Sete meses depois de ser “praticamente impossível” ter o PS a viabilizar o Orçamento do Estado para 2025, Pedro Nuno Santos decidiu propor ao partido a viabilização da proposta do Governo. Nos últimos meses entrou num intenso processo negocial e esteve até perto de um acordo com Luís Montenegro, mas no final de todo este tempo acabou por justificar a decisão com factos que sempre lá estiveram: as eleições foram há pouco tempo e ir a votos agora não garantia uma solução estável. Acabou a jurar que daqui a um ano não negoceia com o Governo e que nos próximos meses vai “renovar” o partido para chegar a um novo programa eleitoral.
Agora, Pedro Nuno quer encerrar o foco de turbulência externa e interna que o Orçamento se tornou para o PS. Anunciou mesmo que a abstenção com que viabilizará o Orçamento não vale apenas para a primeira votação da proposta no Parlamento (a chamada generalidade, marcada para 31 deste mês), mas também para a votação final global (a 29 de novembro). Cobriu já todo o processo e evitando novas especulações, indefinições e eventuais pressões sobre o PS. E foi até mais adiante e já garantiu que não volta a ir pelo mesmo caminho deste ano.
Quando questionado sobre o Orçamento para 2026, o líder do PS recusou responder. Disse apenas, em jeito de lição aprendida: “Não ouvirão do PS nada sobre o próximo Orçamento até ele ser entregue na Assembleia da República”. Uma estratégia muito diferente da que seguiu desta vez, entrando num processo negocial. Desta vez negociou porque “não era sério não negociar sequer” e apenas para ter “condições mínimas”, sublinhando que o “recuo substancial” do Governo no IRS Jovem fez “valer a pena a decisão de negociar”. Mas não parece querer repetir — até porque no próximo ano, o calendário deste processo coincide com o da campanha autárquica e a disputa eleitoral desaconselha aproximações.
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Especialidade com propostas de alteração, mas também com uma promessa
Por agora, e quanto ao OE para 2025, a proposta ainda terá de ser debatida e votada na especialidade, altura em que os partidos apresentarão as suas propostas de alteração, e o PS não ficará à margem. “Partimos para a especialidade com toda a liberdade”, disse o socialista, garantindo ao mesmo tempo que “o PS não será o causador de desequilíbrios nas contas públicas” — isto quando as contas parlamentares, onde o PS tem apenas menos dois lugares do PSD e CDS juntos, permitem as chamadas “coligações negativas para o Governo”, com a oposição a conseguir concertar-se para aprovar propostas de alteração contra a vontade do Governo.
Se Pedro Nuno quer evitar a ideia de irresponsabilidade colada à sua liderança, também não quer que isso o deixe colado à AD. Tanto que, nos longos minutos iniciais da sua intervenção, fez a lista de todas as razões “normais” para que o PS votasse contra o Orçamento. “Sou contra a ideia de um Bloco Central, formal ou informal, e contra acordos de incidência parlamentar entre PS e PSD, a não ser em situações limite e muito excecionais, em que a própria democracia esteja em causa”, começou por dizer.
“É por isso que defendo que, o normal, é que o principal partido da oposição vote contra a proposta de Orçamento do Estado que o Governo entrega no Parlamento. Foi o que o PSD fez nos últimos 8 anos. É o que é normal“, repetiu o socialista. E ainda acrescentou que não é por medo do Chega poder ocupar o seu lugar na oposição que o defende, até porque “essa tese elevada a doutrina tornaria o PS refém do Chega”, podendo mesmo este partido ficar na posição de “definir o sentido de voto do PS” daí para a frente.
A sua posição é, explicou, “de princípio” e de “há muitos anos”, tem a ver com a “dialéctica e a bipolarização política” que defende. É contra “uma aliança táctica entre PS e PSD de um lado e um qualquer partido populista e radical do outro”.
Foi preciso esta garantia toda para passar à viabilização e à sua justificação — quando até aqui a sua “declaração ao país” deixava o país baralhado. Mas não sem antes ainda atacar a direita, envolta em “acusações, insultos e muita confusão”, onde diz ver “irresponsabilidade”. Quanto ao Governo diz que “está isolado”, “sozinho, mais minoritário que nunca e absolutamente dependente do maior partido da oposição”.
“Eu não sou impulsivo”
Só depois vieram as duas razões onde apoia exclusivamente a viabilização: “Passaram sete meses sobre as últimas legislativas”; “o eventual chumbo poderia conduzir o país para as terceiras legislativas sem que se perspetive que delas resultasse uma maioria estável”.
As duas razões sempre existiram, mas só agora Pedro Nuno decidiu. Porquê? “Em primeiro lugar, a comunicação é feita agora porque eu não sou impulsivo”. Um calcanhar de Aquiles a que a oposição tem apontado setas. “Em segundo, esta é um questão complexa, sem saídas óbvias e que exigia do PS a auscultação do partido, a reflexão e a decisão”. “O timing do PS é definido pelo PS e por mais ninguém”, disse ainda o líder que na última semana foi fortemente pressionado dentro do seu próprio partido para avançar com uma decisão clara.
Recados para dentro e preparar o combate
E nesse capítulo o líder também tinha alguns recados para deixar. Avisou mesmo que “ninguém tenha ilusões sobre a unidade do PS. Somos um partido unido”, afirmou no final da conferência de imprensa. E que as divisões internas aconteceram “perante uma questão tão complexa” e que isso não se traduz “numa divisão do poder interno do PS, que não existe”, afirmou, como quem avisa ao mesmo tempo.
O momento é, agora, de levar a cabo o plano de dinamização que tem pendurado desde as legislativas. Assim, o PS vai dedicar o próximo ano aos Estado Gerais, “ouvir os portugueses e construir com eles um programa de progresso económico e social para Portugal”. A ideia é, disse, “renovação programática” e também de “pessoas”. Isso e “focar” nas próximas autárquicas, que se realizarão dentro de um ano, onde coloca a fasquia em “continuar a ser o farol do progresso”. Sem quantificações que lhe possam vir a ser cobradas nessa altura.