O PS estava em suspenso, à espera do tiro de partida para as eleições presidenciais de janeiro, e agora ninguém agarra os dirigentes, ex-dirigentes, governantes, autarcas, senadores e deputados que depressa trataram de anunciar quem vão apoiar. Depois de a Comissão Nacional, no passado sábado, ter aprovado uma moção que dá liberdade de voto aos militantes sem apoiar ninguém, mas fazendo elogios ao mandato cooperante de Marcelo Rebelo de Sousa, e saudando a “distinta militante” Ana Gomes, ficou claro que há uma linha na cúpula socialista, com António Costa à cabeça, que preferia não falar do assunto e acordar no dia da reeleição de Marcelo Rebelo de Sousa; e outra linha, na ala mais à esquerda do partido, encabeçada por Pedro Nuno Santos, que vê em Ana Gomes a escolha óbvia, militante, e que nem a dormir votaria no candidato da direita.
Uma clivagem que pode dizer mais do futuro do PS do que fazer mossa no presente, mas que põe a descoberto as duas vias ideológicas que reinam no partido e que podem, no pós-Costa, estar em disputa. Fernando Medina já assumiu apoio a Marcelo, assim como o deverão fazer a maior parte dos governantes e dos pesos pesados da ala costista. Por outro lado, Ana Gomes colhe apoios junto da ala esquerda do partido, junto da JS, e também junto de históricos senadores como Manuel Alegre, João Cravinho e Vera Jardim. E Francisco Assis, o único da direita socialista que aparece nesta fotografia e que foi nada menos do que o impulsionador da sua candidatura. Mas há ainda uma terceira via: quem não vota, nem de olhos fechados, em Marcelo, mas também não vai na cantiga de Ana Gomes. O candidato do PCP, João Ferreira, está a colher esses apoios.
A história presidencial nunca foi pacífica no PS, que apenas se uniu verdadeiramente para apoiar Mário Soares e Jorge Sampaio (e Manuel Alegre, em 2011) — na altura ex-líderes do partido que tinham apoio inequívoco do topo e das bases. Mas são mais os episódios de divisões fraturantes do que de unanimismo. Começou em 1980, quando o PS apoiou a recandidatura de Ramalho Eanes, levando Mário Soares a demitir-se; depois houve a famosa divisão entre Mário Soares e Salgado Zenha, que levou militantes socialistas a ir contra o histórico fundador do partido na primeira volta; e depois foi a divisão Manuel Alegre/Mário Soares, em 2006, que partiu a esquerda em estilhaços e tornou fácil a eleição de Cavaco Silva.
Em 2011, o PS apoiou Manuel Alegre mas Cavaco Silva foi reeleito, e, em 2016, o PS voltou a não ter um nome forte e consensual para apresentar como alternativa ao trunfo ‘Marcelo Rebelo de Sousa’. Foi aí que os socialistas se dividiram entre Maria de Belém, que acabou com uns meros 4% dos votos, e Sampaio da Nóvoa, que foi incentivado a avançar mas que se ficou pelo meio-apoio-sombra do partido, e não conseguiu fazer mossa na corrida de Marcelo.
E agora? Agora o dilema é outro, mas a fratura é a mesma. Com apenas um candidato oriundo da militância socialista — Ana Gomes –, a direção de António Costa prefere enaltecer o mandato cooperante do Marcelo e deixar o resto nas mãos de cada um. O argumento é o da estabilidade, da boa cooperação institucional entre órgãos de soberania e das sondagens: é que os últimos estudos de opinião têm mostrado que cerca de 80% dos eleitores que votam PS dizem apoiar a reeleição de Marcelo. Mas dentro do partido há quem contra-argumente que essa não é a vontade das bases. Por isso há apoios para todos os gostos.
Marcelo, o candidato do centro e da “estabilidade”
António Costa. A história repete-se: tal como, em 1991, Cavaco Silva aconselhou o PSD a não ir a jogo, em jeito de apoio implícito a Mário Soares, que à época atingia picos de popularidade incontestáveis e que acabaria reeleito com mais de 70% dos votos, também António Costa se prepara para patrocinar um apoio oficioso a Marcelo Rebelo de Sousa.
