O antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, faz várias críticas ao Orçamento do Estado apresentado esta semana pelo Governo de António Costa, que diz representar um “sinal negativo para o futuro”. Diz ainda que o documento tem “previsões demasiado otimistas” e que não tem em conta os “impactos profundos” da guerra.
Em entrevista à Vichyssoise, da Rádio Observador, Paulo Núncio, diz que Fernando Medina “acabou de chegar” e, por isso, é preciso “dar tempo ao tempo”. Mas logo acrescenta que “em termos de política é mais do mesmo: não vejo em Fernando Medina nenhuma alteração significativa [relativamente a João Leão e Mário Centeno]”.
O vice-presidente do CDS, eleito há pouco mais de uma semana e meia, foi visado numa carta aberta de Ana Gomes, onde a antiga candidata presidencial critica o facto de a investigação do Ministério Público ao “apagão fiscal” estar parada. Na entrevista, reitera o que tem dito: “Não tive nada a ver com o apagão fiscal e só tive conhecimento através das notícias do jornal em 2017, mais de um ano depois de ter cessado funções”. E garante que nunca foi ouvido sobre o assunto.
Em semana de Orçamento não há uma forma diferente de começar. O Governo apresentou ontem o Orçamento do Estado, repetindo essa máxima das contas certas, este é um Orçamento do Estado de austeridade?
Antes de entrarmos na qualificação de saber se o Orçamento é de austeridade ou não acho que o Governo foi preguiçoso na elaboração deste Orçamento. O Governo pegou na proposta que tinha sido apresentada há seis meses e voltou a apresentá-la com pequenas alterações. O mundo mudou muito de há seis meses a esta parte. Todas as pessoas têm consciência que foi desencadeada uma guerra pela Rússia na Ucrânia e vivemos hoje uma inflação galopante. O país merecia um Orçamento completamente diferente daquele que tinha sido apresentado há seis meses uma vez que as circunstâncias se alteraram radicalmente, não é isso que temos. temos mais do mesmo. Nesse sentido parece-me que é um Orçamento que representa um sinal negativo para o futuro. Em termos de cenário macroeconómico o que me parece é que as previsões do Governo são demasiadamente otimistas. Em termos de crescimento económico prevê 4,9% em 2022, penso que é demasiado otimista tendo em conta os impactos profundos da guerra na Ucrânia.
O ponto de partida é baixo, 2021 foi um ano atípico.
É verdade, mas mesmo assim penso que não terá em conta os impactos profundos da guerra no crescimento do PIB global. Vai depender da extensão da guerra, mas penso que é um pouco otimista. A meta dos 4% de inflação para 2022 também considero otimista. Em março, Portugal já está com 5,3% de inflação. Ao nível dos produtos transformados e da energia já ronda os 20%, a inflação subjacente em Portugal já está acima da zona euro. Temos um problema sério de inflação este ano, não será tão temporário e conjuntural como o Governo procura transmitir. A inflação tem um impacto brutal na vida das famílias e das empresas.
Além do problema da inflação, o Governo continua a colocar a prioridade na questão das contas certas. Há quem diga, até dentro do PS, que o Governo conseguiu roubar esse discurso à direita.
Vejo a coisa ao contrário. Acho que as contas certas sempre foi um princípio fundamental dos partidos de direita, faz parte do ideário do CDS um conservadorismo fiscal. Há uns anos era popular na esquerda o discurso de que há mais vida para além do défice, o défice e as contas certas eram desvalorizados. Há coisa de 10 anos o país entrou em bancarrota porque um governo do PS não teve atenção com as contas públicas e o país entrou numa situação de default em que foi necessário intervenção dos credores internacionais.
Mas também houve um Governo do PS superavitário.
