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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

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"Os Wagner vão para ali provocar, mas nem uma mosca passa". O nervosismo destemido na fronteira com a Bielorrússia

Na Polónia e Ucrânia a chegada dos Wagner à Bielorrússia aumentou o nervosismo ("mas não o medo") e levou ao reforço militar. O Observador esteve nas fronteiras a poucos metros do país de Lukashenko.

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A estrada ainda tem as marcas dos tanques russos que por ali passaram quando chegaram às portas de Kiev em fevereiro de 2022. Surge uma bifurcação: de um lado, o caminho para Chernobyl; do outro, uma estrada que vai até à Bielorrússia. A caminho de Poliske, a dez quilómetros do país de Lukashenko, já não há civis. As placas indicam ser zona de fronteira, mas também obrigam a recuar, de marcha à ré, para prevenir outro perigo: minas nas bermas. Não se vê ninguém, não se ouve nada. Mas assim que o motor do carro pára, seis militares ucranianos saem de uma casa onde controlavam, camuflados, a zona. “Quem são vocês? O que estão a fazer aqui?” São os nervos de quem se apresentaria, minutos depois, como a “primeira linha de defesa da Ucrânia”.

Na fronteira com a Bielorrússia, do lado ucraniano, “ninguém tem medo”, dizem, por as tropas do grupo Wagner terem acampado na Bielorrússia, mas o nervosismo está no ar e na postura. Identificação feita, armas em baixo. E um aviso daquela brigada do exército ucraniano: “Tiveram sorte em recuar, andavam mais uns metros e íamos atirar aos pneus. É que, daqui, ninguém passa. Nem para lá, nem para cá”.

A brigada anti-tanque, de artilharia, chama-se Kit Kat: um gato que representa um militar ucraniano ("cat", de 'kit-kat') a abusar sexualmente de um soldado russo

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A brigada anti-tanque, de artilharia, chama-se Kit Kat, “como o chocolate”, explicam os militares ao Observador, enquanto a tensão vai baixando em Rahivka, o nome da povoação. “Wait“, diz um dos militares, que vai até ao interior da casa-esconderijo e traz na mão um emblema com um desenho: um gato que representa um militar ucraniano (“cat“, de ‘kit-kat’) a abusar sexualmente de um soldado russo. Riem todos. Justificam ao Observador a agressividade inicial: “Os Wagner agora vão para ali para a fronteira provocar e mandar tiros para o ar”. E como sabem que são Wagner? “Só podem ser, os bierrolussos têm medo de nós”. E mais não podem dizer.

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"Os Wagner vão para ali [para a fronteira] provocar (...). Como sabemos que são os Wagner? Só podem ser os Wagner porque os bierrolussos têm medo de nós"
Membro da brigada de artilharia Kit-Kat do exército ucraniano

O comandante quer deixar as palavras para o autarca local e dá ordens para que o Observador recue dois quilómetros: “Vão lá, que ele está à vossa espera e fala convosco”. O homem que os militares identificaram como “mayor” é Ihor Kucher que, em frente à sua casa, ali bem perto, em Mar’yanivka, espera o Observador.

O autarca Ihor tem 34 anos e começa por esclarecer que, quando a guerra de larga escala começou, em fevereiro de 2022, não era ele o presidente da junta local, mas que foi escolhido pelos populares quando os russos se retiraram. A vila é pequena, mas não houve eleições oficiais em nenhum ponto da Ucrânia, pelo que o Observador não tem forma de confirmar se aquele que os militares e os populares reconhecem como autarca tem uma legitimidade oficial.

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“Aqui nem uma mosca passa”

Ihor aponta para o horizonte, que é a fronteira, para demonstrar a proximidade dos Wagner: “Nesta direção é Minsk”. O acampamento do grupo de mercenários está a pouco mais de quatro horas dali, em Asipovich, que fica a cerca de uma hora da capital bielorrussa. O proclamado autarca confirma o que os militares tinham dito ao Observador minutos antes e diz que “os wagner já tentaram entrar, mas estavam lá os nossos rapazes“. A provocação wagnerista, conta, é feita com “tiros de metralhadora” do lado de lá da fronteira e com a tentativa de entrada de “grupos de sabotagem, com 5 a 10 pessoas”.

