Em três dias, o tribunal da região separatista pró-Rússia de Donetsk decidiu que os britânicos Aidan Aslin e Shaun Pinner e o marroquino Saaudun Brahim seriam condenados à morte. Estes três homens foram os primeiros soldados estrangeiros a ser julgados, depois de capturados em Mariupol, cidade que tentavam defender ao lado do exército ucraniano. Ou, pelo menos, é a primeira vez que Moscovo anuncia o julgamento de soldados estrangeiros, já que na última semana a Rússia admitiu que já morreram “centenas” de soldados estrangeiros desde que começou a guerra, no dia 24 de fevereiro.
Estará a Rússia a usar, sobretudo os dois soldados britânicos, para conseguir ganhar trunfos e avançar na tropa de prisioneiros? Como aponta o jornal The Telegraph, a Ucrânia tem consigo um elemento que toca de forma direta em Vladimir Putin e que pode ser a chave para libertar os dois britânicos: o oligarca Viktor Medvedchuk. O presidente russo é padrinho da filha do ucraniano pró-Rússia Medvedchuk. E Putin também queria, aliás, que este homem estivesse no lugar de Zelensky.
Medvedchuk está preso desde abril, altura em que foi capturado pelas tropas ucranianas, e quando a Rússia conseguir ter nas suas mãos os soldados do batalhão Azov, que estavam dentro da fábrica de Azovstal, anunciou que estava a estudar uma forma de fazer uma troca de prisioneiros.
Movimentações da Rússia, da Ucrânia e do Reino Unido
Surge agora esta oportunidade para que Medvedchuk possa ser libertado das forças ucranianas e a Rússia já estará a preparar terreno. Um dos dois soldados britânicos, Aidan Aslin, de 28 anos, falou a uma televisão russa, onde apareceu algemado e com um discurso que denunciava que tinha sido preparado:
Se Boris Johnson realmente se importa com os cidadãos britânicos, então ele ajudará a pressionar Zelensky a fazer a coisa certa e devolver Viktor à sua família e devolver-nos às nossas famílias.”
Esta declaração mencionou diretamente Medvedchuk e colocou então em cima da mesa esta hipótese. E o Governo britânico já percebeu, já falou sobre o assunto e já está a fazer as devidas movimentações. Um porta-voz do primeiro-ministro do Reino Unido disse, aliás, esta sexta-feira que condenar à morte os dois soldados britânicos não passa de uma “farsa”. “Não há absolutamente nenhuma justificação para a violação da proteção a que eles têm direito.”
Britânicos capturados pelos russos condenados à morte em Donetsk
Boris terá dado também ordens aos seus ministros para que sejam feitos todos os esforços e tudo o que está ao seu alcance para livrar os dois soldados da pena de morte.
Seguindo a lógica da libertação dos dois britânicos, Liz Truss, ministra britânica dos Negócios Estrangeiros, falou com o seu homólogo ucraniano, Dmytro Kuleba, para tentar encontrar uma solução.
Liz Truss não só sublinhou que não existe legitimidade para o julgamento, uma vez que teve lugar no tribunal dos separatistas pró-russos de Donetsk, como referiu ainda que os dois homens são “prisioneiros de guerra” e não mercenários, como definiu Moscovo. “O julgamento contra eles é uma violação flagrante da Convenção de Genebra”, escreveu a ministra no Twitter.
Spoke with Ukrainian FM @DmytroKuleba to discuss efforts to secure the release of prisoners of war held by Russian proxies. The judgement against them is an egregious breach of the Geneva convention.
The UK continues to back Ukraine against Putin’s barbaric invasion. pic.twitter.com/DyKZAP4HA6
— Liz Truss (@trussliz) June 10, 2022
Além das conversas entre ministros, a Ucrânia reagiu assim que o soldado britânico apareceu na televisão russa a pedir ajuda ao Governo britânico e a falar sobre o oligarca russo. No mesmo dia, e em jeito de resposta, os serviços secretos da Ucrânia divulgaram um vídeo que mostrava Medvedchuk a pedir a Putin que permitisse a troca de soldados e civis da cidade portuária de Mariupol.
Apesar de não terem sido autorizados a falar, os dois britânicos ainda podem pedir perdão. De acordo com um dos seus advogados, Pavel Kosovam, existe uma enorme probabilidade de isso acontecer, o que poderá levar, de facto, a uma troca de prisioneiros. Os condenados ainda têm um mês para recorrer da decisão.
ONU fala em “crime de guerra” e Rússia afasta responsabilidades
O caso não passou despercebido à Organização das Nações Unidas (ONU) e o Alto Comissariado para os Direitos Humanos defendeu mesmo que a condenação à morte de combatentes estrangeiros constitui um “crime de guerra”. E alertou para o não cumprimento do sistema judicial “dessas autoproclamadas repúblicas”, não cumprindo as garantias de um julgamento delineado pela justiça.
Condenações à morte de combatentes estrangeiros na Ucrânia são “crime de guerra”, diz ONU
Numa conferência de imprensa em Genebra, Ravina Shamdasani, porta-voz do Alto Comissariado, referiu que “todos estes homens fazem parte das forças armadas ucranianas. Neste caso, não deveriam ser considerados mercenários“.
Além da ONU, Ucrânia e, claro, Reino Unido terem já anunciado uma reação à condenação dos dois britânicos, também a Alemanha criticou a posição da Rússia. A pena de morte mostra o “completo desrespeito da Rússia pelos princípios básicos do direito internacional humanitário”, disse um dos porta-voz do governo alemão.
No entanto, mesmo perante as críticas de países europeus, a Rússia não reconhece qualquer ilegitimidade em relação aos contornos do julgamento dos soldados estrangeiros em Donetsk e afastou responsabilidades no processo. As poucas palavras vieram de Sergei Lavrov, ministro dos Negócios Estrangeiros russo: “Prefiro não impedir o funcionamento do sistema judicial e das autoridades da República Popular de Donetsk.”