O ponto era exatamente esse. Este Governo é o Governo da dívida pública recorde, da despesa pública recorde e da carga fiscal recorde. Há várias formas de consolidar as contas públicas. A forma que um partido de direita, como o CDS, defende é uma consolidação das contas públicas em que a despesa baixa e os impostos baixam e com isso a dívida pública baixa. Esta tentativa de apresentar contas certas baseia-se exatamente no contrário em que a dívida, a despesa e a carga fiscal sobem. Esta forma de contabilizar contas públicas determina um efeito muito negativo no crescimento. É por isso que Portugal em 2021 passou a ser o sétimo país mais pobre da União Europeia em termos de PIB per capita. Não é possível crescer com este nível de despesa, de dívida e de carga fiscal. Portugal, em 2021, tem uma dívida pública recorde de 274 mil milhões de euros, o OE para 2022 prevê que a dívida cresça até aos 290 mil milhões de euros. Portugal em 2021 teve uma despesa pública recorde que ultrapassou os 100 mil milhões de euros, o OE para 2022 diz que vai aumentar para 105 mil milhões de euros por ano. Em termos de carga fiscal Portugal teve um recorde de 35,8% em 2021, para 2022 o OE aumenta em cerca de 3 mil milhões de euros a receita fiscal.
Deu uma entrevista à Lusa, no início deste processo orçamental onde dizia que a gestão orçamental tem que se basear sempre no princípio da prudência, mas olhando para a moção que Nuno Melo apresentou, da direção do CDS da qual faz parte, temos a redução das taxas de IRS para todas as famílias, redução de IRC para 17%, redução de 50% nas portagens para empresas e pessoas sedeadas no interior, isenção de IMI de 3 para 10 anos no interior. Como é que se fazia isto sem aumentar a despesa?
É exatamente o contrário. O que defendemos é que em períodos de crescimento económico, em vez de aumentar a despesa como o PS fez nos últimos seis anos, deve fazer-se um esforço sério de redução da despesa pública para, por exemplo, em situações de crise o Estado ter uma almofada maior. Nos últimos seis anos, não obstante ter havido um crescimento económico, muito provocado por fatores externos, o governo socialista aumentou todos os anos a despesa pública e é aí que está o problema. O governo socialista faz despesa pública como se não houvesse amanhã. O Estado gasta muito mais que deveria, principalmente em fase de crescimento económico e isso reflete-se na carga fiscal. O CDS propõe uma maior disciplina da despesa pública e haver a possibilidade de reduzir os impostos sobre as famílias e as empresas.
Assistiu a várias apresentações de Orçamentos por Mário Centeno e João Leão. Fernando Medina é mais preparado?
Não gosto de fazer observações pessoais, gosto de falar de política. Este ministro acabou de chegar e, por isso, vamos dar tempo ao tempo. O que posso dizer é que em termos de política é mais do mesmo. Não vejo em Fernando Medina nenhuma alteração significativa.
Admitiu uma reforma do IRC.
Já lá vamos. Não vejo em Fernando Medina, para já, nada que o distancie da política económica e financeira do PS nos últimos seis anos que significou mais dívida, despesa e impostos. Se olhar para o OE e, designadamente, para as empresas reparamos que o Orçamento é quase um deserto, com exceção talvez da TAP que recebe 900 milhões de euros diretamente dos impostos que todos nós pagamos. Quanto ao resto das empresas o OE é uma total desilusão.
Fernando Medina justificava isso dizendo que recebeu este Orçamento já preparado e com o contexto da guerra, mas que nos anos seguintes quer ser um reformista, não acredita nessas intenções?
A ver vamos, o que sabemos é que neste momento a taxa máxima de IRC continua a ser 31,5%, a taxa mais elevada da União Europeia e que o PS continua a não concretizar a reforma e o acordo que foi celebrado em 2014 que previa uma redução gradual da taxa do IRC.
Não era este PS, era de António José Seguro.
Era o PS, gosto de ser um institucionalista. Foi o PS que aprovou, que votou favoravelmente a reforma do IRC de 2014 e essa reforma previa uma redução da taxa de IRC até 2017. Lembro-me, na altura foi feito um esforço muito grande de abertura de negociação a outros partidos, designadamente aos partidos do arco da governabilidade para permitir exatamente que a reforma pudesse seguir o seu caminho, independente dos círculos governativos. O sinal dado na altura pelo PS, de votar favoravelmente, foi muito importante. A reforma tinha sido aprovada pelos partidos que disputavam o poder e, por isso, era normal que mesmo havendo uma mudança de círculo político a reforma não fosse revertida, infelizmente e com a mudança de líderes, o PS rasgou essa reforma. Fico à espera de perceber se, das palavras do ministro Fernando Medina, pode resultar que o PS voltou novamente a ter a intenção de cumprir a reforma que aprovou em 2014 com PSD e CDS.
