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Não há congresso que se preze que termine sem a mais fina análise dos momentos e figuras que marcaram um fim de semana de intensos trabalhos partidários. Na terceira grande reunião do Chega não foi diferente — e, do poiso da equipa do Observador nas Caves de Coimbra, onde o partido de André Ventura se reuniu, foi difícil não distribuirmos os galardões que se impunham, os Basta de Ouro. “Basta” porque foi com esse nome que tudo começou para o Chega, nas Europeias de 2019. Os prémios mais aguardados do fim de semana (sim, fomos contagiados pela “megalomania” de que acusam André Ventura) aí estão e vão da mais clássica traição ao português desastrado de Salvini.

Prémio WordArt: João Tilly

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

João Tilly é ao mesmo tempo animador, DJ e youtuber do Chega. Num dos momentos mais tensos do Congresso — em que uma moção pedia o fim da influência do Opus Dei e a fação Pró-Vida contra-atacava — Tilly entrou em ação e subiu ao palco para animar as hostes. Exibiu as páginas da moção A4 com letras garrafais, ao estilo de exame de oftalmologia, onde a mensagem principal era que o Chega vai ser Governo já nas próximas legislativas. Foi uma ode a fontes esquecidas como o Times New Roman e ao velhinho WordArt. Pelo meio fez troça de Ferro Rodrigues e ironizou com a profundidade do próprio discurso, que disse estar “cheio de referências ideológicas desde Bertrand Russell a Carolina Deslandes”. Tilly dá habitualmente eco a teorias da conspiração no seu canal de YouTube e no Facebook, que agora exporta para os eventos do Chega. Um partido que, para ele, é “AMOR PARA VIDA TODA!”.

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A intervenção de João Tilly no congresso

Prémio “Et tu, Brute! “: Nuno Afonso

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Qual César moribundo, o vice-presidente Nuno Afonso mostrou em palco o seu desgosto com as escolhas de Ventura para a nova direção. Acabou despromovido, de vice para vogal, e vacilou na hora de aceitar o novo posto. Sendo coordenador autárquico e candidato a uma das maiores câmaras do país, Sintra, bater com a porta daria um sonoro estrondo. Ficou, mas não deixou de ir ao púlpito em modo Shakespeare avisar que foi também graças a ele — e não a Ventura sozinho — que o império se ergueu e que “mesmo apunhalado e magoado” continuaria. Atacou o líder e, apesar disso, conseguiu sair aplaudido. Com a coroa de louros à banda, é certo, mas com o prémio traição erguido.

Prémio “Cheguinha”: Rita Matias

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

“A Rita”. Quando uma figura de um partido já não precisa de apelido para ser identificada num Congresso partidário é porque atingiu um nível de notoriedade interna importante. Apesar de muito jovem, Rita Matias consegue galvanizar a sala quando discursa do púlpito: foi assim em Évora, foi assim em Coimbra. Aos 22 anos é ela o principal rosto da Juventude do Chega, organização definitivamente aprovada em Congresso. E se é reconhecida sem apelido, é pelo apelido que sofre as maiores críticas, já que é filha de Manuel Matias, presidente do Partido Pró-Vida — e ambos são acusados de protagonizar uma espécie de familygate com origem no Partido Pró-Vida. Mas nada lhe tira o prémio de juventude.

Prémio “Sem Graça”: Luís Graça

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Luís Filipe (com pouca) Graça — o presidente da Mesa do Congresso estava mais em modo professor do Tonecas do que em modo Tonecas, apesar das piadas a que habituou os congressistas na anterior Convenção, em Évora. Enquanto Lucinda Estrela apresentava a sua moção a sala estava muito barulhenta, efeito das conversas entre delegados, e Luís Graça deu um insólito ralhete. Interrompeu os trabalhos e disse: “Vão lá fora. Vão à casa de banho descarregar o stress e depois venham para trabalhar à séria”. Pouco depois recomeçaria os trabalhos mais aliviado.

Prémio “Não fui eu”: Moções secretas

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Depois de uma convenção, em setembro passado, onde uma moção que defendia a retirada dos ovários a mulheres que interrompessem a gravidez disparou críticas sobre o radicalismo no partido, desta vez a solução foi cortar o mal pela raiz: esconder as propostas dos militantes para evitar embaraços. Durante os trabalhos, que já iam longos no sábado quando ainda faltava apresentar mais de 40 moções, uma proposta da sala veio cancelar esse debate. Além de não terem sido divulgadas, a moções também não seriam apresentadas. O Observador entretanto teve acesso aos textos, noticiando o que lá vinha, e logo dispararam justificações. Na entourage de Ventura: “Não foi ele”. E Luís Graça dizia ao microfone que o facto de não se discutirem tinha sido proposto e votado naquela sala, ainda que admitisse “problemas técnicos” na disponibilização dos textos que mostram como pensam os militantes. Nestas coisas já se sabe: a culpa, no fim, é sempre do informático.