Foi o que fez em maio, no célebre ‘momento Autoeuropa’, em que, com o Presidente da República ao lado, abriu caminho à desejada reeleição de Marcelo, dizendo que em equipa que ganha — ou, pelo menos, que funciona — não se mexe. Mas depois de ter lançado a lebre, Costa escondeu-se na toca e pediu recato aos governantes que, enquanto governantes, não deviam pronunciar-se sobre candidaturas presidenciais. Até este sábado.
Já na qualidade de secretário-geral do PS, e não primeiro-ministro, Costa viu aprovada uma moção que deixa em aberto os apoios, e escudou-se no argumento de que as candidaturas presidenciais são individuais, não executivas, e por isso não devem emanar dos partidos. Certo é que a moção, da qual é o primeiro subscritor, dedica uma grande parte a fazer elogios ao atual Presidente da República, a fazer uma “avaliação positiva” do mandato, e a enaltecer a “correta cooperação institucional entre o Presidente da República e o Governo”. Mais: Costa deixou escrito que Marcelo foi um “importante contributo para que Portugal superasse a crise e retomasse o caminho do crescimento e da convergência com a União Europeia e reforçasse a sua credibilidade internacional” nos tempos difíceis da crise económica. Logo, será igualmente importante nos tempos negros de crise que se avizinham.
Augusto Santos Silva. Quando Costa pediu recato, Santos Silva não respeitou e várias foram as vezes em que não se coibiu de elogiar a “importância” do mandato de Marcelo Rebelo de Sousa. Fê-lo numa entrevista à TVI, onde disse que Ana Gomes era uma boa candidata mas não uma boa candidata do PS, o que motivou críticas duras da parte de outro ministro, Pedro Nuno Santos, que também violou o dever de recato para dizer que os militantes socialistas não podem servir para umas coisas — cargos de direção ou para o Parlamento Europeu — e não servir para outras, acabando “vilipendiados”.
Para Santos Silva, que fez uma intervenção na comissão política nacional do passado sábado a elogiar a escolha por Marcelo, a avaliação que faz do mandato do PR é “muito positiva”, e acredita que é essa também a perceção da “esmagadora maioria dentro do PS”. “Foi muito importante este equilíbrio entre maioria na Assembleia da República, Governo e Presidente da República para que o país tivesse estabilidade e reconhecimento internacional”, disse em entrevista à TVI, altura em que apresentou três critérios para apoiar Marcelo, sendo um deles uma crítica implícita a Ana Gomes: “Não devemos combater extremismos com outros extremismos, gostaria que o combate contra os extremismo fosse a partir do grande arco dos moderados, que compreendem o bom-senso do povo português”, disse, incluindo Marcelo neste arco (e não Ana Gomes)
Carlos César. O presidente do PS deixou logo claro, em maio, ao que ia: não apoiará “um candidato ou candidata distante das pessoas, rude, divisionista ou propenso ou propensa ao radicalismo”. Não disse o nome de Ana Gomes, mas ficou subentendido. São conhecidas as divergências do açoriano com a ex-eurodeputada, que o acusou de ser “apparatchik” a propósito de uma polémica com o Benfica, e não foi de estranhar quando César saiu em defesa de Marcelo, o único capaz de patrocinar uma candidatura que preenche “as preferências dos eleitores de centro-direita e centro-esquerda, que é o grande espaço eleitoral do país”.
Ferro Rodrigues. Foi dos primeiros a dizê-lo sem tabu: se as eleições fossem amanhã, “não teria dúvidas em quem votaria” e era em Marcelo Rebelo de Sousa. Enquanto Presidente da Assembleia da República, Ferro chegou a deixar rasgados elogios a Marcelo, numa entrevista à agência Lusa, no verão, antevendo que não é preciso o Governo ter medo do síndrome dos segundos mandatos, porque Marcelo não é um Presidente qualquer. “O Presidente da República atual não tem essa lógica de funcionamento de primeiro mandato e de segundo mandato”, disse Ferro Rodrigues, para quem Marcelo “é uma personalidade com um grau de independência em relação a ele próprio, às suas próprias convicções ideológicas, religiosas, que o torna, exatamente por essa independência, um grande Presidente da República”.
