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MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

MANUEL DE ALMEIDA/LUSA

Os dez dias que deixaram Bruno de Carvalho cercado. O beco afinal tinha saída

Bruno de Carvalho parecia ter ganho um novo alento após a crise pós-Madrid, enredou-se em erros próprios aproveitados para um cerco concertado mas desatou o nó num beco que parecia sem saída.

No domingo, dia 6 de maio, Bruno de Carvalho e Jaime Marta Soares assistiram juntos na Tribuna do Pavilhão João Rocha ao jogo de andebol entre Sporting e Benfica. No final, o triunfo dos leões garantiu de forma matemática o bicampeonato e as duas maiores figuras hierárquicas festejaram juntas. Os mesmos que, umas semanas antes, tinham trocado críticas contundentes. As pazes pareciam estar feitas. Aparentavam ser mais do que simples tréguas. Dez dias depois, a demissão do líder da Mesa da Assembleia Geral, e consequente pedido para a queda do Conselho Diretivo, foi um dos últimos nós de um cerco de malha apertada que circunscreveu o presidente leonino em dez dias. Ficou num beco. Afinal, tinha saída.

Na véspera de jogo, e já depois da conquista do Campeonato de voleibol pelos leões, Bruno de Carvalho, que viu o jogo do Benfica no banco, não escondeu o desagrado com o nulo num encontro onde uma vitória significaria o segundo lugar e o consequente apuramento para a pré-eliminatória da Liga dos Campeões. Tanto que, a certa altura (num momento em que Jorge Jesus tinha ido cumprimentar os seus jogadores e do Benfica), atirou a braçadeira de delegado para o chão. Um golo poderia fazer entrar pelo menos 22 milhões de euros em Alvalade, um golo poderia em paralelo retirar ao rival a possibilidade de sonhar com 40 milhões. Um golo que não apareceu, antes dos autogolos do presidente leonino.

As feridas de Madrid e os pensos

Quando se faz o rescaldo do que se passou nos últimos dias, a entrevista de Bruno de Carvalho ao Expresso é vista como um ponto de partida. No entanto, e como explicou o Observador no início da semana, as discordâncias com Jorge Jesus já vinham de semanas anteriores, sobretudo depois da derrota em Madrid. Um exemplo prático: de acordo com uma fonte do Sporting, o técnico terá colocado em causa, num determinado momento, a intenção do presidente em reunir-se com os jogadores depois do jogo com o P. Ferreira. Seguiu-se o comunicado dos jogadores, a reação do número 1, o levantamento da suspensão, seis vitórias consecutivas. Ou seis pensos — as feridas estavam demasiado abertas para sararem com o tempo.

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AFP/Getty Images

“As críticas fazem parte e os jogadores vivem numa bolha (…) Há uma superproteção dos jogadores e eles com muita facilidade vão para um patamar de total incoerência. Se calhar os jogadores teriam outro comportamento em campo se não fosse essa teoria absolutamente mirabolante de que são um mundo à parte que tem de ser altamente protegido. Para caminharmos todos juntos, tem de haver um contacto e [não existe porque] os treinadores e os jogadores portugueses não têm essa cultura. Se voltaria a escrever aquele post dos mimados? Não, até porque apaguei a página do Facebook. Arrependido? Não é uma questão de arrependimento”, referiu sobre os jogadores. E completou: “Não procuro o amor dos jogadores, porque o meu dever é defender por um lado os interesses do clube e, por outro, gerir as emoções dos futebolistas. Se ficou combinado que nos iríamos reunir no dia seguinte, porque é que escreveram aquele post? Obviamente não me senti bem com aquilo. Precipitei-me mas não fui o único (…) A relação é esta: há uma hierarquia que tem de ser respeitada e um líder que tem de dizer às vezes que não”.

