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Texto original publicado a 11 de Outubro de 2017 a propósito do despacho de acusação da Operação Marquês
É um dado surpreendente que reforça a importância histórica da acusação da Operação Marquês: José Sócrates terá sido corrompido desde o primeiro momento em que entrou em São Bento como chefe do Governo. Vencedor das eleições legislativas de 2005, Sócrates tomou posse como o primeiro líder do Partido Socialista (PS) a conseguir uma maioria absoluta. De acordo com o Ministério Público, terá tido a intenção desde o primeiro momento de alegadamente se deixar corromper, com a ajuda do seu amigo Carlos Santos Silva, por diversos grupos económicos — o que terá ocorrido entre 2005 e 2011.
Entre os 31 crimes graves que são imputados a José Sócrates, destacam-se os três crimes de corrupção passiva de titular de cargo político — e logo enquanto primeiro-ministro de Portugal. O número de crimes está diretamente ligado aos três grupos empresariais que, segundo a acusação conhecida a 11 de outubro de 2017, terão alegadamente pago subornos a Sócrates:
- Grupo Lena
- Grupo Espírito Santo
- Grupo Vale do Lobo
Terão sido estes três grupos económicos que terão transferido um total de cerca de 24.875.00 de euros para as diversas contas bancárias que Carlos Santos Silva tinha aberto na Union des Banques Suisses (UBS) em nome de diversas sociedades offshore.
Se acrescentarmos a esse valor os cerca de 7.154.925 euros que Santos Silva terá recebido do Grupo Lena (tendo alegadamente colocado tais fundos à disposição de Sócrates) e um mínimo de 2,3 milhões de euros em numerário que o primo do ex-primeiro-ministro (José Paulo Pinto de Sousa) terá feito chegar ao ex-líder do PS, estamos a falar de um total de cerca de 34,3 milhões de euros que o Ministério Público entende que “foi disponibilizado ao arguido José Sócrates com origem na prática de crime”.
A equipa de sete procuradores do Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP), liderada por Rosário Teixeira, não tem dúvidas de que se verificou o dolo na alegada prática dos três crimes de corrupção por parte do ex-líder do PS, não poupando nas palavras para descrever a ação de Sócrates. “O arguido José Sócrates sabia que, por força do cargo de primeiro-ministro que ocupava, estava obrigado a estritos deveres de isenção e imparcialidade e aos princípios gerais da prossecução do interesse público, legalidade, objetividade e independência”. Apesar disso, lê-se no despacho de acusação, o “arguido José Sócrates sabia e quis agir de forma descrita, violando a autonomia intencional do Estado, a troco da promessa e entrega de contrapartidas patrimoniais que sabia não lhe serem devidas, para conduzir a atuação do Governo” com o objetivo de alegadamente favorecer os interesses do Grupo Lena, Grupo Espírito Santo e Grupo Vale do Lobo. Tendo alegadamente violado diversos princípios legais, como o da “leal concorrência e prossecução do interesse público“.
Como tudo começou: a discoteca da Covilhã e a empresa de José Guilherme
Independentemente da eficácia da cooperação judiciária entre Portugal e a Suíça, ou da obrigatoriedade legal do sistema financeiro de comunicar à Justiça as transferências bancárias suspeitas — questões fundamentais para o sucesso da investigação da Operação Marquês –, este processo nunca existiria sem Carlos Santos Silva, o principal alegado testa-de-ferro de José Sócrates — o outro é José Paulo Pinto de Sousa, primo do ex-primeiro-ministro. Não é de estranhar, portanto, que os sete procuradores do DCIAP que assinam o despacho tenham descrito com detalhe a relação entre José Sócrates e Carlos Santos Silva.
Apesar de Sócrates ter afirmado publicamente por várias vezes que Santos Silva “é um amigo de infância”, o Ministério Público assegura que os dois se conheceram em 1983 — quando o então jovem Sócrates tinha 26 anos e trabalhava na Câmara Municipal da Covilhã como engenheiro técnico. Santos Silva, por seu lado, já trabalhava em empresas de construção civil da Covilhã, Guarda e Castelo Branco e era igualmente conhecido na zona por ser um dos proprietários de uma das principais discotecas da Covilhã, a “Número Uno”.
De acordo com os indícios reunidos pelo MP, terá sido José Sócrates a apresentar Carlos Santos Silva ao seu tio António Pinto de Sousa (irmão do pai de Sócrates) e ao seu primo José Paulo (filho de António). Entre 2001 e 2008, Santos Silva foi sócio de várias empresas com os Pinto de Sousa.
Uma dessas sociedades foi a Calçoeme. Trata-se de uma empresa de construção civil fundada em 1990 por José da Conceição Guilherme (o famoso empreiteiro que viria a ficar conhecido pela “liberalidade” de 14 milhões de euros que concedeu a Salgado). Os restantes sócios eram o filho de José Guilherme e outro empreiteiro da Amadora — a localidade onde a empresa tinha sede social.