Sobre os fregueses e conterrâneos, Ihor diz que “as pessoas já se habituaram” e tentam “viver uma vida normal”. Mas todos os populares têm o seu número de telemóvel e continuam interessados em perceber o que está a acontecer quando ouvem sons mais estranhos. “Ligam-me a perguntar: que tiros são estes? Que explosões são estas?”, diz Ihor Kucher. Muitas vezes esses sons, explica, “são treinos” do exército ucraniano junto à fronteira.

"Eles provocam do lado de lá da fronteira com tiros de metralhadora. E também com movimentações de grupos de sabotagem de 5 a 10 pessoas (...) Os Wagner já tentaram entrar [na Ucrânia], mas estavam lá os nossos rapazes. Aqui não passa uma mosca“.
Ihor Kucher, autarca em Maryanivka, povoação ucraniana perto da fronteira com a Bielorrússia

O autarca reconhece, assim, alguma ansiedade na vila. Mar’yanivka ainda tem bem viva a memória da presença dos russos que, nos primeiros dias da invasão, fizeram daquela povoação uma base para atacar posições mais próximas de Kiev, como Zhytomyr  — que foi atacada a 27 de fevereiro de 2022. Na altura, as tropas russas chegaram ali sem grande resistência, já que os populares, sem armas, foram forçados a fugir.

Ainda custa ao autarca recordar aqueles dias. Com o indicador, Ihor aponta para umas árvores e vai descrevendo que era naquele sítio que os russos “estacionaram os GRADS, eram talvez 12, e começaram a disparar em direção a Zhytomyr.” Os GRADS são lançadores de rockets de 122mm de fabrico soviético, que foram utilizados pelo exército russo na invasão de larga escala e estiveram estacionados durante quatro dias em Mar’yanivka.

Eram “duas e tal da manhã”, quando Ihor acordou com o som das bombas no dia da invasão. “Como foi? BUM!”, recorda. Foi aí que começou a ajudar a vila toda a deslocar-se para uma “cave numa escola pública” que tinha ajudado a transformar em abrigo. O abrigo foi equipado com colchões e comida e acabou por dar proteção a centenas de pessoas nos primeiros dias, enquanto havia bombardeamentos de parte a parte. A organização deste bunker improvisado e a forma como ajudou a defender a população é que levaram a que Ihor fosse escolhido como autarca.

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Durante a ocupação da vila, os russos não atacaram massivamente os locais, ao contrário do que aconteceu em Bucha. Quase todos escaparam aos invasores. Os soldados russos permitiram, aliás, que populares saíssem por um corredor humanitário, mas ao mesmo tempo estavam munidos com uma “lista”, que se revelou fatal para um “rapaz” da vila. “Depois de o terem caçado no corredor humanitário, foi encontrado próximo da floresta com as pernas baleadas, os lábios cortados e outros sinais de tortura agressiva”, conta Ihor sobre um jovem conterrâneo. Foi a única vítima da vila. E não foi um acaso: “Ele tinha combatido na Operação Antiterrorista no Leste da Ucrânia [do lado de Kiev]”.

Agora tudo mudou. E Ihor acredita que o cenário não se vai repetir. Com a mesma confiança dos militares, o autarca assegura que o exército ucraniano “enviou muito equipamento para a fronteira logo a seguir aos russos se terem retirado” das posições a norte de Kiev. O reforço ainda foi maior quando os Wagner se deslocaram para a Bielorrússia. Apesar de Prighozin (CEO dos Wagner) e Utkin (comandante militar) terem morrido (a 23 de agosto) e isso ter enfraquecido o grupo, os militares continuam no país de Lukashenko. Para o autarca é, no entanto, indiferente se são tropas bielorrussas, o grupo Wagner ou o exército russo e dá uma garantia: “Aqui nem uma mosca passa“.

A vila onde Utkin, o fundador dos Wagner, aprendeu a odiar ucranianos

Mas se, mesmo assim, os russos conseguirem voltar a entrar, Ihor não tem dúvidas de que fará como em fevereiro de 2022. “Nasci aqui. Estive aqui a minha vida toda. Não saio daqui. Ainda ontem a minha mulher me perguntou: ‘E se houver um novo ataque?’ E eu respondi: ‘Vou levar-te e volto para aqui'”.

