O PS está inclinado a deixar passar o Programa de Estabilidade apresentado pelo Governo, convicto de que a votação sobre a sua rejeição não é particularmente decisiva — ao contrário do desgaste que poderá provocar ao Executivo durante o debate sobre o documento. Pelo menos é essa a ideia de vários responsáveis socialistas, que indicam que o Programa de Estabilidade “deve passar” e que o PS não deverá ajudar a travá-lo.
“O Programa de Estabilidade não aquece nem arrefece”, resume um alto dirigente socialista. A ideia é uma: a votação do documento, que não conta ainda com o impacto das medidas deste Executivo e que está em vias de extinção — uma vez que a partir de setembro um novo documento, um plano orçamental de médio prazo, substituirá este modelo — não é uma batalha política determinante. “Não é por aí”, ouve o Observador.
O argumentário com que o PS quererá partir para o debate do Programa de Estabilidade, que será discutido no Parlamento na próxima semana, está definido: na mesma “lógica” que utilizou para comentar a polémica redução de IRS anunciada por Luís Montenegro — e que os socialistas classificaram como “um embuste” — o PS insistirá que este documento, que se baseia em políticas invariantes e não conta com o impacto das medidas prometidas pelo Governo, mostra que o Executivo “continua a esconder a forma como vai cumprir o seu programa”.
Aliás, dentro do PS constata-se que o Executivo não introduziu o impacto das medidas mas diminuiu, ainda assim, o valor do excedente orçamental que estava previsto no programa eleitoral da AD (de 0,8% para 0,3% do PIB), o que leva a que os socialistas comecem a disparar que “a perspetiva de cumprirem as promessas eleitorais é nula”.
É também essa a tese apresentada por Pedro Nuno Santos com um vídeo publicado, esta terça-feira, nas redes sociais, depois de uma campanha passada a criticar as previsões macroeconómicas do PSD e a assegurar que estas seriam irrealistas. Agora, com a revisão do valor do excedente, Pedro Nuno passa ao ataque: “Estamos a falar de um buraco nas contas do Governo de 1350 milhões de euros face ao programa que foi a votos no dia 10 de março. Portanto a questão que se coloca ao Governo é: onde é que vão cortar?”.
Mesmo que os socialistas encarem a votação, forçada pelos partidos à sua esquerda, do Programa de Estabilidade como um “pró-forma”, esta será mais uma oportunidade “politicamente relevante” de explorarem a ideia de que este não é um Governo confiável, que as suas previsões não são seguras e que o eleitorado deverá desconfiar de toda e cada promessa.
Já tinha sido essa, de resto, a lógica na primeira reação, mais a quente, de Pedro Nuno Santos ao Programa de Estabilidade. Aconteceu quando saía, esta segunda-feira, da apresentação do livro de memórias aos jornalistas, quando começou por defender que o Programa de Estabilidade “vale o que vale” e acabou a recuperar a polémica do IRS para atacar Luís Montenegro — “Os últimos dias mostram bem que precisamos de todo o cuidado. Temos de ter muito cuidado com cada anúncio e documento”.
PCP e BE querem rejeitar, IL, PAN e Livre querem modificar
Entre socialistas recorda-se que, apesar das críticas às previsões do documento — que antecipa um excedente mais próximo do que o PS estimou no atual Orçamento do que o que a AD previa no seu programa eleitoral — o PS também não deverá ficar entusiasmado com a ideia de se juntar a documentos que possam expressar posições contra Bruxelas.
A título de exemplo, em 2023 os comunistas também apresentavam um projeto de resolução para rejeitar o Programa de Estabilidade então entregue pelo Governo do PS, argumentando que o documento se inseria “na opção de sucessivos governos de submissão ao conjunto de imposições da União Europeia e da União Económica e Monetária/Euro, que visam condicionar as opções de política económica, orçamental e financeira do país aos interesses dos grupos económicos e das principais potências europeias”, e que, na visão do PCP, punham em causa “o direito soberano do Estado português a decidir do seu futuro”.
Desta vez, PCP e BE decidiram marcar posição e avançar com projetos de resolução que forçam a votação do documento, e que visam rejeitá-lo — sendo que os bloquistas propõem a apresentação de um documento alternativo e “clarificador” que contenha as previsões do Governo quanto às suas próprias medidas e previsões sobre salários, política fiscal e despesa pública, num prazo de dez dias. “Nenhum partido pode dizer que apoia ou rejeita o documento porque não tem validade”, argumentou Mortágua.
Já Paulo Raimundo veio argumentar precisamente que o documento é semelhante ao que já tinha sido apresentado, no ano passado, pelo PS — e que os comunistas já tinham querido rejeitar. A versão deste ano “mantém a trajectória apresentada no ano anterior, prolongando as opções da política de direita do Governo do PS”, defendeu o secretário-geral do PCP após uma reunião do Comité Central. Desde logo, no que toca à “redução acelerada do défice e da dívida, sacrificando os salários, as pensões, os serviços públicos e o investimento público”.
Para já, sabe-se que a Iniciativa Liberal também terá um projeto de resolução a propósito do Programa de Estabilidade, com o objetivo de que o documento passe a “refletir o cenário macroeconómico que a AD apresentou no seu programa eleitoral”, adiantou Rui Rocha, considerando que o PSD não incluiu esse cenário porque “não é capaz de o cumprir” e lembrando até as palavras de Fernando Medina, que sentenciou que as previsões da AD se basearam numa “fezada” e não em números realistas. “Se estivesse agora a apresentar um Programa de Estabilidade corrigido pelas medidas e pelo impacto das medidas, tornar-se-ia já evidente que, por exemplo, em 2025 não vai haver um crescimento económico em linha com aquilo que era o programa da AD. E, portanto, eu só posso interpretar esta apresentação de um Programa de Estabilidade, que é o de Fernando Medina [ex-ministro das Finanças], se a AD quiser evitar agora demonstrar já publicamente que as previsões que fez não são previsões que possam ser cumpridas com o programa de governo que apresentou”, acusou, citado pela Lusa.
Por sua vez, o Livre vai recomendar que se definam critérios de utilização para o excedente orçamental, como tem vindo a defender, argumentando que parte do montante deve ser utilizado para reduzir a dívida e a outra parte para fazer investimento público. E o PAN adiantou que vai apresentar uma proposta de resolução que reflita preocupações como a valorização das carreiras das forças de segurança e dos professores. Promessas de projetos há muitas, mas os posicionamentos dos partidos só deverão confirmar-se quando os textos forem conhecidos.