Os vencedores

Pedro Nuno Santos

A proximidade ao ato eleitoral reduziu a margem para que a oposição interna a Pedro Nuno Santos fizesse qualquer tipo de movimento que pudesse perturbar o Congresso do líder. Chegou a acordo com José Luís Carneiro para listas conjuntas aos órgãos nacionais e, do que se sabe, nem precisou de se comprometer em demasia com as listas de deputados. Tirando figuras de quinta ou sexta linha — e mesmo essasm raras — não houve ninguém a criticar abertamente o líder ou as suas opções estratégicas como, por exemplo, a defesa de uma futura geringonça. Pedro Nuno Santos fez ainda dois discursos mais preparados do que os que tinha feito até agora (incluindo o da noite da vitória nas diretas, que o próprio admitiu que “não correu muito bem). Do ponto de vista da imagem, também conseguiu apresentar-se como o rosto da renovação (apesar de estar há 32 anos na JS/PS) e de ter estado sete anos no Governo. Depois de andar a fugir de apresentar propostas concretas, isso já não lhe pode ser imputado. Agora, não só já sabe qual é o salário mínimo, como propõe aumentá-lo para 1000 euros até 2028. Terá vários problemas ainda para lidar (a presença de Costa, a eventual vontade de mudar do eleitorado, a sua impulsividade), mas o Congresso foi um passeio no parque para Pedro Nuno Santos.

António Costa

Neste congresso do PS, António Costa foi o santo no altar. Ao longo de três dias, ao longo de horas e horas, ao longo de dezenas de discursos, não houve um único militante socialista que encontrasse algum problema na governação de António Costa. Para o PS, Costa fez tudo bem; e, mesmo quando não fez tudo bem — como o próprio reconheceu, na saúde, na habitação e nos salários —, é como se tivesse feito porque, afinal, “só o PS faz melhor do que o PS”. Até Pedro Nuno Santos, que passou anos a tentar manter as suas distâncias e a sua autonomia, se transformou num costista de última hora. É certo que disse que “este capítulo escrito pelos governos socialistas liderados por António Costa encerra-se agora”, mas a verdade é que vai fazer a campanha eleitoral das legislativas com uma fotografia do antigo líder na lapela. Os socialistas estavam tão empenhados em que este fosse o fim de semana de sonho de António Costa que até recuperaram a teoria da cabala depois de se conhecerem mais detalhes sobre a investigação do Ministério Público na Operação Influencer. Para defender António Costa, o PS voltou a dividir o mundo entre “eles” e “nós”.

Francisco Assis

Ao contrário do que aconteceu em 2016, este fim de semana Francisco Assis não foi apupado no congresso do PS — mas, mais uma vez, disse aquilo que os militantes não queriam ouvir. Avisou que o partido pode estar a “escolher muito mal” os seus adversários se “ceder à tentação” de ter como alvo o Presidente da República. Defendeu que, após a demissão de António Costa, não seria possível substituí-lo por Mário Centeno sem eleições. Assegurou que não há nenhum risco de o PSD ceder a um discurso de extrema-direita. E apelou a que o PS “não faça campanha com base no medo ou no ressentimento”, tentando assim afastar obsessões com o Chega ou com o Ministério Público. Francisco Assis, que foi um dos poucos críticos da geringonça, aceitou ser uma espécie de fiador de Pedro Nuno Santos: apoiou-o na campanha interna, para afastar as acusações de radicalismo, e neste congresso aceitou ser o primeiro nome da lista única à Comissão Nacional do partido. Tudo indica que não ficará por aqui: poderá ser a escolha do PS para a presidência da Assembleia da República ou, até para o Palácio de Belém.

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Os vencidos

José Luís Carneiro

Houve um momento em que José Luís Carneiro se convenceu de que ia poder usar para sempre como arma negocial os 36% de votos que conseguiu nas eleições internas: queria influenciar a composição dos órgãos do partido; queria influenciar a escolha dos futuros deputados; e queria influenciar o programa eleitoral do novo líder. Como Napoleão, exagerou na ambição. E Pedro Nuno Santos colocou-o no seu devido lugar. No congresso, José Luís Carneiro falou sem constrangimentos de tempo, mas nem assim conseguiu entusiasmar os militantes. O seu tempo como candidato à liderança acabou sem grande glória.

Fernando Medina

Fernando Medina chegou ao Congresso com a notícia, no próprio dia, de que faria o brilharete de começar 2024 com a dívida pública abaixo dos 100%. Mas Pedro Nuno Santos, mesmo elogiando e defendendo as contas certas, conseguiu aprovar com quase 90% dos votos uma moção que defende a uma desaceleração da redução da dívida pública. Pedro Costa, filho de António Costa e pedronunista militante, a desvalorizar o feito no dia do arranque do Congresso: “Não gosto desse tipo de números que nos servem de crachá ao peito.” O ainda ministro das Finanças disse ao Observador que Pedro Nuno Santos tem “dados sinais corretos” na defesa das contas certas, mas o líder do PS, no dia de arranque Congresso, tinha dito com as letras todas, no podcast Geração 70, do Expresso, que o chamado Fundo Medina “não era uma solução adequada.” Medina ocupa desde 2014 um lugar de destaque no PS e, pelos sinais do Congresso, enquanto Pedro Nuno Santos for líder, vai ficar fora da esfera de influência e das decisões. Não é que Medina esteja no fundo, mas também não haverá Fundo Medina. Terá de esperar as condições certas para regressar à linha da frente.

