O bom tempo, os dias mais longos, os corpos bronzeados e com menos roupa, a praia, as férias… são mesmo afrodisíacos? “É indiscutível que uma pessoa que se sente bem com o seu corpo e consigo própria, tem a autoestima e disponibilidade sexual muito menos afetada do que numa situação oposta”, diz ao Observador Fernando Mesquita, psicólogo clínico e terapeuta sexual.
Parece pois, claro como água das Caraíbas. Mas como falar de sexo ainda é muitas vezes tabu, o Observador recolheu alguns conselhos de terapeutas sexuais portugueses para tirar mais partido da sua vida íntima este verão. Porque sim, o sexo tem explicações (e sugestões) científicas.
Talvez não seja falta de desejo, apenas níveis de desejo diferentes
A perda de desejo sexual pode ser causada por problemas de saúde, mas antes de mais é preciso perceber se existe realmente perda de desejo ou se são os parceiros que têm expectativas desfasadas, aconselha Patrícia Pascoal, responsável pela Consulta de Sexologia da Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa. A psicóloga vai mais longe e pergunta se há de facto uma pessoa que tem falta de desejo ou se, pelo contrário, é a outra que tem desejo “a mais”.
“A literatura científica é relativamente unânime a este respeito: grande parte dos problemas de desejo, de homens e mulheres, manifestam-se a partir das relações em que se envolvem, quando há uma grande diferença entre os níveis de desejo dos parceiros”, diz ao Observador a também vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica. Que avança desde logo uma sugestão. “A terapia sexual conjugal pode ajudar casais que sentem esta discrepância ajudando-os a reabilitar os recursos que existem em cada pessoa e na relação.”
Mais, a terapeuta sexual diz que “a ideia de que a atividade sexual pode ser avaliada como um desempenho bom ou mau é, ela própria, indutora de preocupação e dificuldades”. Relaxe e desfrute.
Comunicar: não só o que se quer, mas as coisas boas que têm juntos
Para o desejo sexual contribuem, além da “sintonia ou discrepância a nível do desejo e das motivações para o envolvimento sexual”, também “a qualidade da relação, a capacidade de comunicação do casal, o respeito mútuo e o bem-estar que ambos conseguem proporcionar um ao outro e a si próprios na relação”. Quem o lembra ao Observador é Sandra Vilarinho, terapeuta sexual e presidente da Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica.
“A satisfação sexual depende obviamente de se sentir prazer, mas num contexto de mutualidade. Isto implica estar atento ao outro, desinibir-se, não sentir vergonha, flirtar, estar disponível para experimentar, partilhar e usufruir do prazer que se recebe e se dá”, refere Patrícia Pascoal, que é ainda investigadora no Sexlab – Laboratório de Investigação em Sexualidade Humana da Universidade do Porto –, citando um estudo próprio publicado em 2014 na revista Journal of Sex Research.
Falar sobre aquilo que mais gostam e mais valorizam um no outro e na relação, e não apenas sobre aquilo que está mal, que não querem ou que não têm, é o conselho de Sandra Vilarinho. “[Os casais precisam de] gerir prioridades e de dedicar tempo ao encontro sexual, como verdadeiro encontro e não como objetivo ou fim. [Também] criar condições não exigentes para o prazer e desfrutar do que surge.”
Já Fernando Mesquita quer acabar com as inibições: “Falem sobre sexo. Falem sobre a vossa vida sexual, as fantasias, as preferências e os desejos de cada um. Pensar em sexo é o melhor ‘afrodisíaco’ natural. Uma das principais causas para a diminuição do desejo sexual é a ausência de fantasias e experiências sexuais positivas.”
A roupa, a comida, os aromas… crie um ambiente que seja estimulante
O interesse sexual depende da “propensão erótica individual”, mas também dos estímulos do meio ambiente, refere Patrícia Pascoal. “O meio ambiente é feito do que nós e do que as outras pessoas criam nesse mesmo meio ambiente, como o organizam, como o enquadram. Se o meio ambiente não disponibilizar estímulos eróticos a chama não liga.”
