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Apenas uma pequena fatia das mais de 70 moções setoriais do congresso do Chega tiveram a possibilidade de serem apresentadas no palco que o partido instalou em Coimbra neste fim de semana. Ao início da noite do segundo dia de congresso, perante a imensidão de textos que ainda havia para apresentar, uma proposta de uma militante veio responder aos problemas da mesa e levou a votos o cancelamento do debate. As moções que ainda não tinham sido apresentadas ficaram por apresentar e nunca foram disponibilizadas à comunicação social.

O Observador teve acesso às várias moções que os militantes do partido levaram a este congresso na expectativa (gorada) de as verem discutidas e junta aqui uma síntese das propostas temáticas mais significativas que a direção de Ventura não quis que fossem públicas.

Ataque ao Opus Dei e aos Pró-Vida da moção que rejeita ser “o PS dos xuxas”

A moção foi polémica e resultou no primeiro conflito da convenção. Luís António Alves apresentou uma moção pela clarificação ideológica do Chega, em que defende que o partido não é nem quer ser “um partido da democracia cristã nem um partido da direita descaracterizado e manso”.

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A mesma moção aponta o dedo a alguns dos membros da direção de Ventura e diz que os subscritores “estão cansados de ter que andar a ser manipuladas pela suposta direita cristã, pelos lobbies da Opus Dei, ou do famoso centro- direita”. Para os autores da moção o Chega não pode tornar-se no “PSD-B, nem no PS dos Xuxas”.

A mesma moção — que cita um acórdão do TC — diz que é impossível haver “fusões entre partidos”, contestando a integração do Partido Pró-Vida no Chega, que foi anunciada perto do último Congresso. Após Luís Alve apresentar esta moção, Rafael Santos, ex-dirigente do PPV criticou violentamente o orador anterior: “O que acabou de acontecer neste palco foi uma autêntica vergonha” e “colocou em causa a integridade do partido e de André Ventura”.

Votação: REJEITADA

O “vírus chinês” e o PRR (“Programa da República do Rapinanço”)

Uma moção que tem como primeiro subscritor José Janeiro exige um verdadeiro “Programa de Recuperação e Resiliência”, já que diz que o atual plano de execução de fundos europeus de recuperação da economia é um “Programa de Republica do Rapinanço”. Para os autores da moção a atual “bazuca” é “mais uma oportunidade perdida”.

A moção, que se assume pela verdade orçamental e desenvolvimento económico, exige que seja medido o efeito das opções orçamentais tendo em conta o “custo-benefício do gasto a produzir”. São ainda feitas críticas à aposta feita pela secretaria de Estado de João Galamba, com os subscritores a afirmarem que “os abutres já estão à espera com programas de hidrogénio e outras palermices, que têm um principio imbecil de ‘esperar resultados diferentes quando fazemos sempre igual’”.

Para demonstrar a falta de resiliência da indústria nacional, os autores da moção criticam a dependência do turismo, onde dizem terem sido colocados “todos os ovos no mesmo cesto”. “Bastou o espirro do vírus chinês para deixar a nu da miséria da estratégia da mono-indústria”.

Votação: APROVADA

Abrir a porta a coligações pós-eleitorais com PSD e CDS

O líder André Ventura tem dito que não quer ser muleta no PSD a nível nacional, mas a nível autárquico há quem no Chega peça que haja negociações no dia seguinte às eleições. A moção de Ana Luísa Fonseca propõe definir uma “estratégia de possíveis alianças/coligações pré/pós-eleitorais para as próximas eleições autárquicas e legislativas”.

E se as alianças pré-eleitorais são rejeitadas, o mesmo não acontece relativamente a coligações pós-eleitorais. A moção diz que “se nas autárquicas o vencedor for o PSD ou o CDS” e o Chega “conseguir eleger um ou mais vereadores, deve existir a possibilidade de negociações pós-eleitorais”.

Relativamente a legislativas, a mesma moção propõe que não existam coligações pré-eleitorais e propõe o reforço do poder de André Ventura. A moção define que a “escolha dos cabeças de lista é exclusiva do presidente do partido” e que no “círculo de Lisboa e Porto”, os dois maiores, “será a direção nacional a escolher os três primeiros lugares para além do cabeça de lista”.

Votação: REJEITADA

Acabar com a “endoutrinação” de esquerda

Luís Montenegro (mas o que é militante do Chega e não do rival institucionalizado neste congresso, o PSD) levou ao congresso uma moção a propor a extinção da (polémica) disciplina de Cidadania e Desenvolvimento que considera uma tentativa de “endoutrinação” das crianças: “Das nossas crianças (dos nossos filhos!) contra o próprio  projeto de vida que nós, pais, legítima e livremente, projetamos para os nossos filhos”.

