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Numa das muitas histórias de veracidade duvidosa que envolvem Winston Churchill, conta-se que um jovem deputado tory que se estreava no parlamento terá dito a Churchill, apontando a bancada oposta, “Então aqueles são o inimigo…”, ao que Churchill terá respondido, “Não, filho, aqueles são a oposição”, e, apontando em seguida para a sua própria bancada, “O inimigo está aqui”. A história poderá ser apócrifa, mas espelha as tensões internas que agitam a vida partidária sob a aparência de unanimidade que todos os partidos se esforçam, em maior ou menor grau, por manter. Nos regimes democráticos, há algumas ocasiões em que o simulacro do partido como entidade monolítica e regida por princípios meritocráticos e democráticos se desfaz com fragor: nas eleições primárias, nos congressos electivos e na elaboração de listas de candidatos a cargos elegíveis as rivalidades e rancores vêm à superfície e percebe-se que a ideologia desempenha, em muitos partidos, papel secundário face ao choque de egos e às ambições pessoais.

Na política americana não só vigora o sistema de eleições primárias para apuramento dos candidatos de cada partido à maioria dos cargos elegíveis, o que proporciona amplas oportunidades para guerras intestinas, como é comum que o debate político atinja um nível de agressividade e acrimónia pouco visto nas democracias da Europa Ocidental. A entrada em cena de Donald Trump, com o seu estilo desabrido, apurado em muitos anos de experiência no mundo dos negócios e da “trash TV”, fez com que as eleições primárias em que tem participado, em 2016, 2020 e 2024, tenham sido férteis em trocas de “mimos”.

Nota: Este é o terceiro numa série de quatro artigos sobre uma das mais extraordinárias figuras do nosso tempo: Donald John Trump. Os anteriores podem ser lidos aqui:

Mitt Romney

Governador do Massachusetts (2003-07), candidato Republicano às eleições presidenciais de 2012, senador pelo Utah (desde 2019)

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Fevereiro de 2016: Romney manifesta desagrado pelo favoritismo de que Trump começa a gozar nas eleições primárias presidenciais do Partido Republicano e censura-o por não divulgar as suas declarações de rendimentos: “Acho que há alguma coisa ali. Ou ele está longe de ser tão rico como diz que é, ou não tem vindo a pagar os impostos que deveria pagar. […] A razão porque acho que há ali algo comprometedor é o facto de, de cada vez que lhe perguntam pelas declarações, ele esquivar-se e protelar e dizer ‘Estamos a trabalhar nisso’. Ora, não estamos a falar da declaração a entregar este ano, mas das que já entregou. […] Talvez ele não tenha estado a fazer doações para os veteranos ou para pessoas com incapacidades, como ele nos diz que faz”.

Trump responde no Twitter, qualificando Romney como “estúpido” e lamentando tê-lo apoiado nas eleições presidenciais de 2012: “Da última vez que Mitt Romney me pediu o seu apoio, foi tão desajeitado e pateta que todos nós deveríamos ter percebido que seria incapaz de vencer”.

03.03.2016, discurso no Hinckley Institute of Politics, Gardner Hall, Universidade do Utah, Salt Lake City:

“Se nós, Republicanos, escolhermos Donald Trump como nosso candidato, as perspectivas de um futuro seguro e próspero serão muito diminuídas. […] Mas vocês dirão: ‘Espere aí, espere aí, então não é ele um caso de formidável sucesso empresarial e não sabe ele do que fala?’ Não, não é, e não, não sabe. As suas falências arruinaram pequenas empresas e os homens e mulheres que nelas trabalhavam. Ele herdou o seu negócio, não o criou. E o que aconteceu afinal à Trump Airlines? E à Trump University? Então e a Trump Magazine e a Trump Vodka e as Trump Steaks e a Trump Mortgage? Génio dos negócios é que ele não é. […] Donald Trump diz-nos que é muito, muito esperto. Receio que no que toca à política externa ele não seja muito, muito esperto. […] Pensem nas qualidades pessoais de Donald Trump: o bullying, a ganância, o exibicionismo, a misoginia, as encenações teatrais de terceira categoria. Donald Trump é um hipócrita, uma fraude, e as suas promessas valem tão pouco como um diploma da Trump University. […] Há muito que nos referimos a ele como ‘The Donald’. É a única pessoa na América a quem adicionámos um artigo antes do nome. E não foi por ele ter virtudes que admirássemos. […] Prevejo que, apesar da promessa, de há um ano, de que iria fazê-lo, ele nunca divulgará as suas declarações de rendimentos. Nunca – ele tem muito a esconder. […] Se eu acertar na previsão, tereis todas as provas de que necessitais para confirmar que Donald Trump é um aldrabão. […] A sua política doméstica conduziria à recessão. A sua política externa tornaria a América e o mundo em lugares menos seguros. Ele não tem o temperamento nem o discernimento para ser presidente. E as suas qualidades pessoais significam que a América deixaria de ser a cidade luminosa na colina. […] Ele toma os eleitores americanos por papalvos: ele ganha um bilhete para a Casa Branca e nós limitamo-nos a receber um boné rasca.

[versão integral do discurso de Romney no Hinckley Institute of Politics, 03.03.2016:]

● Março de 2016: Trump reage a este discurso num comício em Portland, Maine, lembrando que, nas eleições primárias de 2012 do Partido Republicano, “eu apoiei Mitt Romney. Ele veio suplicar o meu apoio, eu podia ter-lhe dito, ‘Mitt, põe-te joelhos’ e ele ter-se ia ajoelhado”. Num tweet, no mesmo dia, Trump afirma que “Romney é um candidato falhado. Quero dizer, eu apoiei-o e ele falhou. Era um candidato horrível”. Romney retorque que “se Trump tivesse dito, há quatro anos, as coisas que hoje diz sobre o Ku Klux Klan, os muçulmanos, os mexicanos e os deficientes, eu nunca teria aceitado o seu apoio”.

● 05.11.2016: Trump vence as eleições presidenciais.

