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Russia-United States summit in Geneva
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Mikhail Metzel/TASS

Mikhail Metzel/TASS

Putin e Biden voltam a falar sobre a Ucrânia. Mas os tanques russos continuam na fronteira

Líderes fizeram prova de vida da diplomacia em telefonema de duas horas, mas houve apenas ameaça de mais sanções económicas. Donbass ainda está em guerra e há milhares de soldados na fronteira.

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A conversa durou duas horas. Joe Biden e Vladimir Putin estiveram a falar sobre a situação na Ucrânia, onde a tensão volta a subir de tom depois de os EUA garantirem que a Rússia mobilizou milhares de tropas para a fronteira. O comunicado divulgado por Washington após a conversa, porém, revela pouco — e do Kremlin não surgiu ainda qualquer reação.

Muito do que foi dito ao longo daquela vídeo-conferência entre os dois líderes é uma incógnita, à semelhança de tantas outras questões relacionadas com mais um pico de tensão sobre a Ucrânia. A Rússia juntou tropas na fronteira com que objetivo? Há o risco real de uma invasão? O que pretende o Kremlin com mais esta demonstração de força? Haverá alguma hipótese de o conflito em Donbass ter finalmente um fim? Foi mais um telefonema que não respondeu a estas questões e que sublinhou o caráter discreto (e lento) da diplomacia.

Russia's President Putin and US President Biden meet via video call

Vladimir Putin na chamada telefónica com Joe Biden desta terça-feira

Mikhail Metzel/POOL/TASS

Os americanos asseguram que o seu Presidente reiterou o apoio aos ucranianos e ameaçou com “mais medidas económicas” se os russos escalarem a situação. A conversa, porém, começou em tom amigável: “Cumprimentos, senhor Presidente”, disse Putin. “É bom vê-lo de novo”, respondeu Biden. O diálogo entre EUA e Rússia está vivo. Resta saber se está de boa saúde — e que impacto terá sobre os ucranianos.

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Tropas russas na fronteira ucraniana: um risco real de (mais) guerra?

Os serviços de informação norte-americanos garantem que a Rússia colocou recentemente 175 mil tropas na sua zona de fronteira com a Ucrânia, um aumento significativo de contingente militar que lança a dúvida: para quê?

Orysia Lutsevych, investigadora ucraniana da Chatham House, não tem dúvidas: “Não é bluff, Putin está preparado para usar força militar contra a Ucrânia. Já o fez antes.” Estar preparado não significa, porém, que o faça necessariamente: “Um dos seus cenários é a destabilização interna da própria Ucrânia. Um ataque militar direto será a sua arma ‘de último recurso’”, afirma ao Observador.

É esta a tónica da maioria dos que seguem de perto as ações do Kremlin: Moscovo não vai necessariamente invadir a Ucrânia, mas pode fazê-lo, e esse nunca é um cenário de excluir. É um dos instrumentos da chamada “diplomacia coerciva” que Putin gosta de usar, como classificou Gustav Gressel, do European Council of Foreign Relations, há apenas alguns dias.

O facto de a Rússia já o ter feito no passado —  em 2014, com a anexação da Crimeia e o envolvimento no conflito no leste da Ucrânia, em Donbass — torna a ameaça real, razão pela qual os EUA têm carregado no tom da ameaça: “A ameaça que existe é de uma nova agressão da Rússia à Ucrânia”, declarou o secretário de Estado norte-americano Anthony Blinken. Outros membros da NATO, porém, são mais cautelosos: uma análise da Comissão Europeia sobre o reforço de tropas na fronteira, a que o Politico teve acesso, prefere destacar a “falta de apoio logístico” que inviabilizaria uma invasão imediata e faz os diplomatas europeus dizerem que “não há risco imediato de uma invasão”.

Pro-Russian Rebels Regain Control Of Uglegorsk, Ukraine

A região de Donbass, no leste da Ucrânia, continua a ser palco de conflitos esporádicos entre o exército ucraniano e forças separatistas apoiadas pela Rússia

Getty Images

“Os EUA dizem que o comportamento da Rússia é imprevisível” e “a Rússia não explica o que está a fazer”, resume Oleg Ignatov, do Crisis Group, ao Observador. Essa incerteza gigante faz com que seja necessário tratar a situação com pinças. Para o investigador russo, a mobilização de tropas para a fronteira coloca em cima da mesa três cenários: um bluff total por parte de Moscovo (na tentativa de obter concessões diplomáticas), uma eventual preparação para uma situação de guerra, caso a Rússia sinta que não obteve o que deseja, ou guerra real, com uma invasão, e uma imposição dos termos por parte dos russos. “Continuo a achar que as duas primeiras hipóteses são mais prováveis”, afirma Ignatov.