Augusto Santos Silva

Augusto Santos Silva está a oito de dias de ver o Parlamento, ao qual preside, ser dissolvido. Sabe que, depois de 10 de março, provavelmente não voltará ao cargo. Além disso, vê por terra o seu grande sonho (ser Presidente da República) cair por terra. E de uma forma cruel: viu Pedro Nuno Santos a dizer que vai mobilizar todo o PS em torno desse sonho – 15 anos após se ter demitido dessa luta – mas muito provavelmente com outro protagonista. Do púlpito, Santos Silva também voltou a bater na tecla de que “só uma vitória robusta do PS garante que o Governo não fique refém da chantagem da extrema-direita.” Minutos depois era contrariado por Francisco Assis, seu provável sucessor na presidência da AR, caso haja uma maioria de esquerda. O Congresso só confirmou que é um notável que será afastado dos centros de decisão neste PS (talvez volte de Medina ou Carneiro lá chegarem um dia). Além disso, não só o ciclo de ambição Santos Silva foi interrompido, como, com a sua postura de confrontação com Ventura na AR, ajudou ao crescimento do Chega, cada vez mais galopante nas sondagens. O balanço é desastroso: se queria continuar a ser influente no PS, falhou; se queria chegar a Belém, falhou; se queria travar o Chega, falhou retundamente.

Os “diabos”

Pedro Passos Coelho

Diabo, Belzebu, Satanás, Passos Coelho. Para o PS, são tudo sinónimos. Passaram oito anos desde que Passos Coelho deixou de ser primeiro-ministro e mais de seis desde que deixou ser líder da oposição, mas para o PS isso pouco importa e fala do antigo primeiro-ministro como se fosse ele o líder do PSD. O ataque a Passos (Pedro Nuno Santos disse duas vezes o nome dele no primeiro discurso e zero o de Luís Montenegro) tem um objetivo estratégico: associar o PSD aos cortes de rendimentos que o partido fez no tempo da troika. Os estudos internos (focus group e estudos de opinião) dos dois maiores partidos dizem que o PSD ainda é muito associado pelos portugueses a cortes de salários e pensões e, por isso, o PS tenta amplificar essa imagem para ter ganhos eleitorais. António Costa – que ao longo da sua vida política só perdeu com a direita com Passos Coelho – deu o mote ao arrancar o Congresso a falar do diabo, como de resto fez no último debate quinzenal como primeiro-ministro. Já se percebeu que o alvo do PS será Passos Coelho e, mesmo Montenegro, será atacado em função disso: como ex-líder parlamentar do Governo da troika.

Lucília Gago

No último dia do congresso, José António Vieira da Silva levantou os socialistas com um desabafo: “Não estou tranquilo.” E com um aviso: “Não podemos ignorar e fechar os olhos, não podemos fingir que não existe. Isto não é a política a entrar na Justiça, é a política a defender a sociedade, a democracia, o Estado de Direito.” O desabafo e o aviso estavam relacionados com a investigação do Ministério Público às decisões do governo socialista. E, na verdade, o tema mobilizou o instinto conspiracionista de várias figuras do PS. Ferro Rodrigues disse que “não há coincidências”. Augusto Santos Silva alertou contra “notícias seletivas, filtradas”. Marta Temido afirmou, ominosa, que “temos de nos interrogar e discutir friamente algumas coisas”. Duarte Cordeiro indignou-se: “Podem tentar provocar-nos, como fizeram ontem ou fizeram hoje, mas não nos derrotarão.” Pelos vistos, o PS convenceu-se de que Lucília Gago e a Procuradoria-Geral da República vão estar no boletim de voto a 10 de março. Pela sua própria sobrevivência política, talvez Pedro Nuno Santos lhes devesse explicar que não vão estar.

Marcelo Rebelo de Sousa

Marcelo sempre quis evitar a mexicanização do regime (ao defender a necessidade de alternativas), mas não conseguiu evitar ser uma pinhata política no Congresso do PS. Levou pancada de todos os lados. Ascenso Simões classificou-o de “maior fator de instabilidade política”, Manuel Alegre e Edite Estrela avisaram que podia estar a preparar já uma “terceira dissolução” e César disse mesmo que “não fez o que lhe era devido politicamente”. Entre dezenas de ataques, só Pedro Nuno Santos colocou água na fervura a dizer que não havia drama em Marcelo ter convocado eleições. Em contraste com todos os outros Congressos da era Marcelo, o Presidente da República foi apresentado como uma espécie de Maquiavel que – embora isso não tenha sido dito textualmente – terá tendência para ajudar a sua família política, a direita. Mas não se trata de um bater por bater: a ideia é deixar Marcelo condicionado quando, de facto, tiver de tomar decisões sobre o novo Governo após as eleições de 10 de março. O antigo “quase amigo” de Costa, é agora um “quase inimigo” do PS.