29.11.2016, declarações de Romney aos media após um jantar com Trump e Reince Priebus (secretário do Republican National Committee e futuro chefe de gabinete de Trump):

“Passei uma noite maravilhosa com o presidente eleito Trump e tivemos uma conversa sobre assuntos de todo o mundo, que foi iluminadora, interessante e absorvente. Gostei mesmo muito. Também fiquei impressionando com as observações que fez na noite da vitória. Não é fácil vencer. Eu sei bem disso. Ele conseguiu algo que eu também tentei e não consegui. Ele venceu a eleição. E ele continua a ter uma mensagem de inclusão e de aproximar as pessoas e a sua visão é, obviamente, algo que toca o povo americano de uma forma muito poderosa. […] Creio que os melhores dias da América ainda estão por vir e que a América continuará a liderar o mundo neste século. O que vi desta conversa com o presidente eleito Trump, o que ouvimos do seu discurso na noite da vitória e as pessoas que ele escolheu para a transição [de Governo], todas estas coisas combinadas dão-me a forte esperança de que o presidente eleito Trump será mesmo o homem capaz de nos conduzir a um futuro melhor”.

Nota: Nas semanas seguintes, circulam rumores de que Trump estará a considerar nomear Romney secretário de Estado.

● Fevereiro de 2018: Romney anuncia candidatura a senador, pelo estado de Utah; Trump anuncia apoio a Romney.

● Novembro de 2018: Romney é eleito senador.

O vice-presidente Mike Pence dá posse a Romney como senador pelo Utah, Janeiro de 2019

● Janeiro de 2019, artigo no Washington Post:

“É sabido que Donald Trump não foi a minha escolha para a nomeação presidencial do Partido Republicano. Após ele ter sido nomeado, tive esperança de que a sua campanha se abstivesse de ressentimentos e de insultos. Não o fez. […] As palavras e acções de Trump [durante a presidência] têm causado consternação por todo o mundo. O mundo precisa da liderança americana e é do interesse da América providenciá-la. […] Feitas as contas, a sua conduta durante os dois últimos anos, e em particular durante este mês, são uma prova de que o presidente não se elevou à altura do cargo. […] Um presidente deve exibir as qualidades essenciais da honestidade e da integridade e elevar o discurso nacional através da cortesia e do respeito mútuo. E é neste domínio que as falhas do presidente têm sido mais clamorosas. […] Não tenciono comentar cada um dos tweets [de Trump], mas pronunciar-me-ei contra declarações ou acções que sejam divisivas, racistas, sexistas, anti-imigrantes, desonestas ou atentatórias das instituições democráticas”.

Mitt Romney e Donald Trump, Casa Branca, 2019

● Janeiro de 2020: Romney é o único senador Republicano a votar a favor da destituição de Trump por abuso de poder e tentativa de obstrução à investigação desse abuso. Este terá consistido em ter pressionado, no Verão de 2019, o primeiro-ministro ucraniano Volodymyr Zelensky para, em troca da libertação de ajuda militar americana, obter informações comprometedoras sobre os negócios na Ucrânia de Hunter Biden, filho de Joe Biden, o rival Democrata de Trump na corrida presidencial de 2020. Com esta votação, Romney tornou-se também no primeiro senador na história dos EUA a votar favoravelmente a destituição de um presidente.

● Fevereiro de 2021: Romney foi um dos cinco senadores Republicanos que votou a favor da destituição de Trump, no 2.º processo de destituição contra Trump, devido à sua tentativa para alterar o resultado das eleições em seu favor e à incitação à insurreição (que culminou no ataque ao Capitólio). Entre 2019 e o termo do mandato de Trump, Romney alinhou com o Partido Republicano em 75% das votações no Congresso; durante o mandato de Biden, Romney tem votado a favor da legislação Democrata em 56% dos casos, sendo um dos poucos senadores Republicanos a divergir da linha do partido em decisões relevantes.

● Citado em Romney: A reckoning (2023), biografia de Romney da autoria de McKay Coppins:

“Quase sem excepção, [os Republicanos no Senado] partilhavam a minha opinião sobre o presidente. Em público, claro, desempenhavam o papel de seguidores de Trump, por vezes fazendo números de contorcionismo retórico para defender os comportamentos mais indefensáveis do presidente. Mas em privado ridicularizavam a sua ignorância, reviravam os olhos perante as suas palhaçadas, e faziam observações contundentes sobre a sua mente acriançada e deformada. [Um senador veterano até admitiu francamente que] ‘ele não tem nenhuma das qualidades desejáveis num presidente e tem todas as qualidades indesejáveis’”.

Marco Rubio

Senador pela Florida (desde 2011)

● Abril de 2015: Rubio anuncia a candidatura às eleições primárias do Partido Republicano.

● Outubro de 2015:

“[Trump] tem um péssimo desempenho nos debates […] Nunca trata realmente dos temas e não tem mais do que um soundbite de dez segundos sobre qualquer assunto-chave”.

● Fevereiro de 2016, CNN:

“Se Trump construir o muro [na fronteira com o México] como construiu a Trump Tower, usará como operários imigrantes ilegais”.

Nota: A CNN investigou a veracidade desta afirmação e confirmou que parte dos operários que trabalharam na construção da Trump Tower eram imigrantes ilegais e que o empreiteiro se aproveitou desta situação para lhes pagar salários somíticos e negar-lhes regalias.

● Fevereiro de 2016, entrevista ao programa CBS This Morning:

“[Trump está] absolutamente impreparado para ser presidente dos EUA. […] Este é o mais importante cargo governamental do planeta e estamos em vias de entregar o movimento conservador a uma pessoa que não tem ideias com um mínimo de substância sobre os assuntos importantes. […] [Imagine-se, confiar] os códigos nucleares dos EUA a um indivíduo errático. […] Admito que haverá pessoas a ver este programa que se sentem intrigadas por ele, pois julgam que ele fala sinceramente e que luta pelo cidadão comum. Mas Donald Trump passou 40 anos, ou mais, a viver à custa do cidadão comum. De cada vez que um dos seus negócios vai à falência, quem é que fica a arder? É o cidadão comum que trabalhava para ele. […] Se têm amigos que estão a pensar votar em Donald Trump, os amigos não deixam que os amigos votem num mestre da vigarice”.

Marco Rubio num comício de campanha, Janeiro de 2016

Fevereiro de 2016, comício, Virginia, em resposta à alcunha de “Little Marco” que Trump lhe colara:

“Admito que ele é mais alto do que eu. Ele tem 1.88 metros e é por isso que não percebo que tenha as mãos de alguém com 1.58 metros. E sabem o que se diz de homens com mãos pequenas? Que não se pode confiar neles.”