Através de uma empresa chamada Duraria, Carlos Santos Silva e José Paulo assinaram em 2003 um contrato-promessa com José Guilherme para adquirirem até 90% do capital social da Calçoeme. O objetivo, segundo o MP, era transformar essa sociedade numa empresa de obras públicas para “participar em consórcios ainda que de forma minoritária, que concorreriam a grandes empreitadas de obras públicas, em Portugal e no estrangeiro”, lê-se no despacho de acusação. Porquê? Qual era o objetivo?
- O objetivo “(…) a partir de meados de 2004, com a perspetiva de o arguido José Sócrates chegar à liderança do Partido Socialista e de assumir a posição de primeiro-ministro, em futuras eleições, era o de poder aproveitar o incremento de obras públicas que então se viesse a verificar e a sua proximidade ao arguido José Sócrates no sentido de angariar contratos e concessões do Estado.”
Terá sido após o falhanço nas negociações com José Guilherme (que, nesta altura, era há muito um dos principais construtores da zona da Grande Lisboa e era muito próximo do Banco Espírito Santo de Ricardo Salgado) que Santos Silva se virou para o Grupo Lena — e vendeu a participação de 25% que, entretanto, tinha adquirido a uma pessoa próxima de José Guilherme. Já seria nessa altura próximo de Joaquim Barroca, acionista e vice-presidente do Grupo de Leiria.
Os negócios do Grupo Lena e a diplomacia económica
Aquando da detenção de José Sócrates, no dia 21 de novembro de 2014, o Grupo Lena era visto como a principal origem dos fundos que chegaram às contas da Suíça de Carlos Santos Silva, como contrapartida de alegados benefícios concedidos por José Sócrates em cinco dossiês:
- Aprovação do financiamento da Caixa Geral de Depósitos (onde estava Armando Vara como administrador) necessário para um grupo de acionistas liderados por Hélder Bataglia adquirirem o resort de luxo de Vale do Lobo;
- Aprovação da mudança de regras urbanísticas para permitir a expansão do empreendimento turístico de Vale do Lobo;
- Adjudicação de obras da Parque Escolar;
- Contratos assinados entre a Venezuela e o Grupo Lena por via da diplomacia económica do Governo Sócrates;
- Adjudicação do contrato de construção da 1.ª fase do TGV.
É certo que a perspetiva da equipa de investigação liderada pelo procurador Rosário Teixeira mudou quando a Procuradoria Federal da Suíça enviou a documentação bancária que provará que boa parte dos fundos transferidos para as contas suíças de Santos Silva tiveram origem no Grupo Espírito Santo.
Mas sem que as suspeitas iniciais, nomeadamente as alegadas irregularidades no financiamento concedido pela Caixa Geral de Depósitos ao empreendimento de Vale do Lobo; as suspeitas de favorecimento do Grupo Lena na 1.ª fase da construção do TGV; e os contratos assinados com a Venezuela tenham desaparecido por completo. Pelo contrário: as suspeitas mantiveram-se e foram solidificadas durante 2017. O MP apenas deixou cair as alegadas irregularidades nas mudanças de regras urbanísticas para permitir a expansão de Vale do Lobo.
Diz a acusação do MP que José Sócrates não só sempre esteve a par da proximidade entre Santos Silva e Joaquim Barroca, como terá ficado ciente, através do seu amigo, de que o Grupo Lena pretendia apostar na “internacionalização” e numa “maior intervenção em sede de concursos de obras públicas”.
Assim, continua o MP, e já no “âmbito das suas funções como primeiro-ministro do XVII Governo Constitucional”, terá aproveitado “a sua relação de amizade e confiança com o arguido Carlos Santos Silva” para iniciar, “ainda em 2005, uma abordagem a este último arguido no sentido de acordarem formas de José Sócrates, como responsável do Governo, poder apoiar a estratégia e o desenvolvimento de negócios do Grupo Lena, utilizando como intermediário o arguido Carlos Santos Silva, de forma a evitar contactos diretos com os administradores daquele Grupo.
José Sócrates visava, através desse apoio à atividade do Grupo Lena, “vir a obter uma contrapartida financeira em seu proveito pessoal, mas sempre através da pessoa do arguido Carlos Santos Silva, de forma a ocultar esse comprometimento e benefício“, lê-se no despacho de acusação do DCIAP.
Para a equipa de sete procuradores que assinam o despacho de acusação não há dúvida de que praticamente todos os fundos recebidos por Carlos Santos Silva do Grupo Lena visaram o pagamento de alegadas contrapartidas a José Sócrates. As relações contratuais que existiram entre diversas sociedades de Santos Silva e o Grupo Lena não passam na maior parte dos casos, segundo o MP, de uma “montagem de relações contratuais de conveniência” de forma a justificar as alegadas contrapartidas transferidas sob a forma de remunerações pelos serviços alegadamente prestados por Santos Silva ao grupo de Leiria.
Terá sido assim que, “a partir do final de 2006”, José Sócrates assumiu a “incumbência de favorecer os interesses do Lena”, nomeadamente sob “a aparência de uma atividade de pura diplomacia económica” e a “escolha privilegiada do Grupo Lena para integrar comitivas internacionais e de intervenções junto de responsáveis políticos estrangeiros para a conclusão de contratos e recebimentos de pagamentos, bem como através da afetação de membros do seu gabinete e de gabinetes ministeriais de atos em favor dos interesses do Grupo Lena”.
