A Agência Europeia do Medicamento está a fazer com as vacinas contra a Covid-19 o mesmo que faz com todos os medicamentos aprovados por ela: vai atualizando uma base de dados pública, a EudraVigilance, com quaisquer possíveis reações adversas aos medicamentos e organiza-as em função da natureza desses efeitos secundários, dos indivíduos que as reportaram e do sítio onde ocorreram.
É graças aos dados atualizados até ao último sábado, 27 de março, que sabemos que, apesar das preocupações em torno das reações adversas possivelmente associadas à vacina da AstraZeneca, é a solução da Pfizer que está a motivar mais registos em Portugal. E que se olharmos para todo o Espaço Económico Europeu, é essa mesma vacina a que regista mais potenciais reações adversas relacionadas apenas com o sistema circulatório.
A AstraZeneca — suspensa temporariamente em vários países com receios sobre coágulos sanguíneos detetados em alguns vacinados — não está, porém, isenta de registos: de todos os efeitos secundários reportados por cada uma das três vacinas analisadas, é esta a farmacêutica que se vê a braços com uma maior percentagem de casos considerados sérios, além de, no que diz respeito a todos os tipos de sintomas adversos, ser a que tem mais registos no Espaço Económico Europeu.
O Observador analisou os relatórios relativos às três vacinas que já estão a ser administradas em Portugal (Moderna, Pfizer/BioNTech e AstraZeneca/Universidade de Oxford) e resumiu em gráficos todas as reações adversas para que os especialistas estão neste momento a olhar para garantir que as soluções contra a Covid-19 aprovadas até agora pela Agência Europeia do Medicamento são mesmo seguras.
Pfizer provocou mais reações adversas em Portugal
Em Portugal, houve mais indivíduos a reportar possíveis reações adversas com a vacina da Pfizer/BioNTech do que em qualquer uma das outras duas que já estão a ser administradas em Portugal — Moderna e AstraZeneca/Universidade de Oxford.
Isso não espanta, em termos absolutos, porque também foram administradas mais doses da Pfizer. Mas mesmo em termos relativos há diferença para as outras farmacêuticas: entre todas as pessoas vacinadas com pelo menos uma dose, 0,22% reportaram efeitos secundários — muito pouco, é certo, mas ainda assim o dobro do que na Moderna e na AstraZeneca.
É diferente do que acontece na globalidade do Espaço Económico Europeu, onde a AstraZeneca lidera no número de pessoas que reportaram algum tipo de reação adversa à vacina — 0,21% do total. A Pfizer está logo atrás com menos 0,02 pontos percentuais. Mas com muitos mais casos por ter sido mais administrada.
De qualquer modo, nenhum destes números faz soar alarmes. Isto significa que em cada 1.000 pessoas vacinadas com a Pfizer em Portugal só duas reportaram reações adversas ao medicamento. A mesma proporção foi registada no Espaço Económico Europeu, mas com a AstraZeneca.
Além disso, somando todas as vacinas que foram administradas no Espaço Económico Europeu, e somando também todos os indivíduos que reportaram reações adversas à vacina (independentemente da marca dela), a percentagem de pessoas com efeitos secundários é a mesma: 0,18% do total, cerca de duas pessoas em mil vacinados.
Há mais reações adversas do foro sanguíneo pela Pfizer
Os problemas do sistema circulatório e linfático — onde se incluem os casos de coágulos que motivaram a suspensão da vacina da AstraZeneca por suspeitas de uma associação entre o seu surgimento e a vacinação — são mais comuns com a vacina da Pfizer no Espaço Económico Europeu.
Entre todas as reações adversas possivelmente associadas à toma da vacina da AstraZeneca contra a Covid-19, só 1,5% são relativos a distúrbios relacionados com o sistema circulatório e linfático. Com a vacina da Moderna, a percentagem é de 5,4%. E no caso da vacina da Pfizer, é de 7,7%.
Até agora, só 0,0003% das pessoas que recebem a vacina da AstraZeneca relatam problemas desta natureza — três pessoas em cada milhão de pessoas inoculadas, metade do que no caso da Moderna. Com a vacina da Pfizer, os dados indicam que os distúrbios circulatórios ou linfáticos ocorrem em 143 pessoas por milhão de pessoas.
Olhando para a totalidade de vacinas administradas e de reações adversas registadas nas três vacinas em análise, seis em cada 100 pessoas que reportaram reações adversas às vacinas desenvolveram algum problema do foro sanguíneo ou linfático após terem sido vacinadas.
No entanto, a proporção para a totalidade de pessoas vacinadas com a Pfizer, Moderna e AstraZeneca contra a Covid-19 no Espaço Económico Europeu é muito pequena: 0,011%, ou seja, uma pessoa em cada 10 mil inoculados reportou distúrbios do sistema circulatório e linfático após ser vacinado.
Reação adversa mais comum é dor no local da injeção
Entre todos os indivíduos vacinados contra a Covid-19 com a Pfizer, Moderna ou AstraZeneca que assinalaram ter desenvolvido efeitos secundários no Espaço Económico Europeu, 89 em 100 falam de algum tipo de desconforto no local da administração do medicamento.
É, aliás, a reação adversa mais comum em qualquer uma das três vacinas. Os dados dos últimos relatórios indiciam que 88,6% das pessoas que sofreram efeitos secundários com a vacina da AstraZeneca queixaram-se precisamente deste problema, que atinge duas pessoas em cada mil vacinadas com esta farmacêutica.
No caso da Moderna, 83,7% das pessoas que sentiram efeitos secundários também reportaram este tipo de desconforto, mas, mesmo assim, só nove em 10 mil vacinados são atingidos por este problema. Com a Pfizer, 71,9% dos indivíduos com reações adversas também se queixaram de perturbações no local da injeção — 13 em 10 mil vacinados.