O texto recupera alguns dos argumentos usados em setembro passado, quando surgiu uma petição assinada por representantes de diversos quadrantes da sociedade portuguesa a pedir que a disciplina passasse a opcional, com o militante a recusar “uma disciplina ideológica. Da mesma forma que o Estado não pode (claro  que não pode) impor uma religião, também não pode impor uma mundividência ideológica, travestida de uma cientificidade absoluta que não tem (até porque é falsa), e, sobretudo, que  expõe as nossas crianças e os nossos filhos ao serviço de experimentalismos ideológicos que,  depois, lhes compromete a felicidade que para eles desejamos”.

E qual é essa “felicidade” negada? Os ensinamentos transmitidos “em casa”, onde não cabem ideias como “não há sexo (há género), já não há biologicamente homem e mulher (há escolha de género), já não há pai e mãe e  paternidade e maternidade (há parentalidade). E tudo isto com os nossos impostos”, encerra esta moção setorial.

O mesmo é defendido na moção “A família, o equilíbrio e o pilar da sociedade”, do militante Cândido Oliveira que começa por defender que “a família só é possível através da união entre homem e mulher”. Também acusa a esquerda de “impor às crianças conceitos sobre ideologia de género” e uma “agenda de esquerda levada às escolas e universidades em jeito de quase evangelização”.

Por tudo isto, o militante propõe o fim da disciplina de Cidadania, “com carácter de urgência” e a promoção de ações de sensibilização da importância da família, nos vários graus de ensino. Além disso, a moção ainda quer um “apoio significativo às famílias numerosas como forma de incentivo à natalidade” e a “criação de mecanismos que permitam devolver aos professores a autoridade necessária ao exercício da sua profissão com elevação, responsabilidade e disciplina”.

Votação da moção “Extinção da disciplina Cidadania e Desenvolvimento”: APROVADA

Votação da moção “A família, o equilíbrio e o pilar da sociedade”: APROVADA

A proposta que podia ser do PCP e do BE

Em 2018, o PS juntou-se à direita para travar a redução o horário semanal de trabalho no privado também para as 35 horas. A ideia vinha da esquerda parlamentar, onde esta é proposta recorrente de PCP e BE desde que conseguiram aprová-la para a função pública em 2016 (revertendo uma medida da troika que alargou o período laboral para as 40 horas). O Chega não entra neste debate, mas entre as moções aparece uma proposta a defender “a universalização da semana de 35 horas  de trabalho”.

Sara Pinheiro, de Almada, é a autora da moção “Pela universalização das Leis do Trabalho” que afirma que “urge acabar com esta diferença entre trabalhadores” do setor público e do privado onde, diz, há 85% de empregados presos nas 40 Horas”.

Votação da moção: REJEITADA

Descontar número de filhos na idade da reforma

Lucinda Ribeiro é a militante que vem pedir que o país seja “mais seletivo”. Na moção que apresentou ao congresso pediu alterações à Lei da Nacionalidade para que não se dê “nacionalidade a todos, invocando razões económicas. As crises económicas são cíclicas, e isso não  pode condenar o futuro da Identidade da Nação”.

No texto que entregou, a militante do Chega dá mesmo o “exemplo” da direita conservadora de Viktor Órban na Hungria no que diz respeito às políticas de natalidade, isentando as mulheres de impostos a partir do quarto filho, empréstimos a casais em idade reprodutiva que se tornam a fundo perdido se, no primeiro casamento, tiverem o terceiro filho. Exemplos que elenca para dizer que houve “uma acentuada  diminuição dos divórcios e aumento da natalidade na Hungria, devido às  medidas implementadas”.

Em Portugal, defende como medida de natalidade “é diminuir a idade de Reforma na proporção do número de filhos, para os pais que trabalham e mais contribuam para a segurança social. Mais filhos são mais portugueses que irão  contribuir, sendo justo haver uma diminuição da idade da reforma”, defende.

Votação da moção: APROVADA

Pôr fora “a fruta podre”. O militante que não quer “confronto sistemático” interno

João Tilly, professor e líder da distrital do Chega em Viseu (e, entretanto, anunciado como cabeça da lista de André Ventura ao Conselho Nacional), alerta para o “caos do crescimento” do partido. E diz que há “dois tipos de ataques que estão a ser perpetrados contra o Chega neste preciso momento”. O primeiro, diz, “vem da extrema direita neofascista real e neonazi real” que é “gente” que “não interessa” ao Chega porque “não partilha os seus ideais democráticos e rapidamente acabaria por destruir o partido”.