As transferências do Grupo Lena e os alegados benefícios de Sócrates
Assim, os primeiros pagamentos realizados por Joaquim Barroca terão sido os seguintes:
- 2 milhões e 375 mil euros transferidos entre fevereiro e junho de 2007 de uma das contas da UBS de Joaquim Barroca para as contas das sociedades offshore Giffard Finance e Pinehill Finance — ambas de Carlos Santos Silva;
- 500 mil euros transferidos em setembro de 2008 de uma conta pessoal de Joaquim Barroca para a conta da Pinehill Finance;
- 2 milhões e 954 mil euros transferidos entre novembro de 2009 e abril de 2014 a coberto de um contrato alegadamente falso estabelecido entre a XLM — Sociedade de Estudos e Projetos (de Carlos Santos Silva) e o Grupo Lena.
Total das alegadas contrapartidas: 5.829.925 euros.
Outra das contrapartidas, de acordo com a acusação, terá sido a autorização de Joaquim Barroca para que Carlos Santos Silva utilizasse as suas contas na UBS para fazer passar dinheiro. O próprio Barroca confessou ao procurador Rosário Teixeira nos três interrogatórios a que foi sujeito nos autos da Operação Marquês, entre 23 de abril e 22 de julho de 2015, que entregou a Carlos Santos Silva ordens de transferência em branco das três contas que possuía na UBS, acrescentando ainda que sempre que emitiu ordens de transferência dessas contas estava acompanhado do alegado testa-de-ferro de Sócrates.
Estas contas bancárias de Joaquim Barroca serão essenciais, como veremos adiante, para Carlos Santos Silva receber cerca de 22 milhões de euros com origem no Grupo Espírito Santo a propósitos de alegados benefícios concedidos por José Sócrates à família liderada por Ricardo Salgado nos negócios da Portugal Telecom e ao grupo de investidores que compraram o empreendimento de Vale do Lobo com créditos da Caixa Geral de Depósitos.
Voltando ao Grupo Lena. Que benefícios terão sido concedidos por José Sócrates, segundo a acusação?
- Obras da Parque Escolar, que ascenderão a cerca de 138 milhões de euros entre 2009 e 2015, sendo que no mesmo período o Grupo Lena faturou um total de cerca de 224 milhões de euros. Isto é, os contratos da Parque Escolar valem quase metade da faturação total do Grupo Lena no mesmo período. Entre 2002 e 2009, o Grupo Lena teve um total de contratos de empreitadas avaliados em cerca de 602 milhões de euros. Desse montante, cerca de 51% têm a ver com contratos com entidades públicas, entre as quais o Estado, Câmaras Municipais e empresas públicas. Sendo que o Estado apenas representou 8%, com cerca de 48,3 milhões de euros.
- O contrato da 1.ª fase da parceria público-privada para a construção de uma ligação de alta velocidade entre o Poceirão e Caia, na fronteira com Espanha, adjudicado ao consórcio Elos, do qual fez parte o Grupo Lena. De acordo com a acusação, José Sócrates “atuou de modo a conformar o procedimento do concurso e o clausulado do contrato de concessão de forma que veio a permitir ao referido consórcio Elos ver reconhecido o direito a uma reparação por parte do Estado, em violação da lei e com preterição dos interesses públicos”.
Neste último caso do concurso de Alta Velocidade, o MP diz que José Sócrates terá “instrumentalizado” membros do seu Governo. Assim, no primeiro trimestre de 2008, o primeiro-ministro terá mantido uma reunião com Ana Paula Vitorino, então secretária de Estado dos Transportes (que tutelava a RAVE) e atual ministra do Mar, e Carlos Fernandes, administrador da RAVE. Sócrates queria antecipar o lançamento do concurso Poceirão/Caia de julho para março, “sem adiantar qualquer explicação para tal propósito”. O MP diz que o então líder do PS pretendia, com essa antecipação, “favorecer o Grupo Lena e o grupo de empresas a esta associadas no consórcio Elos”.
Carlos Fernandes e Luís Pardal, presidente da RAVE, contudo, manifestaram a sua oposição e o concurso não foi antecipado.
O mesmo não aconteceu por parte da Comissão de Avaliação de Propostas na fase de negociação com os consórcios apurados para essa fase final, entre as quais a Elos. Entre as diversas alterações propostas pelo consórcio do Grupo Lena, destaca-se uma relativa às consequências que o Estado teria de assumir caso o Tribunal de Contas recusasse o visto ao contrato que a RAVE desejasse assinar. Na prática, a Elos conseguiu que o Estado assumisse o ónus de pagar cerca de 14,6 milhões de euros no caso de recusa de visto — direito que o MP considera ilegal.
Esta e outras alterações vieram a ter uma análise de um assessor jurídico do júri do concurso que atribuiu a classificação de “medíocre” à proposta da Elos. Foi no seguimento desse parecer que, segundo o MP, José Sócrates se reuniu com o presidente do júri do concurso, Raúl Vilaça Moura, na residência oficial do primeiro-ministro. Mário Lino estava de saída do Governo como ministro das Obras Públicas, mas acompanhou igualmente a reunião. De acordo com a acusação, e após essa reunião, “José Sócrates tomou então a decisão e fez transmitir aos responsáveis do Ministério das Obras Públicas de que, alegando a necessidade imperiosa da concretização do projeto da Rede de Alta Velocidade e do aproveitamento das linhas de financiamento comunitárias, o relatório final do júri deveria ser produzido em moldes que permitissem acomodar uma decisão política de adjudicação”.
