Darwin Núñez foi confirmado no Liverpool a meio de junho mas Gonçalo Ramos, a outra grande venda esperada, ficou depois do mês porque houve o encaixe de Everton Cebolinha no Flamengo. Fábio Vieira surgiu como reforço do Arsenal na terceira semana de junho mas ainda houve espaço para realizar a venda de Vitinha ao PSG dentro dessa janela e consolidar as contas positivas do exercício 2021/22. João Palhinha já estava praticamente certo no Fulham por essa altura (bem como o seu substituto) mas a transação só teve lugar em julho porque entretanto o PSG exerceu a cláusula de opção de Nuno Mendes. Numa primeira instância, o mercado foi feito na base dos números financeiros; agora, o mercado está a ser feito em torno dos números desportivos. Está e assim vai continuar – e esse caminho será o espelho do Campeonato.
Se o Sporting já trazia uma base consolidada com Rúben Amorim desde 2020 que praticamente não sofreu alterações de vulto, e se o FC Porto adaptou novos elementos a uma ideia com Sérgio Conceição que pode ir ganhando nuances táticas adaptadas aos jogadores que está assente nas bases criadas desde 2017, Roger Schmidt aproveitou da melhor forma a pré-temporada para assumidamente encontrar um modelo virado para o arranque da competição que pudesse fazer saltar etapas na natural adaptação que teria de ser feita – e que na prática começa a ter resultados, tanto que se existem casas de apostas que colocam os dragões como favoritos à revalidação do título, outras já apontam para os encarnados nessa posição.
No entanto, o Campeonato que arranca esta sexta-feira na Luz com o Benfica-Arouca (20h15), e que terá ainda nesta primeira jornada o FC Porto-Marítimo (sábado, 20h30) e o escaldante Sp. Braga-Sporting (domingo, 18h), será também marcado pelo que irá acontecer até ao final de agosto a nível de mercado. Muito foi feito, muito há ainda para fazer sobretudo a nível de entradas – em alguns casos nem tanto para assumir posições no onze inicial mas para garantir a profundidade e o equilíbrio necessários em plantéis que terão uma maior densidade competitiva nacional e de Liga dos Campeões tendo em conta o Campeonato do Mundo do Qatar, entre novembro e dezembro. E é aí que se centram todas as atenções, entre as potenciais saídas de titulares (Matheus Nunes ou Gonçalo Ramos, assumindo que nenhum clube chegue aos 60 milhões por Otávio) e as prováveis entradas de nomes já muito falados como Aursnes, Ricardo Horta ou André Almeida ou de outras surpresas preparadas para as próximas três semanas.
FC Porto: capacidade de reinvenção, a maior transferência e uma dúvida no meio-campo
Campeonato conquistado com um número recorde de pontos e pulverizando aquela que era a maior série consecutiva sem derrotas na competição olhando para as principais ligas, Taça de Portugal ganha com um Jamor pintado de azul e branco frente ao Tondela, Supertaça logo a abrir num encontro com pouca história com os beirões. Depois de uma época em branco, o projeto FC Porto versão Sérgio Conceição ganhou uma versão 2.0 com características distintas mas ainda mais qualidade de jogo e uma aposta mais conseguida na formação que foi juntando títulos a esse crescimento. Agora, na sexta temporada nos dragões, tudo parecia apontar para uma aposta clara não só para consolidar essa evolução mas para ter mais argumentos num plano europeu até pela presença no pote 1 da fase de grupos da Liga dos Campeões. Para já, o mercado não foi nesse sentido. Mais: o próprio técnico já teve de marcar uma posição de força antes do arranque.
Depois da venda de Fábio Vieira, Conceição ainda acreditou na possibilidade de aguentar Vitinha por mais um ano mas o PSG pagou o valor da cláusula. Em paralelo, e apesar de uma última tentativa que voltou a chocar em valores proibidos, Mbemba saiu a custo zero para o Marselha. Mais tarde, Francisco Conceição deixou o clube pela cláusula que não passava dos cinco milhões, com todo o ruído que o valor criou e que a atitude provocou em adeptos como Fernando Madureira, líder da claque dos Super Dragões. Nas chegadas, houve a transferência recorde do clube e entre conjuntos nacionais de David Carmo, um último esforço para garantir o ala Gabriel Veron na antecâmara do jogo de apresentação com o Mónaco e esta semana a chegada do primeiro médio André Franco do Estoril por quatro milhões (90% do passe), sendo que apenas em três jogadores os azuis e brancos investiram um total de quase 35 milhões, a que se somaram ainda os 3,5 milhões da cláusula de opção exercida ao P. Ferreira por Stephen Eustáquio.
