“Naturalmente que, para além de todo o seu valor e a vontade do nosso treinador que ele ingressasse no FC Porto, sensibilizou-me imenso o entusiasmo do Pepe regressar e o que abdicou. Assisti à pressão sobre ele de dois grandes clubes europeus, onde ia ter contrato cinco ou seis vezes maior, e a sua determinação foi sempre de que queria jogar no FC Porto (…) Pepe disse ao seu empresário que este era o seu clube e que era aqui aonde queria voltar. Felizmente está em situação que não o obriga a ser escravo do dinheiro. Vê-se nas palavras e atitudes que está inteiramente feliz”.
Foi assim que, em janeiro de 2019, Pinto da Costa confirmou, comentou e elogiou o regresso de Pepe ao FC Porto, 12 anos depois da saída que o levou para o Real Madrid e para uma passagem pelos turcos do Besiktas. Aos 35 anos, depois de ganhar tudo em Espanha e de ter campeão europeu com a Seleção Nacional, Pepe estava de regresso ao clube que o catapultou para o resto da Europa e o tornou um dos melhores centrais que já passaram pela Primeira Liga. No dia em que ficou confirmado que voltaria a vestir de azul e branco, usou palavras como “privilégio”, “coração” e “vontade” — e dificilmente os adeptos dos dragões acreditaram tanto noutro jogador com naquele dia acreditaram em Pepe.
Voltou para ainda fazer 21 jogos em todas as competições mas voltou principalmente para ocupar a vaga de Felipe, que já tinha a saída mais do que confirmada para o Atl. Madrid. Num ano em que o FC Porto perdeu o central brasileiro, Herrera e Brahimi, três referências de três setores nevrálgicos que eram a veia experiente de uma equipa cada vez mais refrescada com os talentos que saltavam da formação, Pepe voltou ao Dragão para assumir um papel de liderança predominante. Com duas Ligas, uma Taça de Portugal e duas Supertaças no currículo, o central surgiu de pára-quedas num grupo que acabou por não conseguir conquistar nada nesse ano. E apontou baterias ao ano seguinte, onde solidificou um lugar no onze inicial e aproveitou outro regresso, o de Marcano, para construir a partir do eixo da defesa os alicerces de uma equipa que tem a perseverança enquanto maior qualidade.
Esta quarta-feira, aos 37 anos, Pepe tornou-se o jogador de campo mais velho a sagrar-se campeão nacional pelo FC Porto. O que não deixa de ser curioso e singular: numa altura em que os recordes apontam sempre para o lado contrário, para o mais novo a ser campeão, o mais novo a jogar, o mais novo a marcar, Pepe é o mais velho a fazer alguma coisa. Algo que volta a sublinhar a importância da experiência do internacional português numa equipa onde jogadores como Tomás Esteves, Diogo Leite, Fábio Vieira, Vítor Ferreira e Fábio Silva são agora apostas de forma regular, bebendo das histórias, das bem-aventuranças e das maleitas que Pepe deve contar no balneário.
Em abril, o jornal O Jogo decidiu falar com alguns dos antigos colegas do central no FC Porto para perceber se algo tinha mudado entre a saída e o regresso do e ao Dragão. Ricardo Quaresma garantiu que é ainda “um dos melhores do mundo” na posição que ocupa mas foi Hélder Postiga, antigo avançado dos dragões e da Seleção, que dedicou mais palavras ao jogador. “Tem uma paixão pelo treino e pelo jogo. Treina ao máximo todos os dias. Não há um treino que ele não faça parecer que é tudo sério e isso reflete-se no resto. As lesões mais importantes que teve surgiam cedo na carreira e ele soube ultrapassá-las, por força de uma aplicação tremenda e os devidos cuidados. Ele é muito diferente fora do campo. Tem os cuidados naturais com a dieta, como todos, mas é mais despreocupado. Consegue aliar-se à cobrança diária. Por isso, acredito que vá jogar mais algum tempo”, disse, na altura, Postiga, desmistificando a ideia de osso duro de roer que passa com alguns lances mais disputados.