Apesar de o relatório do júri não recomendar a aceitação das propostas de alteração do consórcio Elos, o Governo de José Sócrates veio a adjudicar o concurso com uma mera promessa do consórcio de retirar as propostas que tinham merecido críticas do júri por representarem um risco elevado para o Estado.
Diz o MP que as empresas de Carlos Santos Silva vieram a receber, por serviços que não terão sido prestados, cerca de 735 mil euros. Valor que é interpretado pelo MP como sendo uma contrapartida pela atuação de José Sócrates de alegado benefício do consórcio Elos.
Mais tarde, o Tribunal de Contas recusaria o visto ao concurso adjudicado ao consórcio Elos e este viria a pedir uma indemnização de cerca de 169 milhões de euros em sede de Tribunal Arbitral. A 5 de junho, o tribunal condenou o Estado a pagar cerca de 149 milhões de euros ao consórcio Elos.
O TGV, a Odebrecht e a Operação Lava Jato
De acordo com a acusação, o Grupo Lena tinha, desde 2007, e em alegada concertação com José Sócrates, o objetivo de participar nos concursos públicos internacionais que seriam lançados para a construção de uma rede ferroviária em alta velocidade em Portugal. Nesse sentido, Joaquim Barroca terá contactado a empresa brasileira Odebrecht para a construção de uma parceria entre as duas empresas de obras públicas.
Foi assim elaborado um documento intitulado “Programa de Conquista do TGV”. Desse documento faz parte uma estratégia para “influenciar o Governo na definição de condições de participação no concurso” do lote Poceirão/Caia que interessava ao Grupo Lena e à Odebrecht. As duas empresas viriam a fazer parte do consórcio Elos, liderado pela Brisa, com uma participação de cerca de 13% cada uma.
Curiosamente, e no contexto de uma descrição da dimensão da operação global da Odebrecht, o MP fez questão de recordar na acusação o facto de Marcelo Odebreht, o líder do grupo de construção, ter sido condenado pelo juiz Sérgio Moro na Operação Lava Jato. “O filho do respetivo fundador, Marcelo Bahia Odebrecht, veio a ser judicialmente condenado, por decisão datada de 8 de março de 2016, pela prática de 10 crimes de corrupção ativa por entrega de vantagens pecuniárias indevidas a funcionários da Petrobrás, no âmbito de contratos celebrados com o Grupo Odebrecht, de branqueamento de capitais e de associação criminosa”, lê-se na acusação.
Segundo o MP, terá sido Ribeiro dos Santos, ex-presidente da empresa pública Estradas de Portugal e representante do Grupo Lena no consórcio Elos, quem terá alegadamente corrompido Luís Marques, um diretor da empresa Rede de Alta Velocidade, para passar a ter acesso a informação privilegiada da empresa que era a dona da obra e lançava nessa qualidade os respetivos concursos públicos. A troco de 5 mil euros mensais, entre julho de 2008 e outubro de 2009, pagos a título de consultadoria por uma empresa de Carlos Santos Silva. No total, Luís Marques terá recebido cerca de 87,5 mil euros.
A entrada em cena de Ricardo Salgado e da PT
A alegada necessidade de Ricardo Salgado corromper José Sócrates é explicada pelo MP através de dois temas — ambos relacionados com a Portugal Telecom (PT) e devidamente separados pela Oferta Pública de Aquisição (OPA) da Sonae à PT, anunciada em 2006:
- Convencer José Sócrates, então primeiro-ministro, e a administração da PT a apoiar a oposição do BES à OPA lançada pelo Grupo Sonae, liderado por Belmiro e Paulo Azevedo, em fevereiro de 2006, de forma a manter a influência do BES na operadora;
- Em 2010 terão sido feitos novos pagamentos para que José Sócrates utilizasse as 500 golden-shares da PT que o Estado então detinha, de forma a condicionar a venda da participação que a PT tinha na Vivo ao reinvestimento de boa parte dos 7,5 mil milhões de euros pagos pelos espanhóis da Telefónica na aquisição de uma nova participação numa operadora brasileira: a Oi/Telemar.
De acordo com esta visão do MP, a origem do circuito financeiro que permitiu pagar alegadas contrapartidas a José Sócrates reside no Banco Espírito Santo Angola (BESA), então liderado por Álvaro Sobrinho. Tudo terá começado em 2006, quando Ricardo Salgado terá determinado uma operação de financiamento da Escom liderada por Hélder Bataglia no valor de 7,5 milhões de euros disponibilizados pelo BESA entre abril e maio de 2006 numa conta do Banco Santander em Lisboa — onde o BESA tinha uma conta correspondente.