Fernando Medina. Foi um apoio de peso saído da Comissão Nacional: enquanto Pedro Nuno Santos, futuro putativo candidato à liderança do PS, assumiu o seu apoio a Ana Gomes, o também futuro putativo candidato à liderança do PS Fernando Medina fez o mesmo mas em relação a Marcelo Rebelo de Sousa. O autarca de Lisboa seguiu a mesma linha da cúpula socialista e elogiou as boas relações institucionais com o atual PR, fez uma avaliação positiva do mandato presidencial e, em nome da estabilidade, declarou o seu apoio.
Vieira da Silva. O ex-ministro do Trabalho só não declara já o seu apoio a Marcelo Rebelo de Sousa porque Marcelo Rebelo de Sousa ainda não é candidato — “Não quero fazer pressão sobre o Presidente”, ironiza ao Observador. Mas a verdade é que o dirigente socialista faz uma “avaliação globalmente positiva” do mandato presidencial e foi isso que expressou na reunião magna do partido, no último sábado. Quando essa avaliação positiva, além de tudo, tem expressão nos estudos de opinião, que têm dado Marcelo a liderar a preferência dos eleitores socialistas, então mais uma razão para achar que Marcelo é preferência “global” dos cidadãos. “Numa situação tão exigente como aquela que estamos a viver, o que devemos privilegiar é a criação de ambientes de estabilidade e convergência tão amplos como possível”, chegou a dizer Vieira da Silva em entrevista ao programa Vichyssoise, da Rádio Observador.
Também Edite Estrela fez uma intervenção elogiosa de Marcelo Rebelo de Sousa na reunião da comissão política nacional do último sábado, segundo escreveu a agência Lusa citando fontes presentes na reunião. E José Luís Carneiro, apesar de querer manter reserva sobre o seu sentido de voto, enquanto secretário-geral-adjunto, o Observador sabe que a linha de pensamento é a que ficou expressa na moção que foi aprovada na Comissão Nacional, onde consta uma avaliação positiva do mandato de Marcelo e onde se pede que o voto dos socialistas, individualmente, seja decidido com vista à valorização da cooperação institucional entre Belém e São Bento.
Álvaro Beleza. É um dos últimos seguristas no órgão de direção do PS e, ao Observador, explica o porquê da sua escolha por Marcelo Rebelo de Sousa, o candidato do centro. “Sou amigo da Ana Gomes, é uma guerreira, honesta, corajosa, bate-se por causas como a transparência e a decência”, começa por dizer ao Observador, em jeito de preâmbulo. Mas o perfil de candidato presidencial deve ser outro e a escolha deve ser feita em função do perfil (tem uma “admiração intelectual” muito grande por Marcelo), por um lado, e da ideologia, por outro.
E é na ideologia que Álvaro Beleza diz aproximar-se mais do atual PR. “Faz sentido que os moderados do PS estejam com Marcelo Rebelo de Sousa, que é um centrista (apesar de ser centro-direita), que é onde eu estou”, diz, assumindo que Ana Gomes está “mais à esquerda” do que ele próprio e admitindo que o PS sempre teve problemas em unir-se em torno de um candidato porque “é no PS que está o centro em Portugal”. E o centro é mais oscilante. Para Álvaro Beleza, Marcelo foi um PR “cooperante” neste mandato, tal como foi Mário Soares no seu primeiro mandato, o que motivou Cavaco a abrir caminho para a sua reeleição. E é isso que, no seu entender, faz sentido que volte a acontecer. Até porque, diz ainda, o equilíbrio de poderes, num sistema semi-presidencialista como o português, é feito com base no Presidente da República, e, por isso, faz sentido que seja de uma cor política diferente do Governo.
Vítor Ramalho. O ex-dirigente socialista, que trabalhou dez anos ao lado de Mário Soares em Belém, assumiu esta quarta-feira, ao jornal i, que apoia a recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa. E explicou porquê: com uma crise sem precedentes a aproximar-se, a única hipótese realista é Marcelo. “Voto em Marcelo Rebelo de Sousa. Não há outra solução. Quem gosta deste país tem de ser realista”, disse, defendendo que a resposta à crise deve ser feita “juntando e não dividindo”.