● Março de 2016:

“Temos um mestre da vigarice a liderar as opções do Partido Republicano. A sua candidatura assenta na ideia de que luta pelo cidadão comum, mas ele tem passado a sua carreira a viver à custa do cidadão comum. E todos os negócios em que ele se meteu acabaram em bancarrota. Este fulano levou um casino à falência! Como é que se leva um casino à falência? E o comandante supremo [das Forças Armadas] não pode ser alguém que julga que a ‘tríade nuclear’ é uma banda de rock. Se ele não tivesse herdado 200 milhões [de dólares], estaria a vender relógios em Times Square. […] O conservadorismo não assenta em quão desbocado és capaz de ser, quão insultuoso és capaz de ser, quantas palavras ofensivas és capaz de dizer, quantas coisas ridículas és capaz de dizer na televisão”.

Nota: A ‘tríade nuclear’ (nuclear triad) são as três formas de lançamento de ogivas nucleares, a partir de silos em terra, submarinos e bombardeiros.

● Março de 2016:

“Acho que ele é uma fonte de embaraço. Há pessoas de todo o mundo a assistir a este debate e a esta campanha e a interrogar-se sobre o que se passará aqui, pois as coisas que ele diz não fazem sentido, Quando se é a nação mais poderosa e importante do mundo, nem sempre se é popular. Mas a questão é se se é respeitado e eu não penso que Donald Trump vá ser respeitado”.

● Março de 2016:

“Nos próximos anos, há muitas pessoas de direita, nos media e entre os eleitores em geral, que terão de explicar e justificar como caíram na esparrela de apoiar Donald Trump”.

● 15.03.2016: Rubio anuncia a suspensão da sua campanha. Enquanto esta durou, Trump e Rubio trocaram provocações constantes, muitas delas de natureza pueril e frívola: Rubio troçou do make-up e dos erros ortográficos nos tweets de Trump e insinuou que, no intervalo de um debate Trump, fora obrigado a ir mudar de calças porque perdera o controlo da bexiga; Trump ridicularizou Rubio pelas suas orelhas, pelo hábito de beber água constantemente e pela sua modesta estatura (“Parece um miúdo em palco. Não é material presidenciável”).

● Novembro de 2016:

“Concorri contra Donald Trump e embora respeite os eleitores que votaram nele como candidato Republicano, nunca hesitei em opor-me às suas políticas com que discordava. E tenho, consistentemente, rejeitado a sua retórica insultuosa e o seu comportamento. Discordo dele em muitas coisas, mas discordo da sua adversária em praticamente tudo. Quem me dera ter melhores escolhas para presidente. Mas não quero ter Hillary Clinton como próxima presidente”.

Donald Trump visita a Florida, na sequência da passagem pelo estado do furacão Irma e é recebido por Brock Long (ao centro), administrador da FEMA (Federal Emergency Management Agency), e por Marco Rubio, Setembro de 2017

● Janeiro de 2024, Twitter:

“[Apoio Trump] porque o seu tipo de liderança é o único que nos permitirá as acções extraordinárias necessárias para reparar o desastre que Biden criou”.

● Março de 2024: reagindo a rumores de que Trump estaria a considerar o nome de Rubio como seu vice-presidente, o senador declarou que os desentendimentos entre os dois estavam sanados há muito: “Temos tido uma excelente relação de trabalho; concorremos um contra o outro, mas desde 2016 – especialmente enquanto ele foi presidente – que temos trabalhado juntos muito bem”. Acrescentou que “a quem quer que seja oferecido o cargo de vice-presidente [de Trump], deve considerar isso uma honra e uma oportunidade incrível para servir o nosso país”.

Ted Cruz

Senador pelo Texas (desde 2013)


Março de 2015: Cruz anuncia a candidatura às eleições primárias do Partido Republicano.

● Junho de 2015: Trump anuncia a candidatura às eleições primárias do Partido Republicano.

● Fevereiro de 2016, programa Meet the Press, NBC, sobre a relutância de Trump em quer divulgar as suas declarações de rendimentos:

“Têm surgido várias reportagens nos media sobre os negócios de Donald com a Mafia. Talvez as suas declarações revelem esses negócios. O facto de Donald parecer aterrado com a ideia de divulgar as suas declarações sugere que há ali algo explosivo”.

● Fevereiro de 2016: Ao contrário do previsto pelas sondagens, que davam Trump como favorito, Cruz vence o “caucus” do Iowa e Trump reage com um tweet em que acusa Cruz de fraude: “Ted Cruz não ganhou as eleições no Iowa, roubou-as”.

Nota: “Caucus” designa um procedimento de escolha de candidatos nas eleições primárias, em certos estados americanos.

Ted Cruz discursa numa “sucursal” do Partido Republicano em Des Moines, Iowa, 31.10.2015

● Março de 2016, em resposta a comentários de Trump sobre a sua esposa, Heidi Cruz, insinuando que era feia (ou, pelo menos, mais feia do que Melania):

“Donald, és um cobarde ranhoso. Não te metas com a Heidi. […] Não é fácil tirar-me do sério, não me irrito frequentemente, mas se te metes com a minha mulher ou com os meus filhos, terás sempre a mesma resposta”.

“Não é aceitável que um bully de Nova Iorque, grandalhão e desbocado, ataque a minha mulher”.

“[Trump] é um homenzinho mesquinho que se sente intimidado por mulheres fortes”.

● Março de 2016:

“Donald Trump não é um outsider. Ele finge que é um outsider. Donald Trump tem apoiado o establishment de Washington, a corrupção de Washington, ao longo de quatro décadas. Deixem-me dizer a toda a gente lá em casa que é apoiante de Donald Trump e estão furiosos com Washington que eu percebo isso. Mas Donald tem vindo a financiar e a apoiar tudo aquilo que vos deixa furiosos. Donald vai fazer um acordo que favorece Wall Street e as grandes empresas e deixa os trabalhadores sem nada”.

Nota: Cruz repetiu por várias vezes esta acusação, com variações mínimas, entre Fevereiro e Abril de 2016, nomeadamente numa intervenção no programa Hannity, na Fox News, a 04.02.2016, e nesta outra, de Abril de 2016:

“John Boehner [então um membro proeminente do Partido Democrata], Hillary Clinton e Donald Trump fazem parte do mesmo sistema corrupto. É por isso que Donald Trump passa cheques em nome de Boehner e de Hillary. E se quiserem mudar o sistema, bem, uma das maiores fraudes na história das eleições recentes é que Donald Trump finja que é um outsider”.