Uma “correção histórica”, recuo da NATO ou jogada de risco? O que quer exatamente o Kremlin

Essa é a grande incógnita: ninguém sabe exatamente quais são os planos de Vladimir Putin e o que o leva a jogar agora esta cartada na fronteira ucraniana. Alguns dos especialistas mais experientes sobre a Rússia, como Steven Pfifer e Mike Galeotti, alertam mesmo que o próprio Presidente russo pode ainda ter todas as opções em aberto: “Esta administração russa não tende a funcionar em planos rígidos de longo-prazo que vão levar a um cheque-mate em 15 jogadas. Em vez disso, gera situações dinâmicas — o que muitas vezes significa romper com o statu quo — e cria oportunidades”, escrevia Galeotti há duas semanas.

“Putin está a lutar pela Ucrânia. O futuro do país é o principal dado em cima da mesa, a Rússia quer fechar qualquer caminho possível da Ucrânia para entrar na NATO ou na União Europeia.”
Oleg Ignatov, investigador do Crisis Group

Oportunidade como a chamada telefónica com Biden desta semana. Afinal, o primeiro encontro com o Presidente norte-americano, em Genebra (Suíça), em junho, surgiu precisamente na sequência de um reforço das tropas russas na fronteira com a Ucrânia durante a primavera deste ano. Para o Kremlin, o cálculo compensa: assustar o Ocidente com tanques leva os americanos a reconhecerem os russos como adversários reais e a sentarem-se à mesa com eles.

Mas sentar para quê? Oficialmente, Putin tem deixado claro que aquilo que o motiva é uma espécie de correção histórica: num artigo divulgado no verão passado, o Presidente russo deixou claro que considera que os ucranianos e os russos são “um único povo” e que a Ucrânia deveria ser parte da Rússia, tendo em conta os laços históricos que partilham. Ora, a seguir esta linha de raciocínio à risca, a mobilização de tropas por parte de Moscovo ganha outra relevância — e põe em causa não apenas a integridade territorial do leste da Ucrânia, mas de todo o país, como alertou à Radio Free Europe o jornalista russo Aleksei Venediktov.

Uma invasão total do país seria, porém, não só logisticamente difícil como, provavelmente, levaria a uma reação internacional sem precedentes. A ideia de ver tanques russos na Praça Maidan, em Kiev, é um cenário distante para a maioria dos analistas. A principal linha de orientação do Kremlin parece ser o objetivo de impedir aquilo que vê como um afastamento cada vez maior da Ucrânia da sua zona de influência e a maior integração do país no Ocidente: daí que, no artigo que escreveu, Putin sublinhe “a proteção e o controlo dos poderes ocidentais” sobre o país, nomeadamente através da NATO.

Russian President Vladimir Putin visits Sevastopol

Vladimir Putin invocou recentemente num artigo de opinião o argumento de que russos e ucranianos são "o mesmo povo"

Getty Images

A Putin desagradam os exercícios militares norte-americanos no Mar Negro e até o apoio de outros membros da NATO como a Turquia, que ainda recentemente vendeu armamento à Ucrânia — algo que o Presidente russo fez questão de abordar com o homólogo turco, Recep Tayyip Erdogan.

Independentemente da visão que o Kremlin tenha para o país, certo é que o quer o mais perto de si possível: “Putin está a lutar pela Ucrânia. O futuro do país é o principal dado em cima da mesa, a Rússia quer fechar qualquer caminho possível da Ucrânia para entrar na NATO ou na União Europeia”, resume Oleg Ignatov, do Crisis Group. Muito embora não haja sinais de nenhuma destas organizações de que a Ucrânia se possa juntar a elas num futuro próximo, Moscovo não quer deixar margem para dúvidas de que não vai aceitar nem um sinal nesse sentido.

Pânico em Kiev e uma acusação de tentativa de golpe de Estado

A partir da Ucrânia, os acontecimentos recentes são seguidos com preocupação. Apesar de haver bolsas pró-russas no leste do país, o arrastar do conflito militar tem feito aumentar a resistência a Moscovo entre a população: “A maioria da sociedade virou-se contra o governo russo. A Rússia até podia vir a vencer uma guerra com a Ucrânia, mas nunca conquistaria a paz”, aponta Oleg Ignatov, do Crisis Group.

Ideia reforçada pela ucraniana Orysia Lutsevych, da Chatham House, que fala em “mais de 60% da população” disposta a defender o país num caso de conflito militar. “Não seria pera doce para os russos”, resume ao Observador. “É óbvio que a Rússia é militarmente superior à Ucrânia, mas seria um país a defender-se com vantagem moral e o apoio do Ocidente.”

Esse apoio do Ocidente é aquilo que o governo de Kiev mais procura agora, depositando grande parte das suas esperanças em Biden — razão pela qual o seu Presidente, Volodymir Zelensky, falou ao telefone com o secretário de Estado americano na véspera do telefonema entre Biden e Putin.

German Foreign Minister Steinmeier in Ukraine

O Presidente ucraniano disse ter havido uma tentativa de golpe de Estado para tornar líder do país o empresário Rinat Akhmetov

picture alliance via Getty Image

Foi também por isso, creem alguns analistas, que fez uma tentativa desesperada de chamar a atenção para a situação no país há uma semana, quando disse que estava a ser planeada uma tentativa de golpe de Estado na Ucrânia a 1 dezembro, que colocaria como chefe de Estado o empresário Rinat Akhmetov, opositor do Presidente. O nome “Rússia” nunca foi pronunciado, mas ficou implícito. Lutsevych, porém, crê que ações como esta podem colocar a Ucrânia numa situação ainda mais periclitante: “Torna o país vulnerável e pode levar precisamente ao desfecho de desestabilização interna que Putin pretende”, avisa.