O risco, assumem militares e autarca, existe sempre. Mas o crescente nervosismo da fronteira com a Bielorrússia, no lado ucraniano, não é exclusivo de um país em guerra. Também no espaço NATO, os nervos militares estão à flor da pele. Alguns dias e 500 quilómetros depois, o ambiente é igualmente tenso do lado polaco.

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Polónia. “Isto aqui é espaço NATO, estamos seguros. Quer dizer, acho eu…”

O arame farpado é visível, mas a multa é pesada para quem se aproximar em demasia. Os muros e cercas de centenas de quilómetros foram construídos para travar migrantes, mas foram agora reforçados em alguns troços como proteção para eventuais movimentações do Grupo Wagner. A 50 metros está a Bielorrússia e, do lado polaco, membros de um batalhão, com o rosto tapado com um passa-montanhas, aproximam-se do carro do Observador com metralhadoras na mão a passo acelerado. “Go out, go out“, dizem, a partir de um território que só está militarizado desde julho.

A presença militar foi reforçada nos últimos três meses, incluindo com helicópteros que, a espaços, cruzam os céus. O Governo polaco começou por enviar mil militares para a fronteira no início de julho, mas uma conversa pouco discreta em São Petersburgo aumentou ainda mais o nível de alerta.

Vladimir Putin e Aleksandr Lukashenko, ambos sem gravata, e numa conversa aparentemente informal, lançaram a provocação durante um encontro público a 23 de julho em São Petersburgo:

epa10763669 Belarusian President Alexander Lukashenko speaks during his meeting with Russian President in St. Petersburg, Russia, 23 July 2023. Alexander Lukashenko is on working visit to Russia.  EPA/ALEXANDER DEMYANCHUK / KREMLIN / POOL
Aleksandr Lukashenko

“Se calhar não devia dizer isto, mas vou dizer. Os Wagner já nos começaram a chatear a dizer: ‘Queremos ira para Ocidente. Deixe-nos ir’. E eu pergunto: Porque é que querem ir para Ocidente? Bem, queremos ir numa excursão a Varsóvia, a Rzeszów”.

epa10763675 Russian President Vladimir Putin looks on during his meeting with Belarusian President in St. Petersburg, Russia, 23 July 2023. Alexander Lukashenko is on working visit to Russia.  EPA/ALEXANDER DEMYANCHUK / KREMLIN / POOL
Vladimir Putin

[Putin sorri, acena com a cabeça e recosta-se na cadeira]

epa10763669 Belarusian President Alexander Lukashenko speaks during his meeting with Russian President in St. Petersburg, Russia, 23 July 2023. Alexander Lukashenko is on working visit to Russia.  EPA/ALEXANDER DEMYANCHUK / KREMLIN / POOL
Aleksandr Lukashenko

“Eles não gostam de Rzeszów. Porque quando estavam a combater em Artyomovsk [perto de Bakhmut] eles sabiam de onde vinha o equipamento militar [utilizado pelos ucranianos] e por isso têm maus sentimentos relativamente a Rzeszów. Mas eu vou mantê-los, como combinado, no centro da Bielorrússia.”

A conversa de Lukashenko sobre a “excursão” à capital Varsóvia e à cidade média de Rzeszów (é a 23ª maior do país) foi vista pelo Governo polaco como uma ameaça. Duas semanas depois a Polónia faria uma reforço de forças de segurança na fronteira, que aumentou para 10 mil homens entre militares, guardas de fronteira e polícia de choque. No final do mês, quando o Observador se dirigia para a fronteira da Polónia com a Bielorrússia, os noticiários das rádios polacas abrem com a mesma notícia: “Lukashenko considera estúpidas as exigências do Governo polaco e não vai expulsar o grupo Wagner.”

A tensão continua. É neste clima que o Observador chega à zona de fronteira. Após os “go out“, um veículo da guarda de fronteira interceta o carro do Observador mais à frente. Seguiu-se mais de uma hora de paragem, de identificação, de verificação de documentos. O tom começa por ser agressivo (“Podem apanhar uma multa se se aproximarem da fronteira”), mas acaba com apaziguamento (“Sabemos que estão só a fazer o vosso trabalho, mas não podem fotografar nem aproximar-se da fronteira”).