E foi mais longe. “Uma pergunta mais inteligente seria: quem é o líder do balneário? Então acha que um treinador permitiria que os jogadores fizessem aquilo que se escreveu ao seu presidente? Que os jogadores tinham virado as costas ao presidente, que se tinham recusado a treinar, e por aí fora. Só pode ser invenção da comunicação social, não é? Porque se fosse verdade era gravíssimo. Tem tudo de ser invenções, não é? Porque senão era mau sinal haver um líder de balneário assim. E o líder de balneário é o treinador (…) Se geriu bem todo esse processo? Partindo do princípio de que é tudo mentira, menos o post, sim, geriu bem”, comentou sobre o técnico leonino. “Você acredita que alguma coisa acontece no balneário sem o OK do líder? Um líder lidera. Imagine que no meu Conselho de Administração acontecia uma série de coisas e atitudes para as quais eu não tinha dado o meu OK. Se isso acontecesse, eu não era líder algum”, disse sobre Jorge Jesus.

Para bom entendedor, meia palavra basta. Aqui foram muitas mais. Os jogadores relativizaram o pedido de desculpas, sentiram que foram de novo alvo de críticas em vésperas de um jogo fundamental para a presente e para a próxima temporada – mesmo que pessoas que fazem a ponte entre as duas partes tenham relativizado o teor dessas respostas. O técnico, a propósito de um post do pai de Bruno de Carvalho, deixou uma bicada na conferência de imprensa antes da viagem para a Madeira.

“Ponto número um: o pai do presidente como sócio tem direito a ter opinião. Ponto número dois: o meu presidente é o filho e tenho a certeza que não se revê naquilo que o pai disse. Como é normal muitas vezes entre pais e filhos… E em relação a essa situação, tenho a certeza que o presidente não se revê”, disse o técnico. Bruno de Carvalho falou das declarações do pai a seguir, na Sporting TV: “Tem o direito de ter opinião. Também tinha pedido internamente às pessoas para não comentarem o caso e, por isso, tenho pena que comentem. Não estou muito de acordo com o que o meu pai disse, mas tenho orgulho por ser meu pai. Ao menos deu a cara. Jorge Jesus também não gosta, apesar de serem amigos, quase irmãos, das alarvidades de Octávio Machado, Rui Santos e João Bonzinho. Tenho a certeza que não se revê nas alarvidades e mentiras”.

O 3º lugar e o início do cerco

Domingo, 18h03: início do jogo do Sporting na Madeira. Minutos antes das 20 horas: final do jogo do Sporting na Madeira. Com a vitória do Marítimo, por 2-1. A descida ao terceiro lugar. E o início de uma semana negra para o clube.

GREGÓRIO CUNHA/LUSA

No rescaldo de uma noite que voltou a deixar os jogadores desagradados, nem tanto pela natural contestação dos adeptos ao resultado (que entenderam ser normal) mas sobretudo pelos episódios vividos no aeroporto Cristiano Ronaldo (neste caso, mais com Battaglia) e na garagem de Alvalade após o regresso (com 10 a 15 adeptos ligados a uma claque a fazerem uma espera na zona dos carros a Rui Patrício e William, com Acuña a colocar-se pelo meio), todo o plantel foi chamado em dia de folga. No caso de Jorge Jesus, Bruno de Carvalho admitiu que o projeto do técnico no clube tinha chegado ao fim mas, após a recusa do treinador em chegar ao acordo mútuo para a rescisão, anunciou que poderia colocar um processo disciplinar (duas formas para resolver a saída de Jesus sem ter de lhe pagar uma indemnização de 7,8 milhões de euros); no caso dos atletas, o presidente fez ver o impacto da derrota nas contas para a próxima época e pediu foco total na final da Taça de Portugal.

Em termos de grupo, o regresso ao trabalho poderia ser diferente pelas notícias que davam conta da eminente saída de Jesus. Foi mesmo, de uma forma negra, mas por outras razões: um bárbaro ataque que 50 elementos de cara tapada que invadiram a Academia e agrediram jogadores, treinadores e staff foi a página mais negra na história do clube. E, mesmo sem ter qualquer ligação ao que se tinha passado em Alcochete, aquilo que muitos consideravam ser o início do fim de Bruno de Carvalho, no plano interno e externo.

O presidente do Sporting chegou ao centro de estágios já depois do ataque, por ter estado em reuniões em Alvalade a propósito de outro caso que entretanto tinha rebentado (e feito grande mossa no clube, segundo foram explicando ao Observador). À chegada, e no balneário, Bruno de Carvalho quis saber se estavam todos bem e se sabiam quem tinha praticado aqueles atos. Os jogadores saíram. E várias publicações avançaram que o plantel imputava culpas ao líder pelo ambiente que foi criando. Mais à noite, a própria entrevista do número 1 verde e branco no canal do clube também vieram adensar a incompatibilidade.