Presidente da câmara de Leiria, Gonçalo Lopes. Excluindo Fernando Medina, Gonçalo Lopes foi o primeiro autarca socialista a manifestar publicamente o apoio a Marcelo Rebelo de Sousa. “O balanço que faço do primeiro mandato do Professor Marcelo Rebelo de Sousa é extremamente positivo, tendo ficado marcado por um trabalho de grande proximidade à comunidade, numa presidência de afeto, exercida no terreno, junto da população”, explica o autarca de Leiria numa nota enviada às redações esta quarta-feira. Um apoio particularmente importante para quem diz que, à exceção da cúpula de Costa, não há na militância de base socialista quem se mostre disposto a votar em Marcelo. Afinal há.
Ana Gomes, a candidata da esquerda (e de Assis)
Francisco Assis. É o responsável público número 1 pela candidatura de Ana Gomes, mesmo que o impulso para o avanço final tenha tido como motivo razões mais pessoais. Disse-o em janeiro, quando o país ainda estava longe da pandemia e quando a proto-candidata ainda se mostrava longe da candidatura. “Acho que não há personalidade em melhores condições do que Ana Gomes para ser candidata à Presidência da República. E também acho que era bom que a esquerda democrática tivesse um candidato. Se ela se candidatar eu seguramente vou apoiá-la”, disse o atual presidente do Conselho Económico e Social na Rádio Renascença. Um apoio de peso vindo da ala direita do PS que fica isolado na lista de apoios que se segue, e que é dominada por rostos da ala esquerda.
Pedro Nuno Santos. É o ministro das infraestruturas e ex-líder da JS que lidera a frente esquerda de apoio a Ana Gomes. Pedro Nuno Santos já tinha vindo a antever, nos últimos meses, que iria apoiar esta candidatura, mas só o anunciou este sábado em sede própria: anunciou o apoio na reunião da Comissão Nacional, criticou a direção do partido pelo timing da decisão e deixou críticas a Marcelo, que culpa pelo momento de instabilidade que se vive na “geringonça”. Em troca, ouviu recados de um dos membros do secretariado, Porfírio Silva, por não ter aparecido na reunião da direção onde o assunto foi discutido e a proposta foi fechada.
Pedro Nuno anuncia apoio a Ana Gomes e culpa Marcelo pela instabilidade da geringonça
Duarte Cordeiro. Depois de ter o dito na reunião da comissão política nacional, o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares foi dizê-lo publicamente. Num texto publicado no Facebook, o governante diz reconhecer “os aspetos positivos no mandato do atual Presidente da República, designadamente o seu contributo para a estabilização da vida política nacional e o seu papel no combate a esta pandemia”, mas assume que não consegue “apoiar uma candidatura de direita, com uma visão política da sociedade distinta”. Por isso, e por entender que a candidatura de Ana Gomes terá um carácter “progressista, humanista, ambientalista, de defesa da liberdade, pelo combate às desigualdades e de convergência no combate à extrema direita, à xenofobia, ao reacionarismo e ao conservadorismo”, Duarte Cordeiro anunciou que vai apoiar a socialista. É mais um dos chamados “jovens turcos” a alinhar com a ex-eurodeputada.
Tiago Barbosa Ribeiro. Na mesma linha, o líder da concelhia do PS Porto, próximo de Pedro Nuno e da ala esquerda do partido, anunciou o apoio à candidata socialista. “O meu voto vai para Ana Gomes. Em democracia, as eleições tratam de política e não de personalidades. Questões como a defesa do Estado Social, do Serviço Nacional de Saúde, da Escola Pública, da Regionalização, dos direitos sociais e laborais, da relação entre instituições, da defesa de uma Europa liderante num mundo multipolar, entre outras, traduzem alinhamentos nos princípios e diferenças que não se anulam (nem devem anular) entre esquerda e direita. Para mais num contexto de crise social e económica em que o próximo Presidente da República vai exercer o seu mandato”, escreveu no Facebook.
Ivan Gonçalves. Depois de Pedro Nuno e Duarte Cordeiro, mais um ex-líder da JS junta-se a este grupo de apoios. “Precisamos de uma Presidente que seja parceira do Governo do PS nos tempos difíceis que atravessamos, que seja independente dos poderes económicos, que seja um exemplo na luta contra a corrupção e que se empenhe na defesa da sustentabilidade do nosso planeta”, escreveu Ivan Gonçalves na sua declaração de apoio à candidatura da diplomata, sublinhando a importância de o PS procurar respostas no seu campo político: “A esquerda”.