Continuando por esta estrada, a poucos metros, é a fronteira terrestre da Polónia com a Bielorrússia onde estão centenas de militares polacos

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A interceção policial (e militar, que entretanto se juntou) acontece na aldeia de Chomontowce, na única rua habitada e onde há casas em que o edifício principal está na Polónia, mas parte do quintal está na Bielorrússia. Os populares, agastados com a presença militar, tentam ajudar os jornalistas do Observador, indiferentes às armas que empunhavam: “Há problemas? Precisam de alguma coisa?”. Andrzej Klos e a mulher ficam ali, tipo sentinela, até militares e polícia desmobilizarem.

Só querem conversar dentro de casa, com uma tranquilidade que contrasta com a dos militares. Andrzej, de 51 anos, conta que aquela é o seu refúgio de fim de-semana e que vai para ali para fugir da azáfama da cidade. Nos últimos tempos, a calma foi substituída pelos helicópteros e outras movimentações militares que, garante, os habitantes dispensariam. Ao Observador diz que não tem medo que os Wagner passem a fronteira: “Isto aqui é espaço NATO, estamos seguros”. Mas, mais inseguro na voz, acrescenta: “Quer dizer, acho eu…”

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O país liderado de forma autoritária por Lukashenko é, literalmente, do outro lado da rua. “Aqui da cozinha vejo a Bielorrússia”, diz Andrzej. “Olá, bielorrussos”, diz, enquanto acena da janela junto ao fogão. Apesar da proximidade, o polaco garante que naquela aldeia ninguém tem medo de uma invasão bielorrussa. “Há pessoas daqui com família do lado de lá e vice-versa, as pessoas dão-se bem”, explica. E evoca razões históricas: “Chomontowce já foi Bielorrússia, depois Polónia, as fronteiras andaram sempre a mover-se, portanto a proximidade é grande”.

“Isto aqui é espaço NATO, estamos seguros. Quer dizer, acho eu…”
Andrzej Klos, 51 anos, com casa a 100 metros da Bielorrússia, em Chomontowce (Polónia)

No início dos anos 1920, Chomontowce já tinha uma maioria ortodoxa (eram poucos os católicos) e, após a II Guerra Mundial, tornou-se parte da República Socialista Soviética da Bielorrússia. Três anos depois foi feita uma correção de fronteiras entre a Polónia e a Bielorrússia e Chomontowce ficou do lado polaco. Ou seja: só há 75 anos é que aquela terra é oficialmente Polónia.

Enquanto a noite cai em Chomontowce, as rádios polacas dão outra notícia: a Bielorrússia acusou a Polónia de ter violado espaço aéreo daquele país, precisamente na região onde o Observador pode constatar a presença de helicópteros. E fez um grafismo que, alegadamente, o confirma. O nervosismo continua.

“Sou uma terrorista no meu país”

Chomontowce faz parte do distrito de Bialystok, uma cidade de 300 mil habitantes, mas mais afastada da fronteira. É lá que Karina Malinowska, oposicionista ao regime de Lukashenko, abriu uma loja de tatuagens depois de ter sido forçada a fugir do país. A primeira coisa que refere ao Observador sobre o reforço militar nos últimos meses não é muito diferente do que dizem os polacos: “Vejo helicópteros de combate a voarem baixo a toda a hora”.

Karina Malinowska decidiu fugir da Bielorrússia há três anos quando a mãe, prisioneira política, foi libertada e lhe contou que, quando estava detida, os polícias bielorrussos lhe pediram para “desenhar a planta da casa” onde a filha vivia e especificamente o quarto onde dormia a neta (filha de Karina). No momento em que saiu da prisão, a mãe disse apenas a Karina que não podia falar por telefone, foi buscá-la de carro, contactou a Casa da Bielorrússia em Varsóvia (“para que os militares polacos nos deixassem passar a fronteira”) e não voltou a olhar para trás.