O Capitólio dos EUA, Washington D.C: Na linguagem da alt-right, “Washington” tornou-se sinónimo, não de sede da democracia americana, mas de corrupção, de ludíbrio e de concentração do poder nas mãos das elites e de um Estado gigantesco, burocrático e ineficaz

Maio de 2016, Evansville, Indiana, no dia de uma votação decisiva para as eleições primárias do Partido Republicano:

“Esta manhã, Donald Trump apareceu nas televisões a atacar o meu pai [Rafael Cruz]. Donald Trump alega que o meu pai se encontrou com o assassino de Kennedy, Lee Harvey Oswald, sugerindo que o meu pai esteve envolvido no assassinato de John F. Kennedy. Deixem-me ser absolutamente claro: isto é de loucos. Isto não é uma posição razoável. Isto é simplesmente lunático. E já que falo disto, acho que também tenho de confessar que que o meu pai matou JFK, que ele é Elvis disfarçado e que enterrou Jimmy Hoffa no seu quintal. […] Vou dizer-vos o que realmente penso de Donald Trump: este homem é um mentiroso patológico. Não sabe a diferença entre verdade e mentira, mente praticamente com cada palavra que sai da sua boca e, num padrão que parece saído de um manual de psicologia, acusa todos os outros de mentirem […] e seja o que for que faça [de reprovável], acusa os outros de o fazerem. O homem não é capaz de dizer uma verdade. Mas combina isto com ser um narcisista, um narcisista de um grau alguma vez visto neste país. Trump é tão narcisista que Barack Obama olha para ele e pergunta, ‘Ei mano, qual é o teu problema?’. Tudo no mundo de Donald é sobre Donald. […] A isto soma-se ser um mentiroso patológico. E uso o termo ‘patológico’ porque acredito mesmo que, se ligassem Donald a um detector de mentiras, ele seria capaz de dizer uma coisa de manhã, outra coisa ao meio-dia, e outra à noite, todas contraditórias, e passaria no teste do detector de mentiras todas as vezes. Seja qual for a mentira que esteja a contar, acredita nela quando está a dizê-la. Este homem é absolutamente amoral. A moralidade não existe para ele. […] Donald é um bully. Todos encontrámos bullies na escola primária. Os bullies não são fruto da força mas da fraqueza. Os bullies nascem de uma caverna abissal de insegurança. É por isso que, seja onde for que vá, Donald constrói edifícios gigantescos e coloca neles o seu nome. […] Há milhões de pessoas neste país que estão zangadas com Washington, com políticos que lhes mentem, e eu compreendo essa zanga e partilho-a. E Donald está, cinicamente, a explorar essa zanga e a mentir aos seus apoiantes. Donald irá trair os seus apoiantes em todos os assuntos. […] A sua estratégia de ser um bully é particularmente dirigida a mulheres. Donald tem um problema sério com mulheres. As pessoas são inseguras sobre quem são. Donald tem pavor de mulheres fortes e arremete contra elas. Este é o mesmo Donald Trump que, a semana passada, aqui no Indiana, aceitou orgulhosamente o apoio de Mike Tyson, um violador condenado, que cumpriu três anos de prisão, aqui no Indiana, por ter violado uma rapariga de 17 anos. […] Peço às pessoas do Indiana para imaginarem o que serão os próximos cinco anos se este homem se tornar presidente: a bazófia, as mentiras, […] o bullying. Pensem em como será se os vossos filhos o tomarem como modelo. […] Donald Trump é um engatatão em série e gaba-se disso, não é um segredo, ele orgulha-se de ser um engatatão em série. Convido-vos a todos a pensarem nos vossos filhos adolescente… o presidente dos EUA a dizer como é fixe cometer adultério e quão orgulhoso está, a descrever as suas batalhas contra doenças venéreas como ‘o seu próprio Vietnam’. […] Querem passar os próximos cinco anos com os vossos filhos [ouvindo Trump] gabar-se das suas infidelidades [amorosas]? […] Sou pai de duas raparigas e a ideia de virem para casa a repetir qualquer palavra que esse homem diga horroriza-me. A América não é isto. […] Os executivos dos media estão a tentar convencer os americanos que a corrida está decidida e que não há outra escolha que não seja entre Donald Trump e Hillary Clinton – e qualquer um deles é uma escolha horrenda para este país. […] Se o Indiana não agir [votando em Cruz] este país poderá mergulhar no abismo. Não acredito que isto represente o que somos: não somos uma nação arrogante, fanfarrona, autocentrada, maldosa, odiosa e ameaçadora. Querem saber quem é Donald Trump? […] Quando lhe fizeram uma simples pergunta, ‘Qual foi a última vez que pediu perdão a Deus?’, Donald Trump disse que nunca tinha pedido perdão a Deus por coisa alguma. Gostava que pensassem no que isto diz de uma pessoa”.

Nota: Trump reagiu prontamente: “Ted Cruz é um candidato desesperado tentando salvar a sua campanha falhada. […] Esta birra ridícula de hoje só prova o que tenho vindo a dizer há muito: que Ted Cruz não possui o temperamento para ser presidente dos EUA”.

Resultados das eleições primárias presidenciais do Partido Republicano em 2016: azul, Trump; amarelo, Cruz; vermelho, Rubio; verde, Kasich

● 03.05.2016: Trump vence as eleições primárias no Indiana e Cruz desiste da corrida.

● 20.07.2016, National Republican Convention, Cleveland, Ohio: Cruz dá os parabéns a Trump pela nomeação como candidato Republicano, mas não lhe dá o seu apoio, o que faz com que seja vaiado pelos delegados. No dia seguinte, num encontro com os delegados do seu estado, o Texas, justifica-se: “Não tenho o hábito de dar o meu apoio a quem ataca a minha mulher e o meu pai. O meu compromisso [de apoiar o candidato Republicano] não cobria tudo e não presumia que, se alguém caluniasse Heidi, eu iria, apesar de tudo, comportar-me como um cachorrinho servil e dizer ‘Muito obrigado por denegrir a minha mulher e por denegrir o meu pai”.

● 23.09.2016: Cruz exprime publicamente apoio a Trump como candidato presidencial do Partido Republicano

● 15.11.2016: Dez dias após a vitória de Trump sobre Hillary Clinton, Cruz encontra-se na Trump Tower com Donald Trump; circulam rumores de que este estará a pensar atribuir a Cruz o cargo de procurador-geral.

