Transformou o Barreiro, criou um império industrial e económico e mudou para sempre a o panorama empresarial português. Parte da comemoração dos 150 anos de Alfredo da Silva, há uma nova biografia que conta a história do empreendedor, as suas origens, os cenários políticos que viveu e que o rodearam, os obstáculos e o legado que deixou.
Neste excerto de “Alfredo da Silva e a CUF: Liderança, Empreendedorismo e Compromisso” que o Observador revela, recuperam-se os anos em que o grupo CUF se solidifica e se transforma a nível financeiro; o momento decisivo em que Manuel de Mello passa a fazer parte da família e a assumir uma posição de destaque nas empresas; mas também as ameaças à vida de Alfredo da Silva, o seu exílio em Espanha e a forma como continuou a acompanhar os negócios.
À semelhança do que ocorreu em diversos países no imediato pós-guerra, a situação portuguesa no biénio de 1919-1921 foi muito instável e violenta, atingida em cheio pelas consequências económicas, sociais e políticas da participação portuguesa no conflito, e mostrando as enormes dificuldades sentidas pelo regime republicano para recuperar uma normalidade que, em rigor, jamais seria restaurada até à sua queda, às mãos dos militares, no golpe de Estado do 28 de Maio de 1926. Esses foram também os anos mais agitados da vida de Alfredo da Silva, marcados por nada menos do que três atentados pessoais sofridos, mas também, e em contraste, por alguns dos mais importantes negócios da história da CUF. Tudo se passou como se os dramas do país e as tragédias pessoais atuassem no ânimo de Alfredo da Silva como incentivos para fazer sempre mais, para progredir, para superar as adversidades com novas frentes de negócio e de prosperidade.
Mal refeito da desilusão que fora o fim do sidonismo, o patrão da CUF teve razões para se alegrar na sua vida familiar, com o casamento da sua única filha, Amélia de Resende Dias de Oliveira da Silva. O noivo, futuro genro de Alfredo da Silva, era Manuel Augusto José de Mello. Nascido em Sintra, a 26 de julho de 1895, Manuel de Mello tinha sangue aristocrático: era neto de D. António Maria José de Mello da Silva César e Meneses, 3.º conde de Sabugosa, e filho de D. Jorge de Mello, 2.º conde do Cartaxo. Pelo lado da mãe, Maria Luísa de Lima Mayer, era neto de Adolfo de Lima Mayer, um dos jovens burgueses mais distintos da geração dos “vencidos da vida” do final do século XIX. O namoro com a herdeira Silva ter-se-á iniciado em 1916, nas burricadas e piqueniques que uniam, em Sintra, a família Mello (Cartaxo), os Silvas e outros. Em 1917, Alfredo da Silva, a mulher e a filha já eram presença regular nas receções que a família de Manuel dava na sua casa, na Rua do Salitre. A relação consolidou-se com a troca de correspondência mantida enquanto Manuel esteve mobilizado no Corpo Expedicionário Português, na Flandres, entre setembro de 1917 e julho de 1918, e o noivado foi oficializado aquando do seu regresso de França, no verão de 1918.
Como Alfredo da Silva nunca pôde ter “o herdeiro masculino que certamente esperaria”, a abordagem ao casamento da filha foi muito pragmática, para lá dos naturais orgulho e felicidade de pai. Um dia, em conversa com o futuro genro, perguntou-lhe solenemente se ele aceitava “casar também com a CUF” – “Porque eu não tenho nenhum filho, dou-lhe a minha filha, mas você casa também com a CUF”. A abordagem ficou para sempre gravada na memória da família. O jovem Manuel disse que sim, e na verdade o “casamento” com a CUF até aconteceu antes da boda com Amélia. A 10 de março de 1919, a Assembleia Geral da CUF votou favoravelmente a proposta de Alfredo da Silva para integrar Manuel de Mello como vogal da administração da companhia, ali se juntando ao futuro sogro, a Manuel Carlos de Freitas Alzina e ao marquês de Mendia. O ordenado mensal era de 200 escudos e Manuel recebeu logo ampla delegação de poderes, por ser alguém que, ao contrário dos outros dois colegas do conselho, estava nos escritórios da companhia com disponibilidade total. Manuel e Amélia assinaram um contrato antenupcial que estabelecia a total separação de bens presentes e futuros e casaram então, a 28 de maio, na capela particular do cardeal-patriarca, D. António Mendes Belo, com boda oferecida pelo pai da noiva na sua casa no Alto de Santa Catarina. O jovem casal foi viver para a Rua do Sacramento à Lapa e viria a ter cinco filhos, os netos de Alfredo da Silva: Maria Cristina, nascida a 6 de março de 1920; Jorge, nascido a 1 de setembro de 1921; Maria Amélia, nascida a 7 de junho de 1922; Maria José, que morreu no parto, a 2 de dezembro de 1924; e, finalmente, José Manuel, nascido a 8 de dezembro de 1927.
