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O ex-presidente ucraniano Petro Poroshenko chocou o mundo quando, no dia seguinte à invasão russa, apareceu perante várias cadeias televisivas internacionais com uma metralhadora AK-47 nas mãos a patrulhar as ruas de Kiev. Noventa e oito dias depois, o antigo chefe de Estado só conseguiu sair do país à terceira tentativa para se deslocar a Roterdão ao Congresso do Partido Popular Europeu, onde concedeu ao Observador uma das poucas entrevistas que deu nos Países Baixos.
Poroshenko conta ao Observador como foi esse patrulhamento nas ruas nos primeiros dias e que não conseguiu dormir durante dias depois do seu batalhão ter sido o primeiro a chegar a Bucha. O líder da oposição ucraniana — que perdeu na segunda volta contra o atual presidente — diz que “a avaliação de Zelensky” vai fazer-se mais tarde, pois agora é tempo de “unidade”. Foi por isso que apertou as mãos a Volodymyr Zelensky e deixou as “divergências para trás das costas”. Após ser impedido duas vezes de sair do país, telefonou diretamente a Zelensky e conseguiu estar no Congresso da direita europeia.
O antigo chefe de Estado ucraniano explica ao Observador que uma das razões pela qual está ao lado de Zelensky é porque ele precisa de ser reforçado para negociar com Vladimir Putin. Lembrando que negociou cinco anos com o presidente da Federação Russa, deixa um alerta a Zelensky: “Se fores fraco ou tiveres medo de Putin, vais perder“.
Relativamente a Portugal, Poroshenko dispensa o apoio oferecido por António Costa para ajudar o país na parte técnica do processo de adesão, já que diz que “isso é com a Ucrânia“. Desvaloriza ainda as referências do primeiro-ministro português à esperada demora do processo de adesão porque acredita que como “o povo português quer a Ucrânia na UE, os políticos vão ter de ir atrás, porque senão não seria uma democracia”. Poroshenko acrescenta ainda que odeia a ideia de interferir na política interna portuguesa, mas deixa um apelo aos portugueses sobre o PCP: “Não votem em comunistas“.
Antes da entrevista, o presidente que governou a Ucrânia entre 2014 e 2019 quis saber se o jornal e rádio Observador eram suficientemente grandes para perder o seu tempo e só confirmou onde estava localizado no multiusos de Ahoy a poucos minutos do início da entrevista. A segurança assim o exige, mas manteve uma postura acessível e descontraída durante a conversa. Os cinco minutos prometidos rapidamente passaram a quase 20, enquanto bebia uma pequena Coca-Cola, símbolo do lado do mundo que sempre defendeu para a Ucrânia, o ocidental. Eis, então, a entrevista.
“As ruas de Bucha estavam cheias de corpos de crianças e mulheres”
Numa das últimas vezes que o vi estava foi na televisão e estava com uma metralhadora nas mãos nas ruas de Kiev, logo no início da guerra. O que aconteceu desde essa altura até agora?
Esses foram os dias mais difíceis da agressão russa porque os tanques russos chegaram mesmo perto da fronteira de Kiev. Estavam muito perto logo no dia seguinte ao início da invasão e isso foi chocante. Na altura, fui dos primeiros a defender que devíamos começar a armar imediatamente todos os habitantes de Kiev para transformar a vida dos russos num inferno caso entrassem na cidade. Estávamos a ser bombardeados por artilharia pesada, mísseis de longo alcance, mísseis de cruzeiro. Os russos estavam mesmo nas portas Kiev, estavam em Bucha e Irpin, como agora é conhecido pelo mundo inteiro. A nossa responsabilidade era organizar a retirada dos habitantes de Bucha e de Irpin e ainda conseguimos mais de 20.000 pessoas. Quem sabe se não salvámos essas vidas. Cada um fez o melhor que podia. É certo que nessa altura algumas pessoas saíram de Kiev, mas uma parte significativa que ficou, pegou em armas, nos coletes à prova de bala e nos capacetes e ficaram lado-a-lado a proteger Kiev. Nós tivemos aí um primeiro sucesso nessa operação em manter Putin longe de Kiev, de toda a região de Kiev, de Chernigov, de Sumy.
O pior veio depois.
