Uma cara nova e menos conhecida, um vereador repetente. Uma professora de voz “serena”, um político que nem nas ruas desiste de um debate. Uma campanha cheia de pesos pesados, e outra em que o protagonista faz as despesas das arruadas, mesmo que fale sempre da candidatura no plural.
Quem vê Beatriz Gomes Dias e João Ferreira em ação pelas ruas de Lisboa percebe que a opção à esquerda — que é, também, uma corrida entre rivais — se faz entre candidatos muito diferentes. Nesta reta final da campanha, com estratégias muito diferentes também: Beatriz é acompanhada de cada vez mais figuras importantes dentro do Bloco (para ajudar à notoriedade e a injetar mediatismo na campanha?) e Ferreira parece ter recebido uma injeção de energia (ou uma sondagem favorável?).
Esta quinta-feira, já com o domingo das eleições à vista, Bloco de Esquerda e CDU começaram a manhã na rua — Beatriz foi ao mercado de Benfica, que visitou há menos de uma semana com a companhia de Francisco Louçã, desta vez ao lado de Catarina Martins; João Ferreira percorreu energicamente as ruas de Alvalade, distribuindo folhetos e conversa por todas as esplanadas e lojas que conseguiu encontrar.
As tais conversas e interações são mais do que momentos pontuais — e revelam um pouco do que são, e como pensam, os candidatos nesta corrida em que competem pelo mesmo lugar: o segundo partido de esquerda na câmara, e o que poderá influenciar uma eventual nova governação de Fernando Medina.
Bom dia, esta é a (professora) Beatriz
No arranque da campanha, foi sobretudo Beatriz Gomes Dias quem preferiu apostar no contacto de rua. A candidata do Bloco partia com um défice — o défice da notoriedade — em relação aos seus concorrentes da esquerda: João Ferreira é vereador há oito anos em Lisboa (como gracejava há semanas em entrevista ao Observador: “Alguns chegaram aqui há dois dias, mas não é o meu caso nem o de Fernando Medina”). Por isso mesmo, importa apresentar a candidata e trabalhar para assegurar um dos pilares mais importantes na hora do voto: ser uma cara conhecida, e reconhecida no boletim de voto.
Foi o que fez Francisco Louçã, no mercado de Benfica, no sábado: “Bom dia, esta é a Beatriz!”, dizia a quem passava (e a candidata completava, sorridente: “Sou eu!”). Se há muito quem não a conheça, a ex-professora esforça-se, mostra simpatia, acompanha os típicos bombos da comitiva com danças improvisadas, conversa. A meio da semana, de visita à papelaria histórica Eduardo dos Livros, em Campo de Ourique, a dona, Helena Pereira, elogiava o estilo “sereno” da candidata — que o justificava com os anos de experiência como professora (ensinava Ciências ao 2º e 3º ciclos).
Não é a única: durante a semana, Beatriz vai encontrando quem lhe elogie o estilo calmo e quem lhe garanta que gosta muito de a ver na televisão — uma característica que o candidato à junta de Campo de Ourique, Vasco Barata, chega a explicar que agrada pelo contraste com “a berraria dos homens de fato” do costume.
O protagonismo é, ainda assim, ‘roubado’ pelas figuras de peso do Bloco de Esquerda que se vão juntando à campanha — e são muitas. Nesta segunda semana, na comitiva que a acompanha entram dois fundadores (Francisco Louçã, no mercado de Benfica, e Luís Fazenda, mais discreto, na Feira do Relógio) e diversos dirigentes (Pedro Filipe Soares, Marisa Matias, Mariana Mortágua, e na reta final Catarina Martins). Com Marisa, que acompanha Beatriz numa arruada pelas ruas da Ajuda, a química com as pessoas é mais evidente: a eurodeputada facilmente fica para trás na conversa, faz perguntas, responde, tira fotografias, faz piadas. A candidata solta-se menos — mas também tem muito menos anos de campanhas e experiência do que Marisa, que ainda em janeiro entrava na corrida às eleições presidenciais.
Na reta finalíssima, o maior ‘boost’: Catarina Martins, que tinha aparecido em momentos pontuais (uma visita a uma casa pronta para entregar nos programas de renda acessível, primeiro, e um comício distrital, no fim de semana) vai passar esta quinta-feira inteira com Beatriz, o que também aumenta automaticamente a cobertura mediática da campanha.
O dia começa com boas perspetivas: no mercado de Benfica, a dupla ouve um “viva às mulheres” assim que entra e Catarina entra com energia em campo, travando conversa com todos os que encontra — “tanto peixinho bom…” — e distribuindo uns ocasionais “que bom vê-la” a quem passa. Em todos os casos, aproveita de seguida para apresentar “a Beatriz”. E alargar a conversa às propostas nacionais: “Os salários são pequeninos, as pessoas não têm dinheiro para vir ao peixe… As casas são caras e o salário fica todo lá… Temos de resolver isso!”.
O empenho da líder, que ainda vai estar numa “grande arruada”, como descreve a agenda oficial do Bloco, e num “grande comício” com outros dirigentes esta noite, em Lisboa, é fácil de perceber: o partido tem pouca implantação autárquica (e zero presidências de câmara) e a verdadeira prova que presta nestas eleições passa por segurar a vereação e a influência na capital, não se prevendo um crescimento digno de nota.