Além destas dores, também quase metade das pessoas (46,44%) que desenvolveram efeitos secundários após a vacinação contra a Covid-19 reportaram “doenças do sistema nervoso”; e 41 em 100 falaram de “afeções musculoesqueléticas e dos tecidos conjuntivos”.
Esta é a tendência em qualquer uma das vacinas. Mas a percentagem de pessoas vacinadas que acabam por desenvolver estes problemas é muito pequena: só oito em 10 mil pessoas vacinadas contra a Covid-19 com uma destas três vacinas desenvolveu “doenças do sistema nervoso” e nove em 10 mil reportou as tais “afeções musculoesqueléticas”.
AstraZeneca tem mais possíveis reações adversas sérias
Por cada 100 reações adversas associadas à vacinação com a Moderna, Pfizer ou AstraZeneca contra a Covid-19, tanto no Espaço Económico Europeu como fora dele, 78 foram classificadas como sérias pelas autoridades de saúde. A AstraZeneca é a que mais contribui para esta proporção: 80,6% das reações adversas com a vacina desta farmacêutica foram consideradas sérias.
É também aquela que tem uma maior fatia de pessoas com reações adversas à vacina consideradas sérias — 81,8% dos inoculados com a AstraZeneca que desenvolveram efeitos secundários foram considerados casos sérios. Seguem-se a Moderna (46,8%) e a Pfizer (30,6%). Ou seja, entre todas as pessoas vacinadas com uma das três farmacêuticas que reportaram reações adversas, 79,6% foram casos sérios.
De todos os registos de problemas do foro circulatório e linfático reportados sobre a AstraZeneca, 89,7% foram considerados sérios. No caso da Moderna, a percentagem baixa para 40,3% e, com a Pfizer, apenas um quarto das reações graves neste campo foram avaliadas como sérias.
Na globalidade, estes problemas (que chamaram mais a atenção internacional por causa dos casos de coagulação no sangue) foram considerados sérios em 86,5% dos casos. Mas de todos as reações adversas, a que teve uma maior proporção de casos sérios foram as que ocorreram em situações de neoplasia — 98,9% dos casos de efeitos secundários.
No caso da Moderna, as 23 reações adversas em “situações na gravidez, puerpério e perinatais” foram classificadas como sérias — algo que também ocorreu nos casos de doenças hepatobiliares (37 casos), problemas endócrinos (12), situações de neoplasias (28) e nas quatro reações provocadas por “problemas no produto”. Com a vacina da Pfizer, 95,8% dos 120 casos de efeitos secundários em “situações na gravidez, puerpério e perinatais” foram considerados sérios.
Mulheres reportam mais reações à vacina da Pfizer, nos homens é com a Moderna
A maior parte das reações adversas provocadas pelas vacinas da Moderna, Pfizer ou AstraZeneca registaram-se em pessoas do sexo feminino — 56,6% nas mulheres e 38,5% nos homens, com uma parte dos casos a terem ocorrido em indivíduos cujo sexo não foi especificado.
É assim não só na totalidade de reações adversas, como nos casos de efeitos secundários associadas a cada uma das vacinas: o sexo feminino simboliza 79,8% de todas as reações adversas associadas à Pfizer, 72,7% das provocadas pela Moderna e 55,4% dos efeitos reportados sobre a vacina da AstraZeneca.
Sobre as reações adversas relacionadas com o sistema circulatório e linfático, também há mais reações adversas registadas em mulheres em qualquer uma das vacinas: 80,1% com a Moderna, 83,5% com a Pfizer e 53,2% com a AstraZeneca. Somando todos os casos, 54,7% deles foram registadas no sexo feminino.
Mas fazendo a leitura noutra perspetiva, olhando antes para o número de indivíduos de cada sexo que reportou algum efeito adverso à vacina, o panorama depende de cada farmacêutica. De todas as pessoas vacinadas com a Pfizer que desenvolveram reações adversas, 77,4% eram mulheres; mas, no caso da Moderna, 71,4% eram homens.
A vacina da AstraZeneca é a que parece mais equilibrada entre os dois sexos, mas tende a afetar mais as mulheres do que os homens: 53,6% dos vacinados que reportaram efeitos secundários são do sexo feminino e 40,1% são do sexo masculino.
Pfizer tem mais pessoas com 18-64 anos a reportar reações adversas
De todas as pessoas que reportaram reações adversas após a administração da vacina da Pfizer, oito em cada dez tem entre 18 e 64 anos — a faixa etária em que qualquer uma das três vacinas em análise pode ser administrada. A AstraZeneca é a que tem a percentagem mais baixa: 40,3% na mesma faixa etária, contra 63% da Moderna.
Mas, daí para a frente, cada vacina parece ter uma performance diferente. Aquela que tem uma maior percentagem de indivíduos com reações adversas na faixa etária dos 65 aos 85 anos é a AstraZeneca, com 27,5%, enquanto a Moderna reportou 22,9% e a Pfizer 10,2%.
Nas pessoas mais velhas, com idade superior a 85 anos, é a Moderna que tem a percentagem mais alta: oito em 100 pessoas com reação adversa a esta vacina está nessa faixa etária, enquanto a Pfizer regista 5,09% e a AstraZeneca assinala 3,97% de indivíduos com reações adversas nessa idade.
Embora em Portugal não haja vacinação contra a Covid-19 em pessoas com menos de 18 anos, ela decorre noutros países do globo. Neste momento, já foram registados nove crianças e adolescentes com reações adversas à vacina da Moderna (0,09% do total de pessoas com efeitos secundários), 207 à vacina da Pfizer (0,17%) e 181.917 à vacina da AstraZeneca (6,25%).