Sandra Vilarinho acrescenta que “a maioria das mulheres, e sobretudo em relações de longa duração, parte de um estado de neutralidade sexual e é apenas com o desenrolar do encontro sexual que o desejo e excitação surgem, caso os estímulos sejam adequados e caso a mulher encontre no cenário sexual motivos para investir”.
Criar um ambiente que seja interessante e estimulante para ambos é, por isso, essencial, mas lembre-se que, por exemplo, cada pessoa sente os aromas de maneira diferente e a sensibilidade ao odor pode variar consoante a situação. Talvez os odores naturais sejam mesmo a melhor opção.
Ainda que “não haja provas de que os humanos respondem às feromonas de forma semelhante aos animais”, há estudos científicos que “referem que o odor tem um papel importante na atração sexual e romântica”, refere Fernando Mesquita. “O suor masculino [parece] despertar o desejo sexual da mulher, enquanto os fluidos vaginais têm uma substância que pode elevar os níveis de testosterona nos homens.”
O álcool não é afrodisíaco, muito pelo contrário
Também em relação ao que se come, e apesar de toda a propaganda aos afrodisíacos, “não é possível fazer uma associação direta entre qualquer tipo de alimento e o desejo sexual”, nota o terapeuta sexual. Ainda assim, Fernando Mesquita admite que “existem alimentos, bebidas e outros produtos, que são energéticos e estimulam determinados aspetos fisiológicos, como o fluxo sanguíneo ou as contrações musculares, ou estimulam a produção de determinadas hormonas sexuais” mas, acrescenta, “não podemos afirmar que aumentam o desejo sexual”.
Ainda assim, prepare uma refeição com os alimentos preferidos de ambos, apresente-os de uma forma sensual e alimentem-se de uma forma original e verá que qualquer comida se pode tornar afrodisíaca. “O poder afrodisíaco dos alimentos depende essencialmente da cabeça de cada um. O verdadeiro afrodisíaco está na nossa mente”, diz Fernando Mesquita.
Mas cuidado com a quantidade de alimentos, uma digestão prolongada vai desviar o fluxo de sangue dos órgãos genitais para o sistema digestivo. Também o consumo de álcool é desfavorável. Ainda que seja “muitas vezes visto como afrodisíaco pelo seu efeito desinibidor”, a verdade é que diminui os níveis de testosterona e pode “afetar o desejo sexual e levar à disfunção erétil”. Além disso, também reduz a quantidade e qualidade dos espermatozoides.
Saltos altos, mas não muito
Não são só o consumo de álcool e outros hábitos pouco saudáveis que afetam a fertilidade masculina, a roupa apertada também o pode fazer. Porquê? Porque provoca o aumento da temperatura do escroto e afeta a produção de espermatozoides. O mesmo acontece com os homens que passam muito tempo sentados de pernas juntas, os camionistas, os ciclistas e os frequentadores de saunas e também os homens obesos.
Já nas mulheres, a roupa apertada pode potenciar infeções. “As calças de ganga demasiadamente justas e as peças interiores de fibras sintéticas não permitem que a pele respire normalmente, provocando ambientes demasiadamente quentes e húmidos, propícios ao desenvolvimento de microrganismos responsáveis por diversas infeções fúngicas”, alerta Fernando Mesquita.
Já os saltos altos, vistos muitas vezes como símbolo de sensualidade, também podem trazer problemas. Os especialistas dizem que, quando são muito altos, podem trazer complicações tanto na coluna, como nos próprios pés. Mas se tiverem até cinco centímetros, podem fazer com que “o corpo fique numa postura que favorece o fortalecimento dos músculos pélvicos femininos – a região envolvida nas contrações sentidas durante a atividade sexual e no orgasmo”, diz Fernando Mesquita, citando um estudo da Universidade de Verona, em Itália, divulgado em 2012.