O que dizem as moções que o Chega escondeu. Contra o Opus Dei, a “fruta podre” e pelos toiros na RTP

Prémio “O Sol Bailou”: Vídeo promocional “O Milagre”

Era prometido um grande espetáculo multimédia, que foi centrado num vídeo de 12 minutos com o título: “O Milagre”. O início do mini-filme é um misto de um vídeo religioso do canal Canção Nova com o genérico dos Simpsons, com as nuvens a dissiparem-se enquanto aparece no céu a palavra Chega. “O milagre” é o crescimento do partido nos últimos três anos, com imagens e sons a passarem em revista o primeiro discurso de Ventura no Parlamento, as marchas e a candidatura presidencial. A inspiração religiosa esteve sempre presente e, logo nesse dia, ao chegar ao palco, Ventura ajoelhou-se e benzeu-se. O que é vendido no vídeo é uma espécie de milagre (não o das rosas, que esse lembra o PS) — mas o sol que baila é sempre o mesmo: o presidente do Chega.

Prémio Luís XIV: André Ventura

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Le Roi-soleil, o centro da corte, o grande. Não fosse o cenário o das Caves de Coimbra e até daria para uns paralelismos com as vastas vistas de Versailles e a grandiosidade do absolutismo, tal a mesmerização que vai tomando conta do Chega. André Ventura é cada vez mais o centro de tudo, o centro do sistema, que controla, regula, comanda, o esclarecido que provoca até algum histerismo seguidista no partido.

Prémio “Graça Freitas”: Congressistas

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Há sempre momentos de relaxamento ou de convívio, em que a distância social não é mantida ou em que há, aqui e ali, o esquecimento da máscara. Os seguranças tiveram mesmo de chamar a atenção dos delegados algumas vezes. Mas, genericamente, todos os congressistas mantiveram a máscara no rosto, o que é uma grande evolução relativamente à Convenção de Évora. Publicações nas redes sociais mostram que há militantes e dirigentes do Chega negacionistas, o que torna ainda mais meritório a organização ter conseguido que todos se mantivessem várias horas de máscara. Os corredores de circulação também foram sendo cumpridos, apesar do protesto de alguns delegados que contestavam ter de sair do edifício para voltarem a entrar noutra porta sempre que iam à casa de banho. Se há oito meses a GNR teve de ir autuar delegados ao local, desta vez Graça Freitas e a DGS podem estar descansadas: as regras foram sendo cumpridas.

Prémio “Não brinco mais”: PSD

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E o prémio vai para… Rui Rio. Foi o alvo preferido de Ventura, que o tomou de ponta logo na intervenção de abertura com referências duras ao PSD. Tão duras como tantas outras que fez, como por exemplo um dia antes, no congresso do MEL; ou quando, ainda no início do ano passado, disse que Rio era um “travesti de direita” ou um “socialista encapotado”; ou ainda quando o chamou de “porta-estandarte” de Costa. Mas os tempos eleitorais estão quentes (já cheira a autárquicas) e, perante a investida de Ventura sobre os eleitores que não gostam de ouvir Rio dizer que não é direita, o líder do PSD decidiu que era desta. Cancelou a ida do seu dirigente Maló de Abreu como convidado no congresso. Diz Rio que foi ultrapassado o “limite da decência”.

Prémio “Google Translate”: Matteo Salvini

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Matteo Salvini participou no Congresso do Chega mas, como nacionalista que é, só fala italiano, o que deixou o palco de Ventura entregue à língua de origem do seu convidado durante uns minutos. Ainda assim, para dar um ar da sua graça, Salvini resolveu começar em português. Má ideia. Queria saudar o Chega, dizendo que esperava que viesse a tornar-se no primeiro partido português, mas acabou por enviar antes uma mensagem confusa onde misturou “partido” e “festa” (“political party” e “party”, em inglês). Resultou nisto: “Desculpem pela minha língua. Da primeira festa italiana, boa sorte ao Chega que esperamos que seja a primeira festa portuguesa”. Salvini precisa de um guia rápido de utilização do Google Translate. É que “partito” em português é “partido” e não “festa”, que em italiano se diz… “festa”. De nada, Matteo. Ou melhor, di niente.