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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

Porque é que Portugal continua a arder assim? 7 respostas de especialistas

Floresta muito densa, falta de limpeza, despovoação, temperaturas altas e penas pouco dissuasoras. Porque é que Portugal continua a arder assim? Especialistas ajudam a responder.

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É, provavelmente, o lamento que mais ouviu durante este fim de semana: “Chega o verão e é isto! Fogo por todo o lado”. Entre sábado e domingo, mais de mil bombeiros procuraram combater vários incêndios, sobretudo no interior do país. O mais grave e preocupante começou ainda no distrito de Castelo Branco, mas acabou por alastrar para Santarém — e, especificamente, para o concelho de Mação. Por ali, as populações dizem que é assim quase todos os anos. E que, quase todos os anos, continua a acontecer sem que nada mude. É certo que, no caso do fogo que começou em Castelo Branco, a Polícia Judiciária suspeita de mão criminosa — sobretudo depois de terem sido encontrados artefactos incendiários em vários locais de Vila de Rei. Mas o que faz com que o cenário se repita assim, anualmente, quase que como uma inevitabilidade?

Perguntámos a especialistas em incêndios e florestas e reunimos as opiniões em sete respostas sobre o problema.

[Vídeo: Mais de 8.500 hectares já arderam no centro do país]

Temos uma floresta pouco diversificada?

Na floresta portuguesa predominam as plantações de eucaliptos e pinheiros, duas espécies particularmente inflamáveis.

José Cardoso Pereira, especialista em incêndios e professor catedrático do departamento de engenharia florestal do Instituto Superior de Agronomia, considera, no entanto, que “o problema é mais da gestão da floresta do que das espécies em si”. Critica, por isso, as políticas dos últimos anos de incentivos a uma “arborização excessiva”. “Criou-se uma mancha contínua, muito extensa, de vegetação bastante suscetível ao fogo, inicialmente de pinhal. Depois, parte foi sendo substituída por eucaliptal, à medida que o pinhal ia ardendo”. A opção por estas espécies prende-se com a rentabilidade que trazem aos proprietários e com o facto de não só se adaptarem bem em praticamente qualquer território, como também de crescerem rapidamente.

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"Se lá tivéssemos carvalhos ou castanheiros, se tivermos quilómetros de mato e ninguém fizer nada... iria arder da mesma maneira. Não é outra espécie que resolve o problema."
José Cardoso Pereira, professor do Instituto Superior de Agronomia

Mas, defende o especialista, a solução não passa pela substituição destas espécie, e sim pela “desarborização inteligente nalguns locais”, com a criação de espaços abertos para a compartimentação do espaço rural com outras ocupações da terra, como a agricultura ou pastagem, “que quebrem a brutal continuidade da mancha de floresta”.

“Se lá tivermos carvalhos ou castanheiros, se tivermos quilómetros de mato e ninguém fizer nada… iria arder da mesma maneira. Não é outra espécie que resolve o problema”, defende o especialista. E critica: “Mação, até aos fogos de 2017, tinha perto de 90% da área do território florestada”. José Cardoso Pereira considera, por isso, que “é preciso mais apoio à gestão da floresta do que à expansão da área florestada.”

Domingos Xavier Viegas, especialista em incêndios, diz, por sua vez, que “há ainda muito material queimado no terreno de anos anteriores”, que não foi limpo. Trata-se de mais “carga combustível”.

Há pouca limpeza das matas e florestas?

Ainda que reconheça que “tem sido feito um esforço significativo por parte das populações, que estão mais sensibilizadas para a limpeza dos terrenos”, o professor Xavier Viegas admite, porém, que “[esse esforço], infelizmente, ainda não é universal”.

“Continuamos a ter muitas casas, zonas industriais e construções onde não acontece essa limpeza, mas tem-se avançado e tem-se feito um bom caminho. Quanto à limpeza da floresta, há muito que fazer na redução da carga combustível”.