Na questão dos impostos, a descida anunciada do ISP pelo Governo equivale à descida do IVA de 23% para os 13%, o Governo já devia ter avançado com esta medida há mais tempo?
Há muito mais tempo.
Sem parlamento?
Sim. Já devia ter feito há mais tempo. O Governo optou por criar o autovoucher. E o CDS sempre disse que a prioridade devia ter sido a redução das taxas de ISP para os limites mínimos que estão previstos na lei atual. Nessa matéria, não posso deixar de dizer que ouvi o ministro referir pelo menos cinco vezes a importância fundamental desta medida e a qualificá-la mesmo como estrutural deste Orçamento. Confesso que gostei de ouvir o ministro a referir a importância desta medida. Só se esqueceu de referir que o autor desta medida….
Foi Nuno Melo no encerramento do Congresso do CDS.
Foi Nuno Melo. E por isso: o seu a seu dono.
Não nos diga que era sua a ideia.
Não, não. Estou a dizer que foi uma proposta apresentada por Nuno Melo no encerramento do Congresso. Mas vale mais tarde que nunca. O Governo está a seguir uma proposta que foi apresentada pelo CDS, isso é um bom sinal. Corrigiu uma política que tinha sido feita inicialmente e eu acho que os portugueses, as empresas e as famílias ficam a ganhar com esta medida.
Neste preciso dia em que foi apresentada essa proposta, também foi eleito vice-presidente do CDS. Nesse mesmo dia, o jornal Público, Ana Gomes publicou uma carta aberta a António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa pedindo que o “apagão fiscal” não fosse esquecido. Nesse artigo, acusa-o de ser responsável pelo facto de a Autoridade Tributária não ter publicado valores das transferências para offshores entre 2011 e 2015. Já foi ouvido pelo Ministério Público sobre este assunto?
Sobre esta matéria, já o disse muitas vezes e repito hoje aqui: não tive nada a ver com o apagão fiscal e só tive conhecimento através das notícias do jornal em 2017, mais de um ano depois de ter cessado funções. E, aliás, isto hoje é público depois de ter sido publicado um relatório de auditoria da Inspeção-Geral de Finanças que foi publicado há mais de quatro anos.
Não é estranho o inquérito não estar concluído? Ninguém ser ouvido?
Acho que devem ser investigadas tudo aquilo que deve ser investigado. O que lhe posso dizer é que estou de consciência totalmente tranquila, como sempre estive nesta matéria. Não tenho, por isso, mais comentário nenhum a fazer sobre a matéria.
Já que falamos de Ana Gomes, que é candidata presidencial, remete-nos para Presidenciais. No próximo ciclo à direita, Paulo Portas é a personalidade mais bem preparada para ser o candidato da direita a Belém?
Paulo Portas, se assim o entender, será um excelente candidato a Belém e à Presidência da República. Não sei se ele quer ser, não sei se pretenderá apresentar-se.
É um assunto bastante comentado e até desejado entre vários apoiantes.
Eu sei, mas depende de uma decisão do próprio e, por isso, vamos esperar para saber o que Paulo Portas pensa sobre o efeito. Mas quero dizer que me parece que Paulo Portas seria um magnífico candidato a Presidente da República. Hoje é uma personalidade muitíssimo reconhecida e respeitada pela sociedade portuguesa e acho que o país ficaria a ganhar com uma candidatura de Paulo Portas.
Vamos voltar ao Congresso do CDS porque no discurso de Nuno Melo parecia estar a desenhar-se uma estratégia a dois anos, contando com eleições antecipadas. António Costa já disse que fica os quatro anos e meio. Acredita?
Não sei. Isso também terá de perguntar ao primeiro-ministro. Nuno Melo apresentou uma proposta e uma estratégia para os próximos dois anos porque é o período do mandato do CDS, mas é verdade que o primeiro grande teste que o CDS vai ter serão as eleições Europeias.
E Nuno Melo será candidato a essas eleições?
Isso será visto a seu tempo, mas essa é a primeira grande prova de vida do CDS. O CDS tem que ir a essas eleições sozinho, sem coligações, defendendo as suas ideias, que são conhecidas, para o país e para a Europa e o CDS estou convencido que poderá ter um resultado que demonstre que o partido continua a ter eleitorado.
Quer ser o Paulo Núncio a fazer esse teste do algodão?
