Quando o assunto são as próximas eleições presidenciais, no PS existem dois dados que são tidos como certos. O primeiro: que é cedo para tirar conclusões – o assunto ainda é extemporâneo e Marcelo Rebelo de Sousa tem quase quatro anos de mandato pela frente. E o segundo, que paradoxalmente não invalida o primeiro: que Augusto Santos Silva já se tornou, ativamente e através da guerra que decidiu comprar com o Chega, é uma peça muito relevante neste tabuleiro – e o PS vê no seu senador um potencial candidato com “todo o perfil” para Belém, ainda que a turbulência no Parlamento inspire cuidados.
Dos vários dirigentes socialistas com quem o Observador falou, a conclusão é basicamente unânime. “Há uma grande expectativa em que Santos Silva seja o nosso candidato a Belém”, resume um, apontando para o “rastilho de energia” que o Presidente da Assembleia da República criou ao provocar os recentes conflitos com o Chega e assumir o papel de “defensor da democracia” – que já motivaram uma reunião entre Marcelo Rebelo de Sousa e André Ventura, que quer “censurar” o que considera uma flagrante falta de isenção do PAR.
No PS, os motivos para que tantos apontem com agrado para o “perfil” de Santos Silva não são difíceis de adivinhar. Por um lado, pelo próprio currículo do homem que leva na bagagem o maior número de anos como governante em Portugal, algo que lhe dá “gravitas, estatuto, um percurso do mais ilustre que se pode imaginar”, diz um dos dirigentes já citados.
Além disso, para lá das muitas pastas que ocupou enquanto governante (Cultura, Educação, Defesa, Negócios Estrangeiros e Assuntos Parlamentares), é recordada a sua experiência em cargos e dossiês mais “institucionais”, desde logo nos últimos Governos, enquanto ministro dos Negócios Estrangeiros, e também enquanto Presidente da Assembleia da República.
Tudo somado, aos olhos dos socialistas, Augusto Santos Silva tem experiência, reconhecimento e estatuto para ser candidato do partido e para se bater contra qualquer candidato de direita. Resta saber se terá engenho.
Chega pode ser presente envenenado
Apesar das boas perspetivas, no topo da cadeia alimentar do PS há quem vá ficando preocupado com a estratégia (deliberada ou não) de Santos Silva. A razão é uma: o conflito com o Chega já leva meses, mas faltam anos de mandato, a julgar pelo padrão de pequenas crises e confrontos que se foi estabelecendo logo desde o primeiro discurso enquanto Presidente da Assembleia da República que podem desgastar Santos Silva – ou até podem esgotar-se.
Se a estratégia do ex-ministro passar por fazer do partido de Ventura o seu inimigo número um, Santos Silva passará a depender do próprio Chega para a conseguir executar. Ou seja, dependerá da postura do Chega – correndo sempre o risco de insuflar o partido e entregar a Ventura o estatuto de líder da oposição, pelo menos a nível mediático – e de uma outra variável: o comportamento do próprio partido em relação ao sistema, agora que tem quatro anos pela frente e a imagem de partido de protesto para manter ou revogar.
As condições que neste momento parecem lançar Santos Silva para candidato a candidato a Belém são, por isso, uma espécie de geometria variável, cuja evolução é difícil de prever num prazo de quatro anos. Falta perceber se os motivos que agora o colocam nesta hipotética corrida serão “válidos” daqui até 2026, conjetura um dirigente. E se essa guerra aberta com o Chega – que, mais do que um sprint, corre o risco de se transformar numa espécie de maratona com novas etapas diárias no Parlamento – não fará ricochete, desgastando a imagem do próprio Santos Silva.
Quanto às condições do atual Presidente da Assembleia da República para suceder a Marcelo, numa tentativa de quebrar o jejum do PS em Belém – o partido não consegue eleger um Presidente da sua área desde o tempo de Jorge Sampaio – poucos parecem duvidar delas: dos vários dirigentes com quem conversou, o Observador ouviu, existem todas as garantias de que terá “todo o perfil” se quiser avançar para esse desafio.
Ana Gomes, que foi candidata presidencial sem apoio oficial do partido, corrobora: “É evidente que tem todas as condições para ser candidato”, garante ao Observador, embora frisando que é “absurdo distrair” os portugueses com o tema nesta altura.
Quem não tem Costa, caça com Santos Silva
Quanto às intenções de Santos Silva, só o próprio saberá, mas uma coisa é certa: a conversa invadiu os bastidores do PS não só pelo protagonismo que tem assumido nos últimos meses, pouco habitual na figura institucional do PAR, mas também pelas declarações que tem feito sobre o assunto, e que não excluem de todo a hipótese.
Se Santos Silva já tinha deixado a porta aberta, na semana passada, em entrevista à RTP, esta semana, numa outra entrevista ao Expresso, escancarou-a, recusando fazer “tabu” do assunto: “Se tivesse enjeitado em absoluto fosse o que fosse não tinha desempenhado certos cargos, servindo o meu país”.
E o mesmo Santos Silva que ainda no ano passado dizia, também ao Expresso, fazer votos de que o partido o “deixasse” voltar à sua vida profissional, faz agora questão de acrescentar de que não está disposto a “renunciar” a nenhum dos seus direitos – incluindo, enquanto cidadão português com mais de 35 anos, uma eventual candidatura à presidência da República, mesmo que por agora as sondagens lhe apontem fracas perspetivas.
Há, na verdade, outras maneiras de responder à questão e de acabar com o tal “tabu”. Basta ver o exemplo de António Costa. O atual primeiro-ministro tem dito que o seu perfil, mais executivo, não encaixa nas funções presidenciais e, portanto, rejeitado o mesmo direito de que Santos Silva não abdica à partida.
As garantias de Costa de que nunca entrará na corrida para a sucessão de Marcelo Rebelo de Sousa convenceram o próprio partido. No PS, aponta um dirigente, já se “interiorizou” que Costa não quererá mesmo chegar a Belém e, à falta de Costa, Santos Silva poderá mesmo ser “o melhor nome”.
Não é o único: a esta distância, nos bastidores vai correndo o nome de Francisco Assis, conciliado com Costa e alavancado pelo segundo mandato no Conselho Económico e Social (para o qual foi eleito com a percentagem mais alta de sempre).
Carlos César, presidente do PS, é outro dos nomes sempre referidos para a potencial corrida de 2026 – no ano passado, em entrevista ao Observador, respondia apenas que Marcelo está em “exercício” e em clima de “tranquilidade institucional”. “Ninguém está a pensar nas próximas presidenciais ou, pelo menos, eu não estou a pensar nelas”, despachou na altura o socialista.
Nos bastidores, chegou a falar-se até de nomes mais improváveis, como os ministros Marta Temido e Fernando Medina, com dirigentes a comentar que para um cargo dessa natureza não precisariam de fazer uma parte do trabalho que seria obrigatório se tivessem ambições de chegar à liderança do PS, no qual Pedro Nuno Santos já vai bem adiantado – o trabalho de aparelho.
No entanto, muito longe da meta e alimentando ou não essas ambições para si próprio, Santos Silva já conquistou o estatuto de candidato a candidato com a cotação mais alta dentro das bolsas de apostas do PS. Mas, em política, um dia é muito tempo. E faltam quatro anos para a sucessão de Marcelo.