A segunda frente de perigo, escreve no texto o militante, vem “dos novos e antigos militantes que, com as autárquicas à vista, começaram a trabalhar não para o partido, mas sim para as suas agendas pessoais”. A recomendação que Tilly faz passa por pôr os órgãos nacionais do partido a “escrutinar os actos repetidamente divergentes e até hostis dos militantes que reiteram posturas não consentâneas com as linhas mestras do partido e com as afirmações públicas do presidente”.

Garante que não visa censurar, até porque “ninguém imagina que um Stalin, um Hitler um Mao Tsé Tung um Che Guevara pudessem ser censurados”, ironiza, mas sim para se apurar se realmente um  militante que toma uma posição pública ou dentro dos órgãos partidários de sistemático confronto às linhas mestras do partido e do seu presidente deve ou não ser mantido dentro do  partido”. Remata: “Porque eu acho que não”. Motivo? “Não podemos manter no nosso seio a fruta podre que virá a contaminar rapidamente todo o cesto”.

Votação da moção: APROVADA

Esconder a História e implodir monumentos é “guerra cultural” da Chega

Contra o “esquerdismo” que “é fabricado nas universidades”, a moção que tem como primeiro subscritor Bernardo Noronha Meneses rejeita o “revisionismo histórico” que condena nos dias de hoje práticas do passado, como a escravatura, exemplifica. “Em vez da velha ‘luta de classes’, temos assim as esquerdas ocupadas agora na ‘guerra cultural’. Um dos seus aspetos é a criminalização do passado”, consta neste texto que acusa a esquerda de boicotar “um sentimento de pertença a uma Nação”.

E recorre, obviamente, à posição assumida pelo deputado do PS Ascenso Simões recentemente, defendendo a demolição do Padrão dos Descobrimentos. “Exige-se de António Costa que coloque os seus deputados na ordem e trave a ‘bloco de esquerdização’ do PS”, defende o militante no texto em que acusa a esquerda de promover uma cultura de culpabilização nos portugueses.

Na escravatura, diz, “a extrema-esquerda tem procurado envergonhar os  portugueses, dizendo-lhes que o orgulho nacional, o nacionalismo, é um sentimento maligno e muitos portugueses retraem-se. Encolhem-se”. E enquadra a prática num tempo em que “em África, na Europa, na Ásia e na América” não era “considerada crime”.

Votação da moção: APROVADA

Uma central sindical do Chega

A moção entregue pela militante Lucinda Estrela defende que seja criada “uma nova central sindical de influência Chega” que consiga o estatuto de parceiro social, como acontece com a CGTP-IN e a UGT.

A militante reconhece “algo proveitoso” na “Unidade Sindical” criada no pós-25 de abril, mas que foi proposta por “marxistas-leninistas, que controlando a necessidade e vontade alheias, usurparam e absorveram os direitos legítimos dos trabalhadores em prol da teórica luta de classes”. E considera que não há representação da sua área política nas atuais centrais sindicais, defendendo uma estrutura que não diferencie “trabalho público ou privado” e que defenda , devem ter os “mais rendimento do trabalho, menor carga fiscal e maior formação profissional”.

Votação: REJEITADA

Acabar com o “nepotismo” no partido – lembrando Carlos César

A moção assinada por Pedro Boaventura, militante do partido pelo distrito de Braga, denuncia a existência de uma cultura de nepotismo no partido — um ataque dirigido diretamente ao clã Matias, que veio diretamente do Partido Pró-Vida e que tem sido criticado por ter ocupado vários lugares de topo no Chega.

“Infelizmente, estamos a assistir a uma enorme e completa “cunhalização” nos lugares nomeados e distribuídos dentro das estruturas, quer seja por serem familiares, por serem amigos, por serem clientes ou mesmo parceiros de interesses, de outros meandros!”, começa por argumentar Pedro Boaventura.

Este militante chega mesmo a usar o exemplo de Carlos César, presidente do PS, para atacar diretamente a direção do partido. “Tanto falamos e tanto ‘batemos’ publicamente no nepotismo de Carlos César do PS Açores! Ao fazê-lo, nunca poderemos ignorar o que temos dentro de portas do nosso partido, não podemos continuar a fechar os olhos aos vários casos de nepotismo já instalados nas várias estruturas, espalhadas um pouco por todo o País, e aos casos que já se adivinham nos próximos e breves tempos.”

