introduzir uma nuance na nova proposta de Orçamento do Estado.
Quem pediu a inscrição como residente não habitual — um regime menos atrativo fiscalmente — até 31 de março de 2022 pode pedir que lhe seja antes aplicado o regime do Regressar, até ao final de julho de 2022, desde que reúna as condições de acesso. Esta é a solução encontrada pelo Governo para responder à demora na operacionalização do benefício referente a 2021.
O Regressar foi uma das bandeiras do Orçamento do Estado de 2019 e a ideia inicial era que vigorasse apenas até 2020. Mas a pandemia travou a sua aplicação plena, pelo que o Governo decidiu prolongá-lo até 2023. O programa é composto por incentivos de diversas naturezas, incluindo uma isenção de tributação de metade dos rendimentos do trabalho dependente e dos rendimentos empresariais e profissionais.
Com preços a subir, eis o que o Orçamento do Estado traz à sua vida
Para beneficiar do Regressar é preciso ter-se tornado residente fiscal em Portugal em 2019, 2020 ou 2021 não ter sido considerado residente em território português nos três anos anteriores (em relação ao primeiro ano em que beneficia), ter sido residente antes de 31 de dezembro de 2015 e ter a situação tributária regularizada.
Com a alteração introduzida pelo Governo, quem já entregou a declaração de IRS com a aplicação do regime fiscal do residente não habitual em relação a 2021 pode entregar uma declaração de IRS de substituição, “sem quaisquer ónus ou encargos”, pedindo a aplicação do regime fiscal do Regressar, desde que o faça até ao final de julho de 2022. Quem não entregou, pode fazê-lo com o pedido para aderir ao regime.
Quer entregue agora a declaração de IRS ou entregue uma de substituição, a partir do momento em que opta pelo regime dos ex-residentes, a inscrição como residente não habitual é cancelada, sem aplicação de quaisquer ónus ou encargos.
Pagamento de indemnização a uma PPP (será finalmente a suspensão do TGV?)
A despesa corresponde a 0,1% do Produto Interno Bruto — da ordem dos 200 milhões de euros — é a última a aparecer na tabela de medidas discricionárias no projeto orçamental. Já estava contabilizada na proposta de outubro, mas surgia identificada apenas como indemnização judicial. A versão revista do Orçamento inclui a sigla PPP (parceria público privada) que dá algumas pistas sobre que encargo extraordinário está previsto para 2022 e que não constava anteriormente.
No relatório são descritos, como tem acontecido nos últimos orçamentos, os desenvolvimentos relativos a litígios arbitrais ou judiciais com privados relativos a contratos de PPP que representam um risco orçamental. O processo mais antigo diz respeito ao cancelamento do contrato de construção do troço Caia/Poceirão da rede de alta velocidade em 2012 por recusa de visto prévio do Tribunal de Contas. O consórcio reclamou 169 milhões de euros de custos e o caso foi para tribunal arbitral que condenou o Estado a pagar uma indemnização de 150 milhões de euros em 2016. O Governo tentou anular a sentença nos tribunais, mas o Constitucional concluiu que o recurso não era admissível. Em 2018, a Elos entrou com uma ação executiva no Tribunal Administrativo de Lisboa para receber 192 milhões de euros, à qual o Estado deduziu oposição. O montante em causa corresponde grosso modo a 0,1% do PIB.
Outro contencioso em tribunal arbitral é o da subconcessão do Algarve Litoral. O Estado já foi condenado a pagar 48,9 milhões de euros no ano passado, mas está por decidir a ação principal em que o concessionário pede uma compensação de mais de 400 milhões de euros. Há mais contenciosos relacionados com PPP, mas os montantes em disputa e o ponto de situação dos respetivos processos não parecem prever pagamentos este ano.
O Observador questionou o Ministério das Finanças sobre a que contrato corresponde esta indemnização, mas não obteve resposta.
Agravamento do imposto sobre o gás natural para produzir eletricidade pode ser suspenso
O fim dos benefícios fiscais aos combustíveis fósseis tem sido uma das estratégias seguidas pelos executivos liderados por António Costa no caminho da transição energética. E já teve como resultado o fecho antecipado face ao prazo previsto das centrais a carvão que perderam competitividade por causa do agravamento progressivo do ISP (imposto sobre produtos petrolíferos).
