Vencedores
António Costa
Sonhou com a maioria absoluta, pediu a maioria absoluta, deixou cair a maioria absoluta e, no fim de todos estes avanços e recuos, ganhou a maioria absoluta. Durante longos seis anos, António Costa teve de aguentar as exigências do PCP e teve de aturar as birras do BE. Até que, um dia, o jogo virou. PCP e BE exerceram todo o seu poder para chumbar o Orçamento de António Costa — e, ao chumbarem o Orçamento de António Costa, perderam todo o poder que lhes restava. À esquerda, o PCP é agora um partido decadente; o BE é um partido impotente, o PAN é um partido inoperante; e o Livre é um partido irrelevante. Nos próximos quatro anos, sobra o PS, a quem o eleitorado de esquerda se entregou num misto de esperança e medo. Há políticos que conseguem tudo o que pedem — António Costa conseguiu até aquilo que se arrependeu de pedir.
André Ventura
André Ventura queria ser a terceira força. E foi. Queria que o Chega alcançasse, pelo menos, dez deputados. E teve doze. Só não são doze discípulos porque um deles é o próprio messias: André Ventura, que insiste ter uma missão de Deus. O facto de Rio não ter ganho – e de não existir uma maioria de direita – retira a Ventura toda a possibilidade de influenciar a governação do país. Além disso, Ventura foi ainda um dos ingredientes do cimento da esquerda e, involuntariamente, ajudou António Costa a conseguir uma maioria. Se isto parecem derrotas, não são: primeiro, o partido cresceu de forma fulgurante; depois, uma maioria absoluta do PS é terreno fértil para o Chega continuar a afirmar-se como partido de protesto, da oposição, anti-sistema e anti-socialista. O partido de Ventura consegue ainda ter uma relevante implantação nacional ao conseguir a eleição em oito círculos. Resta saber como Ventura, habituado a ser único, vai lidar com onze colegas de bancada no Parlamento.
João Cotrim Figueiredo
A verdade estabelecida era esta: em Portugal, um partido liberal seria sempre de nicho, seria sempre um exotismo, seria sempre um passatempo de elites. No entanto, neste momento e nos próximos quatro anos, a Iniciativa Liberal é o quarto partido mais votado em Portugal, passando de 1 para 8 deputados, conseguindo eleger em Lisboa, Porto, Braga e Setúbal. E tem ainda uma vantagem sobre o terceiro partido mais votado: ao contrário do Chega, dificilmente o seu grupo parlamentar se transformará num elenco de novela mexicana, com intrigas, traições e tropeções. Há ainda um bónus: com o desaparecimento do CDS, João Cotrim Figueiredo transformou-se no único representante da direita não radical no Parlamento.
Rui Tavares
Corria o risco de se tornar piada, mas agarrou a derradeira oportunidade de se vingar do bullying coletivo de que tem sido alvo por sucessivos fracassos. Rui Tavares já tinha concorrido várias vezes como cabeça de lista, mas o Livre só tinha elegido para uma eleição nacional quando não foi ele o número um. Aconteceu em 2019 quando Joacine Katar Moreira foi eleita pelo Livre, mas acabaria por sair do partido três meses depois. Em Lisboa, Rui Tavares foi candidato na lista de Medina e Medina perdeu. Tinha nestas eleições a última oportunidade para vencer. E conseguiu. Rui Tavares vai ser deputado. Só não é uma vitória retumbante porque António Costa conseguiu maioria absoluta e o deputado do Livre deixa de ter uma utilidade limiana. Ainda assim, se o episódio do “nuclear” no debate das rádios não afetou a relação entre ambos, ainda é candidato a ser chamado para uma convergência de circunstância que ajude Costa a provar que é dialogante mesmo quando é absoluto.
Vencidos
Rui Rio
Ficou de peito cheio depois da vitória contra Paulo Rangel. Começou a acreditar que era possível ganhar as legislativas depois do debate contra António Costa. Quando as sondagens começaram a virar a favor do PSD, desatou a falar como vencedor antecipado e a aconselhar “dignidade” ao socialista na hora da derrota. Fez a campanha que quis, como quis e quando quis, com o gato Zé Albino e o Emanuel. Numa campanha que todos sabiam que ia ser altamente bipolarizada, rejeitou ir coligado com o CDS e esqueceu-se de bater na tecla do voto útil à direita – discurso que só recuperou já na reta final da campanha e sem grande insistência. Acabou com menos deputados, a falar alemão para evitar responder a perguntas e numa sala onde permitiu que os tiffosi apupassem a comunicação social. Desta vez, não havia desculpas e Rui Rio, em boa verdade, também não as procurou. Começou ali mesmo a preparar a sua saída, explicando que já não se sentia útil ao partido. O partido, a avaliar pelas reações dentro e fora do hotel que serviu de sede eleitoral do PSD, concorda com ele.