Apesar do final feliz, a temporada não foi fácil. O FC Porto chegou a estar sete pontos atrás do Benfica, viu o título por um canudo e passou por uma traumática eliminação da Liga dos Campeões e uma inesperada derrota na final da Taça da Liga. Sérgio Conceição teve um pé fora do Dragão e as típicas rodas formadas pelos jogadores no final dos jogos, entre empates e derrotas que significaram trambolhões na classificação, ficaram cada vez mais tensas. Era nessas rodas, porém, que se percebia a dinâmica vivida no interior do balneário. Quando não era Sérgio Conceição a falar, surgia normalmente uma de três vozes: Danilo, o capitão, Marcano e Pepe. Um pormenor tímido que atestava também a entrada dos últimos dois no grupo dos capitães desta temporada, de forma natural, numa simples confirmação prática de algo que já acontecia empiricamente.
Num dos últimos jogos, em Tondela, o central português acabou por protagonizar um momento que também torna claro o papel que representa na equipa. Danilo não foi titular, entrou ao longo da primeira parte para substituir o lesionado Sérgio Oliveira e Pepe, que fazia parte do onze inicial, correu de imediato para a zona do meio-campo para dar a braçadeira ao médio. Oito anos separam Pepe e Danilo, com vantagem para o primeiro; mas um degrau na hierarquia também os separa, com vantagem para o segundo, e Pepe sabe a importância que tem ser ele a dar a cara pelo respeito a essa organização.
O central tornou-se esta quarta-feira o jogador de campo mais velho de sempre a ser campeão pelo FC Porto mas ainda corre atrás de um outro registo, do qual se aproximou ainda em outubro do ano passado. Quando marcou o golo que valeu a vitória dos dragões frente ao Marítimo, na primeira volta, Pepe tornou-se o segundo mais velho de sempre a marcar pelo FC Porto, com 36 anos e oito meses, ultrapassando Pinga, que o tinha feito dois meses mais novo. À frente, nessa corrida, já só tem Aloísio, outro central, que marcou com 37 e três meses. Pepe, nesta altura, já leva 37 anos e perto de cinco meses — o que significa que ainda tem mais três jogos para tentar chegar ao recorde esta temporada. E uma nova época inteira, já que o contrato do internacional português só termina no final de 2020/21.
Nessa altura, Pepe terá 38 anos. O estatuto de lenda do FC Porto, esse, já ninguém lhe rouba. Chegou em 2004, no pós-geração de ouro que conquistou a Liga dos Campeões, ajudou a reconstruir uma equipa que foi bicampeã nacional e saiu para o Real Madrid para ganhar três ligas espanholas, três Champions e dois Mundiais de Clubes. Mais do que isso, saiu para o Real Madrid para dizer a toda a gente que já era um dos melhores centrais do mundo — e é disso que tantas vezes nos esquecemos. Pepe anda na alta roda do futebol português e europeu há mais de 15 anos, entre Portugal, Espanha e Turquia, entre FC Porto, Real Madrid e Besiktas, entre uma Seleção histórica que conquistou um Europeu e uma Liga das Nações. Pelo meio, Pepe não deixou de ser um dos melhores centrais do mundo. Um dos melhores centrais do mundo que voltou a casa para voltar a ser campeão nacional na cidade a que chama casa.
“Procuro o dia-a-dia. Sou muito disciplinado no que tenho de fazer. Acredito que ainda tenho alguns anos pela frente. Ainda sinto nervosismo e o bichinho dentro de mim”, disse o jogador em abril, em plena pandemia, sobre o final da carreira. Se é o bichinho ou não, não sabemos; mas que Pepe parece ter ainda muito para dar ao futebol português, isso é certo. Por agora, vai apenas voltar erguer o título nacional mais pretendido — 13 anos depois da última vez.