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Meses antes, quando o regime de Lukashenko prendeu a tia e o padrinho, também oposicionistas, ameaçaram que iam dar um tiro na cabeça de Karina. Ao passar a fronteira, não se calou. “Não fiquei em silêncio, tinha o meu próprio blogue no Instagram com mais de 20 mil seguidores e incentivava as pessoas a lutarem nas ruas contra o regime”, conta. Além disso, já na Polónia, Karina foi formada por membros do BYPOL — associação paramilitar que luta contra o regime bielorrusso — e aprendeu “tiro, táticas de guerra, assistência médica e outras valências”. E publicava tudo: “Não escondia a cara e, claro, fui considerada terrorista no meu país“. É hoje um alvo a abater? “Sim, eles querem matar-me”, diz ao Observador.

A viver na Polónia, não muito longe da fronteira, Karina é também observadora privilegiada do medo que os polacos sentem. A tatuadora diz que tem vários clientes polacos e não se importa de dizer que “alguns têm medo de uma invasão”, mas  também há “outros que dizem que querem ‘rasgar a garganta aos russos'”. E acrescenta: “Se tivesse de dividir, diria que 70% querem combater os russos e 30% têm medo [de uma invasão]”.

A partir de Bialystok, a oposicionista mantém contactos com a rede de resistência a Lukashenko e é através dela que vai sabendo novidades da presença das tropas do grupo Wagner no seu país. “Mantenho contacto com um prisioneiro político, que apesar de estar em prisão domiciliária em Brest, contou-me que os wagner andam pela cidade. Ele conta histórias de como se embebedam e a própria polícia bielorrussa tem medo deles”, conta.

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Se a história do amigo de Karina Malinowska bater certo, há wagners bem mais perto do que Lukashenko prometeu enquanto trocava sorrisos com Putin: o tal centro da Bielorrússia. Na verdade, no mesmo mês de julho em que o vídeo foi gravado, o próprio ministério da Defesa do Governo de Lukashenko admitiu que uma parte dos militares do grupo Wagner estiveram num campo de tiro próximo de Brest em exercícios militares durante uma semana. Ora, Brest é a dez minutos de carro da Polónia.

Brest, cidade na Bielorrússia, é praticamente colada a Terespol, cidade fronteiriça do lado polaco. O presidente da câmara local, Jacek Banieluk, já admitiu em declarações à imprensa local que a presença dos Wagner na Bielorrússia deixa os habitantes “ansiosos”, mas reforça o que também diziam os ucranianos na fronteira: “Medo, não”.

"Mantenho contacto com um prisioneiro político, que apesar de estar em prisão domiciliária em Brest, contou-me que os wagner andam pela cidade. Ele conta histórias de como se embebedam e a própria polícia bielorrussa tem medo deles."
Karina Malinowska, opositora de Lukashenko no exílio e tatuadora em Bialystok

Nos pórticos de fronteira, em Terespol, o Observador aborda mais de vinte pessoas e ninguém fala inglês. Apenas duas mulheres, bielorrussas, que explicam que estão a regressar ao país depois de passarem “férias” na Polónia. Sobre se temem os Wagner no país, respondem em uníssono: “Não temos visto as notícias”. E como é ir para um país em ditadura? “Não falamos sobre política”. Ao fim de cinco minutos de não-respostas lá admitem constrangimentos: “Desde que a guerra [na Ucrânia] começou, a entrada demora muitas horas”. As filas comprovam-no.

Fronteira terrestre da Polónia com a Bielorrússia. Do lado desta rede de arame farpado é o país liderado por Lukashenko. Na placa diz: Fronteira de Estado - Passagem Proibida

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Os autocolantes na marginal de Varsóvia: “PWC Wagner. Junta-te a nós!”

Karina Malinowska vive mais perto da fronteira, mas foi outro opositor de Lukashenko, Ruslan Guseinov, que a colocou em contacto com o Observador. Ruslan conduz um TVDE em Varsóvia, a capital, que fica ainda a uns seguros 200 quilómetros da fronteira. Mas a distância não faz diminuir o seu pessimismo.