São questões internas do CDS. Ainda é cedo para determinar qual será a lista. O importante é que o CDS se está a preparar para ser uma alternativa ao Governo socialista e para ir às eleições Europeias, provando que continua a fazer falta a Portugal. Continuo a achar que o CDS é um partido fundamental à democracia portuguesa.
Mas sendo esse o grande desígnio não deviam estar já nomes em cima da mesa?
Não, penso que não. É cedo.
Assunção Cristas fê-lo com mais de um ano e meio antes das eleições.
Estamos a falar de eleições que ocorrerão em junho de 2024, por isso daqui a mais de dois anos. Haveremos de ter tempo de apresentar a lista. Certamente que o CDS apresentará como lista forte. Como digo, eu estou convencido que o CDS vai provar nessas eleições que faz falta a Portugal e que continua a ter eleitorado e continua a ter pessoas a acreditarem no CDS. E dizia: eu acho que o CDS tem de se afirmar como um partido da direita moderna, como partido credível, que tenha quadros que respondam por políticas setoriais. E um partido com um projeto reformista para o país. E acho que isso é que identifica a liderança de Nuno Melo.
Mas até lá não estará no Parlamento, que é um palco privilegiado para marcar a agenda.
E nós teremos que ter a capacidade e a criatividade de fazer política fora do Parlamento. Mas penso que também será possível, com mais criatividade, utilizando mais as redes sociais, será certamente possível o CDS fazer política fora do Parlamento. Não escondo que esta é uma crise exigente e difícil para o CDS. É seguramente o momento mais difícil que o CDS teve desde a sua fundação há 47 anos, mas isso, na minha perspetiva, reforça o meu sentimento de pertença ao CDS. Eu sou militante do CDS desde os 21 anos. Entrei quando o professor Adriano Moreira era líder do partido. Assisti a momentos muito bons e a momentos menos bons do CDS. O CDS esteve em sete Governos, quatro deles sob a liderança de Paulo Portas. Em todos os Governos que teve foi determinante, quer através dos seus governantes, quer através das políticas para tornar o país num país mais próspero e mais humanista. Sempre que não estivemos no Governo fomos uma oposição frontal à esquerda e ao PS. E, por isso, eu acho que o CDS, neste momento, é um partido que continua a fazer muita falta. E deixe-me dizer-lhe isto: esta direção não descansará enquanto não devolver o CDS ao seu lugar de sempre, que é o Parlamento.
Não equaciona, por exemplo, que nas próximas eleições legislativas possa ficar fora do Parlamento novamente e isso ditar o fim do CDS?
Esta direção tudo fará e não descansará um minuto para recuperar o CDS, para tornar novamente o CDS um partido da direita moderna, credível, popular, que tenha votos nos centros urbanos. Que tenha votos na juventude, que tenha mensagens e agendas claras. E um partido que faz falta à democracia e faz falta ao Parlamento.
Estamos mesmo a chegar ao fim, vou só pedir-lhe uma resposta de sim ou não numa pergunta que ficou pendurada: foi ou não ouvido no processo de inquérito sobre o apagão fiscal?
Não fui ouvido. Todas as investigações nessa matéria devem ser feitas.
Vamos avançar para a fase do nosso programa em que tem de escolher uma de duas opções, o Carne ou Peixe, vamos ver se não fica com fome.
Preferia ser secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de um Governo PSD-CDS liderado por Luís Montenegro ou Jorge Moreira da Silva?
Não tenho comentários.
Quem convidaria para trabalhar consigo num gabinete de advogados: Manuel Monteiro ou Francisco Rodrigues dos Santos?
Não sei. Penso que Manuel Monteiro não é advogado.
É jurista, que também podem estar no escritório de advogados.
O escritório de advogados, normalmente, tem advogados que estão autorizados pela ordem a exercer. Penso que Manuel Monteiro não está nessas condições.
A quem daria uma aula de fiscalidade: a Fernando Medina ou a Pedro Nuno Santos?
Talvez mais a Pedro Nuno Santos porque, de facto, tem uma ideia de fiscalidade um pouco distorcida da realidade.
Preferia ser consultar para os assuntos fiscais do Presidente Marques Mendes ou Paulo Portas?
Espero que, se Paulo Portas se candidatar, que seja ele o próximo Presidente. Agora, está longe das minhas ambições futuras ser consultor fiscal de qualquer Presidente da República.