Maria Begonha. Nesta lógica seria de prever que a atual líder da JS também manifestasse o seu apoio, mas Maria Begonha prefere o recato, ainda que deixe pistas que apontam na direção de Ana Gomes. Ao Observador, Maria Begonha afirma que, enquanto for secretária-geral da JS, terá recato sobre a definição do seu sentido e voto, para não condicionar a liberdade de voto dos militantes da Jota, mas admite que “existe um entusiasmo mais representativo”, na estrutura, em relação à “candidatura de Ana Gomes”. O congresso para a mudança de pasta na liderança da JS decorre entre 11 e 13 dezembro, e só há um candidato para a sucessão: Miguel Matos.
Miguel Matos. “Votarei à esquerda”, é assim que resume ao Observador o deputado e candidato único à liderança da JS, que prefere não dizer mais por “respeitar a decisão de todos os militantes”.
João Paulo Correia. É um exemplo de uma outra corrente de pensamento, de entre aqueles que apoiam Ana Gomes: o mal menor. “A candidatura de Ana Gomes tem mais virtudes que a própria candidata”, disse o vice-presidente da bancada socialista na reunião da Comissão Nacional, deixando antever que votará na ex-eurodeputada mais para que funcione como tampão ao avanço do extremismo de André Ventura do que propriamente pela candidata em si. São contas de cabeça que alguns socialistas fazem: se esquerda e direita estiverem juntas em torno de um candidato, então os extremos ficam mais livres para captar votos.
Manuel Alegre. Foi através de uma declaração escrita enviada ao jornal Público que o histórico socialista Manuel Alegre declarou o seu apoio a Ana Gomes. Sem hostilizar Marcelo, de cujo mandato faz um balanço positivo, Alegre, que já por duas vezes esteve na corrida presidencial, não tem dúvidas sobre quem apoia: Ana Gomes, por representar “uma afirmação de autonomia política socialista” e por o país “precisar de quem saiba incomodar os interesses instalados, os corruptos, os oportunistas, os que, de um modo ou de outro, contaminam a vida pública”. Alegre defende ainda que nunca poderia votar em Marcelo por não partilharem a mesma família política e porque a democracia precisa de “alternativas claras”.
João Cravinho. Também em declarações ao jornal Público, o ex-ministro de Guterres e dirigente socialista João Cravinho saiu em defesa da candidatura de Ana Gomes. “Ela é a essência fundamental do ideário do PS”, disse, destacando o seu “longo currículo” e instando os militantes socialistas a participarem na sua candidatura: “A candidata que representa os socialistas é Ana Gomes”.
Também o ex-ministro da Justiça de António Guterres, Vera Jardim, apoia a candidatura de Ana Gomes, segundo avançou o Expresso em setembro.
Nem um nem outro, mas à esquerda
Isabel Moreira. A história de Isabel Moreira com Ana Gomes é longa, tensa e envolve acusações de mentira, submarinos e voos da CIA. Talvez por isso, ou não só mas também, a deputada socialista tenha sido das primeiras, perante o avanço da candidatura de Ana Gomes, a dizer que vota em… João Ferreira, o candidato do PCP. Depois de considerar um erro a falta de um candidato oficial do partido que integra, Isabel Moreira usou o Facebook para dizer que se considerava “livre para escolher” João Ferreira, uma pessoa de quem “gosta muito” e que é “avesso a populismos”. “Acho que é um democrata. Avesso a populismos, o que traz exatamente aquilo que quero que seja marcado nesta campanha, que tanto promete nessa matéria”, escreveu. Tinham passado dois dias desde a apresentação da candidatura de Ana Gomes, e um dia desde o anúncio do PCP.
Ascenso Simões. Na mesma lógica, por não querer Marcelo nem Ana Gomes, também o deputado socialista Ascenso Simões anunciou, no início de novembro, o apoio a João Ferreira. Primeiro, porque João Ferreira “tem uma visão da função presidencial muito semelhante à minha e o voto nesta candidatura é, também, uma apreciação do valor da pluralidade da nossa democracia nestes tempos duros”; depois, porque Marcelo “tem uma visão miguelista dos poderes presidenciais” e “está numa permanente ultrapassagem dos poderes presidenciais”.