"Não vale a pena uma pessoa ter um hectare limpo, se à volta nada foi feito."
José Cardoso Pereira, professor do Instituto Superior de Agronomia

José Cardoso Pereira acrescenta que, apesar dos esforços, há muitos proprietários que não investem na limpeza “porque não têm a expectativa de tirarem qualquer rendimento daquelas plantações”. Além disso, aponta o custo elevado para a limpeza — e dá o exemplo de uma empresa de grandes dimensões que pode chegar a pagar 800 euros por limpar um hectare. “Se isto for feito de 4 em 4 anos, daria 200 euros por ano. Para muitos proprietários, esse valor é o que recebem de reforma num mês. Não é fácil prescindir do dinheiro que se tem para viver durante um mês para ir gastar na floresta da qual se tem poucas expectativas de rendimento. Entra-se neste ciclo vicioso: como há risco, investe-se pouco. Como se investe pouco, aumenta o risco.”

Na génese dos problemas está ainda o facto de muitos proprietários nem sequer viverem perto dos terrenos. “Foram para a cidade e não têm vida para andarem a tratar de culturas agrícolas”, acrescenta.

Propõe, por isso, que se criem agrupamentos de proprietários que permitam a gestão da limpeza do território, apoiados por equipas apetrechadas com tecnologia e meios “que não existiam antes”. “Não vale a pena uma pessoa ter um hectare limpo, se à volta nada foi feito”, aponta. Insiste, assim, na ideia de que são precisos mais apoios para a gestão da floresta do que para a arborização.

Xavier Viegas defende, por sua vez, a criação de mais faixas de limpeza, o que pode ser feito através de meios mecânicos ou de fogo controlado — o que, considera, ainda está àquem do seu potencial.  À semelhança do que considera José Cardoso Pereira, é necessário “dar incentivo aos proprietários” para que as falha na limpeza não criem prejuízos para o coletivo.

Há falta de prevenção?

Domingos Xavier Viegas aponta melhorias no sistema de prevenção das autoridades. Por um lado, no que toca à vigilância, foi criado “há poucos dias” na região centro um programa de fogos com meios aéreos não tripulados (drones) que fazem a vigilância do território, o que permite, nomeadamente, detetar focos de incêndio, ou movimentações suspeitas.

Domingos Xavier Viegas explica que Mação criou, em torno de cada aldeia, um "anel de proteção", ou seja, uma estrada que permite, por exemplo, que viaturas dos bombeiros "consigam mais facilmente proteger tudo à volta", mas diz que são precisas mais medidas, como faixas de defesa que possibilitem aos bombeiros "antecipar estrategicamente os locais nos quais podem travar o fogo".

Depois dá o exemplo de Mação, um dos concelhos fustigados pelos incêndios deste fim de semana, mas que tem feito um trabalho “exemplar” que “certamente terá ajudado no combate a este fogo”. Desde 2003, Mação criou sinaléticas nas estradas “que indicavam o que era cada caminho: se havia uma charca, um ponto de abastecimento de água, se a estrada não tinha saída… isso é algo que só encontrei lá”.

Além disso, o município criou, em torno de cada aldeia, um “anel de proteção”, ou seja, uma estrada que permite, por exemplo, que viaturas dos bombeiros “consigam mais facilmente proteger tudo à volta”.

O responsável defende, porém, mais medidas — como faixas de defesa que possibilitem aos bombeiros “antecipar estrategicamente os locais nos quais podem travar o fogo”.

Xavier Viegas considera ainda que as populações estão mais “sensibilizadas” para medidas de prevenção do risco de incêndio.

Temos um interior despovoado e envelhecido?

As freguesias de Cardigos e Amêndoa, que estão entre as mais afetadas pelo incêndio de Mação, perderam três quartos da população desde 1950, avança José Cardoso Pereira. “Isso implica que deixou de haver mão-de-obra para trabalhar na agricultura e pastorícia e que a ocupação da terra que se arranjou foi a floresta, que precisa de menos mão-de-obra”, diz o especialista, concluindo, por isso, que houve uma “arborização excessiva”, propiciando um avançar mais rápido das chamas.

"Claro que não vamos conseguir repovoar o interior como estava nos anos 50, nem ter uma população ativa que se ocupe principalmente da agricultura."
José Cardoso Pereira, professor do Instituto Superior de Agronomia

A população que ficou no interior é mais envelhecida e tem menos recursos, nomeadamente económicos, para proceder à preservação e limpeza dos terrenos. Num interior desertificado, as ocorrências — e a propagação — de fogos aumentam.