Sim. Vimos como os nossos olhos a tragédia porque o nosso batalhão foi o primeiro a chegar a Bucha quando as tropas russas se retiraram e os primeiros soldados ucranianos chegaram para limpar a zona e desminar o terreno. Foi um choque para mim porque fui das primeiras pessoas a chegar a Bucha. As ruas de Bucha, como as de Borodianka, eram uma completa tragédia. Estavam cheias de corpos de civis, de crianças e mulheres, que foram violadas e mortas, homens com mãos atadas, mortos pelas costas, com tiros na nuca. E isto é algo que fica contigo para sempre. Não consegui dormir durante várias noites com o choque. Hoje, Kiev está livre. Convido-te a vir a Kiev. Convido-te a visitar Bucha e Irpin. Isto não é um museu, são cidades com valas comuns, com grande número de pessoas que estão lá enterradas. Todos os dias, perdemos cerca de uma centena de soldados. Há 500 soldados feridos diariamente e há uma quantidade significativa de civis que são mortos por russos. Esta é a tragédia. O lado de tragédia, de massacre, que o mundo não via desde a II Guerra Mundial. Aproveito para agradecer à União Europeia e a Portugal. Lembro-me da minha visita a Portugal, quando era Presidente. Lembro-me da hospitalidade dos portugueses. Vocês têm uma das maiores comunidades de ucranianos no mundo. Agora, Portugal abriu as suas casas e os seus corações para as crianças e mulheres ucranianas, para os refugiados. Isto é muito importante, porque temos mais de sete milhões de pessoas fora do país. Imaginam? Sete milhões de pessoas que deixaram o país por causa da invasão russa, porque estavam a bombardear. Viram as suas casas bombardeadas e ficaram sem casas.
“Com Putin não podes ser fraco. Se fores fraco, perdes. Se tiveres medo, vais perder”
Li que teve problemas na fronteira ao sair da Ucrânia.
Isso foi uma estupidez. Fiquei na Ucrânia durante os 98 dias da agressão. Esta é a minha primeira saída do país, para para vir ao Congresso do PPE. Quem fez isto foi um idiota instrumentalizado para desacreditar a Ucrânia, para mostrar que não existe unidade na Ucrânia. Mas fiz um pedido direto ao Presidente Zelensky e a situação ficou imediatamente resolvida. Isto é só a prova que alguns estúpidos idiotas atacam a unidade e querem demonstrar que não temos democracia, não temos liberdade, não temos Estado de Direito. Mas vamos acabar com este problema. Vamos trabalhar para resolvê-lo e punir aqueles que estão politicamente motivados para pressionar os políticos ucranianos. Porque neste momento não existe oposição e Governo — somos todos ucranianos, estamos todos unidos para acabar com a agressão russa, para ganhar a batalha.
Que balanço da forma como Zelensky está a gerir esta guerra? É um bom trabalho?
Apertámos as mãos e disse-lhe para deixarmos as divergências para trás das costas. Faremos todos os balanços depois da guerra. Agora, resta-me fazer o meu melhor para tornar a Ucrânia forte, para fortalecer o Governo e o Presidente. Porque precisamos de tornar Zelensky mais forte para as negociações. Fui o Presidente durante cinco anos e compreendo o quão difícil é, quão dura é a responsabilidade. Sei o que significa negociar com Putin. Com Putin não podes ser fraco. Se fores fraco, perdes. Se tiveres medo, vais perder.
Que lição é que traz dessas negociações com Vladimir Putin?
Desses cinco anos que negociei com Putin, aprendi que não se pode ser fraco, não podes ter medo do Putin porque senão está tudo perdido. É preciso estarmos todos unidos, sermos fortes. É por isso que quero apoiar o Governo da Ucrânia. É por isso que estou aqui porque aqui, com o PPE. Tenho uma boa relação com todos os partidos do PPE, porque é a nossa família política. Enquanto Presidente estive aqui cinco anos, e aproveito isso para dar o meu melhor e sensibilizá-los para várias necessidades da Ucrânia: o abastecimento de armas, a assistência macrofinanceira, o estatuto de candidato para a adesão à UE que precisamos de ter imediatamente, para as sanções, embargo e pressão à Rússia para acabar com a Guerra e mandar de volta as tropas russas para o seu território.
“Estou confiante que Portugal mantém a porta da UE aberta para a Ucrânia”
Acredita numa rápida adesão da Ucrânia à União Europeia?
Tudo depende da Ucrânia. É preciso ser firme e trabalhar nas reformas do sistema democrático, do Estado de Direito, liberdade de imprensa, liberdades individuais, reformas do setor económico, reformas anti-corrupção, reformas de descentralização e reformas militares. Esta candidatura à UE é uma motivação forte para a Ucrânia fazer essas reformas. Dizem que a guerra não é um bom momento para fazer reformas, mas isso não é verdade — eu fiz todas as reformas durante a guerra. Aliás, no meu Governo fizemos mais reformas em cinco anos do que nos 25 anos anteriores. Nesta situação, precisamos de ter unidade, coordenação, mas também precisamos de salvar o país da agressão de Putin. E isso não é um trabalho fácil.