Porfírio Silva. Não é certo que vote em João Ferreira, mas é certo que não vota nem em Marcelo, nem em Ana Gomes, nem nos candidatos da direita, muito menos em André Ventura. O que é que sobra? João Ferreira e Marisa Matias. Porfírio Silva, dirigente e vice-presidente da bancada socialista, é um exemplo paradigmático do dilema socialista. Ao Observador, faz uma “avaliação positiva” do mandato de Marcelo no sentido de reconciliar os portugueses com o papel da Presidência da República mas considera que o PR “tem uma conceção demasiado personalizada daquilo que deve ser o equilíbrio constitucional”, discordando da forma como se articula com “alguns órgãos de soberania”. Portanto, Marcelo nem pensar.
Depois, Ana Gomes também não, embora Porfírio Silva reconheça que a sua candidatura tenha algumas vantagens no apelo ao voto dos eleitores anti-sistema (mais vantagens do que a própria candidata). No seu entender, Ana Gomes “faz uma interpretação dos mecanismos do Estado de direito que são perigosos e pouco consonantes com as garantias constitucionais que prezamos muito”. Logo, Ana Gomes também está descartada. Até porque, comenta o dirigente socialista ao Observador, há que se ser “mais exigente” com os camaradas de partido do que com os demais.
Sobra por isso Marisa Matias e João Ferreira, os candidatos apoiados pelo BE e pelo PCP. É aí que Porfírio Silva pára. “Tenho de pensar, as campanhas servem para alguma coisa, por isso, numa eleição como esta, vou ouvir”, diz.
A dúvida até ao último minuto
Pedro Delgado Alves. A postura é idêntica à de Porfírio Silva. Jovem turco, da ala esquerda do partido, deputado e vice-presidente da bancada, Pedro Delgado Alves não parece estar nesta batalha ao lado dos jovens parceiros. Na reunião da comissão política nacional do partido chegou a criticar Ana Gomes pela sua alegada propensão “para a inversão do ónus da prova” em matéria de Estado de Direito, ou por ter criticado “de forma precipitada” a proposta do Governo para a revisão do Código de Contratação Pública. Ana Gomes não convence. Marcelo também não… “Talvez eu seja dos poucos que vai esperar pela campanha para decidir o voto”, comenta o deputado socialista ao Observador.
Carlos Zorrinho. Eurodeputado, com “enorme consideração” por Ana Gomes, com quem partilhou os corredores e os gabinetes do Parlamento Europeu, não é líquido que vá votar nela. “Tenho visão muito positiva do trabalho do atual Presidente da República”, diz ao Observador, sugerindo que a sua inclinação possa mesmo ir para o atual Presidente: “Nem um voto em Marcelo nem um voto em Ana Gomes são votos em perdedores em relação à estabilidade”. Ou seja, o PS não perde se deixar Marcelo ganhar. “Decidirei quando todos os candidatos estiverem apresentados”, disse. E só falta Marcelo apresentar-se…
Ana Catarina Mendes. Já disse, em entrevista a Observador, que, ao contrário do que chegou a sugerir Pedro Nuno Santos, não preferia votar num candidato do PCP ou do BE se a alternativa fosse Marcelo. A líder parlamentar do PS não diz “nunca” a Marcelo, mas também não diz que “sim”. Pelo menos ainda não. Na intervenção que fez na Comissão Nacional, que foi muito crítica da “superioridade moral” de alguns camaradas, naquilo que foi entendido como um recado a Pedro Nuno, a líder parlamentar socialista deixou o seu voto em aberto. “Revela a seu tempo”. Talvez o tempo seja o do anúncio da recandidatura de Marcelo.
Sérgio Sousa Pinto e Marcos Perestrello, dois nomes ligados à ala mais ao centro no partido, não se entusiasmam muito por esta guerra dos apoios presidenciais. Ao Observador, os dois escolhem a mesma formulação para responder: “Não me vou meter nisso”. Em entrevista à Vichyssoise, da Rádio Observador, Sérgio Sousa Pinto chegou a dizer que, “num mundo ideal”, haveria um candidato forte no PS que reunisse todos os apoios. Porque “não basta ser da área socialista, é preciso que seja uma solução na qual o PS e o líder do PS e os militantes se reconheçam”. Como não estamos num mundo ideal…o dilema existe. E está para durar.