Neste contexto, e perante a conquista do oitavo título no Dragão (um recorde no clube, igualando Artur Jorge), o técnico voltou a marcar uma posição: 1) antes e depois, sem falar em nomes e abordando de forma genérica os adeptos, respondeu a Fernando Madureira; 2) voltou a mostrar capacidade de “inventar” soluções quando parecem não existir, lançando Danny Loader com sucesso nas opções iniciais; 3) mostrou que necessita de reforços e a curto prazo para estar competitivo em todas as provas, juntando-se ainda a necessidade de um novo guarda-redes após a saída de Marchesín. E quem chegará? Um suplente para Diogo Costa que deverá sair entre Samuel Portugal (Portimonense) e Luiz Júnior (Famalicão); mais um médios, sendo que André Almeida (V. Guimarães) foi um dos nomes pedidos ainda no início da época mas tem alternativas no mercado interno externo (Matías Zaracho ou Carlos Alcaraz). A grande recuperação física do espanhol Marcano faz com que não exista urgência na contratação de outro central no verão.
Sporting: evolução na continuidade, a dúvida Matheus e um novo ataque com Trincão
Um ano 0 de Rúben Amorim que teve apenas 11 jogos separados pelo início da pandemia e do primeiro confinamento, um ano 1 de Rúben Amorim que terminou com a conquista do primeiro Campeonato em 19 anos além da Taça da Liga, um ano 2 de Rúben Amorim que teve mais dois troféus (Supertaça e Taça da Liga) e a entrada direta na fase de grupos da Liga dos Campeões onde a equipa chegou aos oitavos apenas pela segunda vez na história. O projeto iniciado pelo antigo treinador do Sp. Braga em março de 2020 vai chegar a uma fase de total consolidação e em parte os últimos meses mostraram isso mesmo pela tentativa de fechar mais cedo do que o normal. No entanto, e como todos, os leões estão “reféns” do mercado.
Até agora todas as mexidas funcionaram quase como uma “troca por troca”, sendo que a pré-temporada também serviu para ganhar mais opções por posição tendo o mesmo número de jogadores. Na baliza, João Virgínia terminou o período de cedência e foi rendido por Franco Israel (650 mil euros por 60% do passe); na defesa, que ficou com Pedro Porro a título definitivo por 8,5 milhões, saiu Feddal e entrou St. Juste (9,5 milhões) – com essa possibilidade de Gonçalo Inácio jogar descaído sobre a esquerda (e foi confirmada a saída de Nuno Mendes para o PSG por mais 38 milhões); no meio-campo, Palhinha foi para o Fulham por 20 milhões havendo já Morita contratado; no ataque, Sarabia voltou ao PSG e Slimani está de saída mas houve a entrada de Francisco Trincão (no final da época ficará por dez milhões a 50%) e Rochinha (dois milhões), sendo que Pedro Gonçalves foi algumas vezes puxado para ‘8’ abrindo espaço na frente.
Pote, o artista que desce para a sua equipa subir (a crónica do Sporting-Sevilha)
Nesta fase, os responsáveis verde e brancos estão na expetativa. Aguardam para saber se Matheus Nunes vai ou não receber mais alguma proposta que possa chegar aos 50 milhões como aquela que o jogador veio recusar do Wolverhampton, têm preparados alguns cenários de substituição tendo como um dos mercados preferenciais a Primeira Liga portuguesa. Aguardam, em paralelo com isso, o final das negociações que vão levar à saída de Bruno Tabata para o Palmeiras. Aguardam as movimentações de mercado para perceberem se existe alguma oportunidade de negócio que possa trazer mais um avançado para o plantel. Aguardam, ainda que sem admitir publicamente e tentando ao máximo fazer disso um “não assunto” para não gerar quaisquer expetativas, uma decisão sobre o futuro de Ronaldo – e se no final da novela o número 7 decidir que pretende voltar a Alvalade para os três/quatro meses antes do Mundial, tudo está preparado.
Benfica: adaptação em contrarrelógio, uma equipa de tração à frente e Ricardo Horta
A mudança de paradigma no futebol do Benfica, defendida pelo presidente Rui Costa e corporizada por Roger Schmidt – o primeiro treinador estrangeiro no clube desde Quique Flores em 2008/09 –, começou por ganhar forma na estrutura com o regresso de Lourenço Pereira Coelho, a colocação de Rui Pedro Braz nas operações de mercado, a ascensão de Simão Sabrosa na hierarquia e a aposta de Luisão num papel mais próximo da equipa. Depois, e como elo de ligação aos encarnados, a primeira experiência de Javi García como técnico adjunto. Por fim, e ainda em construção, um plantel que seja também um reflexo da viragem registada nos últimos meses, acentuando a aposta na formação mas tendo como base um novo conjunto de jogadores que constitua uma base com futuro a partir da qual se inicie uma nova era na Luz.