Na gerência da CUF, Manuel de Mello passou assim, aos 24 anos, a ser a sombra fiel e prestativa do sogro, apoiando-o no crescimento que a empresa viria a registar nos anos imediatamente subsequentes. Não foi um período nada fácil, muito em particular o ano de 1919. Figura importante da Associação Industrial Portuguesa, Alfredo da Silva era um dos rostos do movimento patronal no pós-guerra e contemplava com crescente preocupação o ambiente de protesto laboral que invadia a CUF. Em abril desse ano, surgiu organizada (e logo filiada na União Operária Nacional, a UON) a Associação de Classe do Pessoal da CUF, com uns 800 filiados. Era, na verdade, um renascimento da primitiva organização lançada em 1910, que fora transformada, por Alfredo da Silva, numa inocente associação de recreio, o Grémio Recreativo da CUF. Confrontada com esta nova arremetida sindical-revolucionária, a gerência da companhia deliberou dispensar alguns dos trabalhadores mais politizados, que perturbavam as fábricas. Ao mesmo tempo, aumentou os vencimentos para prevenir qualquer greve e Alfredo da Silva até antecipou o horário das oito horas de laboração na CUF, mesmo não concordando com a medida e dias antes de a mesma ser publicada para execução no Diário do Governo. Ainda assim, o operariado partiu para a greve, exigindo a readmissão dos colegas despedidos e um maior aumento de salários. No final de maio, quando os operários das fábricas de Lisboa decidiram juntar-se à luta, paralisando em solidariedade com os colegas do Barreiro, a companhia endureceu a resposta, decretando o lockout e não se opondo à repressão realizada pela GNR sobre os grevistas no Barreiro. O tempo e a fome acabaram por vencer o protesto. Os mais recalcitrantes não foram readmitidos, mas os restantes operários voltaram ao trabalho no início de julho. A greve de 1919, com uma duração de mais de dois meses, foi o protesto de maior duração da história da CUF no Barreiro (e o primeiro, desde a ofensiva de 1910-1911), embora a memória histórica recorde mais a paralisação de julho de 1943, já após a morte de Alfredo da Silva, por ter sido uma greve liderada pelo Partido Comunista Português e muito integrada no movimento político-social da Segunda Guerra Mundial contra o regime ditatorial de Salazar.
Nesses meses de 1919, o jornal anarquista A Batalha denegriu regularmente a figura do grande industrial, descrevendo-o como “homem só no aspeto exterior”; “visto nos raios X justiceiros, e[ra] um alambique de venenos esverdinhados”, ou “um polvo, mas com tentáculos a dobrar”. No ambiente radicalizado que então se vivia, com o país aflito pelos custos económicos e sociais da guerra finda, Lisboa como que regressara “à selva”, ou seja, “ao reino dos rufias políticos dos cafés da Baixa”, ou dos sindicatos e associações de classe anarquistas que viriam a desaguar, em 1921, na criação do Partido Comunista Português. Silva era um dos nomes da destacada elite dos “ricos e dos riquíssimos” do tempo, por isso mesmo objeto de ódio para muitos. Na viragem para a década de 1920, esses ricos eram uma mescla da nova alta burguesia e de velhos nomes: os Cadavais, os Fronteiras, os Palmelas, somados aos Reis da moagem, aos Espírito Santo e irmãos Borges da banca, aos Burnay dos tabacos e dos caminhos de ferro, aos Ulrich, do Banco Nacional Ultramarino e do Banco de Portugal, a que se juntavam também os Sommer dos cimentos, os Champalimaud, O’Neill, Mendia e Sottomayor da banca, os Centeno da Companhia do Gás e dos Fósforos, o Grandella do comércio da Baixa e, claro, o patrão do império industrial CUF.