AFP/Getty Images

Inicialmente, e como seria de esperar, houve muitas reações de choque pelo que tinha acabado de acontecer. Terça-feira foi quase um dia de luto do Sporting, que se generalizou ao desporto nacional (e estrangeiro), mas ao mesmo tempo que havia uma condenação geral daqueles atos atrozes começava a iniciar-se o apertar do cerco a Bruno de Carvalho.

Logo nesse dia, José Maria Ricciardi, que antes já tirara a confiança ao presidente leonino, pediu frontalmente a demissão de Bruno de Carvalho. João Benedito, antigo capitão do futsal e jogadores que passou duas décadas em Alvalade, deixou o apelo para que a próxima temporada começasse com calma e estabilidade à saída de uma reunião entre o Grupo Stromp e o presidente do clube. E houve mais elementos com alguma influência no universo leonino a alinharem com essa ideia. Apesar de tudo, num registo de contenção, sendo exemplo paradigmático a manifestação de apoio e solidariedade aos jogadores ao pé do estádio: quando se faziam pedidos de demissão do presidente verde e branco, os mesmos eram abafados pelos cânticos “Sporting! Sporting!”. Mas sempre com essa noção, como era pensado, de que teria chegado ao fim uma era que arrancara em 2013.

Parte 1 do cerco: as personalidades extra Sporting. José Maria Ricciardi e Rogério Alves deram entrevistas mais longas à SIC Notícias e à RTP 3, respetivamente. Alguns antigos membros do Conselho Diretivo, do Conselho Leonino e de listas que foram a sufrágio mas que acabaram por perder desdobraram-se pelos vários canais. E até a política nacional entrou em campo, como se viu nas declarações do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa; do primeiro-ministro, António Costa; e do presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues (sobretudo este, o que levou Bruno de Carvalho a avançar com um processo, como anunciou na manhã de quinta-feira). Mais relevante ainda, pelo menos neste contexto leonino, as opiniões de Eduardo Barroso e Daniel Sampaio, ex-responsáveis da Mesa da Assembleia Geral entre 2011 e 2013 e apoiantes desde 2011 em todas as candidaturas de Bruno de Carvalho, que mesmo valorizando o trabalho feito consideraram ter chegado a uma situação limite sem futuro.

Ponto 2 do cerco: a posição dos restantes órgãos sociais. À saída da Academia, Jaime Marta Soares prometera uma reunião entre Mesa da Assembleia Geral, Conselho Fiscal e Disciplinar e Conselho Diretivo na segunda-feira, após a final da Taça de Portugal. Esta quarta-feira, depois de saber que a Direção tinha anunciado o pedido de uma reunião magna extraordinária, voltou a repetir a ideia acrescentando o “carácter de urgência”. Hoje, tudo acabou por precipitar-se: Eduarda Proença de Carvalho e Diogo Carvalho apresentaram a demissão da Mesa, depois o órgão caiu em bloco e o Conselho Fiscal e Disciplinar tinha a carta de demissão prevista apenas para segunda-feira, mas que antecipou também essa medida com a saída de seis dos sete elementos. Em relação à Direção, terão apresentado a demissão o vice-presidente António Rebelo, o vogal Luís Loureiro e os vogais suplentes Rita Matos e Jorge Sanches, além da surpresa Bruno Mascarenhas que não compareceu na conferência de imprensa de todo o elenco ao final da noite (ou seja, Bruno de Carvalho não perdeu o quórum).

Ponto 3 do cerco: o contexto que adensava as preocupações. Em paralelo mas interligado com tudo isto, o universo do Sporting foi abalado com as notícias da operação CashBall, que fez quatro detidos (entre eles André Geraldes, team manager do futebol e pessoa muito próxima de Bruno de Carvalho, e Gonçalo Rodrigues, coordenador do Gabinete de Apoio ao Atleta e às Modalidades) entre as suspeitas que já vão nos 18 jogos, dez de andebol (onde o clube alegadamente tentaria comprar árbitros) e oito de futebol (neste caso, tentando alegadamente aliciar jogadores adversários). A acrescentar isso, houve notícias da queda das ações na bolsa, o risco de não haver empréstimo obrigacionista e a vinda a público de Álvaro Sobrinho, da Holdimo, a maior investidora da SAD leonina, pedindo a demissão porque “os ativos da sociedade estavam em risco”.