Votação da moção: REJEITADA

Taxa de IVA única e descriminalizar difamações

Filipe Melo é o militante que se propõe “resgatar Portugal”, o nome da moção que leva a votos neste congresso e que ilustrou com um pastel de nata logo à cabeça. Das suas propostas fazem parte a criação de uma taxa única de IVA para corrigir a penalização que inflige uma carga fiscal “pouco suportável” sobre os “mais pobres”. “Comparando o IVA pago pelas famílias portuguesas com os seus rendimentos, estima-se que represente cerca de 18% dos gastos das famílias mais pobres e cerca de 3% para os mais ricos”, escreve o militante do Chega.

As taxas intermédias e as reduzidas, argumenta, aplicam-se de forma “indiferenciada às famílias pobres e aos ricos, não podem corrigir os efeitos regressivos do imposto”. É por isso que defende o IVA único, com o valor da taxa a “depender do seu impacto nas receitas e deve ser corrigida se não a alterar como um todo”, defende Filipe Melo.

No IRS, a proposta passa pela redução da retenção na fonte mensal feita por cada trabalhador pensionista o que “conduzirá a um aumento significativo do rendimento líquido disponível” dessas contribuintes. O militante do Chega defende que “é atualmente muito fácil fazer retenções na fonte com um elevado nível de precisão” e que isso não está a ser feito de forma propositada.

O mesmo militante avança ainda com propostas de combate à corrupção, onde se destaca a “descriminalização da difamação, uma vez que constitui um obstáculo efetivo à  denúncia de crimes de corrupção”, escreve Filipe Melo.

Votação da moção: APROVADA

Os “verdadeiros portugueses” e a proposta contra o fim do SEF

Nelson Dias da Silva, membro da Mesa, também voltou a apresentar uma moção. Trata-se do porta-voz da Associação Portugueses Primeiro e discursou, em 2018, na “Festa da Nacionalidade” a convite do PNR. A associação — da qual também faz parte Rui Roque, o célebre autor da “moção dos ovários” de setembro, agora suspenso — está registada como “Apostar na Identidade” e tem como objetivo “defender integralmente a identidade etnocultural portuguesa e europeia, pugnar pelo fim do monopólio partidocrático e promover a democracia direta e referendária.”

Se em setembro se debruçou sobre a Lei da Nacionalidade, desta vez o militante n.º 70 do Chega tem novas preocupações, mas mantém o mesmo tipo de linguagem anti-imigração. Na moção que entrega no III Congresso do Chega, Nélson Dias da Silva diz que “há uma Odemira no centro de cada cidade portuguesa e à vista de todos” e refere também “centenas e centenas de lojas de bugigangas e comércio étnico, que servem de fachada a redes de imigração ilegal e tráfico humano.” Nélson Dias da Silva acrescenta que “só na baixa de Lisboa contavam-se 97 lojas de souvenirs detidas por indivíduos do Bangladesh.

O militante do Chega “é contra o desmantelamento do SEF”, já que “Portugal é o único país em que um serviço de fronteiras passará a ser um serviço de asilo”. Nélson Dias da Silva acrescenta ainda que “o SEF é um instrumento fundamental na defesa da integridade territorial e segurança interna”, daí que não aceite que se transforme “candidamente num mero serviço administrativo de distribuição de vistos.” A mesma moção propõe ainda “uma comissão de inquérito parlamentar à conduta do Ministro da Administração Interna e também um referendo às “atuais políticas migratórias”.

Nélson Dias da Silva diz ainda que “a atribuição indiscriminada de nacionalidade portuguesa sem critérios, e até de forma fraudulenta, a indivíduos oriundos do Paquistão, Índia ou Bangladesh, levará inevitavelmente que haja represálias contra os verdadeiros portugueses.”

Votação da moção: APROVADA

Sete corridas de toiros na RTP

Há várias moções a defenderem o mundo rural e as touradas. O dirigente nacional do Chega Pedro Frazão avança mesmo com propostas concretas para salvar a tauromaquia. Entre as medidas estruturais, Frazão prevê que a RTP seja obrigada a transmitir “pelo menos 7 corridas de touros anuais” ao abrigo do contrato de concessão de serviço público. Paralelamente a isto, o militante do Chega defende ainda a “criação de um programa sobre tauromaquia na rádio pública (Antena1) e regresso de um programa de tauromaquia à RTP2”.

Para o imediato há também outras propostas no setor, como por exemplo a “criação de um plano de contingência” para permitir o regresso dos espectáculos taurinos no imediato. Nessas propostas estão a sugestão de uma “lotação de 50% em todas as praças”, o “cancelamento da realização obrigatória de testes aos forcados”, emitir “cinco espetáculos tauromáticos em 2021 na RTP” e a “descida do IVA dos espetáculos tauromáquicos para 6%.

Votação da moção: APROVADA

Artigo em atualização com o resultado da votação das moções