O império, entretanto, estava uma vez mais em expansão. No final de junho de 1919, Alfredo da Silva cessou as suas funções de diretor da Carris, que tinha há mais de 20 anos, para se dedicar inteiramente à fundação de uma nova e importante empresa, uma “sociedade por quotas de responsabilidade limitada”, apta para “o exercício de qualquer comércio”, sobretudo na área dos transportes. Assim nasceu, com escritura pública assinada a 15 de julho de 1919, a Sociedade Geral de Comércio, Indústria e Transportes, Lda., vulgo Sociedade Geral, ou SG. A SG era sobretudo participada, no seu capital social de 2000 contos, pela CUF, o que fazia de ambas empresas siamesas, ou da SG a filha legítima da CUF, como depois se diria. A casa-mãe aproveitou o ensejo para uma reforma estatutária, aprovada a 7 de agosto, que separou da CUF toda a atividade que não fosse industrial, sendo por isso encaminhadas para a SG algumas participações que a CUF detinha em empresas comerciais. Nos tempos iniciais, a Sociedade Geral serviu sobretudo para Alfredo da Silva concentrar nela o foco de alargamento da sua pequena frota de embarcações, transformando-a progressivamente numa grande empresa de transportes, inteiramente ao serviço do escoamento da produção das fábricas da Companhia União Fabril. Além disso, a Sociedade Geral entrou, logo em 1919, no capital da Companhia do Congo Português (de cujo Conselho Fiscal Alfredo da Silva era membro), o que permitia à CUF, por essa via, ganhar uma posição mais dominante no comércio e no abastecimento ultramarino de matérias-primas.
Três dias depois da constituição formal da Sociedade Geral, a 18 de julho de 1919, e ainda como eco do protesto grevista que perturbara a CUF nas semanas anteriores, Alfredo da Silva foi vítima de um atentado frustrado contra a sua vida. Descendo a Avenida Presidente Wilson, em Lisboa, o automóvel Dodge que o transportava foi abordado por quatro indivíduos; arremessaram-lhe duas bombas de dinamite, que falharam o alvo, disparando de seguida tiros que feriram sem gravidade o motorista no braço. Silva escapou por um reflexo que o fez agachar-se no banco traseiro, e saiu incólume. Os perpetradores do atentado, soube-se depois, seriam membros de um grupo autodenominado Ação Direta, e agiriam em solidariedade com os grevistas não readmitidos na CUF. Quase quatro meses volvidos, a 6 de novembro de 1919, houve outro atentado, também fracassado, à porta da casa de Alfredo da Silva, no Alto de Santa Catarina. No momento em que o industrial saía ao portão da sua residência e se preparava para colocar o pé no estribo da limusina que o aguardava, surgiu um sujeito que tirou do bolso uma pistola, apontando-a à sua cara. Mas a arma encravou. E, enquanto Alfredo da Silva se refugiava atrás do portão, o motorista, que se apercebera do sucedido, contornou depressa o automóvel e agrediu o assaltante com a manivela da ignição do carro. Este ainda tentou um segundo disparo, mas voltou a falhar, recuou e fugiu com a pistola apontada ao motorista. Um outro indivíduo, de conluio, surgiu então a atirar uma bomba que explodiu junto da limusina, ferindo com alguma gravidade o motorista num braço e numa perna. Temendo com razão pela sua vida, Alfredo da Silva ordenou um reforço de segurança às suas casas, em Lisboa, na quinta de Sintra e num palacete do Monte Estoril cuja construção encomendara dois anos antes. A 8 de novembro, partiu para Madrid, onde se demorou alguns meses.
Regressou nos finais de 1920, mais ativo do que nunca, para declarar o seu apoio, através da Associação Industrial Portuguesa, ao Governo liderado por Liberato Pinto, um executivo forte, estribado no apoio da GNR, que pretendia repor alguma ordem pública nas ruas. Era crucial, no Portugal do tempo, assegurar disciplina social, regular a magna questão das subsistências, defendendo o protecionismo, valorizando a moeda e fomentando as colónias. Era o programa que agradava à CUF – não o do liberalismo puro, portanto, mas, num país de parcos recursos, mercado limitado e concorrência estrangeira forte, o de um liberalismo em que a intervenção enquadradora e reguladora do Estado auxiliaria e defenderia o vigor da iniciativa empresarial privada. Em 1921, novas frentes de negócio foram abertas pela CUF. Havia anos, desde a Monarquia, que esta detinha fortes interesses na importação de matérias-primas do ultramar, sobretudo oleaginosas da Guiné e de Angola, e juta proveniente de Moçambique. A somar à participação na Companhia do Congo Português, Alfredo da Silva negociou então com um conhecido comerciante ligado à Guiné, António da Silva Gouveia, a entrada no capital da empresa deste. Constituiu-se assim a António da Silva Gouveia, Lda., na qual a CUF, através da SG, tomava 30 000 libras, passando a deter uma posição acionista dominante (Gouveia ficava com 25 000 libras de capital) e, por essa via, um reforço do controlo comercial de e para a colónia guineense. No mesmo dia, 19 de março de 1921, em que ficou selado este negócio Alfredo da Silva ultimou também outro que se revelaria central no futuro da CUF, ou do então já “Grupo CUF”. A diversidade, o volume e as necessidades de capital circulante para o conglomerado de indústria, transportes e comércio liderado por Silva começava a exigir a disponibilidade de uma casa bancária que justamente alavancasse financeiramente o todo dos negócios da CUF. Ainda se pensou transformar a Sociedade Geral num banco, mas a solução era complicada. Por isso, Alfredo da Silva optou por tomar uma posição acionista forte num dos estabelecimentos bancários existentes. A escolha recaiu na Casa Bancária José Henriques Totta e Cia.