A partir daqui, o dinheiro foi repartido e transferido para a conta da Markwell — sociedade offshore de Hélder Bataglia. Pelo meio, houve algumas manobras de diversão para, segundo o MP, tentar ocultar a origem dos fundos, tendo sido utilizada a conta de uma sociedade offshore (Alresford) de Pedro Ferreira Neto (chief financial officer da Escom) para esse efeito – facto confirmado pelo próprio Ferreira Neto ao procurador Rosário Teixeira, que associou essas operações à luta de Ricardo Salgado contra a OPA da Sonae.
Com os 7 milhões de euros na sua posse, Hélder Bataglia terá transferido em maio de 2006 cerca de 6 milhões de euros para a conta da Gunter Finance de José Paulo Pinto de Sousa. A justificação que Bataglia deu, na altura, na UBS, para essa transferência, prende-se com a compra dos terrenos das salinas de Benguela que pertenciam à família Pinto de Sousa. Os compradores seriam o próprio líder da Escom e Pedro Ferreira Neto. Mas esta justificação foi claramente desmentida pelo próprio Ferreira Neto nos autos da Operação Marquês.
A OPA da Sonae e a utilização da golden-share que não aconteceu
Este primeiro grupo de transferências é relacionada pelo MP com os negócios da PT através da OPA da Sonae. Isto é, esta transferência corresponderá ao primeiro alegado pagamento acordado entre Ricardo Salgado e José Sócrates para que o então primeiro-ministro apoiasse o BES na luta contra a OPA de Belmiro e Paulo Azevedo. “Ricardo Salgado propôs então ao arguido José Sócrates que, em troca da entrega de quantia em dinheiro, enquanto primeiro-ministro do Governo de Portugal, se opusesse na Assembleia-Geral da PT” à aprovação de novos estatutos da PT, SGPS, “pressuposto do sucesso da OPA, não apenas pelo exercío de voto referente às ações de que o Estado era titular através do Grupo Caixa Geral de Depósitos, da Segurança Social e da Parpública, mas principalmente através do uso de direito de veto que a detenção da golden-share conferia ao Estado, caso a maioria dos acionistas viesse a aprovar a desblindagem dos estatutos”, lê-se na acusação.
A derrota da Sonae era essencial para Ricardo Salgado manter o domínio da PT, bem como a sua capacidade de influência na definição da estratégia do grupo de telecomunicações, nomeadamente no que ao Brasil dizia respeito. O BES era apenas o terceiro maior acionista da empresa (com uma participação de 8,3% do capital social), mas tinha um controlo de facto sobre a administração da empresa. Salgado sempre teve a fama de ser ele a escolher o nome do líder da PT. Miguel Horta e Costa, líder da PT entre abril de 2002 e abril de 2006, assim como Henrique Granadeiro e outros elementos decisivos da gestão da empresa, eram figuras muito próximas do GES ou tinham vindo dos seus quadros. Por outro lado, era essencial para o BES manter a parceria que permitia que a PT tivesse 4% do banco e, ao mesmo tempo, fosse um importante cliente em termos de depósitos e de compra de produtos financeiros do BES. Só em 2013, a PT tinha depósitos de cerca de 1,4 mil milhões de euros no BES e chegou a ter investimentos superiores a mais de mil milhões de euros em dívida do GES.
Sócrates, de acordo com o MP, terá dado instruções à Caixa Geral de Depósitos para votar contra a desblindagem dos estatutos da PT, tal como deu ordens a Mário Lino, enquanto ministro das Obras Públicas com a tutela da PT, para iniciar uma negociação simulada com a Sonae para perceber as vantagens da OPA e assegurar uma alegada equidistância do Governo.
Quando foi chamado aos autos da Operação Marquês, em setembro de 2015, o CEO da Sonae disse mesmo que, a partir do segundo semestre de 2016, era claro para si e para a sua equipa que o ministro Mário Lino (com a tutela da PT) e um assessor especialmente nomeado para acompanhar o processo da OPA (Luís Ribeiro Vaz) promoviam uma equidistância que era simulada. Além das reuniões que demoravam a ser marcadas ou de questões sem nexo (como perguntar à Sonae se tentava deslocalizar a sede da PT de Lisboa para o norte do país), foram igualmente ignorados os sinais de alerta sobre o surgimento de novos acionistas após o anúncio da OPA – como foi o caso da Ongoing, de Joe Berardo ou do magnata mexicano Carlos Slim, todos apoiados ou ‘chamados’ pelo GES. O MP dá razão a Paulo Azevedo ao citar todos estes pontos no despacho de acusação.
A proposta da desblindagem dos estatutos foi derrotada, não tendo conseguido os dois terços dos votos obrigatórios. Mas, de acordo com a acusação do MP, “José Sócrates diligenciou no sentido de, aquando da votação, e sendo o Estado chamado a votar apenas depois de apurado o resultado da votação dos acionistas ordinários, caso estes votassem por maioria de dois terços, ser transmitido ao representante do Estado que, utilizando a golden-share, votasse contra a alteração, assim condenando ao fracasso a OPA”. Não foi necessário.
