“O risco principal agora é sermos todos mortos. É algo bastante óbvio.” Leonid Volkov, um dos braços direitos de Alexei Navalny, o principal opositor ao regime russo que morreu no passado dia 16 de fevereiro numa colónia penal no Ártico, parecia adivinhar o futuro numa entrevista esta terça-feira ao jornal independente russo Meduza. Mesmo estando a residir atualmente na Lituânia, o antigo assessor advertia que o Presidente russo, Vladimir Putin, não mata quem se cruza no seu caminho “apenas dentro da Rússia”: “Também mata fora da Rússia”.
Ao final do noite desta terça-feira, no quintal de sua casa em Vilnius, o antigo aliado de Alexei Navalny estava no carro, quando alguém partiu a janela e disparou gás pimenta contra os seus olhos. O agressor usou depois um martelo para bater na perna de Leonid Volkov. Após o ataque, o homem de 43 anos recorreu às redes sociais para denunciar o que lhe tinha acontecido. “Queriam fazer bifes comigo”, ironizou. O também opositor foi levado para o hospital, mas ficou apenas com o braço partido e com algumas lesões na perna. “Dói a andar, mas não há qualquer fratura.”
A mulher de Leonid Volkov foi testemunha de tudo o que se passou. Na sua conta pessoal do X (antigo Twitter), Anna Biryukova partilhou a aflição que se sentiu naqueles momentos, devido a uma escolha que caracterizou como “asquerosa”: “Ou corria para ajudar o meu marido que estava a ser atacado, ou deixava as minhas crianças a dormir sozinhas”. “Não desejo isso a ninguém”, escreveu, para logo depois deixar uma garantia em relação à oposição contra o regime: “Vamos trabalhar ainda mais arduamente. E mais zangados”.
Num vídeo publicado nas redes sociais após ser atacado, Leonid Volkov igualmente assegurou que vai continuar a opor-se ao regime russo e não vai “desistir”, apesar das ameaças. O antigo braço de direito de Alexei Navalny, que organizou campanhas eleitorais, chegou a cumprimentar diretamente o Presidente — “olá, Vladimir Vladimirovitch Putin” —, não tendo dúvidas de que foi o chefe de Estado que esteve por trás do ataque. “É típico e característico de Putin, o gangster de São Petersburgo”, atirou o dissidente, numa referência à cidade em que nasceu o Presidente russo.
Após a morte do principal opositor ao regime, os seus aliados prometem não desistir. No entanto, mesmo que estejam no estrangeiro, receiam que este tipo de ataques se repitam. Não por acaso, o paradeiro de Yulia Navalnaya, mulher de Alexei, e dos seus dois filhos não é conhecido — sabe-se apenas que estão a viver fora da Rússia, não tendo regressado ao país sequer para o funeral. Ivan Zhdanov, antigo diretor da Fundação Anticorrupção, fundada por Alexei Navalny, deixou o aviso no X de que o Presidente russo vai agora “atrás” dos dissidentes “que deixaram a Federação Russa”.
Os perigos e a noção dos riscos do círculo mas próximo de Navalny
Todos aqueles que eram próximos de Alexei Navalny sabem que atualmente podem correr risco de vida — e o que aconteceu na terça-feira foi apenas uma confirmação de que o regime russo não olha a meios para terminar com qualquer resistência e oposição. Se por um lado realçam que nunca vão baixar os braços, por outro reconhecem que existem ameaças.
“Não importa quantas medidas de segurança tomemos, o número de recursos aplicados contra nós é sempre incomparavelmente maior”, assinala Ivan Zhdanov, que mantém, no entanto, uma visão otimista. “Há mais pessoas honestas. Há sempre alguém que vai colocar-se no nosso lugar”, frisa o opositor. Em contrapartida, aponta que há “diferente grupos” em redor do Presidente russo que estão dispostas a sujar as mãos para “lhe fazerem um favor e mostrarem que são fixes”.
Citado pelo jornal Politico, Mark Galeotti, analista especialista na Rússia, considera que esta tática russa não é propriamente uma novidade. “A mensagem é: se escolheres ser inimigo da pátria, então não podes ficar surpreendido da forma como a pátria lida contigo”, diz, indicando que é “muito fácil” para o regime russo “dar algum dinheiro a um bandido qualquer para que ele ataque alguém”.
No entender de Mark Galeotti, já não existe um “meio termo” para Vladimir Putin. Agora, ou se está a favor, ou se está contra o regime, como mostra o ataque contra Leonid Volkov. “É uma abordagem que Putin adotou”, tendo como pano fundo a ideia de que a “Rússia está em guerra contra o Ocidente”: “Todos os russos que não são patriotas [no entender do Presidente russo] são traidores”.
Por tudo isto, numa entrevista à Reuters estas terça-feira horas antes do ataque, Leonid Volkov sinalizou que a oposição russa estava a viver “tempos muitos sombrios e muito desafiantes”. Ainda assim, o opositor frisou que mantém uma “determinação muito forte” para continuar o trabalho de Alexei Navalny.
Devastado pela morte de Alexei Navalny — “não há ninguém como ele” —, Leonid Volkov considera que o trabalho do seu círculo mais próximo, independentemente das represálias que possa sofrer, é “continuar o seu legado”. Além disso, na entrevista à Reuters, o dissidente deixou críticas à forma frouxa como o Ocidente tem confrontado o Presidente russo. “Vejo consequências devastadoras? Não. O Ocidente consegue igualmente aplicar consequências devastadoras a Putin? Duvido”.
Lituânia investiga e garante: “Não temos medo de Putin”
As autoridades lituanas estão a investigar o caso e já apresentaram uma conclusão preliminar: que é “provável” que o ataque tenha sido organizado pela Rússia. Num comunicado do Departamento da Segurança do Estado da Lituânia, lê-se que o objetivo do Kremlin passaria por “travar a implementação de projetos da oposição russa”, algo que está conectado com “as eleições presidenciais russas antidemocráticas”.
Por sua vez, a ministra do Interior lituana, Agnė Bilotaitė, prevê que estas “provocações” possam mesmo “aumentar”, principalmente dias antes das eleições. Mas isso não aumenta o nível de insegurança da Lituânia: “Por agora, no que concerne ao nível de ameaça no nosso país, certamente não aumentou como resultado deste evento particular. As pessoas podem sentir-se seguras”.
Não obstante, o Presidente da Lituânia deixou bem claro. “Só posso dizer uma coisa a Putin — ninguém tem medo de si aqui”, avisou Gitanas Nausėda, que disse ser “claro” que não ninguém deve “ficar surpreendido” pelo ataque contra Leonid Volkov. “Eu quero tornar muito claro que as autoridades vão investigar e espero encontrar os culpados.”
Na mesma linha, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Lituânia, Gabrielius Landsbergis, atacou as “ameaças vazias” de Vladimir Putin que são expressão do seu “pânico”: “As suas palavras não nos devem assustar. Ele está assustado que todos um dia vejam que o imperador não usa roupas”.