● Trump não nomeou Cruz para qualquer cargo na sua administração, o que não impediu que, desde então, Cruz tenha sido um dos mais fervorosos e inabaláveis apoiantes de Trump e das suas políticas e acções.

● Outubro de 2018: Num comício da campanha eleitoral para senador pelo Texas, em Houston, com Trump como convidado especial, Cruz gritou “Deus abençoe o Texas e Deus abençoe o presidente Donald Trump!” e Trump declarou que Cruz era “um homem que se tornou num grande amigo meu” e referiu-se a ele como “Beautiful Ted”, um epíteto bem mais simpático do que aquele que cunhara (e aplicara repetidamente) em 2016: “Lyin’ Ted” (Ted Aldrabão).

● Novembro de 2018: Ted derrota o Democrata Beto O’Rourke e é reeleito senador.

Trump e a sua esposa, Melania, são recebidos no aeroporto de El Paso, Texas, por Ted Cruz, Agosto de 2019

● 17.07.2024, National Republican Convention, Milwaukee, Wisconsin:

“Deixem-me começar por agradecer a Deus Todo-Poderoso por proteger Donald J. Trump e por ter virado a sua cabeça no sábado quando o tiro foi disparado. […] Hoje, em resultado da presidência de Joe Biden, a vossa família está menos segura, os vossos filhos estão menos seguros, o país está menos seguro, mas eis as boas noticias: somos capazes de resolver isto e quando Donald Trump for presidente iremos resolver isto. Sabemo-lo porque ele já o fez antes. Eu sei disto porque trabalhei lado a lado com o presidente Trump para defender a nossa fronteira e conseguimos obter a mais baixa taxa de imigração ilegal em 45 anos. É mesmo simples: ele fê-lo antes e voltará a fazê-lo”.

Ron DeSantis

Representante da Florida na Câmara dos Representantes (2013-18), governador da Florida (desde 2019)

● Janeiro de 2018: Após muitos rumores, hesitações e expectativa, DeSantis confirma oficialmente a sua candidatura a governador da Florida. Trump já tinha anunciado no mês anterior o seu apoio a uma eventual candidatura de DeSantis, que tinha sido um dos mais firmes apoiantes de Trump, no Freedom Caucus, ala direita do Partido Republicano na Câmara dos Representantes.

● Agosto de 2018: DeSantis é eleito governador da Florida. Durante o seu mandato, DeSantis continuará a mostrar-se alinhado com Trump.

DeSantis e Trump no tempo em que estavam em perfeita sintonia: encontro na Sala Oval da Casa Branca, 28.04.2020

● Maio de 2023: DeSantis anuncia a sua candidatura às eleições primárias. Trump reage acusando-o de ser “muito desleal”; compara-o a “um cadáver ambulante”, afirma que, antes de lhe dar o seu apoio nas eleições para governador da Florida, DeSantis “estava morto, completamente morto, Fui eu que o ressuscitei… Sou uma pessoa leal. Se me tivessem feito isso a mim, nunca concorreria contra o fulano que o apoiou”, e acrescenta: “Ele não tem personalidade. E penso que não possui muito talento político”.

● Setembro de 2023, debate dos candidatos às eleições primárias (a que Trump não compareceu, tal como não compareceu a nenhum outro debate desta campanha):

“[Trump] devia estar neste palco esta noite. Ele deve explicações sobre as medidas que tomou e que acrescentaram 7.8 biliões de dólares ao deficit. Foi isso que gerou a inflação que temos agora”.

Nota: Um dos mais repetidos argumentos dos Republicanos contra os Democratas nas eleições presidenciais de 2024 é que a inflação é culpa exclusiva das políticas erradas Administração Biden.

● Outubro de 2023, comício, Tampa, Florida:

“[Trump] galvaniza os Democratas. Se John Kennedy entrasse em campanha hoje, não galvanizaria tanto os Democratas como Donald Trump. É a realidade. […] [Trump] nem sequer seria capaz de fazer frente a Joe Biden. […] Precisamos de um presidente que possa funcionar a todo o gás durante oito anos. Não precisamos de um presidente que já perdeu o seu fulgor”.

● Janeiro de 2024:

“Donald Trump não está disposto a aparecer em palco para debater. Ele já veio responder às perguntas das populações? Já visitou os 99 condados? Será que visitou ao menos nove? Não é forma de proceder”.

“[O Donald Trump de 2024] é diferente do Donald Trump de 2015 e 2016. Nessa altura ele podia ser exuberante, mas o que contava era a America First e as políticas. Agora, é sobretudo sobre ele próprio”

“Podes ser o mais medíocre dos Republicanos, mas se te sujeitares ao beija-mão, [Trump] dirá que és fantástico. Podes ser o mais dinâmico e o mais popular entre os Republicanos e conservadores dos EUA, mas se não te sujeitares ao beija-mão, [Trump] arrasar-te-á”.

“Se já te candidataste, se já fizeste promessas e não as cumpristes, não será razoável dizer ‘Bem, não sei se este cheque tem cobertura’? Sim, penso que o facto de ele estar a fazer campanha prometendo algo não significa que ele vá mesmo dar-lhe cumprimento”.

“Porque anda ele a angariar fundos? Para onde vai esse dinheiro? Não vai parar aos seus advogados?”

“Quando ele deixa de seguir o teleponto, nunca sabemos o que irá sair”.

“Liderança não é entretenimento”.

DeSantis em comício em Des Moines, Iowa, 09.01.2024

● 21.01.2024: DeSantis anuncia a sua retirada das eleições primárias, face aos fracos resultados.

● Na campanha para as eleições primárias, Trump referiu-se repetidamente a DeSantis como “Meatball Ron” (Ron almôndega de carne), “Ron DeSanctimonious” (numa alusão à imagem de cristão devoto cultivada por DeSantis) e “Tiny D” (numa alusão à baixa estatura de DeSantis).

● Maio de 2024, Fort Lauderdale, Florida: DeSantis reúne-se com aliados para angariar fundos para a campanha presidencial de Trump.

● Julho de 2024, Republican National Convention, Milwaukee, Wisconsin:

“Donald Trump tem sido demonizado. Tem sido alvo de processos. E quase perdeu a vida. Não podemos abandoná-lo e não podemos abandonar a América. […] Vamos mandar Joe Biden de volta para a sua cave e vamos enviar Donald Trump de volta à Casa Branca. O custo de vida era mais baixo com Donald Trump, as nossas fronteiras eram mais seguras durante a Administração Trump e o nosso país era respeitado quando ele era o nosso comandante supremo [das Forças Armadas]. […] Vamos seguir o apelo do candidato indigitado pelo nosso partido e lutar, lutar, lutar pelos EUA.”