As transferências via ‘saco azul’ do GES
Com a derrota da Sonae oficializada em março de 2007, com a proposta de desblindagem dos estatutos a não ser aprovada em Assembleia Geral (era necessário uma maioria de dois terços e nem a maioria foi alcançada: 46,58% dos acionistas votaram contra, enquanto 43,9% votaram a favor), Ricardo Salgado iniciou uma segunda luta: terminar as parcerias que existiam entre a PT e a Telefónica, pelo facto de operadora espanhola ter apoiado a Sonae.
As consequências do final dessa parceria eram fáceis de adivinhar:
- O fim da joint venture que deu origem à Vivo;
- A venda da participação da PT na Vivo;
- A saída da Telefónica da estrutura acionista da PT.
Por isso mesmo, entende a equipa liderada pelo procurador Rosário Teixeira, Ricardo Salgado terá ordenado à administração da PT que contratasse o BES Investimento e a Caixa Banco Investimento (BI) para estudarem a viabilidade de a empresa portuguesa adquirir uma participação noutra operadora brasileira: a Telemar. As negociações desenvolveram-se, mas os acionistas brasileiros rejeitaram a abordagem da PT.
Após essa tentativa falhada de aquisição, o Governo de Lula da Silva começou a criar a “super-tele”, financiando acionistas brasileiros, através do Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social (BNDES), para comprarem posições-chave na empresa antes de promover a fusão com a Brasil Telecom. É assim que nasce a Oi.
É neste contexto, entende o MP, que Ricardo Salgado terá sentido necessidade de fazer um novo acordo com José Sócrates, de forma a que fosse feito o negócio com a Oi/Telemar.
Entretanto, a administração liderada por Henrique Granadeiro, coadjuvado por Zeinal Bava, tinha premiado de forma muito generosa os acionistas da PT pela derrota da OPA da Sonae:
- O spin-off da PT Multimédia permitiu ao GES ficar com cerca de 17 milhões de ações que representavam 13% do capital social da PT Multimédia avaliados em 165 milhões de euros;
- Com mais de 8% da PT, o GES recebeu fundos importantes a partir dos dividendos pagos a partir de 2008. Só entre 2010 e 2013, a PT pagou mais de 3,3 mil milhões de euros aos seus acionistas.
Com estes fundos, diz o MP, Ricardo Salgado terá acordado com José Sócrates (além de Henrique Granadeiro e Zeinal Bava) uma segunda ronda de alegados pagamentos que serão uma contrapartida pela reestruturação da PT (cisão da PT Multimédia) e para “amarrar” Sócrates e a administração da empresa à manutenção do investimento no Brasil – na Vivo ou noutra operadora.
Para esse efeito, Salgado terá utilizado pela primeira vez a ES Enterprises, que não fazia parte do organograma do GES. Curiosamente, as operações financeiras que dão o pontapé de saída para aquilo que o MP entende que são os pagamentos a Sócrates, Granadeiro e Bava verificam-se no mesmo dia: 9 de julho de 2007. É nesta data que a ES Enterprises, por alegada ordem de Ricardo Salgado, faz duas transferências relevantes:
- Transfere 6 milhões de euros para a conta de Henrique Granadeiro no Banco Pictet, na Suíça;
- Transfere 7 milhões de euros para a Markwell de Helder Bataglia.
A 30 de julho de 2007, a conta da Gunter Finance de José Paulo Pinto de Sousa recebeu uma transferência da Markwell de 3 milhões de euros na sua conta na UBS. Montante que o MP entende que é uma alegada contrapartida que tem como destinatário José Sócrates.
As transferências para Carlos Santos Silva
No âmbito da sua estratégia, e segundo a tese do MP, Ricardo Salgado terá acordado com Sócrates que o montante total da contrapartida a pagar, ao longo de diversos anos, poderia atingir os 15 milhões de euros. Diz o MP que tais transferências dependeriam da evolução das negociações com a Oi/Telemar. Mais uma vez, Salgado terá recorrido ao ‘saco azul’ do GES para financiar esse alegado compromisso, tendo Joaquim Barroca (vice-presidente do Grupo Lena) entrado nos circuitos financeiros, devido ao acordo que tinha feito com Santos Silva para que este utilizasse as suas contas na UBS como ponto de passagem.
Dos 15 milhões de euros transferidos entre 8 de abril de 2008 e 7 de maio de 2009 para as sociedades offshore Markwell e Monkway (ambas de Helder Bataglia), cerca de 12 milhões terão chegado a duas contas de Joaquim Barroca na UBS no período 28 de abril de 2008 e 27 de maio de 2009. Esses 12 milhões de euros terão sido transferidos por Bataglia por pedido expresso de Ricardo Salgado, de acordo com o depoimento que o ex-líder da Escom fez em janeiro de 2017 no DCIAP.
Mais tarde, com as ordens de transferência em branco assinadas por Joaquim Barroca, Santos Silva transferiu esses montantes para as suas próprias contas abertas também na UBS em nome da sociedade offshore Pinehill Finance entre 27 de junho de 2008 e 27 de junho de 2009.
A esses 12 milhões de euros acrescem ainda cerca de 500 mil euros provenientes do Grupo Lena que Barroca também transferiu a 26 de setembro de 2008 para Santos Silva. Total transferido: 12,5 milhões de euros.