Na última grande sondagem antes das eleições, que Público e RTP divulgavam na quarta-feira à noite, previa-se uma percentagem de 7% para o BE, muito semelhante, ainda que ligeiramente inferior, ao resultado de há quatro anos. Mantê-lo deverá significar manter a vereação que tem agora — um resultado que cumpriria, sem deslumbrar.
O coletivo primeiro (e os votos ‘roubados’ ao PS)
Voltamos à manhã desta quinta-feira, de novo, já com as eleições de domingo à vista. Desta vez, a partida faz-se em plena Avenida de Roma, em Alvalade. O protagonista é João Ferreira, embora aqui seja preciso fazer uma ressalva: se Beatriz Gomes Dias se costuma apresentar explicando que é candidata à Câmara Municipal de Lisboa, são raríssimas as vezes em que Ferreira não apresenta a candidatura no plural — “pode ver aqui os nossos candidatos à câmara e à junta”, diz sempre que entrega um folheto. No PCP, o coletivo vem primeiro.
No plural ou no singular, até porque até agora só contou com a presença de Jerónimo de Sousa num comício, na primeira semana de campanha, Ferreira segue com energia. Se no início da campanha fez menos ações de rua do que o Bloco, e mais iniciativas “sentadas” com apoiantes da CDU, nesta reta final já adota o cenário habitual das arruadas — o grupo que segura as bandeiras da candidatura, a gaita de foles que toca “cheira bem, cheira a Lisboa” — e segue pela rua fora. Nesta quinta-feira, parece particularmente enérgico — poderá não ser alheio a isso o facto de na quarta-feira à noite ter sabido da mesma sondagem, que atribui à CDU 11% dos votos.
A confirmar-se, serão mais 1,5 pontos percentuais do que conseguiu em 2017, embora graças à dispersão de votos isso não assegure, até ver, mais vereadores. Ainda assim, é uma percentagem importante para contrariar a tendência de perda tanto do PCP como do próprio João Ferreira, que ainda em janeiro tinha um resultado presidencial considerado “aquém” pelo partido e que continua a ser apontado como o mais provável sucessor para Jerónimo de Sousa.
A crescente energia — que acompanha a sensação de “crescendo” que quer imprimir à campanha — traduz-se numa descontração maior na rua. Esta manhã, Ferreira ouve piropos (“é giro, ele! A gente não gosta de caras feias!”, grita uma florista), faz campanha até por outros concelhos (“de Loures a Lisboa, de Sintra a Almada, há boas razões para votar na CDU em todo o lado”, diz à florista do lado, que vive — e vota — em Loures).
E tem encontros que o animam: um rapaz assume que é “militante do PS” mas promete o seu voto a Ferreira, com quem quer uma selfie — e pede encarecidamente à equipa que não lhe tire fotografias ali, para que a notícia do apoio não chegue aos companheiros socialistas.
De resto, Ferreira, que ouve mais uns “giraço!” pelo meio e chega a tentar convencer uma candidata nas listas de Carlos Moedas das virtudes da sua campanha, é igual a si próprio: quando se fala de propostas concretas, não resiste em dar verdadeiras palestras a quem passa ou a entrar em debate, se for caso disso. Nesta manhã, na conhecida pastelaria Vá-Vá, em Alvalade, esclarece um rapaz sobre todos os pormenores dos programas de renda acessível; se lhe falam do aeroporto de Lisboa, aproveita logo para recitar parte do seu programa; uma menção a uma freguesia que foi extinta em Lisba serve para mostrar a sua indignação e lembrar que o PCP “foi contra” essa ideia.
Há uns dias, nos bairros municipais de Marvila, ia mais longe e fazia questão de descrever pormenorizadamente, em cada mesa de esplanada em que parava, as propostas da CDU para que quem ali vive pague uma renda mais baixa e baseada no seu rendimento líquido, e não bruto. O pormenor não é de estranhar: afinal, Ferreira já foi eleito vereador em dois mandatos consecutivos e conhece os dossiês — facto que faz sempre questão de lembrar a quem cumprimenta na rua. Não acha graça a desvios dos assuntos estritamente políticos: sempre que lhe pedem brindes ou canetas na rua, responde que prefere esclarecer as pessoas a dar presentes para pedir votos. E segue.
O outro aspeto que nunca se esquece de sublinhar, assim que ouve uma queixa ou uma acusação genérica — “vocês não fazem nada!”, um clássico de campanha — é de separar as águas… e colar o Bloco de Esquerda ao PS: em cada conversa, lembra que o partido do lado partilhou a governação com Fernando Medina, pelo que não pode livrar-se das responsabilidades do que correu mal. Em sentido contrário, pelas ruas de Lisboa, Beatriz continua a pedir mais força… para influenciar o PS. Só há uma coisa em que estão de acordo: nesta fase, as duas campanhas são rivais diretas e têm de transmitir a ideia de que vão crescendo — e a impressão que deixam pelas ruas é essencial para isso mesmo.