O mesmo caminho estava a ser seguido para o gás natural usado para produzir eletricidade nas centrais de ciclo combinado e unidade de cogeração, embora com um percurso mais suave. Mas em temos de crise energética, com os preços do gás a pressionar os da eletricidade e a indústria que usa cogeração, há uma nuance face à proposta de outubro. A proposta de lei inclui uma autorização legislativa para suspender até ao final do ano a aplicação da taxa agravada de imposto prevista, 20%, ao gás natural, bem como a cobrança da taxa de carbono.
Está prevista a “tributação a 20% em sede de ISP e taxa de adicionamento de CO2 das introduções no consumo de gás natural utilizados na produção de eletricidade e calor (cogeração), estando autorizado o Governo a suspender esta tributação até ao final do próximo ano”.
Englobamento avança (mas receita só em 2024)
Quem tiver mais-valias bolsistas em investimentos detidos por menos de um ano vai ter de as englobar obrigatoriamente na sua declaração de rendimentos – uma alteração que se aplica a todos aqueles que estão no último escalão de rendimentos (ou que, devido a essas mais-valias, passe a estar nesse escalão de rendimentos superiores a 75 mil euros anuais).
Esta é a informação que aparece no ponto 14 do artigo 72.º da proposta de Orçamento do Estado. Porém, é só 11 páginas mais à frente que surge a “norma transitória” que faz com que este novo regime só se aplique aos rendimentos obtidos a partir de 1 de janeiro de 2023.
Quanto pode pagar a mais, em IRS, com o englobamento obrigatório?
Ou seja, é com essa norma transitória que o Governo evita criar problemas de retroatividade da lei fiscal, que obrigariam a um reporte fiscal para as mais-valias obtidas na primeira metade do ano e outro, diferente, para os ganhos obtidos depois de o Orçamento do Estado entrar em vigor.
Na prática, a mudança vai representar um agravamento da tributação porque, ao tornar-se obrigatório esse englobamento, em vez de ser paga uma taxa liberatória de 28% sobre essas mais-valias, elas passam a ser tributadas à mesma taxa que paga o contribuinte pelos rendimentos do trabalho (ou seja, 48%, nesse último escalão).
Com este englobamento obrigatório dos rendimentos de “mais-valias mobiliárias especulativas” (expressão que consta da proposta de Orçamento), o Governo estima obter cerca de 10 milhões de euros em receita fiscal – uma estimativa que não está na proposta de Orçamento mas que foi referida pelo anterior ministro das Finanças, João Leão, na conferência de imprensa de apresentação da proposta de Orçamento que viria a ser chumbada, em outubro.
O que o Orçamento estabelece, isso sim, é que essa receita, caso se confirme, será encaminhada para o Fundo de Estabilização da Segurança Social, o veículo que existe para precaver eventuais insuficiências futuras no sistema público de pensões. Mas só em meados de 2024 é que essa receita poderá chegar à Segurança Social, na altura em que os contribuintes fizerem contas com o Fisco sobre os rendimentos de 2023.
Benefícios fiscais da Zona Franca da Madeira não prorrogados
O regime fiscal mais favorável na Zona Franca da Madeira tinha sido prorrogado até final de 2021. E não foi agora novamente prorrogado, em sede de Orçamento do Estado. Em abril de 2021, esse regime tinha sido prorrogado até ao final do ano, concedendo às empresas que aí se registassem entre 1 de janeiro de 2015 e 31 de dezembro de 2021 um benefício fiscal. Essas entidades ficam tributadas a 5% em sede de IRC até 31 de dezembro de 2027.
A proposta de Orçamento do Estado para 2022 é omissa em relação à Zona Franca da Madeira, pelo que a sua prorrogação não está prevista pelo menos no âmbito do documento anual das contas públicas.
Isso mesmo notou Rosa Branca Areais, fiscalista da PwC numa análise ao Orçamento a que chamou de reciclado. “Curiosamente não está prevista a prorrogação do Regime Fiscal da Zona Franca da Madeira, tal como seria expectável”, escreve esta responsável, dizendo, no entanto, acreditar que “no âmbito da discussão da especialidade possam surgir alterações, esperando que esta seja uma das consideradas”.