O primeiro-ministro português ofereceu ajuda técnica à Ucrânia para o processo de adesão à União Europeia, mas sugeriu que a entrada da Ucrânia ainda vai demorar muito tempo. Estas declarações são um obstáculo ou uma ajuda para a adesão da Ucrânia à UE?
Somos nós, Ucrânia, que temos de fazer este trabalho. Estou absolutamente confiante que Portugal mantém a porta da União Europeia aberta para a Ucrânia. Falei com o vosso primeiro-ministro, visitei o vosso país, sei o que o povo português sente. O povo português quer ver a Ucrânia na UE? A resposta é: sim. E os políticos não podem ir contra a vontade do povo. Se assim fosse, não seria uma democracia. E a minha mensagem para o povo português é: muito obrigado por esta posição. Fico sensibilizado com todos os países da União Europeia que demonstraram esta solidariedade para com as intenções europeias da Ucrânia. Portugal tem uma hipótese única de liderar neste processo. Sabem porque odiamos a ideia de adiar esta entrada? Porque sabemos que a oportunidade não surgiria por um longo período de tempo e a Ucrânia está a sofrer muito agora. Temos dezenas de milhares de civis mortos pelos russos, milhões de ucranianos que deixaram o seu país. Mais de 30%. Sem esta perspetiva de entrar na UE, seria uma tarefa muito mais difícil, não só ganhar a guerra contra Putin, mas também salvar a economia e nação, continuar as reformas e trazer o país para o caminho europeu.
Este apoio do PPE é importante para acelerar o processo?
Sim. E não é só a minha opinião. Basta ler a resolução de ontem. Participei na elaboração do texto. São palavras muito fortes, de uma das maiores forças políticas na Europa. Sobre as sanções, valores, apoio à Ucrânia — quer financeiro, quer de armamento. Mas também sobre o apoio político, a NATO, a adesão à UE, sobretudo. Acho que os outros grupos políticos deviam aprender com o exemplo do PPE e fazer o mesmo. Fiquei muito sensibilizado com as palavras de Manfred [Weber], o novo presidente do PPE, um político decidido e carismático. Agradeço também ao presidente cessante [Donald] Tusk pelo extraordinário trabalho. Fiquei igualmente sensibilizado com as palavras de Ursula von der Leyen e as suas conquistas. Sem os seis pacotes de sanções não seria possível. E também muito sensibilizado com Roberta Metsola, presidente do Parlamento Europeu. Tanto a Ursula como Roberta visitaram Kiev ficaram lado a lado connosco, viram com os seus próprios olhos o massacre provocado pelos russos. Estão extremamente dedicadas e comprometidas com os princípios da UE. É por isso que tenho orgulhoso em pertencer a esta família e orgulhoso com a decisão de ontem do PPE.
“Os comunistas são muito prejudiciais para a vossa nação”
Em Portugal o Partido Comunista Português resistiu em classificar a agressão russa como invasão e alinha na tese de que a Rússia foi provocada. Entende esta posição?
Odeio a ideia de interferir na política interna portuguesa, mas quero dizer que quando fui eleito no Parlamento a maior fração política no Parlamento eram comunistas. Eram mais de 200 deputados. E estou orgulhoso porque, no final do meu mandato presidencial isso mudou. Sabe quantos comunistas temos no Parlamento? Zero. O meu apelo para o povo português é: não votem nos comunistas. Eles são muito prejudiciais para a vossa nação. Eles espalham propaganda falsa. São possivelmente símbolo da corrupção política. Eles não mantêm as suas promessas, mas acima de tudo podem ser prejudiciais para a Europa, para Portugal, para o Mundo. Por favor, não votem em comunistas. Não porque eu odeie alguns portugueses [que votem no PCP], mas fiz o mesmo apelo na Ucrânia e isto ajudou-nos muito. Não sei como é em Portugal, mas na Ucrânia os comunistas eram a quinta coluna do Putin, muito perigosa, muito prejudicial para todos.
Tem algum apelo ao fazer ao Governo português?
Antes de mais, vejo que os políticos portugueses são entusiásticos europeístas. E a eles quero dizer que o destino e o futuro da Europa, incluindo Portugal, está a ser decidido na Ucrânia. E quando vocês nos dão armas e nos dão dinheiro, não estão a apoiar a Ucrânia, estão a investir na vossa própria segurança. Tornam a vossa vida mais fácil, mais segura. E, por isso, eu apelo: ajudem-nos, para vos salvarem. Os soldados ucranianos estão a pagar um preço muito alto ao dar as suas vidas para proteger a Europa. Para proteger todo o mundo ocidental. Todos os valores ocidentais. E vocês precisam de perceber isto exatamente desta forma porque se a Ucrânia perder a batalha, a seguir vai ser a União Europeia. Se a Ucrânia vencer a batalha, então haverá paz.