“Há que ir à procura de soluções. Claro que não vamos conseguir repovoar o interior como estava nos anos 50, nem ter uma população ativa que se ocupe principalmente da agricultura.” A solução que propõe passa por agrupamento dos proprietários para gestão em conjunto das limpezas dos terrenos.

Temos temperaturas mais altas e cada vez menos chuva?

É essa a conclusão de um estudo elaborado pelo IPMA e pelo JN. A temperatura média em Portugal aumentou 0,2ºC por década desde 1950. E foi precisamente o centro do país — mais concretamente Coimbra — que mais saiu afetado. Naquela cidade, até 2018, os termómetros registaram, em média, uma subida de 0,32 graus por década.

Além disso, chove menos 40 milímetros por década em Portugal.

Segundo um estudo da World Wide Fund for Nature (WWF), em Portugal ardem, em média, todos os anos quase 140.000 hectares, em mais de 22.000 incêndios, o que representa o dobro do número de fogos dos outros países do Mediterrâneo.

No sábado, o distrito de Castelo Branco esteve sob aviso vermelho por risco de incêndio. Previa-se que as temperaturas pudessem chegar aos 37 graus.

“Nesta altura do ano, algumas zonas como Castelo Branco têm um nível de secura da vegetação bastante elevado”, diz Domingos Xavier Viegas.

Segundo um estudo da World Wide Fund for Nature (WWF), em Portugal ardem, em média, todos os anos quase 140.000 hectares, em mais de 22.000 incêndios, o que representa o dobro do número de fogos dos outros países do Mediterrâneo (como Espanha, França, Itália, Grécia e Turquia), bem como a maior área ardida. As florestas portuguesas ardem anualmente uma média de 3%, precisa o documento.

Temos penas para incendiários pouco dissuasoras?

Cerca de 98% dos incêndios florestais começam por intervenção humana. Destes, 25% têm mão criminosa; 60% resultam de negligência, segundo António Carvalho, coordenador de investigação criminal da PJ aposentado. As restantes origens são desconhecidas.

A pena máxima para crimes de fogo posto vai até 12 anos (no caso de incêndios rurais), mas os anos de experiência levam este responsável a concluir que “a condenação, em muitos casos, fica muito longe do teto da pena, e acontece que os condenados podem sair a dois terços do cumprimentos da pena”. E isso tem um efeito dissuasor.

Já quanto aos casos de negligência, “ainda há a visão de que a negligência é um acidente”. “Mas quando não há gestão, nem medidas coercivas, as pessoas têm comportamentos atípicos… e vão continuar a ter.”

“Temos de nos perguntar se as medidas que estão a ser adotadas no sentido de evitar as ignições estão a ser corretas, nomeadamente na parte intencional”.

Não aprendemos com os incêndios de 2017?

“Parece que, afinal, nada mudou”, disse Marques Mendes, no habitual espaço de comentário na SIC.

Confrontado com a mesma questão, Marcelo Rebelo de Sousa, por sua vez, considerou que “haverá tempo para fazer balanços e comparações e tirar lições” sobre os incêndios deste fim de semana.

Xavier Viegas, que elaborou em 2017 dois relatórios sobre os incêndios de Pedrógão Grande e de 15 de outubro, considera, no entanto, que não só há mais meios no terreno do que há dois anos, como “o sistema de combate está melhor organizado e a população mais sensibilizada para o risco de incêndios”.

Admite, no entanto, que há ainda muito que fazer. Mas que há evoluções “visíveis”. “Tudo o que seja feito para proteger as pessoas, é bom.”

Já o Observatório Técnico Independente, criado pelo Parlamento para acompanhar os incêndios florestais, considerou que há “problemas que não estão completamente resolvidos”, acrescentando que vai fazer um relatório sobre os fogos deste fim de semana.

Há também relatos de operacionais no terreno, que criticam a falta de reforços alimentares – apenas uma garrafa de água e uma sandes. Uma cozinha de campanha do Exército e géneros alimentares foi instalada em Vila de Rei para assegurar a refeição a 600 pessoas – num universo de mais de 1000 operacionais.

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