Ricardo Salgado argumentou no interrogatório a que foi sujeito em janeiro de 2017, e que resultou na sua constituição como arguido, que estas transferências nada tinham a ver com José Sócrates, mas sim com alegados pagamentos feitos a Helder Bataglia a coberto de um contrato de prestação de serviços relacionado com alegados serviços do gestor especialista em África na obtenção de um conjunto de licenças para exploração de petróleo em três blocos petrolíferos em Angola. Tal contrato teria sido feito, da parte do GES, através da Espírito Santo Enterprises e uma sociedade offshore chamada Pinsong International, cujo diretor era Pedro Ferreira Neto, CFO da Escom e alto quadro do GES.
De facto, foi assinado tal contrato para enquadrar os pagamentos de 15 milhões de euros da ES Enterprises a Helder Bataglia, mas o testemunho de Pedro Ferreira Neto matou definitivamente a tese de Salgado, quando o CFO da Escom afirmou nos autos da Operação Marquês que o contrato tinha sido forjado. Pelo próprio Ferreira Neto.
O terreno de Luanda e a golden-share da PT
O último grupo de transferências para José Sócrates prende-se com o negócio da venda da Vivo à Telefónica e a consequente compra de uma participação no capital social da Oi/Telemar. E, claro, com a utilização da golden-share por parte do Governo Sócrates, que permitiu viabilizar os dois negócios. Pelo meio, temos um alegado negócio imobiliário em Luanda, que alegadamente terá sido simulado entre Helder Bataglia e o Grupo Lena.
Explicando o contexto: o processo de fusão entre a Telemar e a Brasil Telecom, fortemente apoiado pelo Governo de Lula da Silva, tinha-se concretizado em 2009, dando origem à operadora Oi. Depois de várias propostas anteriores (que tinham começado em cerca de 5 mil milhões de euros), a Telefónica demonstra que quer mesmo comprar os 50% da PT na Vivo e sobe a parada para os 7,15 mil milhões de euros. Mas a 30 de junho de 2010, data da Assembleia Geral da PT que iria votar a proposta dos espanhóis, José Sócrates usa as 500 golden-share do Estado para vetar a venda que recolhia o apoio da maioria dos acionistas de referência da PT — incluindo o BES de Ricardo Salgado.
O MP considera que os acionistas da PT queriam vender a Vivo à Telefónica, mas alguns deles (juntamente com elementos da administração da operadora como Luís Pacheco de Melo, CFO da PT, e Jorge Tomé, administrador não executivo em representação da CGD) receavam uma entrada no capital da Oi — uma empresa excessivamente concentrada na rede fixa e significativamente atrasada em termos tecnológicos.
É devido a esses receios que, de acordo com as suspeitas do MP, Ricardo Salgado terá concebido a estratégia de não se opor à venda da Vivo (ao contrário do que defendera antes), e convencer José Sócrates a utilizar os direitos especiais da golden-share para condicionar a venda dos 50% da Vivo ao reinvestimento de parte do produto da venda na aquisição de uma participação noutra empresa de telecomunicações brasileira.
É igualmente neste contexto que, de acordo com o MP, Ricardo Salgado terá alegadamente prometido a José Sócrates um novo pagamento — que terá estado na origem da utilização da golden-share por parte do Governo na Assembleia Geral de 30 de junho. Menos de um mês mais tarde, a PT anunciou um pré-acordo com a Oi para adquirir uma participação minoritária de 22,38% por cerca de 3,7 mil milhões de euros.
De acordo com o MP, Sócrates, devidamente sintonizado com Carlos Santos Silva, terá solicitado que o pagamento fosse feito através do Grupo Lena — que faria chegar tais quantias ao alegado testa-de-ferro de Sócrates.
Desta vez, Bataglia e Santos Silva, na visão do MP, terão alegadamente recorrido a uma operação imobiliária que terá sido simulada para criar uma aparente justificação para as transferências realizadas. O Grupo Lena, através de uma empresa subsidiária (a Angola Investimentos Imobiliários), assinou um contrato-promessa de compra e venda a 30 de Dezembro de 2010 com uma sociedade de Bataglia (a Eninvest – Investimentos Imobiliários), que contemplava o pagamento de um sinal de 8 milhões de euros pela futura compra de um terreno situado no rua Major Kanhangulo (Luanda). O então líder da Escom terá pago o sinal 24 horas antes de assinar o contrato-promessa com os fundos que recebeu da ES Enterprises, mas perdeu o valor para o Lena com o pretexto de uma cláusula contratual que o obrigava a reforçar o sinal dentro de um determinado prazo — cláusula essa que o MP considera que foi forjada para justificar a passagem do dinheiro.
Desses 8 milhões de euros, 3 milhões terão sido enviados pelo Grupo Lena para uma das contas de Carlos Santos Silva na UBS no dia 21 de janeiro de 2011, a propósito de um alegado contrato de intermediação que terá sido concretizado entre a XLM – Sociedade de Estudos e Projetos (sociedade de Santos Silva) e a Angola Investimento Imobiliário do Grupo Lena.
O MP considera ainda ter provas de que o Grupo Lena utilizou parte dos 5 milhões de euros remanescentes do sinal perdido do terreno em Kanhangulo no pagamento de prestações dos contratos de aluguer de viaturas que beneficiaram diversos familiares de Sócrates.