A Casa Totta era um velho banco do tempo do cabralismo, fundado na década de 1840 por Fortunato Chamiço Jr. No final de Oitocentos, passara inteiramente para o controlo de um dos seus sócios gerentes, José Henriques Totta, transformando-se depois na sociedade bancária José Henriques Totta e Cia. No final da Primeira Guerra Mundial estava, como muitos outros bancos portugueses, numa situação de crise, com corridas aos depósitos, e por isso vulnerável e carente da entrada de novos capitais. Tinha bom nome no mercado e Alfredo da Silva, tudo visto e considerado, considerou-a a sua melhor opção. O objetivo era que a Casa Totta fosse “banco e só banco”, ou seja, que centralizasse em si todas as operações financeiras do Grupo CUF, como “banco da CUF”. Alfredo da Silva começou a comprar ações da Casa Totta e, em março de 1921, assegurou a reestruturação acionista que lhe conferia a liderança. Realizou-se um aumento de capital, que ficava a totalizar 10 000 contos, dos quais 5050 contos eram tomados pela SG e 1200 por Alfredo da Silva. Assim, pessoalmente ou através da “sua” Sociedade Geral, o poder decisório na Casa Totta passava a ser seu. Tratou, imediatamente, de impor ao banco uma profunda reforma de procedimentos, acabando, por exemplo, com a prática de saques a descoberto, que ori- ginavam saldos devedores e perda de prestígio no mercado. Logo de seguida, colocou o Totta a financiar um negócio que não (lhe) correu bem: a aquisição da Companhia Nacional de Navegação. O desfecho negativo desta operação (parece que vetada, junto do Governo, pelos ingleses, por temerem que Silva passasse a ter um verdadeiro monopólio de carreiras de navegação nas rotas do ultramar), levou-o de imediato a reforçar a frota da SG. Em 1922, comprou a armadores ingleses quatro navios (batizados com os nomes de Costeiro, Mello, Pinhel e Maria Cristina), a que se seguiram mais quatro, em 1923, adquiridos aos Transportes Marítimos do Estado.
Era assim Alfredo da Silva: um homem de lances audazes, como foi a tomada de controlo da Casa Totta, e de revezes rapidamente recuperados, como foi o da frustrada tentativa de tomar a Companhia Nacional de Navegação. Dizia-se, em 1921, que subsidiava secretamente o diário Imprensa da Manhã, a quem se referiria como “uma amante cara”, e que o usava para publicar cartas ou artigos em sua defesa. Continuava na ribalta e, fosse por isso, fosse pelo seu poder acumulado, fosse pelo passado sidonista, que os meios radicais da República não esqueciam, Alfredo da Silva quase perdeu a vida num atentado ligado à famosa “Noite Sangrenta” de outubro desse ano.