Nem tudo está ainda resolvido, claro. Na baliza, por exemplo, Vlachodimos e Helton Leite continuam a ser as opções mesmo havendo esse desejo de trazer um guarda-redes. Na defesa, onde chegaram Alexander Bah (oito milhões), João Victor (8,5 milhões por 80% do passe) e Ristic (custo zero), Lucas Veríssimo está mais próximo do regresso após a lesão no joelho, Morato tem convencido Schmidt embora seja um dos possíveis encaixes ainda ponderados e Grimaldo não renovou nem foi vendido; no meio-campo, há algumas situações ainda por resolver como Weigl ou Meïte mas a contratação de Enzo Fernández (dez milhões por 75% do passe que podem chegar aos 18), o regresso de Florentino Luís e a provável chegada do norueguês Fredrik Aursnes do Feyenoord fecham o setor; no ataque e nas alas, que perderam Darwin Núñez para o Liverpool (75 milhões que podem chegar aos 100) e Everton Cebolinha para o Flamengo (13,5 milhões que podem ir aos 16), há David Neres (15,3 milhões) e Musa (cinco milhões) e aguarda-se ainda a chegada de Ricardo Horta que deverá ter um outro lado que passa pela saída do avançado Gonçalo Ramos.
O próprio Roger Schmidt, sempre na postura discreta que o tem caracterizado, já admitiu que o plantel está longo mesmo elogiando todos os potenciais candidatos à saída (como Weigl) mas tudo o que na verdade era essencial nesta fase da temporada foi alcançado: o técnico alemão conseguiu implementar uma nova ideia de jogo, consolidou o processo tático tendo já uma base que foi titular em todos os jogos de pré-época até à estreia a golear o Midtjylland na terceira pré-eliminatória da Champions, comprovou na prática a matriz mais ofensiva que coloca a equipa a criar inúmeras situações de golo por jogo e, tão ou mais importante do que isso, devolveu a esperança aos adeptos encarnados, que não têm qualquer título desde agosto de 2019 mas dão grandes respostas na Luz nestes jogos iniciais de 2022/23 com casas acima dos 50.000.
A incógnita Sp. Braga, os concorrentes do Minho e as estratégias de quem subiu
A saída confirmada de David Carmo, a saída mais do que provável de Ricardo Horta e a saída possível de Al Musrati tiram ao Sp. Braga algumas referências à equipa agora orientada por Artur Jorge mas nem por isso os minhotos deixam de posicionar-se como o maior entre os “não grandes” na expetativa de mais uma época para encurtar distâncias para os três da frente – e as chegadas de nomes como Diego Lainez, Banza ou Víctor Gómez, a par do aproveitamento cada vez maior de uma formação capaz de gerar cada vez mais talentos para o conjunto principal como se voltou a ver no último Europeu Sub-17, permitem equilibrar as contas. Ainda no Minho e mais à frente no processo por ordem das qualificações europeias, V. Guimarães e Gil Vicente surgem com novos treinadores (Moreno e Ivo Vieira) mas apostados em fazer mais uma época entre os seis primeiros com Jota Silva candidato a revelação do ano e Fran Navarro a confirmação do ano.
Também as equipas que subiram este ano à Primeira Liga tiveram um verão particularmente agitado para tentarem manter a base dos conjuntos que se destacaram em 2021/22 no segundo escalão. O Rio Ave, que ao longo de vários anos foi adequando o estatuto (a vários níveis) a um clube “crónico” de primeiro patamar do futebol nacional, mostrando com Luís Freire no comando que a descida de 2021 foi um mero acidente de percurso “resolvido” num ano; já o Desp. Chaves de Vítor Campelos procurou juntar elementos com maior experiência na realidade portuguesa a jovens que assumiram o seu espaço na última temporada; por fim, o Casa Pia tenta aproveitar a primeira presença no escalão principal dos últimos 83 anos para consolidar o crescimento do clube a vários níveis, das infraestruturas (daí que vá fazer os seus primeiros encontros fora de Pina Manique) à estrutura, passando pelo próprio plantel de Filipe Martins.
Olhando para as restantes formações, que até ao último dia de mercado vão procurar aumentar/melhorar as opções a nível de jogadores sabendo que é nessa fase que surgem os empréstimos de elementos que nesta fase parecem inacessíveis mas tendo também noção que não estão a salvo de investidas por aquelas que são as principais referências, ficam algumas dúvidas: conseguirão Portimonense e Famalicão fazer provas mais regulares ao nível da primeira e segunda volta, respetivamente, de 2021/22; o que poderá ser o novo Estoril de Nelson Veríssimo; até onde chegarão os projetos de Marítimo (Vasco Seabra), P. Ferreira (César Peixoto) e Boavista (Petit) com os treinadores que agarraram na equipa a meio e vão continuar.