Já em 2013, a XLM assinou um novo contrato de prestação de serviços com o Grupo Lena, tendo recebido um total de 2,7 milhões de euros entre o dia 1 de abril desse ano e 30 de setembro de 2015 – contrato este que também é contextualizado pelo MP como tendo o objetivo de realizar alegados pagamentos a Sócrates.
Um dos indícios nesse sentido é o facto de a XLM ter procedido à transferência de cerca de 275 mil euros a favor de diversas pessoas ligadas a José Sócrates como António Peixoto (o blogger da “Câmara Corporativa”, que seria alegadamente pago para atacar os adversários políticos de Sócrates e defender as virtudes dos seus governos) e Domingos Farinho (o ghost writer que terá escrito a tese de mestrado e o livro “A Confiança no Mundo” da autoria do ex-primeiro-ministro).
Dos 24 milhões de euros reunidos em duas contas na UBS abertas em nome das sociedades offshore Pinehill e Brickhust, foram transferidos para Portugal, entre outubro de 2010 e março de 2011, um total de cerca de 23,3 milhões de euros em valores mobiliários e dinheiro. Tudo ao abrigo do segundo Regime Excecional de Regularização Tributária aprovado pelo segundo governo Sócrates, tendo Santos Silva pago um imposto de 5% sobre o valor total transferido e beneficiado da amnistia fiscal.
O MP sustenta ainda que foi assinado uma espécie de testamento que Santos Silva fez quando abriu uma das suas várias contas na UBS – desta vez, em nome de uma offshore chamada Belino Foundation. De acordo com os documentos recolhidos pelo Ministério Público Federal da Suíça e enviados para o MP português, Santos Silva fez constar que, em caso de morte, 80% do saldo da conta onde foram reunidos cerca de 9,8 milhões do valor total depositado na UBS pertenceriam a José Paulo Pinto de Sousa como fiduciário (em representação) de José Sócrates.
Armando Vara e Vale do Lobo
O último tema que levou à imputação de um crime de corrupção a José Sócrates prende-se com um conjunto de empréstimos realizado pela Caixa Geral de Depósitos a um grupo de investidores liderados por Diogo Gaspar Ferreira e por Rui Horta e Costa para financiamento da aquisição do resort de luxo de Vale do Lobo.
Está em causa um financiamento (cerca de 256 milhões de euros) e entrada de capitais da própria Caixa Geral de Depósitos (CGD) na sociedade veículo Wolfpart (cerca de 28 milhões de euros) que ficou responsável por toda a operação. Então liderada por Carlos Santos Ferreira, que tinha Armando Vara como braço-direito, a CGD colocou cerca de 284 milhões de euros no projeto de expansão de Vale do Lobo. Isto quando os investidores (Helder Bataglia, Luís e Rui Horta e Costa, Pedro Ferreira Neto e Diogo Gaspar Ferreira reunidos na sociedade Turpart) entraram apenas com cerca de 6 milhões de euros de capitais próprios. As condições deste negócio, que indicavam claramente que o risco estava nas mãos do banco público, acabaram por revelar-se catastróficas para a Caixa, visto que a empresa que ficou com o resort com mais de 450 hectares numa zona do litoral algarvio deixou de pagar os diversos empréstimos contraídos junto do seu acionista desde 2009, a CGD.
Resultado: com os juros de mora, a dívida da empresa de Vale do Lobo à Caixa atingiu no final de 2016 cerca de 320,5 milhões de euros por conta de 11 operações de crédito – valor a que temos de acrescentar 37,3 milhões de euros de suprimentos realizados à Wolfpart. São 357,8 milhões de euros que a CGD tinha a receber à data de 31 de dezembro de 2016.
Qual foi a contrapartida? De acordo com o MP, José Sócrates e Armando Vara terão alegadamente dividido uma contrapartida de 2 milhões de euros.
Entre janeiro e abril de 2008, um empresário holandês chamado Jerome Van Dooren transferiu cerca de 2 milhões de euros, alegadamente a pedido de Diogo Gaspar Ferreira (igualmente acusado na Operação Marquês), para uma conta na UBS indicada por aquele gestor de Vale do Lobo, de forma a poder escolher o seu empreiteiro para a obra de construção de sua casa. A conta da UBS, sem que Van Dooren soubesse, pertencia a Joaquim Barroca.
Mais tarde, entre fevereiro e junho de 2008, os 2 milhões foram repartidos entre Carlos Santos Silva (a conta da Giffard Finance recebeu um milhão de euros da conta de Barroca) e Armando Vara, ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos (CGD).
Por todos estes indícios, o ex-primeiro-ministro José Sócrates foi acusado de três crimes de corrupção passiva de titular de cargo político, três crimes de branqueamento de capitais, 16 crimes de falsificação de documento e três crimes de fraude fiscal qualificada.
Pormenorizado o valor total reunido nas contas da Suíça abertas por Carlos Santos Silva (24.875.00 euros, em vez de 24 milhões de euros) e acrescentado um novo quarto parágrafo com os montantes totais que José Sócrates terá recebido do Grupo Lena e do seu primo José Paulo Pinto de Sousa.