O bielorrusso foi observador nas eleições de 2020 e, por denunciar irregularidades do regime de Lukashenko, esteve detido 15 dias. Desde então dedica-se, nas suas redes sociais, a atacar o regime bielorrusso. Faz questão de mostrar, na sua página de Facebook, o dia em que saiu da prisão, apenas com um saco de plástico na mão. O agora condutor da Uber traça um cenário mais dramático, crítico do país que o acolheu, e diz que “90% dos polacos vivem alheados da política, mais preocupados os negócios, o crescimento profissional, além de que os jovens estão pouco importados com o que os rodeia”.

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Ruslan Guseinov diz mesmo ao Observador que “o principal erro dos polacos é pensarem que estão sob a proteção da NATO”. E acrescenta: “Nenhuma NATO pode salvá-los de serem atingido por uma ogiva nuclear“. O oposicionista bielorrusso considera ainda a presença dos Wagner a poucas centenas de quilómetros “perigosa”, já que estão a aproveitar a “pausa” para “sobreviver” e regressarem mais fortes.

Pelas ruas em que Guseinov conduz o seu carro também andaram recrutadores alegadamente a mando do Grupo Wagner. Em meados de agosto, a polícia polaca deteve mesmo dois homens por espalharem propaganda pela capital (e em outras cidades polacas). O modus operandi utilizado foi a colagem de autocolantes com o símbolo do Grupo Wagner que diziam “junta-te a nós” e um QR Code que redirecionava para propaganda de adesão àquele grupo.

A atividade foi particularmente intensa na Avenida de Vístula, uma zona ribeirinha na marginal do rio homónimo, onde os recrutadores colaram autocolantes em postes, caixotes do lixo e casas de banho. Duas semanas depois dos homens serem detidos, o Observador foi àquela zona da capital polaca e ainda encontrou vários desses autocolantes  — embora quase todos danificados. Há um simbolismo especial quanto à zona onde foi colada a propaganda: o rio que dá nome à avenida está associado à resistência da Polónia contra a Rússia, já que foi no chamado “milagre do Vístula” que, contra todas as expectativas, as tropas de Varsóvia venceram o exército vermelho em 1920, forçando Moscovo a assinar um tratado de paz que assegurou que a Polónia continuasse um Estado independente.

Na Avenida Vístula, em Varsóvia, ainda há muitos autocolantes que apelam à inscrição no Grupo Wagner. Na sequência dessa propaganda foram detidos dois homens

Na Avenida Vístula a vida segue normal. Da vendedora de cachorros ao funcionário de um bar fancy, passando por uma família que passeia pela marginal, ninguém tinha reparado nos autocolantes. Nem do que sobra deles. “Não tinha visto isso e passo aqui todos os dias”, diz o trabalhador do bar. “Nem sei o que é isso dos Wagner”, acrescenta a vendedora de cachorros. “Não sabemos nada sobre isto”, complementa o pai com o carrinho de bebé. A indiferença à propaganda dos Wagner na Avenida Vístula contrasta com o clima político, em que, à beira de eleições legislativas, cada movimentação dos Wagner é tema de campanha eleitoral.

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Quando o grupo Wagner se deslocou para a Bielorrússia, o presidente polaco Andrzej Duda foi rápido a classificar a deslocação como “ameaça”. Donald Tusk, líder do principal partido da oposição (a Plataforma Cívica), chegou a temer que os comentários de Duda e do primeiro-ministro Morawiecki sobre os Wagner fizessem parte de uma estratégia para forçar o adiamento das eleições. As legislativas estão, no entanto, marcadas para este domingo, 15 de outubro, e Tusk tenta tirar o poder que está há oito anos nas mãos do partido nacionalista Lei e Justiça (o PiS), numas eleições em que enfrenta Jaroslaw Kaczynski.

Os conservadores tentam utilizar a guerra na Ucrânia e o medo como trunfos eleitorais, já que tentam capitalizar o facto de serem defensores de uma linha mais securitária e de militarização. O lema de Kaczynski é, aliás, um “futuro seguro para os polacos”. Além de ter reforçado a presença militar, o Governo do PiS já ameaçou também fechar as fronteiras com a Bielorrússia. A guerra e, por arrasto, os Wagner são um dos grandes temas de campanha. Os nervos da fronteiras já chegaram ao núcleo central: o Palácio Belweder, em Varsóvia.

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