Tem 31 anos, chama-se Robserson Pozzobon, é um dos principais procuradores da equipa do Ministério Público Federal do Brasil responsável pela investigação da operação Lavajato desde 2013 e tem esperança na busca de uma solução para a corrupção para o Brasil. A sua juventude não é vista como um óbice ao sucesso do seu trabalho – mas sim como uma vantagem de motivação e força de vontade. Trabalhou no duro nos últimos dois anos mas sente-se recompensado: o know-how que aprendeu valem por dez anos de trabalho. Mesmo em férias em Portugal (as primeiras desde o início do processo Lavajato), Pozzobon participou hoje em Lisboa num seminário organizado pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, liderado pelo procurador António Ventinhas, a propósito do Dia Internacional de Luta Contra a Corrupção.

Antes de falar para os seus colegas portugueses, fez um balanço com o Observador sobre o processo judicial que está na origem do processo de impeachment aberto contra a presidenta Dilma Roussef e que visa o ex-presidente Lula da Silva e outros responsáveis do Partido dos Trabalhadores – o partido que governa o Brasil desde 2013.

Os números da Operação Lavajato são claros e não podiam ser mais positivos:

  • 173 pessoas investigadas
  • 10 maiores empresas de construção envolvidas
  • Mais de 30 acusações
  • 75 arguidos condenados a mais de 625 anos de prisão
  • 90% de taxa de condenação
  • E mais de 400 milhões de euros de ganhos ilícitos com corrupção que já foram recuperados para os cofres do Estado

Estes números só podem crescer porque o processo Lavajato ainda não tem fim à vista

“Recomendaria a Portugal que aplicasse a colaboração premiada”

Qual é o segredo do sucesso da Operação Lavajato?

Há um conjunto de fatores bastante incomum que, como os astros, se alinharam ao mesmo tempo e de forma bastante feliz. Desses destaco a colaboração premiada, o interesse da população e da comunicação social pelo caso, tribunais especializados e equipas multidisciplinares de procuradores, polícia e peritos que permitiram alcançar resultados positivos.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Explique-nos o que é a colaboração premiada? É um instrumento legal que não existe em Portugal.

É um instrumento que nos permite obter prova testemunhal e documental. Representa o momento em que um suspeito ‘vira a página’ e começa a colaborar com o Ministério Público, admitindo os crimes que praticou e fornecendo conhecimento e provas sobre a organização criminosa a que pertence. Há ainda outra vertente: o suspeito devolve o dinheiro do crime ao Estado.

“Não sentimos pressão política”

Quando começou a tratar do caso, a equipa de investigação tinha consciência das implicações políticas do caso?

Não. Não havia notícia de implicações de corrupção e de responsáveis políticos. A operação Lavajato começou por ser um caso de ilícitos cambiais por parte dos chamados ‘doleiros’…

Os ‘doleiros’ são operadores do mercado cambial que operam à margem da lei e que ‘lavam dinheiro’.

Exatamente. São agentes cambiais que enviam e recebem do exterior moeda estrangeira. A determinado momento, descobriu-se que Alberto Youseff, um dos ‘doleiros’, tinha relações com Paulo Roberto Costa, ex-diretor da Petrobras. Foi a partir desse link que começamos a aprofundar as investigações e que nos levou a um acordo de colaboração premiada com Paulo Roberto Costa que permitiu perceber o esquema de corrupção que já tinha mais de uma década funcionamento que envolvia a maior empresa pública brasileira.

“O combate contra a corrupção faz-se pela punição e pela prevenção”

A corrupção contribuiu para o agravamento das desigualdades económicas que caracterizam o Brasil? A corrupção no Brasil é endémica ou tem solução?

O que é a 'ficha limpa'?

Mostrar Esconder

Lei de iniciativa popular promovida pelo juiz Marlon Reis que recolheu mais de 1,6 milhões de assinaturas e que foi aprovada pelo Congresso do Brasil em 2010. A lei pretende escrutinar o grau de idoneidade do candidato, declarando-o inelegível durante oito anos se tiver sido condenado por um tribunal coletivo, se tiver ficado com o mandato cassado ou tiver renunciado para evitar a cassação do mandato

Não sei se a corrupção no Brasil, pelo menos a partir da Operação Lavajato, é endémica. Creio que já estão a ser dados os primeiros passos para solucionar o problema e que a responsabilização dos agentes corruptos não cause estranheza. Até por proposta do próprio Ministério Público Federal com a seleção de propostas legislativas que recolham apoio popular para que sejam propostas ao poder legislativo para ganharem força de lei. Há um conjunto de propostas contra a corrupção que já recolheram mais de 850 mil assinaturas de cidadãos brasileiros. No passado, já foi criada uma lei apelidada de ‘Ficha Limpa’ que foi muito importante para o aprofundamento do sistema democrático num verdadeiro exercício de democracia direta.

“É díficil falar em crise moral no Brasil”

Fernando Henrique Cardoso dizia esta semana ao “Expresso” que o Brasil vive “uma crise moral” devido à Operação Lavajato e ao histórico de casos de corrupção. Concorda?

É difícil de dizer que há uma crise moral. Se tivéssemos uma sociedade e uma moralidade perfeita, se só tivéssemos homens íntegros, então não precisaríamos de falar de corrupção nem de tribunais, de polícia ou de leis. Se tivéssemos uma crise moral, isso significaria que a situação se teria agravado nos últimos anos. É difícil avaliar se isso aconteceu.

A transparência na Justiça vs comunicação social

Se um português ou um europeu acompanhar o processo judicial brasileiro fica surpreendido com a forma rápida com que a Justiça age mas também com a publicidade do processo ainda antes de haver acusação. Por exemplo, a presunção da inocência está assegurada? Os arguidos não são julgados e condenados na praça pública antes de serem julgados?

Creio que a presunção da inocência está assegurada. Os crimes de corrupção ofendem a coletividade como um todo e interessam à população, já que os cidadãos são vítimas desses crimes. Assim, a população tem de ter a oportunidade de acompanhar todo o processo para tomar conhecimento e formar a sua opinião. O segredo de justiça só deve existir enquanto existir interesse para a investigação. Por exemplo, nós criamos de forma inovadora um web site onde os cidadãos podem ter acesso ao processo e conhecer todas as decisões que foram proferidas pelo sistema judicial.