Nikki Haley, governadora da South Carolina (2011-17), embaixadora dos EUA na ONU (2017-18)

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● Início de 2016, quando nas eleições primárias presidenciais do Partido Republicano, apoiava Marco Rubio (e, após a desistência deste, Ted Cruz):

“[Trump é] tudo o que um governador não deseja num presidente”.

“Não descansarei enquanto não fizermos frente a um homem que escolhe não repudiar o Ku Klux Klan. Isto não é o nosso partido. Não é pessoa que queiramos ter como presidente. Não permitiremos isto no nosso país”.

● Novembro de 2016: Após ter sido eleito presidente, Trump escolheu Haley para o cargo de embaixadora dos EUA na ONU; Haley tomou posse a 25.01.2017.

Donald Trump, António Guterres e Nikki Haley, na Assembleia-Geral da ONU, Nova Iorque, Outubro de 2017

● Discurso à porta fechada para membros do Republican National Committee, Amelia Island, Florida, 07.01.2021:

“O presidente Trump nem sempre escolheu as palavras certas. Errou na escolha de palavras em Charlottesville [ataque de manifestantes neonazis a contramanifestantes pacíficos, a 12.08.2012] e eu disse-lhe isso na altura. E errou redondamente na escolha de palavras de ontem [dia do ataque ao Capitólio]. E não foi apenas nas palavras. As suas acções desde o dia das eleições [05.11.2020] serão severamente julgadas pela História”.

● Janeiro 2021, declarações à Politico:

“Não acreditei que [a campanha de Trump para desacreditar os resultados das eleições de 2020] pudesse ser tão perigosa. Julguei que nada tínhamos a temer dele. Não havia nada a temer no tempo em que trabalhei com ele. Quero dizer, ele pode ter sido rude. Pode ter sido brusco, mas era alguém que se preocupava com o país… e eu ainda respeito esse legado […] Desde as eleições [de 2020] estou profundamente perturbada com o que lhe aconteceu. […] Nunca esperei que ele entrasse numa espiral como esta… Sinto que já não sei quem ele é… A pessoa com quem trabalhei não é a mesma pessoa que tenho visto desde as eleições. […] Penso que ele vai ver-se cada vez mais isolado. Penso que perdeu toda a viabilidade política que pudesse ter. […] Temos de reconhecer que ele nos desiludiu. Tomou um caminho que não deveria ter tomado e nós não deveríamos tê-lo seguido e não deveríamos ter-lhe dado ouvidos. E não podemos permitir que isso volte a acontecer”.

● Outubro de 2021, Wall Street Journal:

“Ele tem a capacidade de fazer eleger candidatos fortes e de fazer as coisas andar e espero que continue a fazê-lo. Precisamos dele no Partido Republicano. Não quero regressar aos dias sem Trump”.

● Abril de 2021, declarações à Associated Press:

“Não me candidatarei [às eleições presidenciais de 2024] se o presidente Trump se candidatar”.

● Novembro de 2022: Trump anuncia a sua candidatura às eleições primárias.

● Fevereiro de 2023: Nikki Haley anuncia a sua candidatura às eleições primárias.

Haley na campanha para as eleições primárias presidenciais, Ankeny, Iowa, Janeiro 2024

Setembro de 2023:

“Ele costumava ser bom em política externa. Mas agora começou a retroceder e a vacilar no que respeita à Ucrânia. Uma coisa terrível aconteceu a 6 de Janeiro e ele disse que tinha sido um belo dia”.

● Outubro de 2023:

“Todos sabemos o que Trump fez no passado. A questão é o que fará ele no futuro? Não podemos ter quatro anos de caos, vinganças e dramas. […] A América precisa de um capitão que mantenha o navio no rumo, não que o faça naufragar.

[…]

O ditador russo é malévolo. É um criminoso de guerra culpado de genocídio. […] O Irão e a Rússia são unha com carne e estabeleceram ambos parcerias ilimitadas com a China comunista. Irão, Rússia e China fazem parte de uma aliança ímpia. Não têm problemas em invadir países vizinhos. Não respeitam a vida humana. […] [Os que querem abandonar a Ucrânia] perderam a noção de quem são os nossos amigos e os nossos inimigos, do que é o bem e o mal. Não é uma pessoa dessas que queremos na Sala Oval!”

● Janeiro de 2024:

“Creio que o que aconteceu a 6 de Janeiro foi um dia terrível e que o presidente Trump tem de responder por isso”.

● Durante a campanha para as eleições primárias do Partido Republicano, Trump referiu-se repetidamente a Haley como “birdbrain”, i.e., “cabeça de galinha”, “desmiolada”; fez questão de lembrar, amiúde, que o nome próprio de Haley é Nimarata, a fim de sublinhar a sua condição de “estrangeira” (os pais de Haley nasceram na Índia), e insinuou que o marido de Haley pedira para ser colocado em África só para não ter de a aturar.

Haley num dos debates para as eleições primárias presidenciais do Partido Republicano (em que Trump nem sequer se dignou comparecer), Janeiro de 2024

Março de 2024, anúncio da suspensão da campanha de Haley:

“Sempre fui uma Republicana conservadora e sempre apoiei o candidato designado pelo partido. Mas, neste caso, sigo o bom conselho de Margaret Thatcher, quando disse ‘Nunca te limites a seguir a multidão. Toma sempre as tuas próprias decisões’. Agora, cabe a Donald Trump fazer por merecer os votos dos que, no nosso partido ou noutro, não o têm apoiado”.

● Maio de 2024:

“Irei votar em Trump. Dito isto, mantenho o que disse no meu discurso de suspensão [da campanha]: seria inteligente da parte de Trump tentar aproximar-se dos milhões de pessoas que votaram em mim”.

● Julho de 2024, Republican National Convention, Milwaukee, Wisconsin:

“O presidente Trump pediu-me para falar nesta convenção em nome da unidade. Foi um convite generoso e eu aceitei-o com todo o gosto. Começarei por deixar uma coisa perfeitamente clara: Donald Trump tem todo o meu apoio, ponto final. […] Há americanos que não concordam a 100% com Donald Trump. Até conheço alguns deles. E quero dirigir-me a eles esta noite. A minha mensagem para eles é simples: não têm de concordar com Trump a 100% para votar nele”.