A “Noite Sangrenta” foi, com toda a probabilidade, uma vingança da rua radical lisboeta, impaciente, por aquela altura, com a ascensão que a direita vinha registando, e que culminara na tomada de posse do Governo de António Granjo. Contra ele, contra outros nomes conservadores, contra antigos simpatizantes do sidonismo e contra nomes graúdos da banca, da indústria e do comércio (que eram ricos e, portanto, só poderiam ser “açambarcadores” ou “egoístas”), correu uma lista de alvos a abater239. Na noite de 19 de outubro, o primeiro-ministro António Granjo foi assassinado, bem como Machado Santos, dois antigos ministros sidonistas e um chefe de gabinete do próprio Sidónio. Percebendo que tinha a cabeça a prémio, Alfredo da Silva começou por se esconder na casa da condessa do Cartaxo (a mãe do seu genro), em Sintra. Dali partiu para apanhar o comboio para Espanha. No comboio, apesar de estar acompanhado por um agente de polícia, aconselharam-no a descer nas Caldas da Rainha. Ele recusou e prosseguiu viagem. Um capitão da GNR, que era passageiro e um militante radical, reconheceu-o e denunciou-o à multidão à chegada a Leiria. A turba entrou de rompante na carruagem. “Que me querem?”, perguntou o industrial. “Matá-lo”. “Pois vamos a isso e depressa!”. O agente que o escoltava disparou tiros para fazer dispersar o ajuntamento ameaçador. Mesmo assim, Alfredo da Silva foi arrastado para a gare. Recebeu encontrões e socos e um tiro que o fez cair. “A multidão irada pisou-o, moeu-o de pancada”. Levaram-no num camião para o centro da cidade, onde o arrastaram e lhe bateram de novo. Tê-lo-iam decerto linchado, não fora a providencial e destemida ação de um popular que se interpôs, barrando os instintos selvagens dos que ali estavam, e que a custo o levou para o hospital, onde os médicos lhe extraíram a bala e o mantiveram em repouso durante alguns dias240. Compreensivelmente temeroso por mais este atentado, de que escapou por pouco, decidiu então sair do país, partindo para um exílio que era, para ele, uma dolorosa necessidade – apesar de o próprio Presidente da República, António José de Almeida, lhe ter telefonado para se inteirar da sua condição de saúde e para tentar, sem êxito, demovê-lo.
No final do mês de outubro de 1921, uma vez refeito dos ferimentos sofridos em Leiria, Alfredo da Silva partiu para o estrangeiro, fixando residência principal em Madrid, onde começou por viver no Hotel Ritz, encontrando depois uma casa com escritório, que alugou, na Calle de Juan de Mena, n.o 10, a dois passos da Plaza Cibeles e do parque de El Retiro. Da capital espanhola deslocava-se a outras cidades europeias, estando muitas vezes em Paris ou Londres, onde iniciava ou consolidava contactos comerciais, negociava créditos, observava novidades industriais, etc. O exílio nunca foi sinónimo de ócio, mas de trabalho – e talvez até de trabalho redobrado, porque insistiu sempre em ser um patrão “ausente-presente”, mantendo ligação estreita com os seus negócios em Portugal. Dirigia a CUF e as empresas associadas à distância e “nenhuma decisão importante era tomada sem a luz-verde” de Alfredo da Silva. Montou uma apertada rede de correspondência epistolar e de despachos telegráficos com os colaboradores mais próximos, particularmente com o genro, Manuel de Mello, e com o gerente executivo da Casa Bancária Totta, José Paes Borges, utilizando por vezes cifras secretas, ou escrevendo em francês, quando o assunto era mais delicado ou quando temia que as cartas e os telegramas pudessem ser intercetados. O conselho de administração da CUF reunia sem ele. Mas Alfredo da Silva queria saber tudo e controlar tudo, reagindo indignado sempre que não lhe chegava a informação necessária, e impaciente, sempre que o aconselhavam a permanecer em Espanha. Muitas vezes não o fez. Tomava o comboio em Madrid e entrava em Portugal meio incógnito, passando dias ou semanas nas fábricas do Barreiro, onde tinha um chalet para pernoitar, ou na unidade de Alferrarede, que dispunha também de um alojamento para ele.
Os novos negócios poderão ter abrandado, depois das criações de 1919-1921, mas não pararam. No Barreiro, a primeira metade da década de 1920 foi marcada pela modernização de máquinas em muitas das unidades da indústria química, pela instalação de mais oficinas de fundição e caldeiraria, e pela ampliação da secção de cordoaria mecânica, que fabricava cordas e amarras para as fragatas da Sociedade Geral, com sisal e manila provindos das colónias. Em 1923, em Vila Nova de Gaia, foi inaugurada uma unidade de moagem de enxofre da CUF, reforçando-se assim a presença no Norte, perto dos escritórios de venda no Porto, e dos próprios elevadores ribeirinhos de Gaia, cuja administração fora tomada pela CUF já em 1920. Depois das embarcações compradas em Inglaterra e ao Estado português, foram adquiridas mais algumas unidades na Holanda, já em 1926, e ampliadas as oficinas navais no Barreiro, mostrando como a aposta da CUF na navegação (através da SG) era óbvia. Iniciaram-se carreiras de navegação costeira nos portos portugueses, que se alargaram à cabotagem com Marrocos e não tardaram a fixar-se carreiras com o Norte da Europa, a juntar às já abertas para a Guiné e Cabo Verde.