Catarina Martins
O Bloco de Esquerda é agora, oficialmente, o rato que ruge. Há muito, muito tempo, numa galáxia distante, o BE chegou a fazer a lista dos seus dirigentes que queria no Governo — sendo que, num acesso de megalomania napoleónica, até chegou a reclamar o Ministério das Finanças para Mariana Mortágua. Esse rugido não resultou, mas mesmo assim o BE conseguiu eleger 19 deputados e ganhar uma posição de força na geringonça. Só que o problema do rugido manteve-se. Julgando-se mais do que era na realidade, o Bloco chumbou um primeiro Orçamento de António Costa e, no final de 2021, um segundo. Agora, com escassíssimos 5 deputados, o BE passará os próximos quatro anos a rugir baixinho. Apesar desta pesada derrota, Catarina Martins prometeu que se comportará como se o telhado da moradia da Rua da Palma não tivesse acabado de ruir: “A atual direção cá estará para dirigir o BE. Nunca foi por resultados eleitorais que o Bloco escolheu a sua direção”.
Jerónimo de Sousa
O PCP perdeu muito e sobra-lhe um consolo numa luta muito particular: tem mais deputados que o Bloco de Esquerda (e apenas menos 3.627 votos que os bloquistas). Tirando isso, correu tudo mal. O PCP passou de 12 deputados para apenas 6, vendo a bancada reduzida para metade. Mais do que isso, teve perdas simbólicas: perdeu Santarém (e António Filipe) e Évora (e João Oliveira). O PCP perdeu ainda mais de 80 mil votos em termos absolutos apesar de a participação ter aumentado. O eleitorado está a minguar cada vez mais e isso nem é especificamente culpa de Jerónimo, mas de vários fatores. Jerónimo foi afastado da campanha por uma estenose carótida e, em nome do partido, ainda voltou. Está, no entanto, na hora de começar a operar a renovação do partido. Diz que continua secretário-geral porque “é preciso”, mas cada vez mais parece ser preciso o coletivo mudar de líder.
Inês Sousa Real
Durante a campanha, Inês Sousa Real admitiu salvar um eventual futuro governo do PS. E também admitiu salvar um eventual futuro governo do PSD. Mas, no final, Inês Sousa Real nem conseguiu salvar o próprio PAN. O partido teve de esperar pelo último segundo do último minuto para eleger uma solitária deputada — e, agora, essa deputada ficará pendurada durante quatro anos, sem utilidade à esquerda nem à direita. Quando assumiu a liderança do PAN, Inês Sousa Real decidiu falar menos de direitos dos animais e mais de ecologia e de economia. Agora, fica a falar sozinha.
Francisco Rodrigues dos Santos
Um esquadrão de cavalaria à desfilada na Assembleia da República não esbarraria num único deputado do CDS. Há muito que se antecipava a morte do CDS e os críticos da atual direção apontavam Francisco Rodrigues dos Santos como o coveiro do partido. A última oportunidade de sobrevivência do CDS era, afinal, ir coligado com o PSD. Sozinho, o CDS já não vale nada. Francisco Rodrigues dos Santos nem se conseguiu eleger a si próprio e o CDS, partido fundador da democracia, desaparece do Parlamento onde estava desde a Assembleia Constituinte. Ao ter adiado o Congresso interno amputou a democracia interna do partido e sabe-se agora a troco de nada. Tem menos de 100 mil eleitores (porventura, militantes que votam com uma devoção clubística) e uns quantos jotas que povoam as estruturas do partido como uma grande federação de associações de estudantes. No fim do dia, sobrou zero. O outrora partido do táxi é agora o partido dinossauro: só se encontra a pegada histórica e está oficialmente extinto do Parlamento. Um sinal positivo: Rodrigues dos Santos fez jus à honra militar que apregoa e demitiu-se após perder a derradeira batalha.
Pedro Nuno Santos
Tornou-se um dos personagens principais destas legislativas e parecia ter encontrado um bilhete dourado para a liderança do PS: ganhando por poucos ou perdendo, António Costa teria vida curta à frente do partido e Pedro Nuno Santos era o senhor que se seguia com toda a naturalidade. Ao ponto de Rui Rio estar a fazer planos a contar com a abstenção violenta do já não tão jovem turco para governar em minoria. Pedro Nuno cumpriu na perfeição o seu papel: apareceu sorridente ao lado de Costa durante a campanha e fez um discurso, em Aveiro, onde ignorou olimpicamente o líder socialista, falando como se estivesse já a preparar o PS para ser o PS de Pedro Nuno Santos. Se Costa perdesse, Pedro Nuno entrava já. Se Costa ficasse ligado às máquinas, Pedro Nuno chegaria lá mais tarde para relançar a sua versão de ‘geringonça’. Era uma situação win-win. Só que não. Costa não só ganhou com maioria absoluta, como atirou para as calendas as pretensões do rosto mais à esquerda do PS – é bastante improvável que a um ciclo de dez anos de governação socialista de Costa se siga mais um ciclo socialista de Pedro Nuno Santos. No final da noite eleitoral, aos jornalistas, confessou a “surpresa” com o resultado do partido e garantiu estar perfeitamente alinhado com António Costa. Pedro Nuno ignorou Costa num discurso; vai ser ignorado pelo partido durante os próximos quatro anos.
[Como se desenhou um mapa cor-de-rosa absoluto. O filme da noite eleitoral:]