Ponto 4 do cerco: as notícias que davam conta da possibilidade de rescisão unilateral do plantel. Esta quarta-feira, através de fontes distintas e cruzamento de informação, explicaram ao Observador que a hipótese de haver saídas após o final da Taça de Portugal foi falada na reunião do grupo com o Sindicato de Jogadores e que se mantém como opção mesmo não havendo qualquer boicote ao último jogo da temporada com o Desportivo das Aves. E que o pedido inicial de Marta Soares para uma reunião de todos os órgãos sociais na segunda-feira teria como trunfo essa “cartada” – se o Conselho Diretivo não saísse, os jogadores avançavam para uma rescisão unilateral (acompanhados pela equipa técnica). Algo que, neste contexto, nunca se saberá se iria mesmo acontecer ou se era apenas um bluff, mantendo a analogia deste jogo entre um tabuleiro muito maior.

ANTÓNIO COTRIM/LUSA

Ao longo das várias horas em que a Direção esteve reunida, houve uma enorme especulação sobre a decisão que seria tomada. A certa altura, começou a colocar-se a hipótese de surgir a figura de uma Comissão de Gestão para garantir a gestão corrente e os compromissos mais imediatos, nomeadamente o empréstimo obrigacionista. Meia hora depois do agendado, os membros do Conselho Diretivo que não se demitiram — os representantes da Comissão Executiva da SAD e o único elemento do Conselho Fiscal que se manteve — marcaram presença no auditório Artur Agostinho. A demissão, segundo sabe o Observador, nunca esteve sequer em causa. E o único ponto considerado foi mesmo como responder aos ataques internos e externos.

“Digo aos sportinguistas que estão aqui presentes membros da Direção, da Comissão Executiva da SAD e do Conselho Fiscal. O Sporting está a ser alvo de um ataque sem precedentes mas não nos vamos demitir! Temos o empréstimo obrigacionista e pedimos o agendamento de uma Assembleia Geral Extraordinária para vos ouvir sobre o que tem ocorrido, para tudo ser tratado de forma tranquila; em vez disso, são os de dentro a ajudar nestes ataques, quando temos um jogo importante. Da nossa reunião saiu a vontade de dar voz aos sócios, que poderia ser marcada no espaço de uma semana. Como dizer que esta direção quer ganhar tempo? Nos próximos tempos vamos averiguar os interesses cruzados na vida do clube”, referiu o líder leonino.

“Não nos demitimos a bem do Sporting, pelas responsabilidades que assumimos, não por estarmos agarrados ao poder. Estamos disponíveis para prestar todos os esclarecimentos, como ficou claro no pedido de uma Assembleia Geral Extraordinária e esse é o local próprio para esclarecer tudo. Temos pela frente temas e números, responsabilidades tremendas e compromissos, como seja um empréstimo obrigacionista, uma reestruturação financeira, uma nova época e tantos objetivos nesta época. Estes compromissos exigem união e coesão. Os que sempre garantiram o normal funcionamento do clube são os únicos órgãos executivos, que estão comigo e sempre estiveram. E sempre continuarão”, rematou Bruno de Carvalho.

Quando todos pensavam que o cerco montado não daria hipótese de fuga ao presidente do Sporting, Bruno de Carvalho deu a volta ficando no mesmo lugar e fez um statement com três pontos em destaque: 1) em termos diretivos, os que ficaram são os que realmente interessam na vida quotidiana do clube; 2) existe uma campanha montada em termos internos e externos contra a sua liderança (apesar de nunca ter especificado a sua figura); 3) o único esclarecimento que prestará será numa reunião magna extraordinária, um palco onde, em situações mais ou menos favoráveis, saiu sempre por cima como vencedor. Agora, a “guerra” vai continuar.

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