J.D. Vance

Senador pelo Ohio (desde 2023)

● Fevereiro de 2016, mensagem (particular) no Facebook:

“Oscilo entre pensar que Trump é um cretino cínico como Nixon […] ou o Hitler da América”.

● 18.02.2016, artigo no USA Today:

“As presentes propostas políticas de Trump, tal como estão, vão do imoral ao absurdo”.

● 04.04.2016, artigo no The New York Times:

“Trump é inapto para o cargo de primeiro magistrado na nação”.

● Agosto de 2016, National Public Radio:

“Não consigo engolir Trump. Acho que ele é nocivo e está a levar a classe trabalhadora branca para um lugar sombrio. […] Penso que há uma possibilidade, se eu sentir que Trump está com boa probabilidade de vencer, de engolir um sapo e votar em Hillary Clinton”.

● Agosto de 2016, entrevista com Charlie Rose, PBS:

“Sou do género ‘Trump nunca’. Nunca gostei dele. […] [Trump] é heroína cultural. […] Mas, embora não goste de Trump, julgo perceber de onde vêm os eleitores de Trump”.

● Outubro de 2016, Twitter:

“Meu Deus, que idiota!”.

“Trump aterroriza as pessoas que me inspiram cuidados – imigrantes, muçulmanos, etc. Isto faz com que o ache moralmente repreensível. Deus espera melhor de nós”.

● Outubro de 2016, mensagem (particular) no Facebook:

“É um absoluto desastre [a fucking disaster]. Não passa de um homem mau. Um ser humano moralmente repreensível”.

● Outubro de 2016, entrevista:

“Penso que a eleição [de Trump] vai ter um efeito negativo, sobretudo na classe trabalhadora branca”.

● Fevereiro de 2018:

“[Trump] é um dos poucos líderes políticos americanos que reconhece a frustração que existe em grandes áreas do Ohio, da Pennsylvania e do leste do Kentucky”.

● Março de 2021: Vance conversou com Trump durante uma hora, num encontro arranjado pelo então patrão (e “padrinho”) de Vance, Peter Thiel (co-fundador do PayPal, detentor de uma fortuna de 11.000 milhões de dólares e mecenas da alt-right). Seja o que for que se tenha passado neste encontro, o episódio confirmou a inversão na opinião de Vance sobre Trump.

Vance discursa na Southwest Regional Conference, em encontro de conservadores em Phoenix, Arizona, Abril de 2021

● Julho de 2021: Vance anuncia a sua candidatura a senador do Ohio; em Março, Peter Thiel já colocara 10 milhões de dólares num fundo destinado à sua campanha eleitoral.

● Julho de 2021, CNN, ao ser confrontado com o seu passado anti-trumpista:

“Como muitas outras pessoas, critiquei Trump em 2016. Peço-vos que não me julguem pelo que disse em 2016, porque eu admito, com toda a franqueza, que fiz essas críticas e que me arrependo delas e lamento ter-me enganado sobre ele”.

● Abril de 2022: Trump anuncia o seu apoio a Vance nas muito renhidas eleições primárias do Partido Republicano para governador do Ohio: “Como alguns outros, J.D. Vance poderá, no passado, ter dito sobre mim algumas coisas não muito favoráveis, mas agora ele compreende-me e tenho tido abundantes provas disso. Ele é a nossa melhor aposta no que poderá ser uma eleição muito disputada”.

● Setembro de 2022, Timcast News:

“Penso que, na América, se os factos mudam, então também devemos mudar a tua opinião e que Trump foi um bom presidente”.

● Novembro de 2022: Vance é eleito senador pelo Ohio.

● Julho de 2024, Republican National Convention, Milwaukee, Wisconsin: Trump anuncia formalmente que Vance será o vice-presidente na corrida eleitoral para a presidência dos EUA. Vance agradece-lhe efusivamente:

“Durante os últimos oito anos, o presidente Trump deu tudo o que tinha para lutar pelo povo do nosso país. Ele não precisava da política para nada, mas o nosso país precisava dele. Antes de se candidatar a presidente, era um dos empresários de maior sucesso em todo o mundo. Tinha tudo o que qualquer pessoa poderá desejar na vida. E, todavia, em vez de escolher o caminho fácil, escolheu sofrer injúrias, calúnias e perseguições. Mas não se fiem na minha palavra, vão ver o vídeo de um pretenso assassino que ficou a um centímetro de lhe tirar a vida. Pensem nas mentiras que lhes contaram sobre Donald Trump e, depois, olhem à foto em que surge desafiador, com o punho erguido. Quando Donald J. Trump se reergueu naquele campo da Pennsylvania, toda a América se ergueu com ele. Mesmo no seu momento mais extremo, nós estávamos no seu espírito. O seu instinto estava com os EUA. Para nos convocar para algo mais elevado. Para algo maior. […] A visão do presidente Trump é simples: não estaremos ao serviço de Wall Street, estaremos comprometidos com os trabalhadores. […] Sr. presidente, nunca darei por garantida a confiança que depositou em mim. E que honra é ajudá-lo a concretizar a extraordinária visão que tem para este país”.

Como o Partido Republicano se tornou no partido de Trump

Há um padrão comum no comportamento das seis figuras do Partido Republicano acima referidas – Mitt Romney, Marco Rubio, Ted Cruz, Ron DeSantis, Nikki Haley e J.D. Vance. Começaram por contestar Donald Trump, quase sempre em termos muito contundentes e, após terem sido derrotadas por ele (ou terem tido uma iluminação, no caso de Vance), acabaram por dar o dito por não dito e alinhar com ele, uns tornando-se seus devotos (como Cruz e Vance), outros guardando alguma distância e independência (como Romney). É um padrão que reflecte o poder quase absoluto que Trump conquistou no Partido Republicano: quem ouse opor-se a Trump não só sairá derrotado como será ostracizado; os candidatos a congressistas ou governadores que logrem obter o apoio de Trump têm alcançado quase sempre a vitória nas eleições primárias Republicanas. Coisa diversa é vencer as eleições propriamente ditas, já que os candidatos que Trump apadrinha, que tendem a ser os que têm posições e comportamentos mais esdrúxulos e radicais, se logram conquistar a maioria dos votos do eleitorado Republicano, são também os que costumam gerar maior rejeição no eleitorado não-Republicano.