Entretanto, a guerra em Donbass continua. A intensidade é baixa, com conflitos esporádicos, mas não há qualquer sinal de que tenha um fim à vista. Os acordos de Minsk preveem, entre outras medidas, não só um cessar-fogo como a atribuição do controlo da fronteira às forças ucranianas — e essa é ainda uma realidade distante.

Sanções, sanções, sanções. EUA mantém estratégia

A administração Biden tem definido como seu principal desafio na política externa a relação com a China, razão pela qual a Rússia procura assumir relevância e assumir-se como país a quem Washington deve prestar mais atenção. “Putin quer testar se a Ucrânia é um interesse de base para os americanos e suspeita que não”, resume Orysia Lutsevych, da Chatham House, ao Observador.

A conversa desta terça-feira pode ter reforçado essa ideia. No comunicado, não há qualquer referência a apoio militar à Ucrânia, por exemplo — apenas uma referência de que os EUA e os aliados “responderão com medidas económicas fortes e de outro tipo, caso haja uma escalada militar”. Ou seja, na prática, os EUA ameaçaram a Rússia com mais sanções, mantendo a mesma política que têm aplicado até agora.

Em causa podem estar novas medidas para congelar bens de indivíduos e empresas russas, por exemplo, ou até, no limite, a expulsão da Rússia do sistema internacional de pagamentos bancários SWIFT. Essa foi uma possível medida levantada em público pela Letónia e que poderia incluir-se num pacote de sanções económicas.

“Putin quer testar se a Ucrânia é um interesse de base para os americanos e suspeita de que não seja.”
Orysia Lutsevych, investigadora da Chatham House

No telefonema, Biden apelou a um “fim da escalada” e a um “regresso à diplomacia”. O comunicado não explica de que forma pode a diplomacia funcionar. Os EUA, por exemplo, não fazem parte do formato Normandia, que envolve negociações entre a Ucrânia e a Rússia com a mediação da Alemanha e da França — não é claro se os EUA podem juntar-se a esta iniciativa ou abrir até algum fórum específico com a Rússia.

Em suma, em concreto, não parecem surgir grandes mudanças face ao statu quo. Os EUA reiteraram a sua posição de defesa à Ucrânia, mas não prometeram nada de novo. A conversa, porém, abriu com cumprimentos amigáveis entre os dois líderes e um desejo expresso do Presidente americano de manter o contacto — lamentando não terem conversado durante o G20 —, o que mostra que pode haver espaço ainda para o diálogo diplomático. Se tal será suficiente para fazer a Rússia recuar, é menos claro.

E o resto da Europa? Um problema chamado gás

Independentemente da posição norte-americana, fica por clarificar se os europeus estão dispostos a assumirem o mesmo nível de compromisso perante os ucranianos. Esta terça-feira, o novo chanceler alemão, Olaf Scholz, afirmou que uma invasão militar russa seria considerada uma linha vermelha para o novo governo alemão: “É muito importante que ninguém se ponha a mexer nos livros de História para tentar redefinir fronteiras”, disse, no que pode ser interpretado como uma resposta ao artigo de Putin do verão passado. “Temos de ser muito, muito claros a dizer que uma ameaça à Ucrânia seria inaceitável.”

Landing station for Nord Stream 2

O projeto do gasoduto Nord Stream 2 está atualmente suspenso por ordem do regulador alemão

dpa/picture alliance via Getty I

Em Washington, muitos congressistas defendem que Berlim deve ser mais consequente com essas palavras e acompanhá-las de medidas como o cancelamento do gasoduto Nord Stream 2, que fornecerá gás à Alemanha a partir da Rússia. O projeto está atualmente parado devido a uma decisão do regulador energético alemão, mas não é certo se o novo executivo de Scholz pretende avançar ou não.

O gasoduto é particularmente relevante nesta questão porque atravessará diretamente a Ucrânia e pode ser usado pelo governo russo para extrair concessões dos europeus — afinal, a Rússia já fornece 40% de todo o gás consumido pela Europa. Em outubro, Putin falou sobre o projeto e deu a entender que, caso avance, os preços do gás poderiam descer: “Posso dizer com certeza absoluta que a tensão no mercado europeu de energia iria certamente descer”, afirmou. Desde a suspensão do projeto que os preços do gás na Europa já subiram 17%, segundo a BBC.

Como conciliar interesses comerciais com posições de princípio face à Rússia será o grande desafio para a Europa e, em particular, para a Alemanha. Entretanto, as tropas russas continuam estacionadas perto da fronteira com a Ucrânia. E, quer haja vontade ou não, onde há tropas há sempre o risco de um acidente ou erro humano que pode levar a um confronto ou até uma guerra que ninguém — nem mesmo Putin, talvez — quer.

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