Ter relações sexuais faz bem ao coração
“O aumento da atividade cardíaca, durante a interação sexual, vai melhorar a irrigação e a oxigenação do corpo, dificultando a acumulação de gordura nos vasos sanguíneos”, diz Fernando Mesquita. Alguns estudos referem mesmo que “uma vida sexual ativa reduz, em cerca de 50%, o risco de enfarte nos homens”.
Recordando o estudo que conduziu durante o doutoramento, Sandra Vilarinho, investigadora no Sexlab da Universidade do Porto –, refere que entre as “700 mulheres [que participaram no estudo], dos 18 aos 75 anos, constatou-se que as que praticavam exercício físico de modo regular e moderado eram também as que apresentavam índices mais elevados de funcionamento e satisfação sexual”, embora admita que outros fatores possam ter condicionado esta situação.
Patrícia Pascoal reforça que não existe necessariamente uma relação entre a prática de atividade física e a melhoria na vida sexual, ainda assim admite que a melhoria dos indicadores de qualidade de vida podem ter uma influência positiva. Mas tudo o que é exagerado acaba por deixar de ser saudável.
“A vigorexia, a prática compulsiva e a relação obsessiva com o desporto e com a forma física têm um impacto muito negativo nas relações interpessoais. O excesso de preocupação com o aspeto e forma física podem dificultar o usufruto dos estímulos eróticos. As pessoas distraem-se, pois focam-se na aparência e não conseguem desligar desse foco, não usufruem, não se libertam.”
Para Eles: Se sofre de disfunção erétil vá ver o estado do seu coração
Se o exercício físico pode ter um efeito positivo nas relações sexuais ou, pelo menos, na qualidade de vida em geral, a falta dele terá efeitos muito mais nefastos. O sedentarismo e a obesidade, assim como o tabagismo, consumo de álcool e drogas, influenciam negativamente a sexualidade masculina. “A prevalência de disfunção erétil nos homens obesos é de aproximadamente 80%”, avisa Fernando Mesquita. “Uma vez que a ereção masculina é, em parte, decorrente de uma boa circulação vascular, estes comportamentos têm impacto direto na sua qualidade.”
Além disso, o psicólogo clínico lembra que a disfunção erétil é um sinal de alerta para problemas cardiovasculares ou outros problemas de saúde, porque também é afetada pela hipertensão arterial, colesterol elevado e diabetes. “Os homens que apresentam disfunção erétil têm uma maior probabilidade de, em dois ou três anos, sofrerem um enfarte do miocárdio.”
Para Elas: Assuma-se sensual e crie fantasias eróticas
A obesidade, as doenças do coração, a diabetes, as alterações hormonais, as desordens neurológicas ou os efeitos secundários de alguns antidepressivos, podem condicionar o desejo sexual feminino, mas não costumam ser as razões principais, refere Sandra Vilarinho.
Para as mulheres são sobretudo as questões psicológicas, as emoções e pensamentos, o sentir-se bem com o seu corpo e com o erotismo, assim como a relação com o parceiro sexual e com os outros. E existem ainda as dimensões socioculturais, como as “crenças ainda prevalentes acerca do que é aceitável ou não numa mulher, poder ou não reclamar mais prazer ou outras formas de prazer que podem não passar apenas ou sobretudo pelo coito, o poder dizer ‘não’ quando não se tem vontade para que surja mais vontade de um ‘sim’ genuíno, entre outras”, elenco Sandra.
A terapeuta sexual termina com alguns conselhos para as mulheres: “Assumir a sua própria sensualidade, a beleza e o sagrado que existe no corpo feminino, independentemente do tamanho e forma.” Sandra Vilarinho acrescenta que a mulher tem direito a “ter e cultivar fantasias sexuais — muito frequentemente de cariz mais romântico do que sexualmente explícito –, e a reclamar um parceiro atento e sensível”.
Ilustrações: Milton Cappelletti