Apesar de Trump ter chegado à política já tarde na vida – perto dos 70 anos – o seu domínio férreo sobre o Partido Republicano já dura há oito anos. Quem se atreva a fazer-lhe frente sabe que tem duas opções: acabar por submeter-se, ou suspender ou terminar a carreira política.

Considerem-se alguns exemplos mais, como seja Bob Corker, senador pelo Tennessee (2007-19) e presidente da Comissão de Negócios Estrangeiros do Senado (2015-19). Após criticar repetidamente a actuação da Administração Trump, em Setembro de 2017 anunciou que não voltaria a concorrer à reeleição, pois sabia que esta seria inviável sem o beneplácito de Trump. Esta decisão parece tê-lo libertado para, em Novembro do mesmo ano, escrever no Twitter: “É uma pena que a Casa Branca se tenha convertido num centro de dia [adult day care center]”.

Liz Cheney, que representou o Wyoming na Câmara dos Representantes entre 2017 e 2023, foi dos poucos congressistas republicanos que aceitaram a derrota de Trump nas eleições de 2020, assumiu o cargo de vice-presidente (“vice chair”) da Comissão da Câmara dos Representantes para a Investigação do Ataque de 6 de Janeiro ao Capitólio e votou a favor da destituição de Trump por incitação à insurreição.

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Liz Cheney numa audição da Comissão da Câmara dos Representantes para a Investigação do Ataque de 6 de Janeiro ao Capitólio, Outubro de 2022

Estas “traições” mereceram a reprovação formal do Republican National Committee e foram punidas com derrota esmagadora face a Harriet Hageman, candidata apoiada por Trump, nas eleições primárias para a Câmara dos Representantes no Wyoming, em Novembro de 2022. O destino de Cheney atesta que, no jogo de forças dentro do actual Partido Republicano, o posicionamento ideológico conta menos do que a fidelidade ou subserviência a Trump. Afinal de contas, Liz, estava longe de fazer parte de uma ala liberal dos Republicanos, sendo descrita como “uma arqui-conservadora”, “uma verdadeira conservadora em todos os sentidos do termo”, e “herdeira do trono neoconservador” (que fora de seu pai, Dick Cheney, o todo-poderoso e retintamente conservador vice-presidente de George W. Bush, em 2001-09). Porém, acabou por ser relegada para o estatuto de pária.

Já Doug Burgum, governador do Dakota do Norte (desde 2016) e empresário de sucesso na área do software, após um breve desalinhamento com Trump, apressou-se a corrigir a trajectória.

Doug Burgum (à esquerda) num encontro de Trump com os governadores do North Dakota e do Colorado, Jared Polis (à direita), Casa Branca, Maio de 2020

Em Junho de 2023, Burgum anunciou que iria concorrer nas primárias republicanas para as eleições presidenciais de 2024; em Julho de 2023, quando, numa entrevista na NBC, lhe perguntaram se alguma vez faria negócios com Trump, respondeu “Não me parece. Penso que somos julgados pelas companhias com que somos vistos”. Porém, desistiu da corrida nas primárias em Dezembro e, poucas semanas depois, estava a apoiar Trump e a participar activamente na campanha de Trump. Tanto empenho mostrou, que o seu nome começou a ser ventilado pelo próprio Trump como estando destinado a um alto cargo numa futura Administração Trump, quiçá mesmo a vice-presidência. Burgum entrou na Republican National Convention de Milwaukee como um dos favoritos a “vice” de Trump, mas o escolhido acabou por ser Vance. Trump, que é mestre na gestão dos anseios, temores e fragilidades das figuras de proa do Partido Republicano, teve uma longa conversa telefónica com Burgum logo após o anúncio da escolha de Vance e, como o próprio Burgum tratou de divulgar, impante, tratou-o por “Sr. Secretário”, dando a entender que lhe destinava lugar de relevo na Casa Branca.

O MAGA Squad

É assim que Trump tem mantido o Partido Republicano sob controlo – umas vezes empregando o bullying, o insulto e a calúnia, outras vezes usando da sua influência junto das “bases”, outras vezes acenando com recompensas cintilantes. Ou então recorrendo à sua “Guarda Pretoriana”, um núcleo pró-Trump na Câmara dos Representantes, conhecido como “MAGA Squad”, uma ramificação de extrema-direita da facção Freedom Caucus, já de si também puxada à direita e nascida em 2015 dentro do movimento Tea Party.

Marjorie Taylor Greene, uma das vozes mais estridentes do MAGA Squad

Embora sendo minoritário, o MAGA Squad consegue, pela sua beligerância e radicalismo, intimidar o resto da bancada Republicana e já fez cair o “speaker of the House” Kevin McCarthy e tem ameaçado o actual “speaker” Mike Johnson, duas figuras que, ainda que sendo “trumpistas”, não se mostraram suficientemente duros no combate aos Democratas e no bloqueio do funcionamento da Administração Biden. Além do MAGA Squad, cujas figuras mais notórias e histriónicas são Marjorie Taylor Greene, Lauren Boebert e Matt Gaetz (e conta com nomes como Jim Jordan, Madison Cawthorn e Paul Gosar), Trump também tem incondicionalmente a seu lado os senadores Ted Cruz (Texas) e Josh Hawley (Missouri), os governadores Ron DeSantis (Florida), Greg Abbott (Texas) e Kristi Noem (South Dakota), o ex-candidato presidencial em 2024 Vivek Ramaswamy, a ex-candidata a governadora do Arizona Kari Lake, e a ex-governadora do Alaska Sarah Palin.

Antes de singrar na política, Lauren Boebert foi proprietária do Shooter’s Grill, um restaurante em Rifle, Colorado, cujos empregados eram encorajados a andarem armados e a fazê-lo de forma ostensiva – na foto, Boebert dá o exemplo. Naturalmente, na carreira política, Boebert tem sido uma intransigente defensora do direito à venda e uso de armas com um mínimo de restrições

Os Republicanos “mainstream” ou “old school” foram escorraçados, afastaram-se voluntariamente ou acomodaram-se à nova ordem dentro do partido – é impossível não reparar que George W. Bush e os membros da sua Administração raramente ou nunca comparecem nos eventos do Partido Republicano ou na propaganda deste, ao contrário do que acontece com Clinton e Obama no Partido Democrata.